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Document 62021CC0356

Conclusões da advogada-geral Ćapeta apresentadas em 8 de setembro de 2022.
J.K. contra TP S.A.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy dla m.st. Warszawy w Warszawie.
Reenvio prejudicial — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Diretiva 2000/78/CE — Artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e c) — Condições de acesso ao trabalho independente — Condições de emprego e de trabalho — Proibição de toda e qualquer discriminação em razão da orientação sexual — Trabalhador independente que trabalha com base num contrato de prestação de serviços — Resolução do contrato e sua não renovação — Liberdade de escolha do cocontratante.
Processo C-356/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:653

 CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

TAMARA ĆAPETA

apresentadas em 8 de setembro de 2022 ( 1 )

Processo C‑356/21

J.K.

contra

TP S.A.,

sendo interveniente:

PTPA

[Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy dla m.st. Warszawy w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia Capital, Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Diretiva 2000/78/CE — Artigo 3.o — Proibição de toda e qualquer discriminação em razão da orientação sexual — Pessoa que exerce uma atividade profissional independente — Recusa de renovação de um contrato»

I. Introdução

1.

Ao fim de sete anos de uma relação de trabalho baseada em contratos sucessivos de curta duração, a TP, uma estação pública de televisão, recusou a celebração de um novo contrato de prestação de serviços de edição com J.K. devido à sua orientação sexual ( 2 ).

2.

Pode J.K., enquanto pessoa que exerce uma atividade profissional independente, beneficiar de proteção contra a discriminação em razão da sua orientação sexual nos termos da Diretiva 2000/78?

3.

No pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy dla m.st. Warszawy w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia Capital, Polónia), a questão principal que o Tribunal de Justiça é chamado a clarificar incide sobre o âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78.

4.

A outra problemática suscitada pelo reenvio prejudicial diz respeito à articulação entre a proibição de discriminação e a liberdade contratual. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a conformidade com a Diretiva 2000/78 de uma disposição de direito nacional que permite ter em conta a orientação sexual como critério de escolha do cocontratante a fim de celebrar um contrato.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

5.

O artigo 1.o da Diretiva 2000/78 (sob a epígrafe «Objeto») dispõe que esta tem por objeto «estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».

6.

O artigo 2.o da referida diretiva (sob a epígrafe «Conceito de discriminação») dispõe:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

[…]

5.   A presente diretiva não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

7.

Nos termos do artigo 3.o, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação»:

«1.   Dentro dos limites das competências atribuídas à [UE], a presente diretiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

a)

Às condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à atividade profissional, incluindo os critérios de seleção e as condições de contratação, seja qual for o ramo de atividade e a todos os níveis da hierarquia profissional, incluindo em matéria de promoção;

[…]

c)

Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração;

[…]»

B.   Direito polaco

8.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Ustawa o wdrożeniu niektórych przepisów prawa Unii Europejskiej w zakresie równego traktowania (Lei de Transposição de Certas Disposições do Direito da União Europeia em Matéria de Igualdade de Tratamento) de 3 de dezembro de 2010) [Dz. U. de 2020, rubrica 2156 — versão consolidada] (a seguir «Lei da Igualdade de Tratamento Polaca»), tal «lei aplica‑se às pessoas singulares, bem como às pessoas coletivas e aos organismos que não sejam pessoas coletivas aos quais a lei reconhece capacidade jurídica».

9.

Mais precisamente, o artigo 4.o, n.o 2, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca refere que esta lei se aplica «às condições de acesso e de exercício de uma atividade económica ou profissional, nomeadamente no âmbito de uma relação de trabalho ou de um trabalho ao abrigo de um contrato de direito civil».

10.

O artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca dispõe que esta lei não se aplica «à liberdade de escolha de uma das partes num contrato, desde que não se baseie no sexo, raça, origem étnica ou nacionalidade».

11.

Segundo o artigo 8.o da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca:

«1.   É proibida a discriminação das pessoas singulares em razão do sexo, raça, origem étnica, nacionalidade, religião, crença, convicções, deficiência, idade ou orientação sexual, no que diz respeito:

[…]

2)

às condições de acesso e exercício de uma atividade económica ou profissional, nomeadamente no âmbito de uma relação de trabalho ou de um trabalho ao abrigo de um contrato de direito civil.

[…]»

12.

O artigo 13.o da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca tem a seguinte redação:

«1.   Qualquer pessoa que tenha sido vítima de uma violação do princípio da igualdade de tratamento tem direito a uma indemnização.

2.   Em caso de violação do princípio da igualdade de tratamento, são aplicáveis as disposições da [ustawa — Kodeks cywilny (Lei que institui o Código Civil), de 23 de abril de 1964].»

III. Litígio no processo principal e questão prejudicial

13.

Entre 2010 e 2017, J.K. celebrou vários contratos sucessivos de curta duração «no exercício de uma atividade profissional a título independente» com a TP, uma sociedade que explora uma estação de televisão pública nacional na Polónia e cujo único acionista é o Tesouro Público.

14.

Com base nesses contratos, os serviços prestados por J.K. incluíam a preparação de materiais, como a edição e montagem de programas, trailers e editoriais, que posteriormente eram utilizados em materiais de autopromoção da estação televisiva. J.K. exercia as suas funções na unidade organizativa interna da estação — a Redakcja Oprawy i Promocji Programu 1 (Redação de Operação e Promoção do Canal 1), cujo diretor era W.S. No âmbito dos contratos de prestação de serviços, J.K. efetuava turnos semanais durante os quais preparava o conteúdo para programas de autopromoção da estação. W.S., que era o seu superior direto, atribuía turnos a J.K. e a uma outra jornalista que exercia as mesmas atividades de forma que cada um deles trabalhasse, por mês, dois turnos de uma semana.

15.

A partir de agosto de 2017, estava prevista uma reorganização das estruturas internas da TP, no âmbito da qual as funções de J.K. seriam afetas a uma unidade recém‑criada, a Agencja Kreacji Oprawy i Reklamy (Agência de Criação, Publicidade e Operação). Foram designados dois novos empregados para levar a cabo a reorganização e avaliar os colaboradores que seriam afetos à nova agência.

16.

Nas reuniões realizadas em final de outubro e início de novembro de 2017, nas quais esteve presente um dos novos empregados responsáveis pela reorganização, J.K. recebeu uma avaliação positiva, constando da lista dos colaboradores que tinham sido aprovados no processo de avaliação.

17.

Em 20 de novembro de 2017, J.K. e a TP celebraram um contrato de prestação de serviços pelo período de um mês.

18.

Em 29 de novembro de 2017, J.K. recebeu o seu horário de trabalho para o mês de dezembro de 2017 que previa no total uma quinzena de trabalho, com a primeira semana a começar em 7 de dezembro de 2017 e a segunda em 21 de dezembro de 2017.

19.

Em 4 de dezembro de 2017, J.K. e o seu companheiro publicaram no seu canal do YouTube um videoclipe natalício destinado a promover a tolerância para com os casais homossexuais.

20.

Dois dias mais tarde, em 6 de dezembro de 2017, J.K. recebeu um correio eletrónico da TP informando‑o do cancelamento do seu turno, que devia começar em 7 de dezembro de 2017.

21.

Em 20 de dezembro de 2017, J.K. foi informado de que também não seria necessário apresentar‑se para o turno com início previsto para 21 de dezembro de 2017. Assim, não trabalhou nenhum turno em dezembro de 2017 conforme convencionado, nem foi, conforme precisado na audiência, pago pelos serviços contratados.

22.

Por último, não foi celebrado um novo contrato para o período seguinte (janeiro de 2018) entre J.K. e a TP. Segundo o pedido de decisão prejudicial, a decisão de pôr termo à colaboração com J.K. foi tomada pelas pessoas responsáveis pela reorganização.

23.

Por petição apresentada no órgão jurisdicional de reenvio, o Sąd Rejonowy dla m.st. Warszawy w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia Capital), J.K. pede a condenação da TP no pagamento de uma quantia de 47924,92 zlótis polacos (PLN) (aproximadamente 10130 euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados a contar da data da instauração da ação até à data em que seja efetuado o pagamento. Assim, o montante de 35943,69 PLN (cerca de 7600 euros) é reclamado a título de indemnização e o montante de 11981,23 PLN (aproximadamente 2530 euros) a título de reparação do dano não patrimonial sofrido por violação do princípio da igualdade de tratamento em razão da orientação sexual, sob a forma de discriminação direta no que respeita às condições de acesso e de exercício de uma atividade profissional no âmbito de um contrato de direito civil.

24.

Como fundamento da ação, J.K. sustenta que foi vítima de discriminação direta por parte da TP devido à sua orientação sexual. Alega que a causa provável do cancelamento dos períodos de serviço e da cessação da relação de trabalho com a TP foi a publicação no YouTube do referido videoclipe natalício.

