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Document 62021CC0294

    Conclusões do advogado-geral M. Szpunar apresentadas em 7 de abril de 2022.
    État luxembourgeois e Administration de l'enregistrement, des domaines et de la TVA contra Navitours SARL.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Luxemburgo).
    Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Sexta Diretiva 77/388/CEE — Artigo 2.o, n.o 1 — Âmbito de aplicação — Operações tributáveis — Artigo 9.o, n.o 2, alínea b) — Lugar da prestação de serviços de transporte — Excursões turísticas no Mosela — Rio com estatuto de condominium.
    Processo C-294/21.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:281

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MACIEJ SZPUNAR

    apresentadas em 7 de abril de 2022 ( 1 )

    Processo C‑294/21

    État du Grand‑duché de Luxembourg,

    Administration de l’enregistrement, des domaines et de la TVA

    contra

    Navitours Sàrl

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation du Grand‑Duché de Luxembourg (Tribunal de Cassação do Grão‑Ducado do Luxemburgo, Luxemburgo)]

    «Reenvio prejudicial — Impostos — Imposto sobre o valor acrescentado — Sexta Diretiva 77/388/CEE — Artigos 2.o, ponto 1, e 9.o, n.o 2, alínea b) — Âmbito de aplicação — Operações tributáveis — Lugar da prestação de serviços de transporte — Cruzeiros no Mosela — Rio com estatuto de condominium»

    Introdução

    1.

    Embora possa parecer improvável, a génese do presente processo remonta a mais de 200 anos, a saber, ao Congresso de Viena de 1815. Com efeito, o artigo 25.o da Ata Final deste congresso ( 2 ), relativo às «propriedades prussianas na margem esquerda do Reno», estipulava que os rios Mosela, Sûre e Our, na medida em que formavam a fronteira dessas propriedades, pertenciam em conjunto às potências fronteiriças. Esta disposição foi confirmada e especificada no artigo 27.o do Tratado de Fronteira entre o Reino dos Países Baixos e o Reino da Prússia, celebrado em 26 de junho de 1816, em Aachen.

    2.

    Apesar de o Reino da Prússia, o Reino dos Países Baixos, tal como existiam à época, e a ordem estabelecida pelo Congresso de Viena, terem há muito deixado de existir, a referida disposição continua em vigor, atualmente sob a forma do artigo 1.o, n.o 1, do Tratado entre o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a República Federal da Alemanha sobre o traçado da fronteira comum entre os dois Estados ( 3 ) (a seguir «Tratado Relativo às Fronteiras de 1984»). Este tratado enuncia que o território sob soberania conjunta é a expressão visível do espírito da integração europeia, mas paradoxalmente, na prática, essa soberania conjunta gera dificuldades para ambos os Estados‑Membros no cumprimento das suas obrigações decorrentes do direito da União, e mais concretamente, no que diz respeito ao presente processo, das disposições relativas ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»).

    3.

    Todavia, como já salientou o advogado‑geral A. L. Dutheillet de Lamothe ( 4 ), as disposições do Congresso de Viena e as disposições dos acordos internacionais que daí decorrem não devem obstar à plena aplicação e eficácia do direito da União em todo o seu território, incluindo o que, por força destas disposições, está sob soberania conjunta de dois Estados‑Membros. Assim, proponho que se decida no presente processo com base nas disposições pertinentes do direito da União, sem subordinar a sua aplicação às disposições dos acordos internacionais entre os diferentes Estados‑Membros e à celebração dos acordos neles previstos.

    Quadro jurídico

    Direito internacional

    4.

    O artigo 1.o, n.o 1, do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984 estabelece uma soberania conjunta (condominium) entre a Alemanha e o Luxemburgo sobre os rios fronteiriços:

    «Qualquer lugar onde o Mosela, o Sûre ou o Our façam fronteira em conformidade com o Tratado de 26 de junho de 1816 [ ( 5 )] constitui um território comum sob soberania conjunta dos dois Estados contratantes.»

    5.

    O artigo 5.o, n.o 1, desse tratado dispõe:

    «Os Estados contratantes resolvem as questões relativas ao direito aplicável no território comum sob soberania conjunta mediante um acordo adicional.»

    Até à data, tal acordo adicional não foi celebrado.

    Direito da União

    6.

    O artigo 2.o, ponto 1, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme ( 6 ), alterada pela Diretiva 91/680/CEE, de 16 de dezembro de 1991 ( 7 ), dispõe:

    «Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

    1)

    As entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

    […]»

    7.

    Segundo o artigo 3.o, n.o 2, dessa diretiva:

    «Para efeitos de aplicação da presente diretiva, o “território do país” corresponde ao âmbito de aplicação do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, tal como é definido, relativamente a cada Estado‑Membro, no artigo 227.o»

    8.

    Por último, o artigo 9.o, n.os 1, e 2, alínea b), da referida diretiva dispõe:

    «1.   Por “lugar da prestação de serviços” entende‑se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua atividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual.

    2.   Todavia:

    […]

    b)

    Por lugar das prestações de serviços de transporte entende‑se o lugar onde se efetua o transporte, tendo em conta as distâncias percorridas.»

    Factos, tramitação processual e questão prejudicial

    9.

    A sociedade Navitours Sàrl., sociedade de direito luxemburguês, dedica‑se à organização de cruzeiros turísticos num troço do Mosela abrangido pela soberania conjunta por força do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984. Em razão do estatuto especial deste rio, a atividade da sociedade Navitours era considerada pelas autoridades fiscais como sendo realizada fora do território nacional na aceção das disposições em matéria de IVA, pelo que estas autoridades não exigiam o pagamento desse imposto sobre o preço dos referidos cruzeiros.

    10.

    Em 2004, a sociedade Navitours adquiriu nos Países Baixos um navio de passageiros para ser utilizado na atividade que exerce. Este navio foi submetido pelas autoridades fiscais às disposições relativas a aquisições intracomunitárias, ou seja, a operação foi isenta nos Países Baixos e tributada no Luxemburgo ( 8 ). No entanto, as autoridades fiscais negaram à sociedade Navitours o direito a deduzir o IVA pago na aquisição do navio em questão, com o fundamento de que, na ausência de tributação das atividades dessa sociedade, efetuadas nas águas do condominium, o navio não tinha sido adquirido para efeitos de uma atividade tributada, o que é condição para o direito à dedução.

