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Document 62021CC0284

Conclusões do advogado-geral Rantos apresentadas em 21 de junho de 2022.
Comissão Europeia contra Anthony Braesch e o.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigos 107.° e 108.° TFUE — Auxílios à reestruturação — Setor bancário — Fase preliminar de exame — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Plano de restruturação — Compromissos assumidos pelo Estado‑Membro em questão — Medidas de reparação dos encargos — Conversão dos créditos subordinados em fundos próprios — Detentores de obrigações — Recurso de anulação — Admissibilidade — Artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE — Legitimidade — Pessoa singular ou coletiva diretamente e indiretamente afetada — Violação dos direitos processuais das partes interessadas — Inexistência de abertura do processo formal de investigação — Artigo 108.°, n.° 2, TFUE — Conceito de “interessados” — Regulamento (UE) 2015/1589 — Artigo 1.°, alínea h) — Conceito de “parte interessada” — Medidas nacionais tidas em conta pela Comissão Europeia — Inadmissibilidade do recurso.
Processo C-284/21 P.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:490

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ATHANASIOS RANTOS

apresentadas em 21 de junho de 2022 ( 1 )

Processo C‑284/21 P

Comissão Europeia

contra

Anthony Braesch,

Trinity Investments DAC,

Bybrook Capital Master Fund LP,

Bybrook Capital Hazelton Master Fund LP,

Bybrook Capital Badminton Fund LP

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Auxílio à reestruturação — Setor bancário — Fase preliminar de exame — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Admissibilidade — Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE — Legitimidade ativa — Artigo 108.o, n.o 2, TFUE — Conceito de “interessado” — Regulamento (UE) 2015/1589 — Artigo 1.o, alínea h) — Conceito de “parte interessada”»

Introdução

1.

Com o seu recurso, a Comissão pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral 24 de fevereiro de 2021, Braesch e o./Comissão ( 2 ), que declarou admissível um recurso que tem por objeto a anulação da decisão da Comissão Europeia de não suscitar objeções, adotada com base no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589 ( 3 ) através da qual a Comissão, no termo da fase preliminar de exame e com base nos compromissos propostos pelas autoridades italianas, tinha declarado um auxílio de Estado concedido pela República Italiana à Banca Monte dei Paschi di Siena (a seguir «BMPS») compatível com o mercado interno ( 4 ).

2.

O presente processo oferece ao Tribunal de Justiça a oportunidade de precisar as condições de admissibilidade de um recurso contra uma decisão de não levantar objeções a respeito de uma medida de auxílio de Estado e, mais especificamente, as condições em que pessoas que não são concorrentes de um beneficiário dessa medida nem afirmam ser afetadas no mercado por essa medida, podem ser qualificadas de «interessad[a]s», na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, ou de «partes interessadas», na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 ( 5 ), a fim de se fazerem valer da legitimidade para impugnar essa decisão.

Antecedentes do litígio

3.

Os recorrentes em primeira instância são, no que respeita ao primeiro ( 6 ), um representante de detentores de obrigações denominadas «Floating Rate Equity‑Linked Subordinated Hybrid‑FRESH» 2008 (a seguir «obrigações FRESH»), e, no que respeita aos outros recorrentes ( 7 ), detentores destas obrigações.

4.

As referidas obrigações foram emitidas, durante o ano de 2008, no âmbito da operação seguinte:

a BMPS efetuou um aumento de capital no montante de 950 milhões de euros reservado à J. P. Morgan Securities Ltd (a seguir «JPM»), que subscreveu ações da BMPS, a saber as «ações FRESH», e celebrou com a BMPS um contrato de usufruto, segundo o qual conserva a nua propriedade destas ações ao passo que a BMPS tem direito ao usufruto, bem como um acordo de permuta de sociedades (a seguir «contratos FRESH»);

a JPM obteve os fundos necessários à subscrição das ações FRESH da parte de Bank of New‑York Mellon (Luxemburgo), substituído pela Mitsubishi UFJ Investor Services & Banking SA (Luxemburgo) (a seguir «MUFJ»), que emitiu as obrigações FRESH, ao abrigo da lei luxemburguesa, no montante de mil milhões de euros;

por força de um acordo de permuta entre a JPM e a MUFJ e de um contrato fiduciário entre a MUFJ e os detentores das obrigações FRESH ( 8 ), referidos pelos recorrentes como «instrumentos FRESH», as taxas cobradas pela JPM junto da BMPS a título dos contratos FRESH foram transmitidas à MUFJ e seguidamente aos detentores de obrigações FRESH, sob a forma de cupões.