25.

A TP pede que a ação seja julgada improcedente com o fundamento de que nem a sua propositura nem a lei garantem a renovação de contratos comerciais.

26.

O órgão jurisdicional de reenvio explica que não é claro em que medida os trabalhadores que exercem atividade profissional independente estão abrangidas pela proteção da Diretiva 2000/78. Manifesta igualmente dúvidas quanto à compatibilidade com esta diretiva do artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca, que o referido órgão jurisdicional considera aplicável às circunstâncias do caso em apreço.

27.

Nestas condições, o Sąd Rejonowy dla m.st. Warszawy w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e c), da [Diretiva 2000/78] ser interpretado no sentido de que permite excluir do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 e, consequentemente, excluir igualmente da aplicação das sanções estabelecidas no direito nacional com base no artigo 17.o [dessa diretiva], a liberdade de escolha de uma parte num contrato, desde que não se baseie no sexo, na raça, na origem étnica ou na nacionalidade, numa situação em que a discriminação se manifesta pela recusa em celebrar um contrato de direito civil nos termos do qual uma pessoa singular que exerce uma atividade profissional independente deve prestar um trabalho, e essa recusa se baseia na orientação sexual do potencial contratante?»

28.

Foram apresentadas observações escritas por J.K., pelos Governos belga, neerlandês, polaco e português, bem como pela Comissão Europeia. J.K, o Governo polaco e a Comissão foram ouvidos em alegações na audiência realizada em 31 de maio de 2022.

IV. Análise

29.

Depreendo que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se o artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca deve ser obrigatoriamente aplicado no tocante à apreciação da questão de saber se a TP deve indemnizar J.K. por discriminação em razão da sua orientação sexual.

30.

Nos termos do direito da União, tal depende da aplicabilidade da Diretiva 2000/78. Se J.K. puder invocar o artigo 3.o dessa diretiva para excluir a possibilidade de a TP ter em consideração a sua orientação sexual como razão para não celebrarem um contrato, o órgão jurisdicional de reenvio será obrigado a anular o artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca na sua decisão.

31.

A questão pertinente que se coloca, portanto, é a de saber se a recusa de celebração de um contrato devido à orientação sexual de um potencial contratante se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 e, mais especificamente, se tal contrato constitui uma condição «de acesso ao […] trabalho independente», tal como previsto no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva.

32.

Dadas as especificidades do presente processo, uma disposição pertinente que também pode ser aplicável é o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78.

33.

Procederei, portanto, da seguinte forma. Em primeiro lugar, analisarei se o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78 abrange situações como a do caso em apreço (A). A este respeito, explicarei como deve ser entendido o conceito de trabalho independente utilizado por esta disposição e de que forma deve ser delimitado, sendo caso disso, da noção de fornecimento de bens e prestação de serviços. Em seguida, argumentarei que a celebração de um contrato específico se enquadra na expressão «condições de acesso ao […] trabalho independente» do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78. Na secção seguinte, no ponto B, analisarei brevemente a questão de saber se o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva é aplicável ao caso vertente, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio também invocou esta disposição na sua questão conforme submetida. Após constatar que ambas as disposições são aplicáveis, analisarei se a liberdade contratual, conforme consagrada no artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca, permite excluir a aplicação da Diretiva 2000/78 (C) e, em caso negativo, quais as consequências para o artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca e quais as obrigações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio por força do direito da União (D).

A.   Quanto à aplicabilidade do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78

34.

Nos termos do seu artigo 3.o, n.o 1, alínea a), a Diretiva 2000/78 aplica‑se «às condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à atividade profissional».

35.

Assim, esta disposição refere‑se expressamente aos trabalhadores que exercem uma atividade profissional independente. Nenhuma das partes no presente processo contestou o facto de J.K. poder ser considerado trabalhador independente. Por que razão surge, então, a questão da aplicabilidade desta disposição?

36.

Em primeiro lugar, como o órgão jurisdicional de reenvio referiu no seu despacho de reenvio, o conceito de «trabalho independente», conforme empregado na Diretiva 2000/78, ainda não foi clarificado pelo Tribunal de Justiça. Uma vez que esta diretiva não remete para o direito dos Estados‑Membros, tal conceito deve ser interpretado como um conceito autónomo do direito da União, cujo sentido e alcance cabe, efetivamente, ao Tribunal de Justiça precisar ( 3 ). O presente pedido de decisão prejudicial dá, portanto, ao Tribunal de Justiça essa possibilidade.

37.

Em segundo lugar, o Governo polaco alega que, mesmo que J.K. tenha o estatuto de trabalhador independente, a celebração de um contrato com uma tal pessoa não constitui condição de acesso ao trabalho independente.

38.

Por conseguinte, começarei por explicar que, na minha opinião, o «trabalho independente», tal como definido na Diretiva 2000/78, compreende o fornecimento de bens e a prestação de serviços quando estes são produto do trabalho exercido pessoalmente pelo fornecedor ou prestador. Em seguida, explicarei que, para um trabalhador independente, a celebração de um contrato com uma pessoa a quem presta trabalho exercido pessoalmente é uma condição de acesso ao trabalho independente. Ambas as explicações permitem concluir que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78 é aplicável a uma situação como a do caso em apreço.

1. Conceito de trabalho independente na Diretiva 2000/78

39.

A Diretiva 2000/78 não define o conceito de «trabalho independente».

40.

A doutrina observou que o trabalho independente é frequentemente encarado como uma categoria residual, «uma espécie de depósito sanitário conceptual onde são descartadas todas as relações de trabalho que não se encaixam no (frequentemente rígido) molde do trabalho subordinado» ( 4 ). Assim, no âmbito de uma divisão binária do trabalho, um trabalhador exerce uma atividade profissional por conta de outrem ou por conta própria ( 5 ).

41.

Mas e se o trabalho de uma pessoa puder ao mesmo tempo ser classificado como fornecimento de bens ou prestação de serviços a terceiros? Uma pessoa que, por exemplo, se compromete, mediante remuneração, a limpar o apartamento de alguém ou a fazer um bolo para uma festa de aniversário, está a prestar um serviço (limpeza) ou a fornecer um bem (bolo) através do seu trabalho. Se é assim que estas pessoas ganham a sua subsistência, podemos pensar nelas simultaneamente como trabalhadores independentes e como fornecedores de bens ou prestadores de serviços. Enquanto destinatários dos seus bens ou serviços, «estaremos a adquirir» simultaneamente o seu trabalho e o produto final desse trabalho.

42.

Neste caso, tais prestadores estão abrangidos pelo conceito de «trabalho independente», conforme estabelecido na Diretiva 2000/78?

43.

Antes de prosseguir, convém abrir um parêntese para explicar por que razão a questão da delimitação entre trabalho independente e fornecimento de bens e serviços surge no âmbito da Diretiva 2000/78.

44.

Esta é uma das diretivas adotadas com base no atual artigo 19.o TFUE ( 6 ), que atribuiu à União Europeia competência para lutar contra a discriminação. A Diretiva 2000/78 proíbe toda e qualquer discriminação em razão, nomeadamente, da orientação sexual ( 7 ). Todavia, esta diretiva não pode ( 8 ) e aliás nem pretende lutar de maneira geral contra a discriminação com base em razões proibidas. O legislador da União limitou o «campo de batalha» desta diretiva ao domínio do «emprego e [da] atividade profissional». ( 9 )

45.

Ao mesmo tempo, desde 2008, encontra‑se em trâmites legislativos a nível da União a proposta de uma outra diretiva ( 10 ). Esta diretiva, quando (e se) for adotada ( 11 ), terá por objetivo lutar contra a discriminação baseada nas mesmas razões proibidas que as visadas pela Diretiva 2000/78 no referido domínio; inter alia, como o do «acesso a bens e serviços e respetivo fornecimento e prestação». É, pois, manifesto que o legislador da UE (ainda) não regulamentou o «acesso a bens e serviços e respetivo fornecimento e prestação» para proibir a discriminação em razão da orientação sexual.

46.

O facto de tal proposta legislativa utilizar a expressão «acesso a bens e serviços e respetivo fornecimento e prestação» exclui a possibilidade de os fornecedores de bens ou os prestadores de serviços resultantes do seu trabalho exercido pessoalmente serem abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78? Penso que não.

47.

A Diretiva 2000/78 não refere adiante no seu texto o que se entende por «emprego e atividade profissional», tampouco a proposta de nova diretiva o faz em relação ao «acesso a bens e serviços e respetivo fornecimento e prestação» ( 12 ). Além disso, o Tribunal de Justiça ainda não definiu estes conceitos, nem se pronunciou sobre a sua utilização na Diretiva 2000/43 ( 13 ) que, contrariamente à Diretiva 2000/78, abrange tanto o «emprego e a atividade profissional» como o «acesso a bens e serviços e respetivo fornecimento e prestação» ( 14 ).