    11.

    Na sequência de recurso da sociedade Navitours, a referida recusa do direito à dedução foi posta em causa, por último, no Acórdão da Cour d’appel (Tribunal de Recurso, Luxemburgo) de 10 de julho de 2014, no qual se declarou que as atividades desta sociedade podiam ser tributadas tanto no Luxemburgo como na Alemanha, pelo que tinha direito à dedução.

    12.

    Tendo em conta este acórdão, as autoridades fiscais, por Decisão de 5 de agosto de 2015, exigiram à sociedade Navitours o pagamento do IVA sobre as suas atividades nos exercícios fiscais de 2004 e 2005. Contudo, na sequência de recurso interposto pela sociedade Navitours, o Tribunal d’arrondissement de Luxembourg (Tribunal de Primeira Instância do Luxemburgo), no seu Acórdão de 23 de maio de 2018, anulou essa decisão. Este órgão jurisdicional considerou nomeadamente que, na falta de acordo entre o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a República Federal da Alemanha sobre a aplicação do IVA no território do condominium luxemburguês, as autoridades fiscais luxemburguesas não estão habilitadas a cobrar imposto sobre as atividades exercidas nesse território. Este acórdão foi confirmado por Acórdão da Cour d’appel (Tribunal de Recurso) de 11 de dezembro de 2019.

    13.

    O État du Grand‑duché de Luxembourg (Tesouro Público do Grão‑Ducado do Luxemburgo) e a Administration de l’enregistrement, des domaines et de la TVA (Autoridade Fiscal, Luxemburgo) interpuseram um recurso de cassação desse último acórdão junto do órgão jurisdicional de reenvio. Nestas circunstâncias, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação, Luxemburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O artigo 2.o, [ponto] 1, da Diretiva [77/388] que dispõe que “[e]stão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado: 1. As entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade”, e/ou o artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva [77/388], que dispõe que “[p]or lugar das prestações de serviços de transporte entende‑se o lugar onde se efetua o transporte, tendo em conta as distâncias percorridas”, aplica(m)‑se e conduz(em) a uma tributação em sede de IVA no Luxemburgo das prestações de transporte de pessoas efetuadas por um prestador estabelecido no Luxemburgo, quando estas prestações são efetuadas no interior de um condominium, definido pelo [Tratado Relativo às Fronteiras de 1984], como um território comum sob soberania conjunta do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da República Federal da Alemanha, relativamente ao qual não existe, em matéria de cobrança do IVA sobre as prestações de serviços de transporte, um acordo entre os dois Estados conforme previsto no artigo 5.o, n.o 1, do [Tratado Relativo às Fronteiras de 1984], nos termos do qual “[o]s Estados contratantes resolvem as questões relativas ao direito aplicável no território comum sob soberania conjunta mediante um acordo adicional”?»

    14.

    O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de maio de 2021. Apresentaram observações escritas a sociedade Navitours, os Governos luxemburguês e alemão e a Comissão Europeia. O Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência. As partes responderam por escrito à questão do Tribunal de Justiça.

    Análise

    15.

    Com a sua questão prejudicial no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio coloca, essencialmente, duas questões, a saber, em primeiro lugar, se na falta de um acordo entre o Luxemburgo e a Alemanha sobre a aplicação das disposições em matéria de IVA no território do condominium, essas disposições se aplicam aos serviços de transporte prestados nesse território e, em segundo lugar, se a sua aplicação conduz ou é suscetível de conduzir a uma tributação desses serviços no Luxemburgo.

    16.

    Estas questões, embora estejam intimamente ligadas, são, no entanto, distintas e devem ser analisadas à vez. Antes disso, porém, há que resolver um problema prévio, ou seja, determinar se se trata de um serviço de transporte na aceção do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388.

    Cruzeiros turísticos como serviços de transporte para efeitos de IVA

    17.

    No Acórdão Trijber e Harmsen ( 9 ), na sequência de uma análise aprofundada, o Tribunal de Justiça declarou ( 10 ) que, sem prejuízo das verificações a realizar pelo órgão jurisdicional de reenvio, uma atividade que consiste em prestar, a título oneroso, um serviço de transporte de passageiros num barco, com o objetivo de os levar a visitar uma cidade por vias navegáveis para fins recreativos, não constitui um serviço no «domínio dos transportes», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123/CE ( 11 ).

    18.

    Por conseguinte, há que examinar se, à luz deste acórdão, os serviços prestados pela sociedade Navitours constituem ou não «serviços de transporte» na aceção do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388. Responder a esta questão pela negativa privaria de objeto a questão prejudicial no presente processo, que diz claramente respeito à interpretação da referida disposição. Foi também por isso que o Tribunal de Justiça, no processo em apreço, colocou às partes uma questão sobre esta matéria ( 12 ).

    19.

    No entanto, não penso que seja razoável compreender o conceito de «serviços de transporte», que figura no artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388, da mesma forma que o conceito de «serviços no domínio dos transportes», na aceção da Diretiva 2006/123. Aqui concordo com o ponto de vista expresso nas respostas à pergunta do Tribunal de Justiça dadas pela sociedade Navitours, o Governo luxemburguês e a Comissão ( 13 ).

    20.

    A título preliminar, observo que este acórdão do Tribunal de Justiça se baseia, em larga medida, na natureza muito particular dos serviços que são objeto do processo principal num dos processos que deram origem ao Acórdão Trijber e Harmsen, no âmbito dos quais o transporte em si era de importância secundária ( 14 ). Ora, nada indica que os serviços da sociedade Navitours em causa no processo principal sejam de natureza comparável. Esses serviços consistem na organização de cruzeiros em vias navegáveis interiores, ou seja, uma atividade em que o transporte de pessoas é um elemento essencial ( 15 ).

    21.