5.

As autoridades italianas adotaram, no decurso do ano de 2016, o Decreto‑Lei 237/2016 ( 9 ), que fixa o quadro legal do auxílio de tesouraria e das recapitalizações preventivas ( 10 ) e notificaram à Comissão, no decurso do ano de 2017, um auxílio à recapitalização da BMPS no montante de 5,4 mil milhões de euros (a seguir «auxílio controvertido») ( 11 ), acompanhado de um plano de reestruturação e de compromissos ( 12 ).

6.

O plano de reestruturação previa, nomeadamente, medidas de repartição de encargos, através das quais os fundos próprios, os títulos híbridos e os títulos de crédito subordinados contribuíam para compensar as perdas eventuais da BMPS até o auxílio de Estado lhe ser concedido. Estas medidas incluíam a anulação dos contratos FRESH.

7.

Na decisão controvertida, adotada no termo da fase preliminar de exame, a Comissão concluiu que o auxílio controvertido era compatível com o mercado interno, em aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE ( 13 ), tendo em conta, nomeadamente, a Comunicação da Comissão sobre a aplicação, a partir de 1 de agosto de 2013, das regras em matéria de auxílios estatais às medidas de apoio aos bancos no contexto da crise financeira («Comunicação relativa ao setor bancário») ( 14 ) e a Diretiva 2014/59/UE ( 15 ).

8.

No que respeita, mais particularmente, à compatibilidade do auxílio controvertido com a comunicação relativa ao setor bancário, a Comissão considerou, nomeadamente, que a repartição dos encargos dos detentores de ações e de títulos subordinados era adequada, dado que limitava ao mínimo os custos de reestruturação e o montante do auxílio, em conformidade com as exigências da comunicação relativa ao setor bancário ( 16 ).

Tramitação no Tribunal Geral e acórdão recorrido

9.

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de março de 2018, os recorrentes interpuseram um recurso ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE destinado a obter a anulação da decisão controvertida.

10.

Os recorrentes invocaram cinco fundamentos de recurso, o último dos quais era relativo à alegada violação do artigo 108.o, n.os 2 e 3, TFUE, do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589 e dos seus direitos processuais, uma vez que a Comissão não tinha dado início ao procedimento formal de investigação, apesar de existirem dúvidas sérias quanto à compatibilidade com o direito da União das medidas de repartição de encargos que faziam parte do auxílio controvertido ( 17 ).

11.

Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de maio de 2018, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 130.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Os recorrentes apresentaram as suas observações sobre essa exceção em 10 de julho de 2018 e, na audiência de 9 de julho de 2020, foram ouvidas as alegações das partes, bem como as suas respostas às perguntas escritas e orais feitas pelo Tribunal Geral.

12.

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral, sem se pronunciar quanto ao mérito, julgou improcedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão ( 18 ). Uma vez que declarou, nos n.os 35 a 41 desse acórdão, que os recorrentes tinham a qualidade de «interessado» e de «parte interessada», na aceção, respetivamente, do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, o Tribunal Geral considerou que estes dispunham, por um lado, de interesse em agir ( 19 ), e, por outro, de legitimidade ativa, uma vez que a decisão controvertida lhes dizia direta e individualmente respeito enquanto «interessados» e «partes interessadas» ( 20 ).

Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

13.

Com o presente recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, que decida ele próprio o recurso em primeira instância, julgando o recurso inadmissível, e que condene os recorrentes em primeira instância nas despesas.

14.

Os recorrentes em primeira instância, recorridos no presente recurso, pedem ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a Comissão nas despesas.

15.

As partes também responderam às questões colocadas pelo Tribunal na audiência realizada a 7 de abril de 2022.

Análise

16.

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou admissível o recurso dos recorrentes em primeira instância, na medida em que estes possuíam interesse em agir e legitimidade ativa ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Em especial, no que respeita à legitimidade ativa, considerou que os recorrentes em primeira instância podiam pedir a anulação da decisão controvertida como «partes interessadas» e a fim de salvaguardar os direitos processuais que lhes eram reconhecidos pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE e pelo artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589.

17.

Em apoio do seu recurso, a Comissão apresenta um único fundamento, relativo ao facto de o Tribunal Geral ter qualificado erradamente os recorrentes em primeira instância de «partes interessadas».

18.