48.

Considero que a resposta à questão de saber se uma pessoa que exerce o seu trabalho através do fornecimento de bens e a prestação de serviços é um trabalhador independente, conforme previsto no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78, depende da interpretação do que se entende por «emprego e atividade profissional», uma vez que este conceito descreve o âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78. Se tal conceito abranger o fornecimento de bens e a prestação de serviços resultante do trabalho exercido pessoalmente no âmbito de uma atividade independente, a utilização do conceito «fornecimento de bens e prestação de serviços» da proposta legislativa (sem nenhuma intenção de prejudicar a sua interpretação) não exclui a aplicação da Diretiva 2000/78 a esses trabalhadores independentes.

49.

O que se deve (ou não) entender, portanto, pelo conceito de «emprego e atividade profissional»?

a) Conceito de «emprego e atividade profissional»

50.

Nos termos do artigo 1.o, a Diretiva 2000/78 tem por objetivo lutar contra a discriminação com base nas razões enunciadas no que se refere «ao emprego e à atividade profissional».

51.

O legislador da União não precisou o que se deve entender por estes conceitos. No entanto, vários dos considerandos da Diretiva 2000/78 dão algumas indicações. O considerando 4 desta diretiva remete para a Convenção n.o 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que também utiliza esta redação. A convenção proíbe a discriminação em matéria de emprego e atividade profissional entendida como abrangendo «todos os trabalhadores», incluindo os que exercem uma atividade independente ( 15 ).

52.

O considerando 9 da Diretiva 2000/78 refere que «[o] emprego e a atividade profissional são elementos importantes para garantir a igualdade de oportunidades para todos e muito contribuem para promover a plena participação dos cidadãos na vida económica, cultural e social, bem como o seu desenvolvimento pessoal».

53.

Estes dois considerandos ( 16 ) sugerem que a Diretiva 2000/78 visa proteger todas as pessoas que participam na sociedade através da prestação do seu trabalho.

54.

A jurisprudência acolhe esta interpretação. Nas Conclusões apresentadas no processo HK, o advogado‑geral J. Richard de la Tour considerou que «[o] objetivo dessa diretiva é eliminar, por razões de interesse social e público, todos os obstáculos baseados em motivos discriminatórios ao acesso aos meios de subsistência e à capacidade de contribuir para a sociedade através do trabalho, independentemente da forma jurídica sob a qual esse trabalho é prestado» ( 17 ). Este ponto de vista foi subscrito pelo Tribunal de Justiça no seu recente Acórdão HK ( 18 ).

55.

Concordo plenamente. O objeto da Diretiva 2000/78 pode ser interpretado no sentido de proibir a discriminação com base, nomeadamente, na orientação sexual de uma pessoa no âmbito da sua vida profissional ( 19 ). Ao abranger o domínio do «emprego e da atividade profissional», visa permitir que os cidadãos explorem o seu potencial e tenham meios de subsistência através do seu trabalho.

56.

Esta importância do trabalho para a realização pessoal é reconhecida pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). O artigo 15.o, n.o 1, dispõe que todas as pessoas têm o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite ( 20 ).

57.

A Diretiva 2000/78 tem, assim, por objetivo proteger contra a discriminação as pessoas que trabalham e o seu artigo 3.o, n.o 1, alínea a), visa permitir o acesso não discriminatório ao trabalho.

58.

O que se deve entender por «trabalho» de forma a determinar o âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78? A jurisprudência recente confirmou que o âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado de forma ampla ( 21 ) e que não está limitado apenas às condições de acesso aos lugares ocupados por «trabalhadores», na aceção do artigo 45.o TFUE ( 22 ).

59.

Por conseguinte, ao proteger quem trabalha, a Diretiva 2000/78 não visa apenas os «trabalhadores» na aceção do direito da livre circulação ou do direito derivado adotado com base no artigo 153.o TFUE ( 23 ). Mesmo se a Diretiva 2000/78 vai além dos «trabalhadores», na aceção do artigo 45.o TFUE, estes estão evidentemente, também abrangidos ( 24 ).

60.

O século XXI exige uma conceção mais ampla da pessoa que trabalha ( 25 ). Hoje em dia, uma pessoa que trabalha é alguém que investe o seu próprio tempo, os seus conhecimentos, as suas competências, a sua energia e, frequentemente, o seu entusiasmo, para prestar um serviço ou criar um produto para outra pessoa, e não para si mesma (em princípio) mediante promessa de remuneração.

61.

Com efeito, a Diretiva 2000/78 visa facilitar o acesso a todo o tipo de trabalho isento de discriminação, exercido como meio de subsistência, nas mais diversas formas de oferta de trabalho. Entendido desta forma o objeto da Diretiva 2000/78, não se justifica, como explicarei a seguir, excluir do seu âmbito de aplicação o trabalho independente que consiste no fornecimento de bens ou na prestação de serviços qualquer que seja a forma legalmente disponível.

b) Diversidade de trabalho e razões pelas quais o fornecimento de bens ou a prestação de serviços não podem ser excluídos da Diretiva 2000/78

62.

A noção de trabalho refere‑se tanto à atividade em si quanto ao resultado dessa atividade ( 26 ). Para efeitos de aplicação da legislação contra a discriminação em matéria de «emprego e atividade profissional», é indiferente se um trabalhador entrega antecipadamente o resultado do seu trabalho ao respetivo destinatário, como acontece no tipo clássico de relação de trabalho, ou se o disponibiliza posteriormente na forma de um bem ou um serviço. Em ambos os casos, o trabalhador ganha o seu sustento e participa na sociedade por meio do seu trabalho exercido pessoalmente.

63.

O mesmo trabalho pode ser prestado de várias formas, ainda que o emprego tradicional, entendido como o trabalho a tempo inteiro, com duração indeterminada e integrado numa relação de trabalho subordinada e bilateral ( 27 ), continue a representar o modelo mais comum. No entanto, as formas atípicas de trabalho aumentaram ( 28 ), causando fragmentação no mercado de trabalho ( 29 ) e impondo novos desafios regulamentares ( 30 ).

64.

Uma pessoa pode ganhar o seu sustento trabalhando apenas para um ou então para vários «empregadores»; por períodos de tempo mais longos ou mais curtos; a tempo parcial ou unicamente sazonal; num único local ou em diferentes lugares; utilizando as suas próprias ferramentas ou as de outra pessoa. Do mesmo modo, o trabalho pode ser acordado com base no tempo (por exemplo, 20 horas por mês) ou com base nas tarefas a serem executadas (por exemplo, pintar as seis paredes de branco) ( 31 ).

65.

Existem, portanto, diferentes maneiras de uma pessoa realizar o mesmo trabalho. Isso também significa que o mesmo trabalho pode ser prestado ao abrigo de diferentes quadros legais. O quadro legal aplicável a um determinado tipo de trabalho disponível pode diferir de um Estado‑Membro para outro.

66.

Esses diferentes quadros legais não devem, portanto, ser relevantes para a aplicação da Diretiva 2000/78. O que é importante para a sua aplicação é que uma pessoa exerça pessoalmente um trabalho, independentemente da forma jurídica sob a qual o trabalho é prestado.

67.

O conceito de «trabalho exercido pessoalmente» foi desenvolvido no domínio do direito do trabalho como reação à fragmentação do trabalho, em razão da qual muitos indivíduos foram excluídos da proteção do direito do trabalho por não se enquadrarem na interpretação convencional do conceito de «empregado» ( 32 ). Assim, o trabalho exercido pessoalmente foi proposto como critério de determinação dos trabalhadores que efetivamente beneficiam de direitos laborais.

68.

No entanto, os advogados de direito do trabalho geralmente incluem no âmbito da legislação laboral todos os trabalhadores que prestam serviços pessoalmente, mas excluem aqueles que «exercem efetivamente atividade por conta própria» ( 33 ).

69.

Na minha opinião, a legislação contra a discriminação da União deve basear‑se numa visão ainda mais ampla do conceito de trabalho exercido pessoalmente, que não exclua as atividades ( 34 ) em que o empresário presta o seu trabalho pessoalmente.

70.

A razão para tal decorre dos diferentes objetivos da legislação laboral e contra a discriminação.

71.

A legislação laboral (que tem o artigo 153.o TFUE como base legal na União) visa proteger o trabalhador da pessoa a quem fornece bens ou presta serviços, na hipótese de se encontrar numa posição subordinada e, portanto, de inferioridade nessa relação de trabalho.

72.