    Não obstante estas diferenças factuais, na minha opinião, milita a favor de uma interpretação diferente dos conceitos de «serviços de transporte», na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 77/388 e de «serviços no domínio dos transportes», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, da alínea d), da Diretiva 2006/123 o facto de estas duas regulamentações terem um objetivo totalmente diferente. A sociedade Navitours, o Governo luxemburguês e a Comissão chamam a atenção para este aspeto nas suas respostas à pergunta do Tribunal de Justiça.

    22.

    A Diretiva 2006/123 dá expressão concreta à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços no mercado único. O objetivo do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), dessa diretiva é excluir do seu âmbito de aplicação os serviços abrangidos por disposições específicas do (atual) título VI da terceira parte do Tratado FUE, bem como as disposições dos atos de direito derivado baseados nessas disposições, aos quais, nos termos do artigo 58.o, n.o 1, TFUE, o princípio geral da livre prestação de serviços não é aplicável. Esta disposição deve, portanto, ser interpretada de forma estrita, aplicando‑se apenas aos serviços deste tipo em relação aos quais a exclusão da aplicação da livre prestação de serviços é justificada e resulta das disposições do Tratado. No Acórdão Trijber e Harmsen, o Tribunal de Justiça considerou que não era justificada a exclusão dos serviços objeto de um dos processos principais.

    23.

    O artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388 é de natureza completamente diferente. Não visa regular especificamente os serviços de transporte em geral relativamente a outras categorias de serviços, mas apenas regular esses serviços especificamente num aspeto, a saber, o lugar da sua prestação. A este respeito, importa lembrar que o sentido fundamental da regulação pormenorizada do lugar onde são realizadas as operações sujeitas a IVA reside no facto de esse lugar determinar a competência para tributar essas operações. Assim, quando uma operação diz respeito, seja de que maneira for, a vários Estados‑Membros (por exemplo, o transporte de um Estado‑Membro para outro), as regras para determinar o lugar onde a operação é efetuada são essenciais para atribuir competência fiscal a esses Estados‑Membros. A regra geral é que a tributação deve ter lugar onde o bem ou o serviço é efetivamente consumido.

    24.

    Nos termos do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388, o lugar da prestação de serviços de transporte é o lugar onde (de facto) se efetua o transporte, «tendo em conta as distâncias percorridas». O legislador da União considerou, portanto, que a solução mais próxima da realidade é aquela em que se considera lugar da prestação do serviço de transporte aquele em que o meio de transporte se encontra durante a prestação do serviço, quando o meio de transporte está em movimento ( 16 ). A competência para tributar esse serviço é determinada, portanto, pela distância que o meio de transporte percorreu no território de determinado Estado‑Membro e não, por exemplo, pelo lugar de carga ou pelo momento da prestação do serviço ( 17 ).

    25.

    Deste ponto de vista, portanto, na minha opinião, deve considerar‑se um serviço de transporte na aceção do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388 qualquer serviço cujo elemento único ou principal consiste em transportar pessoas ou mercadorias em distâncias que não sejam negligenciáveis ( 18 ), independentemente do objetivo (comercial, turístico, recreativo, etc.) que esse transporte serve ou da questão de saber se o serviço começa e acaba no mesmo lugar ou em lugares diferentes. Com efeito, em qualquer uma destas situações pode haver uma divisão da competência fiscal entre vários Estados‑Membros e essa divisão deve ser efetuada em conformidade com essa disposição, ou seja, tendo em conta as distâncias percorridas.

    26.

    A meu ver, esta distinção entre o significado dos conceitos referidos ao abrigo das Diretivas 77/388 e 2006/123 não é contrariada pelo princípio de que termos semelhantes utilizados em diferentes atos do direito da União devem ser interpretados de forma semelhante ( 19 ).

    27.

    Em primeiro lugar, a natureza e objetivo diferentes das duas regulamentações supramencionadas justificam uma compreensão diferente dos conceitos de «serviços de transporte» e de «serviços no domínio dos transportes» nestes dois atos normativos. Serviços semelhantes podem, portanto, ser qualificados de forma diferente para efeitos da aplicação destes dois atos.

    28.

    Em segundo lugar, a plena conformidade da interpretação destes conceitos não é, de qualquer modo, possível.

    29.

    Isto porque, por um lado, o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123 inclui expressamente nos serviços no domínio dos transportes os serviços portuários. Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça considera que as atividades de inspeção técnica de veículo são abrangidas por esta disposição ( 20 ). Ora, na minha opinião, não há dúvida de que nem os serviços portuários nem os serviços de inspeção técnica de veículos podem constituir serviços de transporte na aceção do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388. Seria impossível, antes de mais, aplicar‑lhes o critério da distância percorrida adotado nessa disposição.

    30.

    Por outro lado, o Tribunal de Justiça considerou expressamente que os cruzeiros estão abrangidos pelo Regulamento (CEE) n.o 3577/92 ( 21 ) e, por conseguinte, também pelo título VI do Tratado FUE, relativo aos transportes, com base no qual foi adotado este regulamento ( 22 ). Seria difícil tratar de forma diferente os cruzeiros nas águas interiores, apesar de estarem sujeitos às disposições de outro regulamento adotado com base nas mesmas disposições do Tratado ( 23 ).

    31.

    Como resulta daqui, é difícil ter uma compreensão uniforme do conceito de «transporte» e dos termos derivados em diferentes atos do direito da União que regem as suas diferentes áreas. Como indiquei acima, também não creio que tal compreensão uniforme seja necessária tendo em conta os objetivos tão diferentes prosseguidos por essas regulamentações ( 24 ).

    32.

    Tendo em conta o que precede, proponho que se considere que os serviços que consistem na organização de cruzeiros em barco fluvial constituem serviços de transporte na aceção do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388.

    Aplicação das disposições relativas ao IVA no território do condominium

    33.