Na análise do recurso, retomarei, no essencial, a articulação dos argumentos em três pontos seguida pelas partes. Começarei por abordar o conceito de legitimidade ativa das «partes interessadas» no direito da União em matéria de auxílios de Estado, seguidamente examinarei a aplicação do conceito de «partes interessadas» pelo acórdão recorrido, que é objeto do único fundamento do presente recurso, e, por fim, tratarei brevemente o argumento da Comissão de que os processos intentados nos tribunais nacionais não são pertinentes para efeitos da legitimidade ativa das partes recorrentes.

Quanto à legitimidade ativa enquanto «parte interessada» no direito da União e na jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de auxílios de Estado

19.

Em primeiro lugar, recordo que, nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, quando a Comissão considera que determinado projeto de auxílio não é compatível com o mercado interno, dá sem demora início ao procedimento formal de investigação previsto no n.o 2 deste artigo. Ao abrigo desta última disposição, no termo desse procedimento, a Comissão adotará uma decisão «depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações».

20.

Neste contexto, o artigo 4.o do Regulamento 2015/1589 prevê uma fase preliminar de exame das medidas de auxílio, cujo objetivo é permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a natureza de auxílio de Estado dessas medidas e sobre a sua eventual compatibilidade com o mercado interno. Em conformidade com n.o 3 deste artigo, se a Comissão considerar que a medida, desde que entre no âmbito de aplicação do n.o 1 do artigo 107.o TFUE, não suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, adotará uma decisão de não levantar objeções ( 21 ).

21.

Em segundo lugar, no que diz respeito à admissibilidade de um recurso contra tal decisão, sublinho, por um lado, que, nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos deste artigo, interpor recurso, nomeadamente, contra os atos que lhe digam direta e individualmente respeito.

22.

Por outro lado, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, qualquer parte interessada, na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, é direta e individualmente afetada por uma decisão de não levantar objeções adotada em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, deste regulamento. Com efeito, os beneficiários das garantias processuais previstas no artigo 108.o, n.o 2, TFUE e no artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento só podem obter o seu respeito se tiverem a possibilidade de contestar essa decisão perante o juiz da União ( 22 ).

23.

Por conseguinte, no caso vertente, uma vez que a decisão controvertida é uma decisão de não levantar objeções e que os recorrentes em primeira instância invocaram a violação dos seus direitos processuais ( 23 ), basta que demonstrem que possuem a qualidade de partes interessadas para se considerar que têm legitimidade ativa, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

24.

Em terceiro lugar, recordo que, nos termos do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, deve entender‑se por «parte interessada», nomeadamente, qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações setoriais ( 24 ). Trata‑se, portanto, de um grupo indeterminado de destinatários ( 25 ). Além disso, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para que uma pessoa, empresa ou associação de empresas seja classificada como «parte interessada», importa que esta demonstre, de forma bastante, que o auxílio pode ter uma incidência concreta na sua situação ou na das pessoas por ela representadas ( 26 ).

25.

No caso vertente, os recorridos não figuram entre as «partes interessadas» explicitamente mencionadas, a título de exemplo, no artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 ( 27 ). A questão consiste, portanto, em saber se o auxílio controvertido é suscetível de ter uma incidência concreta na sua situação.

26.

A este respeito, a Comissão argumenta que o Tribunal de Justiça admitiu como partes interessadas apenas os recorrentes que demonstraram que o auxílio de Estado controvertido era suscetível de ter incidência concreta na sua situação «relacionada com a concorrência», ao passo que recorridos contrapõem que, embora, para estabelecer o seu estatuto de «parte interessada», um recorrente tenha de demonstrar que a medida controvertida tem incidência prejudicial na sua situação, não é exigido que essa incidência seja de natureza concorrencial.

27.

Observo que o Tribunal de Justiça tem repetidamente declarado que uma incidência concreta na situação do recorrente pode ser a consequência da afetação da posição concorrencial deste, mesmo na falta de relação concorrencial direta com o beneficiário da medida controvertida, como aconteceu, nomeadamente, nos Acórdãos 3F/Comissão ( 28 ) e Comissão/Kronoply e Kronotex ( 29 ), invocados pela Comissão.

28.

