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Document 62021CC0332

Conclusões do advogado-geral Collins apresentadas em 14 de julho de 2022.
Quadrant Amroq Beverages SRL contra Agenţia Naţională de Administrare Fiscală – Direcţia Generală de Administrare a Marilor Contribuabili.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunalul Bucureşti.
Reenvio prejudicial — Harmonização das legislações fiscais — Diretiva 92/83/CEE — Harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas — Impostos especiais sobre o consumo — Álcool etílico — Isenções — Artigo 27.o, n.o 1, alínea e) — Fabrico de aromas destinados à preparação de géneros alimentícios e bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 % — Âmbito de aplicação — Princípios da proporcionalidade e da efetividade.
Processo C-332/21.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:589

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY MICHAEL COLLINS

apresentadas em 14 de julho de 2022 ( 1 )

Processo C‑332/21

Quadrant Amroq Beverages SRL

contra

Agenţia Naţională de Administrare Fiscală — Direcţia Generală de Administrare a Marilor Contribuabili

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunalul București (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia)]

«Reenvio prejudicial — Imposto especial de consumo — Diretiva 92/83/CEE — Artigo 27.o, n.o 1, alínea e) — Álcool etílico — Isenções — Fabrico de aromas destinados à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 % — Reconhecimento pelo Estado‑Membro de destino de uma isenção concedida pelo Estado‑Membro de fabrico — Condições impostas pelo Estado‑Membro de destino»

I. Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunalul București (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia) surgiu no contexto de um recurso interposto pela Quadrant Amroq Beverages SRL (a seguir «recorrente») em que é pedida a anulação de decisões da Agenția Națională de Administrare Fiscală — Direcția Generală de Administrare a Marilor Contribuabili (Agência Nacional da Administração Fiscal — Direção‑Geral da Administração para os Grandes Contribuintes, Roménia) de indeferimento dos seus pedidos de reembolso dos impostos especiais de consumo pagos nos termos da legislação nacional que transpõe o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83/CEE ( 2 ).

2.

A recorrente adquiriu a um produtor na Irlanda aromas para utilização na preparação de refrigerantes na Roménia. Tinha compreendido que o álcool etílico utilizado para o fabrico dos aromas tinha sido introduzido no consumo na Irlanda e tinha sido isentado do imposto especial de consumo ao abrigo da legislação irlandesa que dá execução ao artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83. Esta disposição do direito da União isenta do imposto especial de consumo o álcool etílico «[utilizado] para o fabrico de aromas destinados à preparação de […] bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %». A Irlanda isenta o álcool etílico que se destine a ser utilizado, ou que já tenha sido utilizado, para o fabrico desses aromas. A Roménia isenta apenas o álcool etílico que se destine a ser utilizado no fabrico de aromas.

3.

As presentes conclusões examinam o alcance da isenção concedida pelo artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83, as circunstâncias em que um Estado‑Membro de destino deve reconhecer uma isenção concedida por outro Estado‑Membro ao abrigo desta disposição e a medida em que um Estado‑Membro para o qual as mercadorias são expedidas pode impor requisitos processuais aos comerciantes que tenham obtido o benefício dessa isenção.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Diretiva 92/83

4.

A Diretiva 92/83 contém disposições para harmonizar a estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas.

5.

Nos termos do seu artigo 19.o, n.o 1, os Estados‑Membros aplicarão ao álcool etílico um imposto especial de consumo de acordo com as disposições da Diretiva 92/83.

6.

O artigo 20.o, primeiro travessão, da Diretiva 92/83 define o álcool etílico como:

«os produtos com um teor alcoólico em volume superior a 1,2 % vol abrangidos pelos códigos NC 2207 e 2208, mesmo quando estes produtos constituam parte de um produto abrangido por outro capítulo da Nomenclatura Combinada;

[…]»

7.

Nos termos do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83:

«Os Estados‑Membros isentarão do imposto especial de consumo harmonizado os produtos abrangidos pela presente diretiva, nas condições por eles estabelecidas para assegurar a aplicação correta e direta das isenções e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida, sempre que esses produtos:

[…]

(e)

Sejam utilizados para o fabrico de aromas destinados à preparação de géneros alimentícios e bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %.»

2. Diretiva 2008/118

8.

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118/CE ( 3 ) enuncia:

«O imposto especial de consumo torna‑se exigível no momento e no Estado‑Membro da introdução no consumo.»

9.

O artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 define a «introdução no consumo» do seguinte modo:

«a)

A saída, mesmo irregular, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo de um regime de suspensão do imposto;

b)

A detenção fora de um regime de suspensão do imposto de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo caso o imposto especial de consumo não tenha sido cobrado em conformidade com as disposições comunitárias e a legislação nacional aplicáveis;

c)

A produção, mesmo irregular, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo fora de um regime de suspensão do imposto;

d)

A importação, mesmo irregular, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, a menos que esses produtos sejam colocados, imediatamente após a importação, num regime de suspensão do imposto.»

B.   Direito romeno

10.

As observações escritas da Comissão expõem as seguintes disposições do direito romeno.

11.