    Nos termos do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388, o lugar da prestação dos serviços de transporte por via interior navegável nas águas do Mosela, no troço em que forma fronteira entre o Luxemburgo e a Alemanha, é o território dessas águas e, portanto, em conformidade com o Tratado Relativo às Fronteiras de 1984, um território sob soberania conjunta destes dois Estados‑Membros, ou seja, o condominium. Por conseguinte, há que examinar se as condições de aplicação desta diretiva estão reunidas nesse território, isto é, em primeiro lugar, se esse território constitui o território do país e Estado‑Membro na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da referida diretiva e, em segundo lugar, se e de acordo com que princípios os referidos Estados‑Membros podem aplicar nesse território as disposições que adotaram para transpor a diretiva.

    Território do condominium como território do país na aceção das disposições relativas ao IVA

    34.

    Como já referi, a atividade da sociedade Navitours em matéria de cruzeiros no Mosela não estava sujeita a IVA pelo facto de as autoridades fiscais luxemburguesas (e, aparentemente, também alemãs) não terem considerado esta atividade, exercida no território do condominium, uma atividade efetuada «no território do país» na aceção da legislação em matéria de IVA. Isso deveu‑se ao estatuto especial deste território, sujeito à soberania conjunta dos dois Estados‑Membros. Embora a posição das autoridades fiscais luxemburguesas tenha sido alterada no que respeita à necessidade de conceder à sociedade Navitours o direito à dedução do IVA sobre o custo de aquisição de um navio para efeitos dessa atividade, a opinião sobre o estatuto fiscal especial do território do condominium parece ser partilhada pelos órgãos jurisdicionais de primeira e segunda instâncias no processo principal.

    35.

    No entanto, não considero que esta opinião esteja correta.

    36.

    O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 77/388 define o território do país mediante referência ao âmbito de aplicação territorial do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, no seu artigo 299.o ( 25 ). De acordo com esta última disposição, o Tratado e, consequentemente, a Diretiva 77/388, aplica‑se, em particular, à República Federal da Alemanha e ao Grão‑Ducado do Luxemburgo. Embora tal disposição contenha uma série de exceções e regras especiais, nenhuma delas diz respeito ao território do condominium ( 26 ). Do mesmo modo, este território não foi excluído do conceito de «território do país» por força do artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 77/388.

    37.

    Por conseguinte, daí apenas se pode concluir que o território do condominium pertence ao território do país, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 77/388. Caso contrário, teria de se concluir que o direito da União não é de todo aplicável nesse território, o que, por sua vez, seria uma conclusão absurda.

    38.

    Este caso tem, porém, a particularidade de dizer respeito simultaneamente ao território do país de dois Estados‑Membros, o que é uma situação excecional e que não foi prevista pelos autores da Diretiva 77/388. Por conseguinte, há que responder à questão de saber em que condições deve essa diretiva ser aplicada nesse território.

    Requisitos de aplicação das disposições em matéria de IVA no território do condominium

    39.

    Nas suas observações no presente processo, o Governo alemão e a sociedade Navitours, apresentaram o argumento de que, segundo as regras do direito internacional público, o exercício por um dos Estados em causa da soberania sobre o território do condominium exige o aval do outro Estado, pelo que o exercício, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo ou pela República Federal da Alemanha, da sua competência em matéria de IVA no território sob a sua soberania conjunta é impossível sem o acordo celebrado com base no artigo 5.o do Tratado de Fronteira de 1984 ( 27 ). Além disso, segundo este Governo, a Diretiva 77/388 não se opõe a que os dois Estados‑Membros em causa renunciem provisoriamente a tributar as operações realizadas nesse território em conformidade com o direito internacional e no interesse das relações de boa vizinhança.

    40.

    A meu ver, esta tese não tem fundamento à luz do direito da União.

    41.

    Quanto à Diretiva 77/388, esta não contém nenhuma disposição que habilite o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a República Federal da Alemanha a não tributarem as operações efetuadas no território do condominium. Segundo o artigo 2.o desta diretiva, está sujeita a tributação qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso e quaisquer exceções a este princípio devem ser clara e rigorosamente definidas ( 28 ). Ora, nesta diretiva, não há nenhuma disposição que isente as operações efetuadas no território do condominium.

    42.

    No que diz respeito ao Tratado Relativo às Fronteiras de 1984, deve notar‑se, em primeiro lugar, que o direito da União respeita o direito internacional na medida em que este determina o âmbito territorial da soberania dos Estados‑Membros. O âmbito de aplicação territorial do direito da União é definido com precisão por referência ao território dessa soberania que é designado pelo direito internacional e aplicado pelo direito nacional. Isto é assegurado pelas disposições específicas do artigo 299.o CE ( 29 ) e, em matéria de IVA, pelo artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 77/388 ( 30 ). As decisões invocadas pelo Governo alemão também dizem respeito a este aspeto ( 31 ).

    43.

    Consequentemente, é com base no artigo 1.o do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984 que tanto o Grão‑Ducado do Luxemburgo como a República Federal da Alemanha podem (e devem) exercer a sua competência fiscal em matéria de IVA no território do condominium e têm o direito de acordar as regras para o seu exercício.

    44.

    Ora, como o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar reiteradamente, as disposições de uma convenção que vincula dois Estados‑Membros não podem aplicar‑se às relações entre ambos caso sejam contrárias às regras do Tratado ( 32 ). O mesmo se deve dizer, em meu entender, da incompatibilidade de tal convenção com os atos de direito derivado da União, sob pena de permitir aos Estados‑Membros acordarem entre si derrogações ao direito da União, pondo assim em causa o efeito útil deste. Consequentemente, a ausência de um acordo como o previsto no artigo 5.o do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984 não pode justificar a manutenção de uma situação incompatível com o direito da União, nomeadamente a não tributação de operações efetuadas no território do condominium. Além disso, importa notar que o Tratado Relativo às Fronteiras de 1984 é posterior à Diretiva 77/388, pelo que, no momento da celebração deste Tratado, ambos os Estados‑Membros em questão estavam cientes das obrigações decorrentes desta diretiva.

    45.

    Por último, no que diz respeito ao argumento do Governo alemão de que a não tributação das operações realizadas no território do condominium é de natureza provisória, uma vez que os Estados‑Membros em causa estão a negociar um acordo adequado, basta referir que essa «provisoriedade» já dura há 45 anos ( 33 ). Além disso, a Diretiva 77/388 não prevê, no que respeita ao território do condominium, nem derrogações permanentes nem temporárias.