A Diretiva 2000/78, adotada com base no atual artigo 19.o TFUE, prossegue um objetivo diferente ( 35 ). Trata‑se de um instrumento que permite criar oportunidades iguais de trabalho para todos. Esta igualdade de oportunidades exige que o acesso de uma pessoa ao trabalho não seja limitado, entre outras coisas, pela sua orientação sexual. A aplicação da Diretiva 2000/78 deverá, por conseguinte, implicar que qualquer pessoa ou empresa que pretenda adquirir trabalho ignore as características de um potencial prestador de trabalho relativamente ao qual é proibido discriminar, nomeadamente em razão da sua orientação sexual.

73.

É por isso que o fornecimento de bens e a prestação serviços como forma de trabalho exercido pessoalmente não pode ser excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78.

74.

Passo a explicar o que pretendo dizer com base num exemplo. Uma pessoa com competências na área da informática pode criar, por exemplo, um software que utiliza algoritmos para a aprendizagem automática. A primeira opção de como essa pessoa pode prestar um trabalho para o qual é qualificada passa por ser contratada, com base num contrato de trabalho a tempo inteiro, por uma empresa de desenvolvimento de software.

75.

No entanto, essa mesma pessoa pode achar insatisfatório trabalhar apenas para uma empresa. Portanto, pode decidir tentar disponibilizar o mesmo trabalho independente a várias empresas. Pode, por exemplo, procurar estabelecer uma relação estável com uma empresa para ter a certeza de obter regularmente uma remuneração. Tal pode ser feito com base num contrato para fornecer bens e prestar serviços específicos (por exemplo, criação de algoritmos de aprendizagem automática personalizados, manutenção do software da empresa e formação do seu pessoal sobre a forma de o utilizar). Tal contrato pode ser celebrado por um determinado período de tempo, digamos um ano, e ser renovado anualmente. Ao mesmo tempo, a pessoa em causa tentará encontrar outras empresas que possam precisar do seu trabalho. Com essas outras empresas, ou particulares, só poderá celebrar um contrato específico para desenvolver os algoritmos de aprendizagem automática de que necessitam.

76.

Na qualidade de trabalhador independente, teria, portanto, vários tipos de relações contratuais. O primeiro tipo, baseado no contrato de prestação de serviços que disponibiliza durante um certo número de horas por mês ou por ano, e outros tipos, baseados em contratos de produto final, nomeadamente software ajustado às necessidades de um determinado cliente. Todo o trabalho descrito acima pode ser feito com base em contratos de fornecimento de bens ou prestação de serviços celebrados individualmente com o especialista informático em questão. No entanto, o mesmo especialista informático também pode decidir criar uma empresa e vender o seu trabalho por meio dessa empresa.

77.

Por exemplo, em alguns Estados‑Membros, podem ser proibidos os contratos individuais sucessivos de prestação de serviços com a mesma empresa. Isso pode até resultar da aplicação da legislação laboral da União destinada a garantir aos trabalhadores contratos de trabalho a termo mais seguros ( 36 ). No entanto, o nosso especialista informático não pretende ser empregado. A empresa para a qual trabalha com base em contratos sucessivos de um ano de prestação de serviços também não tem incentivos para o contratar, mas deseja, por outro lado, continuar a colaboração. Em tal situação, o nosso especialista informático pode decidir criar a sua própria empresa. Poderia assim continuar a disponibilizar o seu trabalho a essa mesma empresa através da sua própria empresa sem acionar a legislação que proíbe os contratos sucessivos de prestação de serviços por tempo limitado.

78.

Em todas as variações descritas no exemplo acima, o especialista informático prestava o mesmo tipo de trabalho e as empresas ou particulares com quem celebrou contratos atenderam à mesma necessidade de trabalho.

79.

No entanto, pode‑se argumentar de que o contrato celebrado com a pessoa é efetivamente uma forma de trabalho independente, enquanto o contrato celebrado com a sua empresa não o é, porque se trata de fornecimento de bens ou de prestação de serviços. No primeiro caso, o potencial «empregador» compra o seu «trabalho» e, no segundo, os seus «bens» ou «serviços».

80.

À luz da Diretiva 2000/78, que visa proteger o direito das pessoas a participar na sociedade e obter meios de subsistência através do trabalho exercido pessoalmente, existe realmente alguma diferença? A recusa de uma empresa em celebrar um contrato com o nosso hipotético especialista informático pelo facto de ser homossexual (ou ter uma determinada religião, ou não ter a idade certa), ou porque possui qualquer outra característica proibida que não tenha nada a ver com a sua capacidade de criar um software de aprendizagem automática, impede o seu acesso a esse trabalho específico e, portanto, limita o seu acesso ao trabalho.

81.

Não há problema em aceitar que tal discriminação não deve ser permitida se essa pessoa estiver à procura de emprego tradicional. Por que razão não se aplica o mesmo em todas as outras situações em que a pessoa disponibiliza o seu trabalho com base em contratos de fornecimento de bens ou prestação de serviços celebrados enquanto pessoa, ou com base em contratos de fornecimento de bens ou prestação de serviços celebrados com a sua empresa, mas através do seu trabalho exercido pessoalmente?

82.

Essencialmente, tanto do ponto de vista da pessoa que presta o trabalho como do ponto de vista de uma empresa que contrata o seu trabalho exercido pessoalmente, não há diferença. A pessoa em causa presta o trabalho que outra pessoa precisa. Excluir algumas destas situações do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78, que visa permitir o acesso sem discriminação aos meios de subsistência e a capacidade de contribuir para a sociedade através do trabalho, independentemente da forma jurídica em que seja prestado ( 37 ), não me parece corresponder aos objetivos desta diretiva

83.

É indiferente para a aplicação da legislação contra a discriminação que uma pessoa que presta trabalho seja simultaneamente uma empresa e, portanto, se encontre numa posição horizontal, e não subordinada, em relação a um potencial «empregador» ( 38 ). Afinal, em certos sistemas jurídicos, pelo menos em algumas profissões, os trabalhadores independentes são obrigados a registar‑se como uma empresa, ou pelo menos geralmente são organizados de tal forma.

84.

Um exemplo é o dos agentes comerciais. As relações entre os agentes comerciais e os respetivos comitentes são business‑to‑business (de empresa para empresa). No entanto, na maioria dos casos, os agentes comerciais são trabalhadores independentes que são, ao mesmo tempo, os únicos proprietários de empresas ou de pequenas e médias empresas (PME) ( 39 ). Pode um potencial comitente recusar‑se a celebrar um contrato com um agente comercial apenas por ter uma determinada orientação sexual? Não seria essa recusa abrangida pela Diretiva 2000/78?

85.

Por último, se o fornecimento pessoal de bens e a prestação de serviços forem excluídos do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78, isso permitiria às empresas ou particulares que exijam a realização de determinados trabalhos de forma a contornar a proibição de discriminação optando por «comprar» bens ou serviços em vez de contratar um prestador de serviços. Tal, como sustenta J.K. e a Comissão, seria contrário ao efeito útil desta diretiva.

86.

Se a discriminação deve ser proibida pelas razões enumerados no que diz respeito ao acesso ao trabalho, o fornecimento de bens e a prestação de serviços não podem, portanto, ser excluídos do conceito de trabalho independente constante do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78, desde que um prestador de serviços disponibilize o seu trabalho exercido pessoalmente para a obtenção de meios de subsistência.

87.

Conforme resulta das circunstâncias do presente processo, a TP precisava dos serviços de um editor. Essa estação de televisão considerou, por razões não reveladas (pode ter sido mais barato), que era preferível comprar serviços de edição a um contratante independente a contratar um. Para outra estação de televisão, esse cálculo poderia ter sido diferente – poderia ser mais barato, ou menos arriscado, contratar um editor em tempo parcial ou a tempo inteiro. Não vejo qualquer justificação razoável para que a Diretiva 2000/78 seja interpretada como proibindo a estação de televisão de considerar a orientação sexual ao contratar o editor e não ao contratar os seus serviços, diretamente ou através da sua empresa. Tanto do ponto de vista da estação quanto do editor, a situação é substancialmente a mesma: a estação adquiriu os serviços de edição de que necessita e o editor disponibilizou o seu trabalho exercido pessoalmente.

Conclusão provisória

88.

O conceito de «trabalho independente», na aceção da Diretiva 2000/78, abrange o fornecimento de bens e a prestação de serviços quando o prestador exerce uma atividade profissional a título pessoal. Em tal situação, um potencial destinatário de bens ou serviços não pode recusar‑se a assinar um contrato com base na orientação sexual do prestador.

2. A celebração de um contrato individual constitui uma «condição de acesso ao trabalho independente» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78?

89.

O Governo polaco alega que a recusa de celebração de um contrato individual de prestação de serviços não se enquadra no conceito de «condição de acesso ao trabalho independente» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78. Na sua opinião, a expressão «condição de acesso ao trabalho independente» diz respeito apenas às condições gerais de exercício de determinadas profissões. Esta regra refere‑se, conforme explicou o Governo polaco na audiência, apenas às profissões regulamentadas. No caso vertente, nenhuma regra pública impede J.K. de disponibilizar seus serviços de edição. Não há, portanto, qualquer barreira ao seu acesso a essa atividade profissional. Uma decisão individual de um potencial destinatário de um serviço não é, portanto, uma «condição de acesso ao […] trabalho independente». Tal decisão enquadra‑se, antes, na liberdade de uma pessoa escolher com quem assina um contrato.