O artigo 20658 da Legea nr. 571 din 22 decembrie 2003 privind Codul fiscal (Lei n.o 571/2003, de 22 de dezembro de 2003, que aprova o Código Tributário) ( 4 ), em vigor até 31 de dezembro de 2015, cuja redação é reproduzida no artigo 397.o, n.o 1 ( 5 ), da Legea nr. 227 din 8 septembrie 2015 privind codul fiscal (Lei n.o 227, de 8 de setembro de 2015, que aprova o Código Tributário), aplicável a partir de 2016 ( 6 ) (a seguir «Código Tributário»), dispõe:

«(1)   O álcool etílico e os outros produtos alcoólicos referidos no artigo 2062, alínea a), estão isentos do imposto especial de consumo quando sejam:

[…]

(e)

utilizados para o fabrico de aromas alimentares destinados à preparação de alimentos ou bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %;»

12.

As modalidades de execução do artigo 20658 [do Código Tributário] preveem:

«[…]

(13)   Em todas as situações referidas no artigo 20658, n.o 1, do Código Tributário, a isenção do imposto especial de consumo é concedida apenas ao utilizador, sob condição de o fornecimento ser efetuado diretamente a partir de um entreposto fiscal.

(14)   Quando um utilizador faz aquisições intracomunitárias de álcool etílico com vista à sua utilização para os fins referidos no artigo 20658, n.o 1, alíneas b) a i), do Código Tributário, esse utilizador deve igualmente ser um destinatário registado.

[…]

(16)   A isenção será concedida diretamente:

(a)

nas situações referidas no artigo 20659, n.o 1, alíneas d), f), g) e h), do Código Tributário;

(b)

nas situações referidas no artigo 20658, n.o 1, alíneas a), b), c) e e), do Código Tributário, para depositários autorizados que operem no âmbito de um sistema integrado. Entende‑se por “sistema integrado” a utilização de álcool etílico e de outros produtos alcoólicos pelos depositários para o fabrico de produtos acabados destinados ao consumo enquanto tais, sem serem objeto de alterações adicionais. […]

(17)   Em todas as situações de isenção direta, a isenção é concedida com base numa autorização do utilizador final. Esta autorização é concedida a todos os utilizadores que adquiram produtos isentos de impostos especiais de consumo.

[…]

(34)   Em todas as situações de isenção direta, os preços de entrega dos produtos não incluem o imposto especial de consumo e a circulação de tais produtos deve ser acompanhada de uma cópia impressa do documento administrativo eletrónico referido no n.o 91.

[…]

(37)   Nas situações referidas no artigo 20658, n.o 1, alíneas a), b), c), e) e i), do Código Tributário, é concedida uma isenção indiretamente. Os preços de entrega dos produtos incluem o imposto especial de consumo, podendo depois os operadores económicos que sejam utilizadores pedir uma compensação ou um reembolso do imposto especial de consumo ao abrigo das disposições do [Codul de procedură fiscală (Código de Processo Tributário)].

(38)   Para o reembolso do imposto especial de consumo, os utilizadores devem apresentar à autoridade fiscal territorial, mensalmente, o mais tardar no vigésimo quinto dia do mês seguinte ao mês relativamente ao qual pretendem o reembolso, um pedido de reembolso do imposto especial de consumo, acompanhado de:

(a)

uma cópia da fatura de compra de álcool etílico e/ou outro produto alcoólico, na qual o imposto especial de consumo seja destacado separadamente;

(b)

prova de que o imposto especial de consumo foi pago ao fornecedor, a saber, um documento de pagamento confirmado pelo banco junto do qual o utilizador tenha aberto uma conta;

(c)

prova da quantidade utilizada para os fins para os quais a isenção foi concedida, a saber, um resumo das quantidades efetivamente utilizadas e os respetivos documentos.»

13.

As modalidades de execução do artigo 397.o do Código Tributário preveem:

«81.   (1) Em situações de isenção direta, para os produtos referidos no artigo 397.o, n.o 1, do Código Tributário, a isenção do imposto especial de consumo é concedida apenas ao utilizador, sob condição de o fornecimento ser efetuado diretamente a partir de um entreposto fiscal, das próprias compras intracomunitárias do utilizador ou das suas próprias operações de importação.

(2) Em situações de isenção indireta, para os produtos referidos no artigo 397.o, n.o 1, do Código Tributário, a isenção do imposto especial de consumo é concedida apenas ao utilizador, sob condição de o fornecimento ser efetuado diretamente a partir de um entreposto fiscal, de um destinatário registado ou das próprias operações de importação do utilizador. Um destinatário registado que entregue produtos destinados a serem utilizados para um fim isento de imposto especial de consumo deve destacar na fatura o valor equivalente do imposto especial de consumo pago ao orçamento do Estado.

(3) Quando um utilizador faça aquisições intracomunitárias de álcool etílico com vista à sua utilização para os fins referidos no artigo 397.o, n.o 1, alíneas b) a i), do Código Tributário, esse utilizador deve igualmente ser um destinatário registado.

(4) Quando o álcool etílico seja importado de um país terceiro com vista à sua utilização para os fins referidos no artigo 397.o, n.o 1, alíneas b) a i), do Código Tributário, o importador deve igualmente ser o utilizador da matéria‑prima.