    46.

    Estas considerações também não são postas em causa pela adoção pelo Conselho da Decisão de Execução 2010/579/UE ( 34 ). Esta decisão dizia respeito ao reconhecimento da ponte fronteiriça sobre o Mosela entre o Luxemburgo e a Alemanha como estando inteiramente situada no território luxemburguês para efeitos da tributação das entregas de bens, das prestações de serviços e das entregas intracomunitárias de bens efetuadas no âmbito da renovação dessa ponte.

    47.

    Ao contrário do que a sociedade Navitours sugere nas suas observações, esta decisão não resultou da inaplicabilidade das regras em matéria de IVA às operações efetuadas no âmbito da renovação da ponte, mas apenas da necessidade de simplificar a sua aplicação, designando o território de um único Estado‑Membro como o lugar de realização dessas operações ( 35 ). Dizia respeito não só a operações cujo lugar de execução era o território do condominium, mas também a operações cujo lugar de execução seria, em conformidade com as disposições da Diretiva 2006/112, o território exclusivo de um dos Estados‑Membros. De resto, o próprio título da decisão indica claramente que autoriza derrogações às disposições da referida diretiva e não medidas necessárias à sua aplicação.

    48.

    Além disso, uma das premissas de adoção dessa decisão era o facto de ela não ter incidências negativas sobre os recursos próprios da União provenientes do IVA ( 36 ). Ora, a não tributação, desde 1978, das operações realizadas no território do condominium tem sem dúvida uma incidência negativa.

    49.

    Importa ainda acrescentar que, como ilustram perfeitamente o presente processo e o desenrolar do processo principal, a não tributação das operações em causa dá origem a mais irregularidades na aplicação do IVA, relativas às operações efetuadas a montante. Operações, como, por exemplo, a aquisição de um navio de cruzeiro para atividades no território do condominium, o que esteve na origem do litígio no processo principal, ou não são tributadas (de acordo com a posição inicial da sociedade Navitours) ( 37 ), ou são tributadas sem direito a dedução (de acordo com a posição inicial das autoridades fiscais) ( 38 ), ou conferem direito a dedução, embora as operações a jusante não sejam efetivamente tributáveis (de acordo com as decisões dos órgãos jurisdicionais de primeira e segunda instâncias no processo principal) ( 39 ). Nenhuma destas situações está em conformidade com as disposições da Diretiva 77/388 ( 40 ).

    50.

    Tendo em conta o que precede, há que considerar que tanto o Grão‑Ducado do Luxemburgo como a República Federal da Alemanha, ao não sujeitar ao IVA operações efetuadas no território do condominium, não estão a cumprir as obrigações que lhes incumbem por força das disposições da Diretiva 77/388 (e atualmente da Diretiva 2006/112) ( 41 ). Com efeito, estas operações são tributáveis por força destas disposições e a ausência do acordo previsto no artigo 5.o do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984 não isenta os dois Estados‑Membros da sua execução.

    51.

    Resta, portanto, determinar se as disposições da Diretiva 77/388 se opõem a uma tributação unilateral das prestações de serviços efetuadas no território do condominium por um dos Estados‑Membros em causa.

    Tributação das operações efetuadas no território do condominium por um dos Estados‑Membros em causa

    52.

    Como resulta do sétimo considerando da Diretiva 77/388, o objetivo das disposições que determinam o lugar das operações tributáveis ao IVA é evitar conflitos de competência suscetíveis de conduzir a dupla tributação e a não tributação dessas operações ( 42 ). No entanto, o legislador da União não previu nem regulou a situação excecional de condominium, em que as operações efetuadas no seu território são da competência fiscal de dois Estados‑Membros.

    53.

    Nos termos do artigo 5.o do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984, esta situação deve ser resolvida por via de um acordo celebrado com base nesta disposição entre o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a República Federal da Alemanha. Contudo, os Estados‑Membros em questão não celebraram tal acordo. A sua inexistência e a não tributação daí resultante das operações realizadas no território do condominium levam não só à violação das disposições em matéria de IVA, como podem também ser consideradas uma violação do princípio da cooperação leal estabelecido no artigo 4.o, n.o 3, TUE ( 43 ). Por conseguinte, importa ponderar de que forma deve ser determinada a competência fiscal dos Estados‑Membros em causa para tributar as referidas operações apesar da inexistência de um acordo adequado entre eles.

    Proposta da Comissão

    54.

    Nas suas observações, a Comissão propõe que nesta situação muito excecional se considere que o lugar de execução da prestação de transporte é o local do seu início, ou seja, nas circunstâncias de facto do processo principal, o porto fluvial de onde parte o navio de cruzeiro a bordo do qual o serviço de transporte é prestado. Esta proposta tem sem dúvida a vantagem de resolver de forma clara a questão da competência fiscal na medida em que, ao contrário das águas do rio Mosela, as suas margens estão situadas no território exclusivo dos Estados‑Membros em causa que, nas circunstâncias do processo principal, é o território luxemburguês. Esta proposta também está em conformidade com o princípio geral da tributação no lugar do consumo — isto porque se pode considerar que o lugar de consumo do serviço de transporte de passageiros é o lugar a partir do qual esses passageiros viajam.

    55.

    Contudo, não sou a favor de que o Tribunal de Justiça adote esta proposta, por três razões.

    56.

    Em primeiro lugar, a proposta não tem qualquer fundamento nas disposições da Diretiva 77/388. No que respeita às prestações de serviços, esta diretiva estabelece apenas uma regra geral de tributação no lugar da sede do prestador de serviços (artigo 9.o, n.o 1) e um certo número de exceções, uma das quais diz respeito aos serviços de transporte e impõe que se considere como lugar da prestação do serviço o lugar onde se efetua o transporte [artigo 9.o, n.o 2, alínea b)]. Em contrapartida, não há nela nenhuma disposição que, mesmo por analogia, permita relacionar o lugar da prestação de um serviço de transporte com o lugar onde esse transporte tem início.

    57.