90.

J.K., os Governos belga, neerlandês e português e a Comissão Europeia consideram que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78 é aplicável à recusa de celebrar, com base na orientação sexual, um contrato com uma pessoa que exerce atividade profissional independente.

91.

O Tribunal de Justiça teve oportunidade de clarificar o conceito de «condições de acesso ao emprego» constante do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78 no Acórdão LGBTI ( 40 ), que também dizia respeito à discriminação com base na orientação sexual. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça esclareceu que este conceito deve ser interpretado de acordo com o sentido habitual na linguagem corrente e tendo em atenção o contexto em que é utilizado e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte ( 41 ). Com base nisso, concluiu que as condições de acesso dizem respeito a «circunstâncias ou factos cuja existência deve imperativamente ser demonstrada para que uma pessoa possa obter um determinado emprego ou atividade profissional» ( 42 ).

92.

Embora o Tribunal de Justiça se referisse apenas ao acesso ao emprego no Acórdão LGBTI, o mesmo se aplica ao conceito de «condições de acesso ao […] trabalho independente», uma vez que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78 faz referência simultânea ao emprego, ao trabalho independente e à atividade profissional. Assim, as condições de acesso ao trabalho independente abrangem circunstâncias ou factos que devem ser estabelecidos para que uma pessoa possa obter um determinado emprego como trabalhador independente.

93.

O trabalhador independente começa a trabalhar mediante a celebração de um contrato de prestação de serviços ou de um contrato de direito civil análogo. Se o potencial destinatário dos serviços de um trabalhador independente condiciona o acesso a um emprego, insistindo que a pessoa que o presta não seja homossexual, é evidente que uma pessoa que tenha essa orientação sexual não poderá obter esse trabalho específico.

94.

Por conseguinte, se numa situação de emprego convencional a recusa em celebrar um contrato de trabalho com uma pessoa em razão da sua orientação sexual é proibida pelo artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78, então a recusa de celebrar um contrato de prestação de serviços ou um contrato análogo com um trabalhador independente devido à sua orientação sexual deve também ser proibida por esta disposição, que se refere tanto ao emprego como ao trabalho independente.

95.

Por último, gostaria de abordar uma questão adicional, que foi discutida na audiência. O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78 aplicar‑se‑ia mesmo numa situação hipotética em que um trabalhador independente, como J.K., não tivesse uma relação laboral anterior de longa duração, mas se tivesse candidatado ao emprego pela primeira vez, tendo‑lhe sido recusado um contrato por causa de sua orientação sexual? Por outras palavras, a continuidade do trabalho faz alguma diferença?

96.

J.K. e a Comissão consideraram que candidatar‑se pela primeira vez não faria qualquer diferença. O Governo polaco manteve a sua posição anterior de que decisões individuais deste tipo não se enquadram no conceito de «condições de acesso ao […] trabalho independente».

97.

Concordo com J.K. e a Comissão. A situação abrangida pela alínea a) é o acesso ao trabalho. As relações de trabalho anteriores não estão relacionadas com a candidatura a um emprego e o sucesso na celebração de um contrato. Por outras palavras, a recusa de celebração do contrato no processo principal não é abrangida pelo artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78 porque J.K. tinha contratos anteriores com a TP, mas sim porque lhe foi negado o acesso a novos trabalhos devido à recusa da TP em celebrar um novo contrato com ele.

Conclusão provisória

98.

A recusa de celebração de um contrato individual de prestação de serviços com um trabalhador independente, motivada pela orientação sexual dessa pessoa, é abrangida pela expressão «condições de acesso ao trabalho independente», constante do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78.

B.   Aplicabilidade do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78

99.

Nas circunstâncias específicas do presente processo, a recusa de celebração do contrato com J.K. não só impede o seu acesso a um novo emprego, mas também encerra a sua relação de trabalho de sete anos com a TP com base apenas na sua orientação sexual. Na minha opinião, portanto, o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78 é também aplicável ao presente processo.

100.

O Governo polaco alegou que o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78 não é aplicável porque, em primeiro lugar, o trabalho independente não é expressamente mencionado nesta disposição e, em segundo lugar, os trabalhadores independentes não podem, em caso algum, ser «despedidos».

101.

Na minha opinião, o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78 complementa a alínea a) da mesma. Enquanto a segunda se aplica ao acesso ao trabalho, a primeira é aplicável às condições de trabalho, incluindo a sua cessação. O facto de não se fazer referência ao trabalho independente na alínea c) deve, portanto, ser atribuído a uma redação legislativa pouco clara, e não à intenção do legislador de excluir os trabalhadores independentes. Ou seja, enquanto a alínea a) do n.o 1 do artigo 3.o faz referência tanto ao âmbito pessoal como material da Diretiva 2000/78, a alínea c) refere‑se apenas ao seu âmbito material.

102.

Além disso, é certo que os trabalhadores independentes não podem ser despedidos se o termo despedimento for utilizado apenas em relação ao emprego. No entanto, isso é irrelevante. O artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78 refere‑se ao despedimento a título de exemplo do que se entende por «condições de emprego e de trabalho». Essa disposição aplica‑se a todas as condições de trabalho e sua rescisão ( 43 ).

Conclusão provisória

103.

Uma situação, como a do caso em apreço, em que um trabalhador independente já tinha estabelecido relações de trabalho com o destinatário de serviços que se recusou a celebrar o novo contrato apenas em razão da sua orientação sexual enquadra‑se no âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78.

C.   Pode a liberdade contratual ser invocada para justificar a discriminação com base na orientação sexual?

104.

Outra questão, implícita no despacho de reenvio, é se a liberdade contratual, entendida como o direito de escolher livremente uma parte contratante, conforme previsto no artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca, pode ser invocada pela TP como justificação para excluir a aplicação da Diretiva 2000/78.

105.

A Diretiva 2000/78 prevê, no seu artigo 2.o, n.o 5, que as medidas nacionais podem excecionalmente excluir a aplicação desta diretiva se forem, nomeadamente, necessárias para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros. O Tribunal de Justiça explicou que esta disposição, sendo uma exceção ao princípio da proibição de discriminação, deve ser interpretada rigorosamente ( 44 ).

106.

O artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca pode ser entendido como uma medida necessária à proteção, numa sociedade democrática, das liberdades de terceiros, tal como previsto no artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78?

107.

O artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca garante a liberdade de escolha de uma das partes num contrato. De acordo com esta disposição, essa liberdade pode ser limitada para evitar a discriminação em razão do sexo, raça, origem étnica ou nacionalidade. No entanto, a limitação da liberdade contratual não está prevista numa situação em que uma escolha resulte em discriminação com base na orientação sexual. Assim, é permitido por essa lei basear a decisão sobre a celebração de um contrato na orientação sexual de um potencial contratante.

108.

Em aplicação do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78, uma disposição de direito nacional que permite a discriminação em razão da orientação sexual não é contrária a esta diretiva se for necessária para garantir a liberdade contratual.

109.

Em primeiro lugar, e antes de proceder a qualquer forma de apreciação da proporcionalidade, devo manifestar a dificuldade que tenho em pensar nesta questão em termos de ponderação. Pode, pois, a permissão para discriminar com base em qualquer uma das razões proibidas fazer parte da liberdade contratual numa sociedade que se baseia no valor da igualdade ( 45 )?

110.

No entanto, se se pode admitir que a liberdade contratual é limitada pela proibição de discriminação pelas razões enumeradas na Diretiva 2000/78, a análise convencional da proporcionalidade leva a concluir que não é necessário permitir a discriminação em razão da orientação sexual para proteger a liberdade contratual numa sociedade democrática.

111.

Uma forma mais simples de concluir que o artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca não é necessário numa sociedade democrática para proteger a liberdade contratual é salientar que esta disposição já proíbe a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica na escolha de um cocontratante. Isso por si só demonstra que o legislador polaco não entende a liberdade de discriminação como necessária para garantir a liberdade contratual numa sociedade democrática.

112.

A forma de equilibrar dois direitos fundamentais é avaliar se algum deles foi desproporcionalmente limitado. Dado que, nos termos do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78, a liberdade contratual é utilizada como justificação para a derrogação desta diretiva, esse facto exige, paradoxalmente, uma inversão da análise. A questão é saber se a liberdade contratual foi desproporcionadamente limitada pela Diretiva 2000/78. Se tal não for o caso, conclui‑se que a lei nacional que protege a liberdade utilizada como justificação (liberdade contratual) não é necessária numa sociedade democrática ( 46 ).