82.   (1) A isenção do imposto especial de consumo será concedida diretamente:

(a)

nas situações referidas no artigo 397.o, n.o 1, alíneas d) e f), do Código Tributário;

(b)

na situação referida no artigo 397.o, n.o 1, alínea b), do Código Tributário, apenas para a produção de álcool sanitário;

(c)

nas situações referidas no artigo 397.o, n.o 1, alíneas a), c) e e), do Código Tributário;

(2) Só os depositários autorizados que operem no âmbito de um sistema integrado beneficiarão da isenção direta referida nas alíneas b) e c) do n.o 1. Entende‑se por “sistema integrado” a utilização de álcool etílico e de outros produtos alcoólicos no entreposto fiscal em que esses produtos foram produzidos, para o fabrico de produtos acabados destinados ao consumo enquanto tais, sem serem objeto de alterações adicionais.

(3) Em todas as situações de isenção direta, a isenção é concedida com base numa autorização do utilizador final.»

C.   Direito irlandês

14.

A section 77, alínea a), iii), do Finance Act (Lei de Finanças) de 2003 transpõe o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 para o direito irlandês. Dispõe que:

«Sem prejuízo de qualquer outra isenção do imposto especial de consumo que possa ser aplicada, e sob reserva das condições que os Commissioners [autoridades tributárias] possam prescrever ou impor, será concedida uma isenção do imposto sobre os produtos alcoólicos a quaisquer produtos alcoólicos quanto aos quais se prove, de forma satisfatória para os Commissioners, que:

(a)

são destinados a ser utilizados ou foram utilizados para o fabrico de —

[…]

(iii)

aromas para a preparação de géneros alimentícios ou de bebidas de teor alcoólico não superior a 1,2 %.

[…]»

III. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15.

Com base na decisão de reenvio, no parecer sobre o direito irlandês que a recorrente foi autorizada a apresentar ao órgão jurisdicional de reenvio e nas observações escritas da recorrente, entende‑se que os factos e os antecedentes do litígio no processo principal são os seguintes.

16.

A Concentrate Manufacturing Company Ireland (CMCI) é uma filial irlandesa da PepsiCo, uma empresa multinacional que fabrica alimentos e bebidas. Utiliza álcool etílico a 100 %, não desnaturado, para o fabrico de aromas ( 7 ). Estes têm um teor alcoólico entre 15 % e 62 % e destinam‑se à preparação de bebidas não alcoólicas. A CMCI fabrica os aromas na Irlanda e vende‑os a outra filial irlandesa da PepsiCo, a Pepsi Ireland. Esta última empresa vendeu aromas à recorrente, que os utiliza para fabricar refrigerantes na Roménia. A CMCI envia os aromas diretamente da Irlanda para a recorrente na Roménia.

17.

Segundo o parecer sobre o direito irlandês, a CMCI é um depositário autorizado. É igualmente um destinatário autorizado, habilitado a receber anualmente um máximo de 1500000 litros de álcool etílico não desnaturado, livres de direitos, para utilização no fabrico de concentrados de refrigerantes. Recebe este álcool no seu entreposto fiscal em regime de suspensão do imposto. A retirada desse produto do entreposto fiscal para produzir os aromas constitui uma introdução no consumo ( 8 ). Essa introdução no consumo exigiria o pagamento do imposto especial de consumo se não beneficiasse da isenção prevista na section 77, alínea a), i), da Lei de Finanças de 2003, que transpõe o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83.

18.

A recorrente explica que, quando adquiriu os aromas à Pepsi Ireland, tinha compreendido que o álcool etílico neles contido já tinha sido introduzido no consumo na Irlanda, estava isento do imposto especial de consumo ao abrigo da legislação irlandesa que transpõe o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83, e já não estava sujeito a regimes de suspensão do imposto ou a quaisquer outras formalidades administrativas relacionadas com o imposto especial de consumo. A recorrente foi, todavia, obrigada a pagar o imposto especial de consumo sobre os aromas quando estes entraram na Roménia. Requereu o reembolso do imposto especial de consumo ao abrigo da legislação nacional que dá execução à isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83. O reembolso foi recusado por razões substantivas e processuais. Por um lado, a recorrente não tinha adquirido álcool etílico para o fabrico de aromas, mas tinha adquirido aromas, que continham álcool etílico, para a preparação de bebidas não alcoólicas. Por outro lado, os aromas não tinham sido transferidos de um entreposto fiscal e a recorrente não tinha a qualidade de destinatário registado (a seguir «requisitos processuais»).

19.

A recorrente pediu a anulação das decisões da Agência Nacional Romena da Administração Fiscal de indeferimento da sua reclamação e de recusa do reembolso do imposto especial de consumo.

20.

A fim de resolver esse litígio, o órgão jurisdicional de reenvio considerou necessário submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem as disposições do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da [Diretiva 92/83] ser interpretadas no sentido de que apenas estão abrangidos pela isenção do imposto especial de consumo os produtos do tipo álcool etílico utilizados para o fabrico de aromas destinados, por sua vez, ao fabrico de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 % ou de que também beneficiam dessa isenção os produtos do tipo álcool etílico já utilizados para o fabrico de determinados aromas desse tipo, que tenham sido ou devem ser utilizados para o fabrico de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %?