Mais precisamente, no Acórdão 3F/Comissão, o Tribunal de Justiça começou por afirmar que «não est[ava] excluído que um sindicato de trabalhadores seja considerado pessoa “interessada” na aceção do artigo 88.o, n.o 2, CE [atual artigo 108.o, n.o 2, TFUE], quando demonstre que ele próprio ou os seus membros são eventualmente prejudicados nos seus interesses pela concessão do auxílio» e que «[i]Importa, porém, que este sindicato demonstre, de uma forma juridicamente convincente, que há o risco de o auxílio ter uma incidência concreta sobre a sua situação ou a dos marítimos que representa» ( 30 ), sem precisar mais detalhadamente esse conceito de «incidência concreta». Seguidamente, ao aplicar este princípio ao caso em apreço, o Tribunal de Justiça indicou, nomeadamente, que «o recorrente dev[ia] sempre demonstrar, de uma forma juridicamente convincente, a eventual afetação dos seus interesses pela concessão do auxílio, o que pod[ia] fazer através da demonstração de que, de facto, se encontra[va] numa posição concorrencial relativamente a outros sindicatos que opera[vam] no mesmo mercado» ( 31 ).

29.

No Acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, o Tribunal de Justiça começou por recordar o princípio estabelecido no n.o 33 do Acórdão 3F/Comissão, segundo o qual, para uma empresa ser qualificada como parte interessada, é necessário que «demonstre, de uma forma juridicamente convincente, que há o risco de o auxílio ter uma incidência concreta sobre a sua situação», e seguidamente aplicou esse princípio à situação em apreço, tendo concluído que o Tribunal Geral não havia cometido nenhum erro de direito ao considerar que os recorrentes tinham a qualidade de partes interessadas, na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 659/99 (substituído pelo artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589), uma vez que, em substância, esses recorrentes tinham demonstrado suficientemente a existência de uma relação de concorrência e a afetação potencial da sua posição no mercado, imputável à concessão do auxílio contestado ( 32 ).

30.

Todavia, embora decorra desses dois acórdãos que a afetação da posição de mercado de um recorrente, quer seja ou não concorrente direto do beneficiário do alegado auxílio estatal, é suficiente para que este seja qualificado de «parte interessada», não se pode deduzir daí que essa afetação seja igualmente necessária para que essa qualificação seja acolhida.

31.

Esta interpretação parece‑me, além disso, confirmada pelo Acórdão mais recente, de 2 de setembro de 2021, Ja zum Nürburgring/Comissão ( 33 ), no qual, seguindo a proposta do advogado‑geral ( 34 ), o Tribunal de Justiça rejeitou explicitamente o argumento da Comissão de que a qualidade de «parte interessada» pressupõe a existência de uma relação de concorrência, ao estabelecer, nomeadamente, que um organismo que não seja concorrente do beneficiário do auxílio controvertido pode ser reconhecido como «parte interessada» desde que tenha demonstrado que os seus interesses podem ser afetados pela concessão desse auxílio, o que exige que demonstre que o referido auxílio pode ter uma «incidência concreta [na] sua situação» ( 35 ).

32.

Porém, embora resulte desta jurisprudência que a qualidade de «parte interessada» não assenta necessariamente na existência de uma incidência concreta na situação concorrencial do recorrente, mas na existência de uma incidência concreta que pode ser mais lata na sua situação, é ainda necessário estabelecer o alcance e os limites de tal incidência concreta.

33.

Para este efeito, o conceito de «parte interessada» não pode, a meu ver, ser alargado a ponto de incluir qualquer parte que possa deplorar uma deterioração da sua situação material através de uma simples comparação da mesma antes e depois da decisão de não levantar objeções, sem que essa decisão, ou mais precisamente o auxílio de Estado que ela declara compatível, esteja na origem da referida situação, o que acarretaria, de facto, a introdução de uma «actio popularis». Por conseguinte, para definir o conceito de «parte interessada» haveria que remeter para um interesse específico, a saber, um interesse ligado à aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado e relativo, portanto, a elementos pertinentes para a apreciação da compatibilidade do auxílio ( 36 ). Adotar uma abordagem mais ampla faria correr o risco, na minha opinião, de desviar as regras relativas aos auxílios de Estado para outros objetivos.

34.

Em meu entender, esse interesse específico, ou seja, ligado à aplicação das regras em matéria de auxílios, poderia ser constatado quando o recorrente é (ou corre o risco de ser) afetado pela concessão do auxílio controvertido, isto é, quando esse auxílio, tal como aprovado pela Comissão na decisão de não levantar objeções ( 37 ), pode ter uma incidência concreta sobre a sua situação ( 38 ), independentemente de qualquer relação concorrencial (atual e potencial), na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, com o beneficiário do auxílio ou de qualquer incidência relacionada com a concorrência ( 39 ).