113.

Se aplicada ao presente caso, a análise é conduzida da seguinte forma. O ponto de partida é observar que o direito que serve de justificação, aqui a liberdade contratual, não é um direito absoluto ( 47 ). Este direito pode ser limitado por lei para atingir objetivos socialmente aceitáveis, desde que o próprio conteúdo desse direito não seja afetado, e a limitação seja proporcional (adequada e necessária) aos objetivos prosseguidos.

114.

O requisito de que a limitação da liberdade contratual esteja prevista na lei encontra‑se satisfeito, uma vez que está previsto numa diretiva da União.

115.

Em segundo lugar, o objetivo da Diretiva 2000/78 é tornar a igualdade no domínio do «emprego e da atividade profissional» uma realidade em todos os Estados‑Membros da União. Esta diretiva também contribui para a consecução de outros objetivos declarados nos Tratados. Segundo o seu considerando 11, «a discriminação baseada na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual pode comprometer a realização de um elevado nível de emprego e de proteção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social, a solidariedade e a livre circulação das pessoas». Por conseguinte, a Diretiva 2000/78 limita a liberdade contratual para alcançar a igualdade e outros objetivos importantes da União, os quais são objetivos legítimos.

116.

Em terceiro lugar, esta diretiva limita a liberdade de escolha dos contratantes ao excluir a possibilidade de tal escolha se basear numa das razões enumeradas. Não impede que empregadores ou outros em posição semelhante escolham a pessoa mais adequada para o trabalho. A este respeito, o considerando 17 da Diretiva 2000/78 explica que esta «não exige o recrutamento, a promoção ou a manutenção num emprego, nem a formação, de uma pessoa que não seja competente, capaz ou disponível para cumprir as funções essenciais do lugar em causa […]». Isso, a meu ver, é a essência da liberdade contratual.

117.

A decisão de não contratar ou despedir pode basear‑se em diferentes razões, que são relevantes para o trabalho em causa ( 48 ). Portanto, a proibição de discriminar pelas razões enumeradas quando é feita a escolha da pessoa com quem se celebra um contrato não afeta o conteúdo da liberdade contratual.

118.

Por último, se admitirmos que existe efetivamente uma limitação à liberdade contratual, é ainda necessário demonstrar que tal limitação é adequada e necessária para prosseguir o(s) objetivo(s) legítimo(s) da Diretiva 2000/78. Limitar‑me‑ei a uma análise da proporcionalidade relativamente ao objetivo de combate à discriminação no domínio do emprego e da atividade profissional, pois este é o objetivo que está diretamente relacionado com a base legal em que a referida diretiva foi adotada ( 49 ).

119.

Ao excluir a possibilidade de discriminar por razões proibidas e ao exigir, no seu artigo 17.o, que os Estados‑Membros prevejam sanções efetivas e dissuasoras aquando da sua aplicação, a Diretiva 2000/78 contribui de forma adequada para a luta contra a discriminação, uma vez que é suscetível de levar a uma diminuição gradual e, em última análise, ao desaparecimento de tal comportamento.

120.

Uma sociedade livre de discriminação por razões proibidas no domínio do emprego e da atividade profissional só pode ser alcançada se ninguém que necessite e procure o trabalho de outrem tiver em consideração uma das características proibidas pela Diretiva 2000/78. Se assim não for, as pessoas que possuem essas características não terão as mesmas oportunidades de obter um emprego. Portanto, numa sociedade em que tais preocupações continuam a ser importantes, proibir tais escolhas e dissuadi‑las por meio de sanções adequadas é o mínimo necessário para a prossecução desse objetivo. Não consigo pensar numa alternativa menos restritiva para alcançar o objetivo de um domínio do emprego e da atividade profissional isento de discriminação.

121.

Por conseguinte, uma vez que a liberdade contratual, que o artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca pretende proteger, não é desproporcionadamente limitada pela Diretiva 2000/78, esta disposição não pode ser interpretada como necessária para proteger a liberdade contratual das partes numa sociedade democrática.

Conclusão provisória

122.

Uma disposição nacional, como o artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca, não é necessária para proteger a liberdade de escolha de uma parte contratante numa sociedade democrática. Esta disposição não pode, portanto, justificar a exclusão da aplicação da Diretiva 2000/78 com base no artigo 2.o, n.o 5, dessa lei.

D.   Obrigações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio em caso de conflito entre o Estado de direito nacional e a Diretiva 2000/78

123.

Uma vez que o artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca não é necessário numa sociedade democrática, a Diretiva 2000/78 continua a ser aplicável no caso em apreço à recusa de celebrar um contrato com um trabalhador que exerce atividade profissional independente devido à sua orientação sexual.

124.

O órgão jurisdicional de reenvio referiu no seu despacho de reenvio que o artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca é aplicável ao litígio no processo principal ( 50 ).

125.

Isto significa que o órgão jurisdicional de reenvio se confronta com duas disposições opostas aplicáveis ao processo pendente: a primeira, constante da Diretiva 2000/78, proíbe a TP de recusar a celebração do contrato com J.K. pelo facto de este ser homossexual; a segunda, constante da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca, permite que a TP se recuse a celebrar o contrato com J.K. por ser homossexual.

126.

O direito da União tem uma regra que se aplica em caso de conflito entre duas normas que são ambas aplicáveis ao mesmo conjunto de factos: ao decidir do litígio, o órgão jurisdicional nacional deve aplicar a norma da União e afastar a aplicação da norma de direito nacional ( 51 ). O primado do direito da União resolve, assim, o conflito de normas a favor da norma da União.

127.

Por razões de exaustividade, deve acrescentar‑se que o primado funciona como uma regra de conflito e impõe a não aplicação de uma norma nacional contrária quando uma norma da União produz efeitos diretos ( 52 ).

128.

As diretivas têm efeito direto em situações verticais ( 53 ). Dado que a TP é uma estação de televisão pública ( 54 ), é jurisprudência assente que tal situação deve ser entendida como vertical para efeitos de aplicação direta de uma diretiva ( 55 ). J.K. pode, portanto, invocar a Diretiva 2000/78 contra a TP no processo principal.

129.

Além disso, as disposições pertinentes da Diretiva 2000/78 [artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e c)] são incondicionais e suficientemente precisas para permitir que um órgão jurisdicional nacional as aplique ( 56 ). É claro que um sujeito como J.K. (trabalhador independente) tem, com base nestas disposições, o direito de não ser discriminado em razão da sua orientação sexual ao candidatar‑se a um novo emprego ou no prolongamento da relação de trabalho existente; e é manifesto que a TP, que procura serviços de edição, não se pode recusar celebrar um contrato com um trabalhador independente apenas por causa da sua orientação sexual. Assim, é possível concluir, com base nas disposições pertinentes da Diretiva 2000/78, que J.K. beneficia de um direito; que a TP tem uma obrigação correlativa; e que o conteúdo desse direito/obrigação significa que é excluída a invocação da orientação sexual como critério para a celebração de um contrato.

130.

Por conseguinte, o órgão jurisdicional nacional não pode aplicar o artigo 5.o, n.o 3, da Lei da Igualdade de Tratamento Polaca para decidir o litígio no processo que é chamado a conhecer. Também vale a pena reafirmar que tal obrigação de um órgão jurisdicional nacional não depende da decisão do legislador nacional de alterar o direito nacional para o tornar conforme com direito da União. No entanto, isso não exclui a obrigação paralela do legislador nacional de o fazer.

Conclusão provisória

131.

O artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2000/78 é aplicável ao caso em apreço e produz efeitos diretos. J.K. pode, portanto, invocar perante o órgão jurisdicional de reenvio a proibição imposta à TP de se recusar a assinar um contrato com este, enquanto trabalhador independente, devido à sua orientação sexual. O órgão jurisdicional de reenvio é, portanto, obrigado a afastar a aplicação da disposição nacional contrária.

V. Conclusão

132.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão submetida pelo Sąd Rejonowy dla m.st. Warszawy w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia Capital, Polónia) da seguinte forma:

O artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação nacional que permite a recusa de celebração de um contrato de direito civil de prestação de serviços ao abrigo do qual o trabalho exercido pessoalmente deva ser realizado por um trabalhador independente, quando a recusa seja motivada pela orientação sexual dessa pessoa.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) O órgão jurisdicional de reenvio fundamentou o presente pedido de decisão prejudicial na premissa de que a recusa de celebração do contrato foi motivada pela orientação sexual de J.K. A decisão sobre a existência de discriminação é da competência desse órgão jurisdicional. A este respeito, v. considerando 15 da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16), e Acórdão de 25 de abril de 2013, Asociaţia Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275, n.o 42). As presentes conclusões partirão, portanto, do pressuposto de que a situação que deu origem ao litígio assenta na discriminação direta com base na orientação sexual.