2)

Deve o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da [Diretiva 92/83], no contexto dos objetivos e da sistemática geral da diretiva, ser interpretado no sentido de que, [desde] que os produtos do tipo álcool etílico destinados a ser comercializados noutro Estado‑Membro já tenham sido introduzidos no consumo num primeiro Estado‑Membro com isenção de imposto, quando utilizados para obter aromas destinados a ser utilizados para o fabrico de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %, o Estado‑Membro de destino deve reservar‑lhes um tratamento idêntico no seu território?

3)

Devem as disposições do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, alínea d), da [Diretiva 92/83], bem como os [princípios] da efetividade e [da proporcionalidade] ser interpretados no sentido de que autorizam um Estado‑Membro a impor requisitos processuais que subordinam a aplicação da isenção à posse, por parte do utilizador, da qualidade de destinatário registado e [à] posse da qualidade de [depositário] autorizado por parte do vendedor dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, embora o Estado‑Membro no qual esses produtos são adquiridos não imponha ao operador económico que os comercializa a obrigação de dispor da qualidade de entreposto fiscal?

4)

Os princípios da proporcionalidade e da efetividade, à luz das disposições do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da [Diretiva 92/83], no contexto dos objetivos e da sistemática geral da diretiva, opõem‑se a que a isenção prevista nessas disposições não seja aplicada a um contribuinte de um Estado‑Membro de destino que recebeu produtos do tipo álcool etílico e que se baseou na circunstância de esses produtos terem sido considerados isentos com base numa interpretação oficial dessas disposições da diretiva por parte das autoridades tributárias do Estado‑Membro de origem, constante durante um longo período de tempo, transposta para o ordenamento jurídico nacional e aplicada na prática, mas que se conclui posteriormente ser errada, num caso em que, tendo em conta as circunstâncias, possa ser excluída a hipótese de fraude ou de evasão aos impostos especiais de consumo?»

21.

A recorrente, a Irlanda, a República da Polónia, a Roménia e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

IV. Admissibilidade

22.

A Roménia contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial por considerar que o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu ao Tribunal de Justiça as informações exigidas pelo artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça ( 9 ).

23.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União de que necessitam para a resolução dos litígios que lhes são submetidos ( 10 ).

24.

Resulta igualmente de jurisprudência constante que a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito da União que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Por outro lado, a decisão de reenvio deve indicar as razões precisas que conduziram o juiz nacional a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça ( 11 ).

25.

É verdade que a decisão de reenvio está longe de ser perfeita e que há algumas lacunas e discrepâncias na apresentação dos factos. Por exemplo, não faz referência a nenhuma das disposições pertinentes do direito romeno, embora figurem nas observações escritas da Comissão.

26.

No entanto, na minha opinião, o órgão jurisdicional de reenvio expôs de forma suficientemente clara as razões que o levaram a submeter ao Tribunal de Justiça questões sobre a interpretação do direito da União. Além disso, a decisão de reenvio contém informações suficientes para permitir ao Tribunal de Justiça e aos interessados habilitados a apresentar observações compreender de forma suficientemente clara o quadro factual e jurídico do processo principal, como demonstra o número de participantes na fase escrita. A falta de clareza quanto à natureza dos requisitos processuais impostos pelas autoridades romenas também não parece impedir o Tribunal de Justiça de fornecer uma resposta útil à terceira questão. Por conseguinte, recomendo ao Tribunal de Justiça que admita o presente pedido de decisão prejudicial e lhe responda.

V. Análise jurídica

A.   Quanto à primeira questão prejudicial

27.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 se aplica apenas ao álcool etílico que se destine a ser utilizado para o fabrico de aromas destinados à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 % ou se é igualmente aplicável ao álcool etílico já utilizado para o fabrico desses aromas ( 12 ).

28.

A Agência Nacional Romena da Administração Fiscal considera que essa isenção se aplica apenas ao álcool etílico que se destine a ser utilizado para o fabrico de aromas para a preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %. Por essa razão, recusou‑se a reembolsar o imposto especial de consumo que a recorrente tinha pago no momento da entrada dos aromas na Roménia. A Roménia apoia esta posição. A recorrente, a Irlanda, a República da Polónia e a Comissão consideram todas que a isenção instituída pelo artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 se aplica igualmente ao álcool etílico que foi utilizado para fabricar os aromas.

29.

O artigo 20.o da Diretiva 92/83 define «álcool etílico» como «os produtos com um teor alcoólico em volume superior a 1,2 % vol abrangidos pelos códigos NC 2207 e 2208, mesmo quando estes produtos constituam parte de um produto abrangido por outro capítulo da Nomenclatura Combinada». O parecer sobre o direito irlandês observa que o álcool etílico incorporado nos aromas em questão, no momento em que a Diretiva 92/83 foi adotada, estava classificado no código NC 2207, sendo os próprios aromas abrangidos pelo código NC 2208 ( 13 ). Os aromas estão abrangidos pela definição de álcool etílico constante do primeiro travessão do artigo 20.o da Diretiva 92/83 e estão sujeitos ao imposto especial de consumo ( 14 ).

30.

Ao abrigo do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83, os produtos abrangidos por esta diretiva estão isentos do imposto especial de consumo harmonizado quando «[s]ejam utilizados para o fabrico de aromas […]» ( 15 ). É, portanto, a utilização dada ao álcool etílico que determina a aplicação da isenção ( 16 ). Contudo, o texto dessa disposição não está isento de ambiguidade: pode ser interpretado no sentido de «quando se destine a ser utilizado para o fabrico de aromas» ou «quando tenha sido utilizado para o fabrico de aromas» ( 17 ).