    A título exaustivo, acrescento que as disposições atualmente em vigor determinam efetivamente o lugar das prestações de serviços de transporte no lugar de partida, mas apenas para os serviços de transporte intracomunitário de bens efetuados a pessoas que não sejam sujeitos passivos ( 44 ). Em contrapartida, no que respeita aos serviços de transporte de passageiros, aplica‑se o mesmo princípio do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388, segundo o qual se considera que o lugar da prestação desse serviço é o lugar onde se efetua o transporte em função das distâncias percorridas ( 45 ). Assim, nem uma interpretação dinâmica desta disposição permite relacionar o lugar da prestação do serviço de transporte de passageiros com o local de partida desse transporte.

    58.

    Além disso, se a proposta da Comissão fosse aceite, surgiria uma dúvida quanto a saber se o princípio que propõe só é aplicável no que respeita ao território do condominium ou também a outras situações de transporte de passageiros entre diferentes Estados‑Membros. Com efeito, não vejo razão para submeter o território do condominium a regras diferentes das aplicáveis a outras situações semelhantes. A dificuldade em aplicar as disposições em matéria de IVA no território do condominium é de natureza técnica e necessita de ser resolvida com base nas disposições aplicáveis, em vez de estar a criar, através de interpretação, regras jurídicas distintas. Por seu turno, aplicar a proposta da Comissão a todos os serviços de transporte de passageiros entre diferentes Estados‑Membros equivaleria, de facto, a alterar as disposições da Diretiva 77/388.

    59.

    Em segundo lugar, a proposta da Comissão não encontra fundamento na situação de facto do presente processo. Com efeito, como dispõe o artigo 1.o, n.o 3, do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984, a fronteira de um território sob soberania conjunta é definida pela linha de confluência da superfície da água com a superfície da terra. Por outras palavras, a superfície da água do Mosela constitui inteiramente território do condominium. Ora, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388, por lugar das prestações de serviços entende‑se o lugar onde se efetua o transporte, tendo em conta as distâncias percorridas, ou seja, no momento da partida do meio de transporte, neste caso, o navio.

    60.

    Isto significa que embora os passageiros embarquem num navio num cais que pode estar situado no território exclusivo de um dos Estados‑Membros em causa ( 46 ) a prestação do serviço de transporte é inteiramente efetuada na superfície da água, ou seja, no território do condominium. Por conseguinte, não se pode considerar, como deseja a Comissão, que esta prestação tem início no território exclusivo de um Estado‑Membro e seguidamente apenas é continuada no território do condominium. Por essa razão, não pode ser feita, no caso em apreço, uma analogia com o processo que deu origem ao Acórdão Trans Tirreno Express ( 47 ), no qual o Tribunal de Justiça admitiu a tributação do serviço de transporte marítimo que começa e termina nas águas territoriais de um Estado‑Membro também na parte em que esse transporte era efetuado nas águas internacionais. Com efeito, o transporte no Mosela, no troço da fronteira entre o Luxemburgo e a Alemanha, efetua‑se integralmente no território sob a soberania conjunta desses dois Estados‑Membros.

    61.

    Em terceiro e último lugar, pode‑se evidentemente ter uma visão muito crítica do facto de, até à data, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a República Federal da Alemanha não terem celebrado o acordo previsto no artigo 5.o do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984 e, por esse motivo, não terem tributado as prestações de transporte efetuadas no território do condominium. Contudo, isso não altera o facto de este território estar sob a sua soberania conjunta e, por conseguinte, de ambos os Estados aí exercerem, em princípio, competência fiscal e terem direito a determinar, em conformidade com o direito da União, a forma como essa competência é exercida.

    62.

    Por outro lado, aceitar a proposta da Comissão privaria a República Federal da Alemanha da sua competência fiscal no território do condominium, na medida em que os serviços de transporte nesse território seriam efetuados a partir de um cais situado no território exclusivo do Luxemburgo (e vice‑versa). Ora, na Diretiva 77/388, não há disposições que justifiquem privá‑los dessa competência.

    63.

    Isso também não é necessário, uma vez que, na minha opinião, uma solução muito mais simples para a situação em causa no presente processo pode ser encontrada no âmbito do direito da União.

    Solução que proponho

    64.

    O direito da União exige que as operações efetuadas no território do condominium sejam tributadas em conformidade com as disposições da Diretiva 77/388. Deste ponto de vista, não é essencial se e como o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a República Federal da Alemanha acordam a forma de aplicar as disposições em matéria de IVA neste território. Tanto a tributação unilateral por um dos Estados‑Membros em causa como a tributação da forma acordada por esses Estados‑Membros cumprem esta condição. Tendo em conta o exposto, a tributação unilateral das referidas operações por um desses Estados‑Membros cumpre os requisitos do direito da União. Outros eventuais acordos entre os Estados‑Membros em causa são uma questão relativa às suas relações bilaterais baseadas nas normas do direito internacional, incluindo o Tratado Relativo às Fronteiras de 1984. No entanto, não é esse o foco do direito da União.

    65.

    Isto pode ser comparado com a instituição da responsabilidade solidária, conhecida no direito civil, quando vários devedores são responsáveis pelo cumprimento de determinada prestação, mas o seu cumprimento por um deles satisfaz o crédito do credor, que não tem de intervir nas liquidações posteriores entre os devedores.

    66.

    O direito da União não se opõe, portanto, a que os serviços de transporte efetuados no território do condominium sejam tributados com IVA no Luxemburgo. No entanto, se essa divisão da competência fiscal não for satisfatória para a República Federal da Alemanha, esta pode celebrar com o Grão‑Ducado do Luxemburgo um acordo nos termos do artigo 5.o do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984.

    67.

    Contrariamente aos receios do Governo alemão, esta solução não implica o risco de dupla tributação dos referidos serviços.

    68.

    Como o mesmo Governo refere nas suas observações, a dupla tributação das mesmas operações é contrária ao princípio fundamental do sistema comum do IVA, que é o princípio da sua neutralidade ( 48 ). As regras da Diretiva 77/388 que determinam o lugar onde são realizadas as operações tributáveis servem justamente, entre outras coisas, para evitar a dupla tributação dessas operações em diferentes Estados‑Membros.