( 3 ) Acórdão de 25 de junho de 2020, A e o. (Turbinas eólicas em Aalter e Nevele) (C‑24/19, EU:C:2020:503, n.o 75).

( 4 ) Countouris, N. e De Stefano, V., New trade union strategies for new forms of employment, CES, Bruxelas, 2019 p. 34. Consideraram que o conceito de trabalho independente «é quase invariavelmente visto como a categoria residual ou predefinida da divisão binária: não se tratando de um trabalhador por conta de outrem, e se o seu trabalho não for supervisionado ou exercido sob a direção de uma entidade patronal, se não estiver integrado numa empresa nem acarretar nenhum risco empresarial específico, a maioria dos sistemas jurídicos simplesmente assumirá que essa pessoa exerce uma atividade profissional independente».

( 5 ) Countouris e De Stefano (Ibidem) sublinham assim que: «não se tratando de um trabalhador por conta de outrem, e se o seu trabalho não for supervisionado ou exercido sob a direção de uma entidade patronal, se não estiver integrado numa empresa nem acarretar nenhum risco empresarial específico, a maioria dos sistemas jurídicos simplesmente assumirá que essa pessoa exerce uma atividade profissional independente».

( 6 ) Esta base jurídica foi introduzida nos tratados pelo Tratado de Amesterdão sendo configurada, à data da adoção da Diretiva 2000/78, pelo artigo 13.o do TCE.

( 7 ) Conforme especificado no artigo 1.o da Diretiva 2000/78, esta proíbe a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual.

( 8 ) O artigo 19.o TFUE habilita a União a lutar contra a discriminação unicamente dentro dos limites dos poderes que lhe são conferidos pelos Tratados.

( 9 ) V. título da Diretiva 2000/78 e o seu artigo 1.o

( 10 ) Proposta de Diretiva do Conselho que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual [COM(2008) 426 final].

( 11 ) Os trabalhos preparatórios revelam que os elementos mais importantes que travam a adoção desta diretiva são i) os custos de garantir às pessoas com deficiência o acesso não discriminatório a bens e serviços e ii) a subsidiariedade. V., neste sentido, Conselho da União Europeia, Relatório de Progresso, n.o 14046/21, 23 de novembro de 2021.

( 12 ) V. nota 10 das presentes conclusões.

( 13 ) Diretiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO 2000, L 180, p. 22).

( 14 ) A Diretiva 2000/43, que proíbe a discriminação em razão da origem racial e étnica, foi também adotada com base no atual artigo 19.o TFUE, aproximadamente ao mesmo tempo que a Diretiva 2000/78, que é o que torna comparável a utilização dos conceitos nestas duas diretivas.

( 15 ) V., a este respeito, De Stefano, V., «Not as simple as it seems: The ILO and the personal scope of international labour standards», International Labour Review, 2021, pp. 387‑406, p. 399. V., igualmente, Schubert, C., Economically‑dependent Workers as Part of a Decent Economy, Beck/Hart/Nomos, 2022, p. 237.

( 16 ) V. ainda exposição de motivos da proposta de diretiva do Conselho que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional. Parte dessa exposição de motivos, que descrevia o que viria a ser o artigo 3.o da Diretiva 2000/78, indica especificamente que «[a] igualdade de tratamento em matéria de acesso ao emprego ou ao trabalho independente […] implica a eliminação de todas as formas de discriminação baseadas em preceitos que impeçam o acesso dos indivíduos a todas as formas de emprego e atividade profissional». O sublinhado é meu.

( 17 ) Conclusões do advogado‑geral J. Richard de la Tour no processo HK/Danmark e HK/Privat (C‑587/20, EU:C:2022:29, n.o 37).

( 18 ) Acórdão de 2 de junho de 2022, HK/Danmark e HK/Privat (C‑587/20, EU:C:2022:419, n.o 34).

( 19 ) V., a este respeito, a versão em língua sueca da Diretiva 2000/78, que utiliza o conceito de «vida profissional» («arbetslivet») no artigo 1.o da diretiva, como substituto da formulação inglesa «employment and occupation» ou francesa «emploi et travail».

( 20 ) A importância do trabalho para a realização pessoal também foi destacada na jurisprudência. Nas Conclusões que apresentou no processo Coleman (C‑303/06, EU:C:2008:61, n.o 11), o advogado‑geral M. Poiares Maduro considerou que: «[o] acesso ao emprego e o desenvolvimento profissional têm um significado fundamental para todos os indivíduos, não apenas como forma de ganhar a vida, mas também como meio importante de realização pessoal e de realização do potencial de cada um». Este pensamento foi retomado e citado como importante para a compreensão do alcance da Diretiva 2000/78 pela advogada‑geral E. Sharpston nas Conclusões que apresentou no processo Associazione Avvocatura per i diritti LGBTI (C‑507/18, EU:C:2019:922, n.o 44).

( 21 ) Acórdão de 23 de abril de 2020, Associazione Avvocatura per i diritti LGBTI (C‑507/18, EU:C:2020:289, n.o 39) (a seguir «Acórdão em LGBTI»). V., igualmente, Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston nesse processo (C‑507/18, EU:C:2019:922, n.o 42). O Tribunal de Justiça reiterou no Acórdão HK que os termos «emprego», «trabalho independente» e «atividade profissional» devem ser entendidos em sentido amplo, como resulta de uma comparação das diferentes versões linguísticas do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78 e da utilização nas mesmas de expressões gerais. Acórdão de 2 de junho de 2022, HK/Danmark e HK/Privat (C‑587/20, EU:C:2022:419, n.o 27).

( 22 ) Acórdão de 2 de junho de 2022, HK/Danmark e HK/Privat (C‑587/20, EU:C:2022:419, n.o 29). V. também o n.o 28 do mesmo acórdão, onde o Tribunal de Justiça afirmou: «[a]ssim, além do facto de a referida disposição mencionar expressamente o trabalho independente, decorre também dos termos “emprego” e “atividade profissional”, entendidos no seu sentido habitual, que o legislador da União não pretendeu limitar o âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 aos lugares ocupados por um “trabalhador”, na aceção do artigo 45.o TFUE.»

( 23 ) Quanto à evolução do conceito de «trabalhador» no mercado interno e no direito derivado da União em matéria laboral na jurisprudência do Tribunal de Justiça, v. Countouris, N., «The Concept of “Worker” in European Labour Law: Fragmentation, Autonomy and Scope», Industrial Law Journal, 2018, pp. 192‑225 e Goldner Lang, I., «Sloboda kretanja radnika», in Ćapeta, T. e Goldner Lang, I. (eds.), Pravo unutarnjeg tržišta Europske unije, Narodne Novine, Zagreb, 2021., pp. 77‑110.

( 24 ) A este respeito, v. Conclusões do advogado‑geral J. Richard de la Tour no processo HK/Danmark e HK/Privat (C‑587/20, EU:C:2022:29, n.o 35).

( 25 ) A este respeito, v., Supiot, A., «Homo faber: continuités et ruptures»in Supiot, A. (ed.), Le travail au XXIe siècle, Livre du centenaire de l’OIT, éditions de l’Atelier, Paris, 2019, pp. 15‑41.

( 26 ) V., igualmente, a este respeito, Supiot, A., «Homo faber: continuités et ruptures» in Supiot, A. (ed.), Le travail au XXIe siècle, Livre du centenaire de l’OIT, Paris, éditions de l’Atelier, 2019, pp. 15‑41, p. 17; Dujarier, M.‑A., Troubles dans le travail, Sociologie d’une catégorie de pensée, PUF, 2021, Paris, pp. 365‑366.

( 27 ) É assim que a «típica relação de trabalho» foi descrita num estudo da OIT sobre formas de trabalho atípicas. V. Non‑standard employment around the world: Understanding challenges, shaping prospects, OIT, Genebra, 2016, p. 7. V. também o mapa constante da página 52 desse estudo.

( 28 ) Ibidem.

( 29 ) Deakin, S., e Wilkinson, F., The Law of the Labour Market, OUP, Oxford, 2005, pp. 311 a 313.

( 30 ) Fudge, J., «Blurring Legal Boundaries: Regulating for Decent Work»in Fudge, J., McCrystal, S., Sankaran, K., Challenging the legal boundaries of work regulation, Hart, Oxford, 2012, pp. 1 a 26; De Stefano, V. e Aloisi, A., European Legal framework for «digital labour platforms», European Commission, Luxemburgo, 2018.

( 31 ) Collins, H., explica que o trabalho exercido pessoalmente pode ser baseado num contrato de prestação de serviços por tempo determinado ou num contrato de execução de funções. Do ponto de vista económico, podem existir diferentes razões, principalmente relacionadas com a repartição dos riscos, pelas quais um determinado tipo de trabalho é acordado. A este respeito, v. Collins, H., «Independent Contractors and the Challenge of Vertical Disintegration to Employment», Oxford Journal of Legal Studies, vol. 10(3), 1990, p. 362.