31.

Por conseguinte, há que recorrer aos outros critérios de interpretação que o Tribunal de Justiça habitualmente utiliza, ou seja, à finalidade e ao contexto da disposição examinada ( 18 ).

32.

A República da Polónia e a Comissão salientam que as isenções previstas no artigo 27.o da Diretiva 92/83 têm por objetivo neutralizar o impacto dos impostos especiais de consumo sobre o álcool etílico quando este é utilizado como produto intermédio noutros produtos comerciais ou industriais ( 19 ). Este produto é um «aroma destinado à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 % vol».

33.

Se a interpretação avançada pela Roménia viesse a prevalecer, implicaria que o álcool etílico destinado à produção de tais aromas estaria isento do imposto especial de consumo, ao passo que já não o estaria o álcool etílico já incorporado nesses aromas. Essa interpretação levaria ao resultado absurdo de, tendo sido isento de imposto na fase em que se destina ao fabrico de aromas, o álcool etílico, depois de ter sido utilizado para fabricar esses aromas, voltaria a estar sujeito ao imposto especial de consumo. Tal resultado não atingiria certamente o objetivo de neutralizar o impacto dos impostos especiais de consumo sobre o álcool utilizado para o fabrico de aromas destinados à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %.

34.

Uma interpretação teleológica e contextual do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 suporta, portanto, a posição defendida pela recorrente, pela Irlanda, pela República da Polónia e pela Comissão. Essa posição é igualmente corroborada pelas orientações não vinculativas emitidas pelo Comité dos Impostos Especiais de Consumo ( 20 ), que examinou em várias ocasiões a aplicação da isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e).

35.

O Comité dos Impostos Especiais de Consumo propôs inicialmente que os Estados‑Membros concedessem a isenção quando os aromas tivessem sido utilizados para preparar bebidas não alcoólicas sujeitas a mecanismos de controlo instituídos pelos Estados‑Membros ( 21 ). A circulação intracomunitária dos aromas ficaria sujeita às disposições da Diretiva 92/12/CEE ( 22 ).

36.

No entanto, após reflexão, o Comité dos Impostos Especiais de Consumo teve em conta o facto de os aromas serem predominantemente utilizados como concentrados para a preparação de refrigerantes. Uma vez que não podem ser consumidos sem diluição, o álcool pode ser considerado desnaturado. Os aromas são relativamente caros, custando mais do que o álcool mais barato comercializado na maioria dos Estados‑Membros. Por último, é dispendioso purificar aromas para deles extrair álcool etílico. À luz destas características, o comité poderia razoavelmente concluir que a concessão da isenção no momento do fabrico dos aromas não geraria um risco de evasão fiscal. Por conseguinte, propôs que a isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 se aplicasse a partir desse momento ( 23 ).

37.

Nas orientações adotadas na sua reunião de 12 a 14 de novembro de 2003, o Comité dos Impostos Especiais de Consumo observou que tinha sido acordado quase unanimemente que, para efeitos da circulação intracomunitária de aromas dos códigos NC 1302 1930, 2106 9020 e 3302 ( 24 ), a isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 devia ser aplicável a partir do momento em que esses produtos fossem fabricados ou importados ( 25 ).

38.

As deliberações do Comité dos Impostos Especiais de Consumo suportam igualmente a conclusão de que, ao contrário da posição adotada pela Roménia, a isenção abrange o álcool etílico que tenha sido utilizado para o fabrico de aromas.

39.

À luz do que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial da seguinte forma:

O artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que a isenção do imposto especial de consumo abrange tanto o álcool etílico que se destine a ser utilizado como o álcool etílico já utilizado para o fabrico de aromas destinados à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %.

B.   Quanto à segunda questão prejudicial

40.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que, se o álcool etílico for introduzido no consumo num Estado‑Membro e for considerado isento de imposto especial de consumo por ter sido utilizado para o fabrico de aromas destinados à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %, os outros Estados‑Membros devem tratar de modo idêntico o álcool etílico contido nesses aromas. A recorrente, a Irlanda e a Comissão são de opinião que uma isenção concedida por um Estado‑Membro onde um produto é fabricado deve ser reconhecida por qualquer Estado‑Membro para o qual o produto seja expedido. A Roménia observa que tal não se pode aplicar em todas as circunstâncias. A República da Polónia não apresentou observações sobre esta questão.

41.

À luz da resposta que proponho para a primeira questão prejudicial, os Estados‑Membros são obrigados a isentar do imposto especial de consumo o álcool etílico que já tenha sido utilizado no fabrico de aromas destinados à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %.

42.

Além disso, na sua jurisprudência relativa à interpretação do artigo 27.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 92/83, aplicável por analogia ao artigo 27.o, n.o 1, alínea e), o Tribunal de Justiça sublinha que, em regra, todos os Estados‑Membros devem reconhecer a decisão de um Estado‑Membro de sujeitar um produto ao imposto especial de consumo ou de o isentar do mesmo. Qualquer outra interpretação comprometeria a realização do objetivo prosseguido pela Diretiva 92/83 e entravaria a livre circulação de mercadorias ( 26 ). Na minha opinião, seria também contrária ao princípio de cooperação leal entre os Estados‑Membros previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE ( 27 ).