    69.

    Assim, quando determinada operação é tributada, em conformidade com as regras da Diretiva 77/388, num Estado‑Membro, isso significa que não pode ser novamente tributada nos outros Estados‑Membros. Voltar a tributar implicaria que este imposto estaria a ser cobrado em violação do direito da União e estaria sujeito à obrigação de reembolso ( 49 ). Se necessário, as autoridades fiscais de um dos Estados‑Membros em causa devem solicitar informações relevantes às autoridades do outro Estado‑Membro no âmbito da cooperação administrativa ( 50 ). A proibição da dupla tributação está sujeita à fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais que, em caso de dúvida, têm a possibilidade e por vezes a obrigação de pedir ao Tribunal de Justiça que interprete corretamente as disposições do direito da União ( 51 ).

    70.

    Além disso, em caso de litígio entre os Estados‑Membros em causa quanto à aplicação das regras em matéria de IVA no território do condominium, estes podem, por compromisso, submeter esse litígio à competência do Tribunal de Justiça em conformidade com o artigo 273.o TFUE.

    Síntese

    71.

    Resulta das considerações precedentes que as disposições da Diretiva 77/388 se aplicam plenamente às operações realizadas no território do condominium, independentemente do facto de o acordo previsto no artigo 5.o do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984 ter sido celebrado ou não. As regras específicas de aplicação destas disposições no território do condominium podem ser determinadas por via do referido acordo. Contudo, na falta do mesmo, o direito da União não se opõe à tributação unilateral das referidas operações por um dos Estados‑Membros em causa. Esta tributação implica a proibição de o segundo Estado‑Membro em causa tributar as mesmas operações.

    Conclusão

    72.

    Tendo em conta todas as considerações precedentes, proponho que se responda do seguinte modo à questão prejudicial submetida pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, Luxemburgo):

    O artigo 2.o, n.o 1, da Sexta Diretiva 77/388/CE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, alterada pela Diretiva 91/680/CEE, de 16 de dezembro de 1991, em conjugação com o artigo 3.o, n.o 2, dessa diretiva, deve ser interpretado no sentido de que se aplica aos serviços de transporte de pessoas efetuados no território sob soberania conjunta do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da República Federal da Alemanha, por força de acordos internacionais, independentemente de os Estados‑Membros em causa terem ou não celebrado um acordo sobre as regras de aplicação desta disposição no referido território.

    O artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388/CE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à tributação dos referidos serviços por ambos os Estados‑Membros, de comum acordo ou unilateralmente por um deles. Neste último caso, o segundo Estado‑Membro em causa deixa de poder tributar as operações referidas.


    ( 1 ) Língua original: polaco.

    ( 2 ) De 9 de junho de 1815.

    ( 3 ) Ratificado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo nos termos da loi du 27 mai 1988 portant approbation du Traité entre le Grand‑Duché de Luxembourg et la République fédérale d'Allemagne sur le tracé de la frontière commune entre les deux Etats et de l'échange de lettres, signés à Luxembourg, le 19 décembre 1984 (Lei de 27 de maio de 1988, que Aprova o Tratado entre o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a República Federal da Alemanha sobre o Traçado da Fronteira Comum entre os Dois Estados e a Troca de Cartas, assinados no Luxemburgo, em 19 de dezembro de 1984, Mémorial n.o A‑26 de 7 de junho de 1988, p. 538).

    ( 4 ) Conclusões do advogado‑geral A. L. Dutheillet de Lamothe, no processo Muller e Hein (10/71, EU:C:1971:76, p. 735 a 736). Este processo dizia respeito à aplicação do artigo 90.o do Tratado CEE (atual artigo 106.o TFUE) no território abrangido pelo Tratado de 1816 (v. n.o 1 das presentes conclusões).

    ( 5 ) V. n.o 1 das presentes conclusões.

    ( 6 ) JO 1977, L 145, p. 1.

    ( 7 ) JO 1991, L 376, p. 1.

    ( 8 ) A aquisição intracomunitária de bens é regulada pelo título XVIa da Diretiva 77/388. No âmbito do processo principal, a sociedade Navitours contestou esta qualificação da operação em causa, uma vez que, na sua opinião, devido ao estatuto especial do Mosela, o navio objeto desta operação nunca entrou no território fiscal luxemburguês. Esta posição não estava desprovida de lógica, tendo em conta o tratamento dado ao território do condominium pelas autoridades fiscais. No entanto, foi rejeitada pelos órgãos jurisdicionais nacionais e, atualmente, a qualificação da operação de aquisição do navio pela sociedade Navitours como aquisição intracomunitária de bens não é objeto do litígio no processo principal.

    ( 9 ) Acórdão de 1 de outubro de 2015 (C‑340/14 e C‑341/14, EU:C:2015:641, n.os 43 a 59 e ponto 1 do dispositivo).

    ( 10 ) De acordo com a minha proposta. V. as minhas Conclusões nos processos apensos Trijber e Harmsen (C‑340/14 e C‑341/14, EU:C:2015:505, n.os 26 a 43).

    ( 11 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36).

    ( 12 ) Como observou a sociedade Navitours na sua resposta a esta questão, se se considerar que os serviços que presta não são serviços de transporte na aceção do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 77/388, devem ser considerados serviços que tenham como objeto atividades recreativas na aceção do seu artigo 9.o, n.o 2, alínea c), primeiro travessão, dessa diretiva. Ora, esses serviços são tributados no lugar «onde as referidas prestações de serviços são materialmente executadas», o que, segundo esta sociedade, corresponderia novamente ao território do condominium. No entanto, não estou convencido de que, sem informações adicionais por parte do órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça possa fazer autonomamente essa qualificação dos serviços em causa e salvar assim o pedido de decisão prejudicial no presente processo.

    ( 13 ) O Governo alemão deu uma resposta mais matizada, segundo a qual a classificação dos serviços de transporte em causa é da competência do órgão jurisdicional de reenvio.

    ( 14 ) V. Acórdão de 1 de outubro de 2015, Trijber e Harmsen (C‑340/14 e C‑341/14, EU:C:2015:641, n.o 56).