( 32 ) Quanto ao conceito de trabalho exercido pessoalmente v., por exemplo, Freedland, M., Countouris, N., The Legal Construction of Personal Work Relations, OUP, Oxford, 2011, pp. 5 e 42; Supiot, A. «Towards a European policy on work»in Countouris, N., Freedland, M.(eds), Resocialising Europe in a Time of Crisis, CUP, Cambridge, 2013, pp. 19 a 35, p. 35; Countouris, N., De Stefano, V., New trade union strategies for new forms of employment, ETUC, Bruxelas, 2019, p. 64.

( 33 ) Tal definição de relação pessoal de trabalho foi proposta por N. Countouris e V. De Stefano, em New trade union strategies for new forms of employment. CES. Bruxelas, 2019, p. 65: «a ideia de “relação de trabalho pessoal” pode ser utilizada para definir o âmbito pessoal de aplicação da legislação laboral aplicável a qualquer pessoa que seja contratada por outra para prestar trabalho, a menos que essa pessoa esteja efetivamente a exercer atividade por conta própria.»

( 34 ) V. também, neste sentido, C. Barnard, que explica que também há quem defenda que a referência ao conceito de «independente» abrange, no domínio do direito da igualdade, mesmo os trabalhadores independentes (empresários), em: EU Employment Law, Oxford, OUP, 2012, 4.a ed., p. 348.

( 35 ) No seu Acórdão de 2 de junho de 2022, HK/Danmark e HK/Privat (C‑587/20, EU:C:2022:419, n.o 34), o Tribunal de Justiça referiu: «como salientou o advogado‑geral no n.o 37 das suas conclusões, a Diretiva 2000/78 não é um ato de direito derivado da União como os que se baseiam, nomeadamente, no artigo 153.o, n.o 2, TFUE, que visam apenas a proteção dos trabalhadores enquanto parte mais fraca de uma relação de trabalho […]».

( 36 ) Artigo 5.o do Acordo‑Quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao Acordo‑Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43).

( 37 ) V. n.o 54 das presentes conclusões e a respetiva jurisprudência.

( 38 ) Tal não significa que em outras áreas do direito da União, como, por exemplo, o direito da concorrência, esse facto não seja relevante. A este respeito, v. Acórdão de 4 de dezembro de 2014, FNV Kunsten Informatie en Media (C‑413/13, EU:C:2014:2411).

( 39 ) V., a este respeito, Documento de trabalho dos serviços da Comissão, Avaliação da Diretiva 86/653 (REFIT Evaluation), SWD (2015) 146 final, 16 de julho de 2015.

( 40 ) N.o 39.

( 41 ) Acórdão LGBTI, n.o 32.

( 42 ) Acórdão LGBTI, n.o 33.

( 43 ) Além disso, convém salientar que o Tribunal de Justiça, num contexto diferente relacionado com a livre circulação e os direitos dos cidadãos, com base na Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77), já reconhecia que a rescisão involuntária de trabalho de um trabalhador independente pode ser equiparada ao despedimento involuntário de um trabalhador assalariado. V. Acórdãos de 20 de dezembro de 2017, Gusa (C‑442/16, EU:C:2017:1004, n.o 43) e de 11 de abril de 2019, Tarola (C‑483/17, EU:C:2019:309, n.o 48).

( 44 ) V., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 56).

( 45 ) Nos seus recentes o Tribunal de Justiça, reunido como Tribunal Pleno, explicou que os valores enumerados no artigo 2.o TUE, incluindo a igualdade, são parte integrante da própria identidade da União (Acórdãos de 16 de fevereiro de 2022, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑156/21, EU:C:2022:97, n.o 232; e de 16 de fevereiro de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑157/21, EU:C:2022:98, n.o 264). O próprio objetivo da Diretiva 2000/78 é concretizar o valor da igualdade, pondo em prática a proibição de discriminação, expressa no artigo 21.o da Carta. Desde o Acórdão de 8 de abril de 1976, Defrenne (43/75, EU:C:1976:56), a igualdade representa um modelo social que a União Europeia pretende concretizar. McCrudden, por exemplo, explica que quando a igualdade é entendida como um conceito de proteção de direitos, o princípio da igualdade de tratamento tem particular importância ao demonstrar que os objetivos da União Europeia vão além dos objetivos económicos e se estendem à proteção do modelo social europeu. V. McCrudden, C., «The New Concept of Equality», ERA, 2003, p. 18. V., igualmente, Waddington, L., «Testing the Limits of the EC Treaty Article on Non‑discrimination», Industrial Law Journal, 1999, pp. 133 a 151, p. 134, que considerou que a inclusão do artigo 13.o no Tratado CE não foi motivada principalmente pelo desejo de combater a discriminação por razões económicas, mas sim de «aproximar a Europa dos seus cidadãos».

( 46 ) O Tribunal de Justiça procedeu a um equilíbrio semelhante entre o direito à não discriminação, previsto na Diretiva 2000/78, e a liberdade de expressão, protegida no artigo 11.o da Carta, no Acórdão LGBTI, n.os 47 a 57). O Tribunal de Justiça colocou na balança o direito à não discriminação, previsto na Diretiva 2000/78, com a liberdade de associação, protegida no artigo 12.o da Carta, no Acórdão de 2 de junho de 2022, HK/Danmark e HK/Privat (C‑587/20, EU:C:2022:419, n.os 41 a 47).

( 47 ) Vale a pena notar que a liberdade contratual também foi reconhecida pelo ordenamento jurídico da União como um dos direitos fundamentais, como parte da liberdade de empresa garantida pelo artigo 16.o da Carta. V., por exemplo, Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Bank Melli Iran (C‑124/20, EU:C:2021:1035, n.o 79). Isso, em primeiro lugar, significa que o legislador da União tem a obrigação de levar em consideração essa liberdade ao aprovar legislação contra a discriminação. Em segundo lugar, conforme entendido no ordenamento jurídico da União, a liberdade contratual não é absoluta. Muito pelo contrário, o Tribunal de Justiça considerou que a liberdade de empresa, prevista no artigo 16.o da Carta, «pode ser sujeita a um amplo leque de intervenções do poder público, suscetíveis de estabelecer, no interesse geral, limitações ao exercício da atividade económica». V., a este respeito, Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich (C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 46); v., igualmente, Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Bank Melli Iran (C‑124/20, EU:C:2021:1035, n.os 80 a 81). Em relação a este último ponto, v. também Weatherill, S. «Use and Abuse of the EU’s Charter of Fundamental Rights: on the improper veneration of “freedom of contract”», European Review of Contract Law, 2014, pp. 167 a 182.

( 48 ) V., por exemplo, o caso de uma mulher grávida despedida por despedimento coletivo, Acórdão de 22 de fevereiro de 2018, Porras Guisado, Porras Guisado (C‑103/16, EU:C:2018:99, n.o 71).

( 49 ) V. n.o 44 das presentes conclusões.

( 50 ) A competência para interpretar o direito nacional cabe exclusivamente ao órgão jurisdicional nacional. Em pedidos de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça deve, portanto, basear‑se na interpretação do direito nacional feita pelo órgão jurisdicional nacional. O órgão jurisdicional de reenvio explicou que considera que o tipo de contrato como o do caso em apreço está abrangido pela Lei da Igualdade de Tratamento polaca com base no artigo 4.o, n.o 2, da mesma, pelo que o artigo 5.o, n.o 3, também é aplicável.

( 51 ) Acórdão de 9 de março de 1978, Simmenthal (106/77, EU:C:1978:49, n.os 21 a 23), e de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeitos das decisões do Tribunal Constitucional) (C‑430/21, EU:C:2022:99, n.os 62 a 63).

( 52 ) Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 60 a 64, e 68).

( 53 ) Acórdãos de 5 de abril de 1979, Ratti (148/78, EU:C:1979:110, n.os 20 a 23), e de 7 de agosto de 2018, Smith (C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 45).

( 54 ) O seu proprietário é o Tesouro Público. Importa referir que a TP, demandada no processo no órgão jurisdicional de reenvio, não apresentou observações escritas nem participou na audiência no Tribunal de Justiça.

( 55 ) Acórdãos de 26 de fevereiro de 1986, Marshall (152/84, EU:C:1986:84, n.os 46 a 49), e de 10 de outubro de 2017, Farrell (C‑413/15, EU:C:2017:745, n.os 32 a 35).

( 56 ) Acórdãos de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.os 11 e 12); de 24 de janeiro de 2012, Dominguez (C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 33), de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C‑108/14 e C‑109/14, EU:C:2015:496, n.os 48 a 49); e de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto) (C‑205/20, EU:C:2022:168, n.os 17 a 19).

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