43.

Por conseguinte, quando os aromas tiverem sido introduzidos no consumo no Estado‑Membro de fabrico ao abrigo da legislação nacional que transpõe o artigo 7.o da Diretiva 2008/118 e esse Estado‑Membro tiver aplicado a isenção a esses aromas ao abrigo da sua legislação que transpõe o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 ( 28 ), o Estado‑Membro de destino desses produtos deve tratá‑los da mesma maneira quando chegam ao seu território, salvo se existirem razões válidas que levem a crer que a isenção foi concedida ilicitamente ( 29 ). Tendo em conta a resposta que proponho ao Tribunal de Justiça apara a primeira questão prejudicial, não foi demonstrado no presente processo que o Estado‑Membro onde os aromas foram fabricados e introduzidos no consumo aplicou incorretamente a isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83.

44.

Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão prejudicial da seguinte forma:

O artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que, depois de o álcool etílico ter sido introduzido no consumo num Estado‑Membro e de esse Estado‑Membro ter aplicado corretamente a isenção do imposto especial de consumo ao abrigo dessa disposição, o Estado‑Membro de destino deve reservar‑lhes um tratamento idêntico no seu território.

C.   Quanto à terceira questão prejudicial

45.

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), e o artigo 27.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 92/83, bem como os princípios da efetividade e da proporcionalidade, autorizam um Estado‑Membro a impor requisitos processuais a um comerciante de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que tenha obtido uma isenção do imposto especial de consumo no Estado‑Membro em que esses produtos foram fabricados e introduzidos no consumo.

46.

A recorrente explica que, no âmbito de aquisições dentro da União, o direito romeno exige que, para beneficiar de uma isenção ao abrigo do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83, os aromas sejam transferidos de um depositário autorizado para um operador registado ou para um destinatário registado. Uma vez que adquiriu os aromas a uma empresa irlandesa, que os vendeu após a sua introdução no consumo em conformidade com a lei irlandesa, a recorrente afirma que não lhe é possível satisfazer essas condições. As faturas pertinentes não demonstravam que o imposto especial de consumo tinha sido pago sobre os produtos e também não indicavam que lhes era aplicável um regime de suspensão do imposto. O parecer sobre o direito irlandês indica que a empresa irlandesa à qual a recorrente adquiriu os aromas não tinha qualquer obrigação, por força do direito irlandês ou do direito da União, de ser um depositário autorizado, dado que não detinha, transformava, produzia ou expedia produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

47.

A Irlanda considera que não podem ser impostos requisitos processuais aos comerciantes nas circunstâncias que resultam da decisão de reenvio. Segundo a Comissão, só podem ser impostos requisitos processuais nas circunstâncias permitidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. A República da Polónia e a Roménia consideram que os requisitos processuais em questão são permitidos e justificados, uma vez que têm por objetivo assegurar a aplicação correta e direta da isenção e evitar qualquer fraude, evasão ou utilização indevida. Em particular, a Roménia considera que, se os aromas estivessem autorizados a circular fora de um regime de suspensão do imposto ( 30 ), haveria o risco de serem transformados em bebidas alcoólicas para consumo, sobre as quais não seria pago imposto especial de consumo.

48.

As duas primeiras questões têm unicamente por objeto a interpretação do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83. Uma vez que a decisão de reenvio não faz qualquer outra referência ao artigo 27.o, n.o 2, alínea d), nem à legislação nacional que dá execução a esta disposição, nem às circunstâncias em que esta disposição pode ser aplicável ao litígio no processo principal, considero que se pode responder à terceira questão apenas à luz do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83.

49.

O artigo 27.o, n.o 1, lido em conjugação com o vigésimo segundo considerando da Diretiva 92/83, prevê que os Estados‑Membros devem estabelecer condições para assegurar a aplicação correta e direta das isenções previstas nessa disposição e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida. As condições estabelecidas pelos Estados‑Membros ao abrigo desse poder não podem ir além do que é necessário para atingir o objetivo enunciado nessa disposição ( 31 ). Nas circunstâncias em que surgiu o litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que o exercício desse poder se limita a verificar que os aromas são efetivamente utilizados para a preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %.

50.

Além disso, no exercício do poder de que dispõem para estabelecer as condições a que está subordinada a isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83, os Estados‑Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União. Entre estes figuram, nomeadamente, os princípios da proporcionalidade e da efetividade ( 32 ).

51.

O princípio da proporcionalidade exige que se pondere se os requisitos processuais excedem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legitimamente prosseguidos pelo artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83. Quando há uma opção entre várias medidas adequadas, deve recorrer‑se à menos onerosa e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos ( 33 ).

52.

O princípio da efetividade exige que as modalidades processuais nacionais não tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União ( 34 ).

53.

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, ao qual foi submetido o litígio no processo principal e que deve assumir a responsabilidade pela sua decisão judicial final, determinar se a regulamentação que as autoridades fiscais romenas pretendem aplicar satisfaz os requisitos descritos nos n.os 50 a 52 das presentes conclusões. As considerações que se seguem podem ajudar o órgão jurisdicional de reenvio a desempenhar esta tarefa.

54.