    ( 15 ) Tal não é evidentemente o caso quando o navio permanece atracado no cais e é utilizado com um fim diferente da navegação, por exemplo, para assinar um acordo internacional (como aconteceu com o Acordo de Schengen). Na minha opinião, nesse caso não está em causa um serviço de transporte (v. n.os 24 e 25 das presentes conclusões).

    ( 16 ) V., por analogia, Acórdão de 6 de novembro de 1997, Reisebüro Binder (C‑116/96, EU:C:1997:520, n.os 12 a 14).

    ( 17 ) O Tribunal de Justiça confirmou expressis verbis este princípio no Acórdão de 6 de novembro de 1997, Reisebüro Binder (C‑116/96, EU:C:1997:520, n.os 15 e 16).

    ( 18 ) Esta última ressalva exclui do âmbito do conceito de serviços de transporte serviços como, por exemplo, a movimentação de objetos com uma grua.

    ( 19 ) V., neste sentido, quanto ao conceito de seguro, Acórdão de 8 de outubro de 2020, United Biscuits (Pensions Trustees) e United Biscuits Pension Investments (C‑235/19, EU:C:2020:801, n.o 36).

    ( 20 ) Acórdão de 15 de outubro de 2015, Grupo Itevelesa e o. (C‑168/14, EU:C:2015:685, n.o 1 do dispositivo).

    ( 21 ) Regulamento de 7 de dezembro de 1992, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados‑Membros (cabotagem marítima) (JO 1992, L 364, p. 7).

    ( 22 ) Acórdão de 27 de março de 2014, Alpina River Cruises e Nicko Tours (C‑17/13, EU:C:2014:191).

    ( 23 ) E, mais concretamente, do Regulamento (CEE) n.o 3921/91 do Conselho, de 16 de dezembro de 1991, que fixa as condições de admissão dos transportadores não residentes aos transportes nacionais de mercadorias ou de passageiros por via navegável num Estado‑Membro (JO 1991, L 373, p. 1).

    ( 24 ) No mesmo sentido, v. Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe, no processo United Biscuits (Pensions Trustees) e United Biscuits Pension Investments (C‑235/19, EU:C:2020:380, n.o 73).

    ( 25 ) Anterior artigo 227.o TCE.

    ( 26 ) Recordo que o condominium já existia antes da celebração do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984 (v. n.o 2 das presentes conclusões).

    ( 27 ) E tal acordo, até ao momento, não existe.

    ( 28 ) V., neste sentido, por último, Acórdão de 21 de outubro de 2021, Dubrovin & Tröger — Aquatics (C‑373/19, EU:C:2021:873, n.o 22).

    ( 29 ) Atuais artigo 52.o TUE e artigo 355.o TFUE. V., também, artigo 77.o, n.o 4, TFUE.

    ( 30 ) Atual artigo 5.o, ponto 2, da Diretiva 2006/112 do Conselho. de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), que substituiu a Diretiva 77/388.

    ( 31 ) Este Governo cita, nomeadamente, os Acórdãos de 29 de março de 2007, Aktiebolaget NN (C‑111/05, EU:C:2007:195, n.os 57 e segs.), e de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 47 e jurisprudência referida).

    ( 32 ) V., em especial, Acórdão de 20 de maio de 2003, Ravil (C‑469/00, EU:C:2003:295, n.o 37). O Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158), também se baseia neste pressuposto.

    ( 33 ) Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 77/388, os Estados‑Membros deviam instituir um sistema comum de IVA o mais tardar até 1 de janeiro de 1978. Embora o Tratado Relativo às Fronteiras de 1984 seja posterior, nada indica que a situação fiscal no território do condominium, antes da sua celebração, fosse diferente daquilo que é hoje.

    ( 34 ) Decisão de Execução do Conselho, de 27 de setembro de 2010, que autoriza a República Federal da Alemanha e o Grão‑Ducado do Luxemburgo a aplicar uma medida que derroga o artigo 5.o da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2010, L 256, p. 20).

    ( 35 ) Considerandos 4 e 5 da Decisão 2010/579.

    ( 36 ) Considerando 6 da Decisão 2010/579.

    ( 37 ) V. nota 8, no n.o 10 das presentes conclusões.

    ( 38 ) V. n.o 10 das presentes conclusões.

    ( 39 ) V. n.o 11 das presentes conclusões.

    ( 40 ) As operações efetuadas nas fases a montante da comercialização não são objeto do presente processo, pelo que não vou desenvolver esse ponto. Explicarei apenas brevemente que, na primeira e terceira hipóteses, é violado o princípio da tributação de todas as operações abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 77/388 e não isentas, e, na segunda hipótese, é violado o princípio da neutralidade fiscal.

    ( 41 ) V. Acórdão de 23 de maio de 1996, Comissão/Grécia (C‑331/94, EU:C:1996:211).

    ( 42 ) V. Acórdão de 6 de novembro de 1997, Reisebüro Binder (C‑116/96, EU:C:1997:520, n.o 12), bem como, por último, Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832, n.o 41).

    ( 43 ) V. Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832, n.o 41).

    ( 44 ) Artigo 50.o da Diretiva 2006/112.

    ( 45 ) Artigo 48.o da Diretiva 2006/112.

    ( 46 ) Embora isso também não seja evidente, segundo o artigo 1.o, n.o 2, do Tratado Relativo às Fronteiras de 1984, o território comum abrange igualmente a infraestrutura situada na água.

    ( 47 ) Acórdão de 23 de janeiro de 1986, Trans Tirreno Express (283/84, EU:C:1986:31).

    ( 48 ) V., em especial, Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International (C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890, n.o 66 e jurisprudência referida).

    ( 49 ) V., em especial, Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International (C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890, n.o 67), bem como o Acórdão de 18 de junho de 2020, KrakVet Marek Batko (C‑276/18, EU:C:2020:485, n.o 52).

    ( 50 ) Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832, n.o 3 do dispositivo).

    ( 51 ) Acórdão de 18 de junho de 2020, KrakVet Marek Batko (C‑276/18, EU:C:2020:485, n.o 51).

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