No que respeita ao objetivo de assegurar a aplicação correta e direta da isenção e de evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida, há que tomar em conta os seguintes factos: (i) os aromas tinham sido introduzidos no consumo no Estado‑Membro onde foram fabricados; (ii) esse mesmo Estado‑Membro tinha corretamente aplicado a isenção aos aromas; (iii) o Comité dos Impostos Especiais de Consumo considerou que a concessão da isenção no momento do fabrico dos aromas não gerou um risco de evasão fiscal ( 35 ); e (iv) não há indícios de que a recorrente tenha procurado obter o benefício da isenção de forma fraudulenta.

55.

Quanto à aplicação dos princípios da proporcionalidade e da efetividade, o órgão jurisdicional de reenvio deve examinar a alegação da recorrente segundo a qual não lhe é possível respeitar os requisitos processuais, uma vez que os aromas foram fabricados e colocados em livre prática no Estado‑Membro que concedeu a isenção.

56.

Nas circunstâncias do processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que a aplicação dos requisitos processuais em que as autoridades romenas insistem levará muito provavelmente a que a recorrente seja ilicitamente privada do seu direito de beneficiar de uma isenção do imposto especial de consumo corretamente concedida por outro Estado‑Membro. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a violação de requisitos puramente formais, desnecessários para assegurar que estão preenchidos os requisitos substantivos relativos à utilização efetiva dos produtos em questão, não pode pôr em causa o direito da recorrente de beneficiar da isenção obrigatória prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 ( 36 ).

57.

Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à terceira questão prejudicial da seguinte forma:

O artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83, bem como os princípios da efetividade e da proporcionalidade, só permitem a um Estado‑Membro impor requisitos processuais a um comerciante de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, que tenha beneficiado de uma isenção do imposto especial de consumo no Estado‑Membro onde esses produtos foram fabricados e introduzidos no consumo, quando esses requisitos processuais sejam estritamente necessários para assegurar a aplicação correta e direta da isenção em causa e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida. Ao imporem tais requisitos processuais, os Estados‑Membros devem respeitar os princípios gerais do direito da União, incluindo os princípios da proporcionalidade e da efetividade.

D.   Quanto à quarta questão prejudicial

58.

A quarta questão parece basear‑se no pressuposto de que o Estado‑Membro no qual os aromas foram fabricados aplicou incorretamente a isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83. Se o Tribunal de Justiça responder à primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio pela forma proposta nas presentes conclusões, a quarta questão assentaria numa hipótese errada, pelo que não necessita de resposta.

VI. Conclusão

59.

Tendo em conta o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Tribunalul Bucureşti (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia) do seguinte modo:

1)

O artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas, deve ser interpretado no sentido de que a isenção do imposto especial de consumo abrange tanto o álcool etílico que se destine a ser utilizado como o álcool etílico já utilizado para o fabrico de aromas destinados à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %.

2)

O artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que, depois de o álcool etílico ter sido introduzido no consumo num Estado‑Membro e de esse Estado‑Membro ter aplicado corretamente a isenção do imposto especial de consumo ao abrigo dessa disposição, o Estado‑Membro de destino deve reservar‑lhes um tratamento idêntico no seu território.

3)

O artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83, bem como os princípios da efetividade e da proporcionalidade, só permitem a um Estado‑Membro impor requisitos processuais a um comerciante de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, que tenha beneficiado de uma isenção do imposto especial de consumo no Estado‑Membro onde esses produtos foram fabricados e introduzidos no consumo, quando esses requisitos processuais sejam estritamente necessários para assegurar a aplicação correta e direta da isenção em causa e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida. Ao imporem tais requisitos processuais, os Estados‑Membros devem respeitar os princípios gerais do direito da União, incluindo os princípios da proporcionalidade e da efetividade.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 21).

( 3 ) Diretiva do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12).

( 4 ) Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 927, de 23 de dezembro de 2003.

( 5 ) Estas disposições constam dos autos do processo principal.

( 6 ) Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 688, de 10 de setembro de 2015.

( 7 ) Os aromas são fabricados a partir de extratos de frutos ou de plantas. Uma vez que estes extratos são insolúveis em água, são dissolvidos em álcool para fabricar um concentrado líquido. Este concentrado é, em seguida, diluído em água na proporção de 1:1 000 para produzir refrigerantes.

( 8 ) V. artigo 7.o da Diretiva 2008/118, reproduzido nos n.os 8 e 9 das presentes conclusões. O Tribunal de Justiça interpretou esta disposição no seu Acórdão de 2 de junho de 2016, Polihim‑SS (C‑355/14, EU:C:2016:403, n.os 46 a 55).

( 9 ) Como resulta das Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2012, C 338, p. 1).

( 10 ) V., neste sentido, Acórdãos de 5 de julho de 2012, Geistbeck (C‑509/10, EU:C:2012:416, n.o 47, e jurisprudência referida), e de 20 de junho de 2013, Impacto Azul (C‑186/12, EU:C:2013:412, n.o 26, e jurisprudência referida).

( 11 ) Acórdão de 18 de abril de 2013, Mulders (C‑548/11, EU:C:2013:249, n.o 28, e jurisprudência referida).

( 12 ) A primeira questão faz referência aos aromas utilizados para a preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio não menciona o comércio ou o transporte de refrigerantes da Irlanda para a Roménia.

( 13 ) Os produtos abrangidos pelo código NC 2207 são: «Álcool etílico não desnaturado, com um teor alcoólico em volume igual ou superior a 80 % vol.; álcool etílico e aguardentes, desnaturados, com qualquer teor alcoólico»; os produtos abrangidos pelo código NC 2208 são: «Álcool etílico não desnaturado, com um teor alcoólico em volume inferior a 80 % vol.; aguardentes, licores e outras bebidas espirituosas; preparações alcoólicas compostas, dos tipos utilizados na fabricação de bebidas» [Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, (JO 1987, L 256, p. 1)].

O Tribunal de Justiça interpretou o artigo 20.o da Diretiva 92/83 no seu Acórdão de 12 de junho de 2008, Gourmet Classic (C‑458/06, EU:C:2008:338, n.os 34 a 40).

( 14 ) V. n.o 6 das presentes conclusões.

( 15 ) Não resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio tenha dúvidas quanto à natureza do produto adquirido pela recorrente. Também não se contesta em nenhuma das observações escritas que o produto adquirido pela recorrente é um aroma (que é, em si, um produto de teor alcoólico superior a 1,2 %) para a preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico não superior a 1,2 %.

( 16 ) V., por analogia, Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire (C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 49 e jurisprudência referida).

( 17 ) É também o que acontece com outras versões linguísticas desta diretiva, por exemplo: em alemão: «zur Herstellung […] verwendet werden»; em espanhol: «cuando se utilicen»; em francês: «utilisés pour la production»; em neerlandês: «wanneer zij gebruikt worden»; em italiano: «impiegati per la produzione»; em português: «sejam utilizados».

( 18 ) «Em conformidade com jurisprudência constante, para interpretar uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte» [Acórdão de 3 de setembro de 2020, Niki Luftfahrt (C‑530/19, EU:C:2020:635, n.o 23 e jurisprudência referida)].

( 19 ) Acórdãos de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire (C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 48 e jurisprudência referida), e de 15 de outubro de 2015, Biovet (C‑306/14, EU:C:2015:689, n.o 21 e jurisprudência referida).

( 20 ) O artigo 43.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118 prevê que a Comissão é assistida por um comité designado «Comité dos Impostos Especiais de Consumo».

( 21 ) V. p. 3 do documento CED n.o 364, rev. 1, de 22 de janeiro de 2003.

( 22 ) Diretiva do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO 1992, L 76, p. 1), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 807/2003 do Conselho, de 14 de abril de 2003, que adapta à Decisão 1999/468/CE as disposições relativas aos comités que assistem a Comissão no exercício das suas competências de execução previstas em atos do Conselho adotados pelo procedimento consultivo (unanimidade) (JO 2003, L 122, p. 36).

( 23 ) V. pp. 4 e 5 do documento CED n.o 364, rev. 1, de 22 de janeiro de 2003.

( 24 ) Os códigos NC fazem referência à Nomenclatura Combinada à data da adoção das orientações, a saber, 12 a 14 de novembro de 2003. Os códigos são referidos em resposta ao facto de os aromas mencionados no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 não estarem identificados com precisão por códigos NC. Esta imprecisão foi considerada a única fonte de um risco de evasão fiscal (v. p. 4 do documento CED n.o 364, rev. 1, de 22 de janeiro de 2003).

( 25 ) V. p. 1 do documento CED n.o 458, de 19 de novembro de 2003.

( 26 ) Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire (C‑163/09, EU:C:2010:752, n.os 41 e 42).

( 27 ) V., por exemplo, Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo A‑Rosa Flussschiff (C‑620/15, EU:C:2017:12, n.o 60).

( 28 ) V., igualmente, n.o 36 das presentes conclusões, que fazem referência à proposta do Comité dos Impostos Especiais de Consumo no sentido de que a isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 se deve aplicar a partir do momento do fabrico dos aromas em questão.

( 29 ) V., por analogia, Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire (C‑163/09, EU:C:2010:752, n.os 43 e 44 e jurisprudência referida).

( 30 ) A Roménia remete para os artigos 17.o a 20.o do capítulo IV da Diretiva 2008/118, que tratam da circulação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto.

( 31 ) V. Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire (C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 51).

( 32 ) V., por analogia, Acórdãos de 13 de julho de 2017, Vakarų Baltijos laivų statykla (C‑151/16, EU:C:2017:537, n.o 45, e jurisprudência referida) e de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil (C‑68/18, EU:C:2019:933, n.o 56, e jurisprudência referida).

( 33 ) V. Acórdão de 9 de março de 2010, ERG e o. (C‑379/08 e C‑380/08, EU:C:2010:127, n.o 86, e jurisprudência referida).

( 34 ) V. Acórdão de 18 de outubro de 2012, Pelati (C‑603/10, EU:C:2012:639, n.os 23 e 25, e jurisprudência referida).

( 35 ) V. as considerações referidas no n.o 36 das presentes conclusões.

( 36 ) V., por analogia, Acórdãos de 27 de setembro de 2007, Collée (C‑146/05, EU:C:2007:549, n.o 31); de 13 de julho de 2017, Vakarų Baltijos laivų statykla (C‑151/16, EU:C:2017:537, n.o 46, e jurisprudência referida); e de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil (C‑68/18, EU:C:2019:933, n.o 59, e jurisprudência referida).

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