35.

A este respeito, considero útil evocar um Acórdão recente do Tribunal Geral de 15 de setembro de 2021, CAPA e o./Comissão ( 40 ), em que este não reconheceu a qualidade de «partes interessadas» a recorrentes, como uma cooperativa de pescadores e empresas de pesca ou patrões pescadores, que contestavam uma decisão de não levantar objeções, na qual a Comissão tinha declarado a compatibilidade com o mercado interno de seis projetos de parques eólicos marítimos, localizados em zonas marítimas exploradas para a pesca pelos pescadores recorrentes.

36.

Nesse processo, os recorrentes, que não invocavam uma relação de concorrência com os beneficiários do auxílio em questão, alegavam a existência de um risco de incidência concreta dos auxílios controvertidos na sua situação em razão, nomeadamente, das limitações regulamentares à navegação previstas nas zonas abrangidas por esses projetos e do impacto potencialmente negativo dos referidos projetos no meio marinho e nos recursos haliêuticos ( 41 ). O Tribunal Geral, considerou, porém, que os recorrentes não tinham demonstrado o risco de uma incidência concreta desse auxílio na sua situação, pelo facto, em substância, de o mecanismo de concessão dos mesmos auxílios não apresentarem qualquer relação com os alegados impactos dos projetos em causa nas atividades dos pescadores recorrentes ( 42 ).

37.

Sem prejuízo das minhas conclusões no referido processo, atualmente sob recurso ( 43 ), o acórdão do Tribunal Geral nesse mesmo processo parece‑me confirmar que, até à data, a jurisprudência do juiz da União, embora aceite, para efeitos da qualificação de «parte interessada», a possibilidade de se invocar uma incidência concreta na situação do recorrente não necessariamente ligada à sua posição no mercado, exclui a possibilidade de se alargar essa qualificação a situações em que essa incidência não está diretamente ligada ao auxílio em questão — incluindo quaisquer elementos pertinentes para a compatibilidade deste — e, por conseguinte, com a decisão de não levantar objeções em relação a este último.

38.

Em conclusão, parece‑me que a qualidade de «parte interessada» exige a demonstração de uma incidência concreta na situação dessa parte, ligada à aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado, e, mais precisamente, à concessão de um auxílio de Estado. Por outras palavras, se esse auxílio, tal como aprovado pela decisão de não levantar objeções, estiver na origem da afetação do recorrente, este pode ser qualificado de «parte interessada».

39.

A meu ver, indícios importantes neste sentido podem ser retirados da própria decisão controvertida. Com efeito, uma vez que decorre desta decisão que a Comissão, na apreciação da compatibilidade de um auxílio de Estado, teve em conta os interesses de certas partes ou as implicações desse auxílio para outras partes (o que acontece em relação aos compromissos), esta circunstância contribui para identificar um círculo restrito de pessoas cujos interesses são afetados por essa decisão ( 44 ).

Quanto à qualidade de «partes interessadas» dos recorrentes em primeira instância

40.

Com o seu fundamento único de recurso para o Tribunal de Justiça, a Comissão, em substância, acusa o Tribunal Geral de ter concluído que os recorrentes tinham legitimidade ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, para impugnar a decisão controvertida, ao os qualificar de «partes interessadas» simplesmente em razão do prejuízo económico que haviam pretensamente sofrido enquanto detentores de obrigações FRESH, devido às medidas de repartição de encargos aplicadas pela República Italiana aos credores subordinados da BMPS. O Tribunal Geral seguiu, desta forma, uma interpretação excessivamente ampla do conceito de «parte interessada», incluindo não apenas as entidades relativamente às quais o auxílio de Estado poderia ter efeitos concorrenciais, mas também as entidades que contestavam outros aspetos desse auxílio, que não têm nenhuma ligação com a concorrência.

41.

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a decisão controvertida dizia direta e individualmente respeito aos recorrentes, tendo em conta o facto de que eram «partes interessadas» ( 45 ) e de que tinham invocado a violação dos seus direitos processuais ( 46 ). Em substância, sem ter qualificado os recorrentes de concorrentes atuais ou potenciais do beneficiário do auxílio controvertido nem ter salientado que a decisão controvertida podia ter uma incidência concreta «relacionada com a concorrência», na sua situação, o Tribunal Geral considerou que esse auxílio criava o risco de ter tal incidência pelo facto de os compromissos assumidos pelas autoridades italianas, nomeadamente, o plano de reestruturação na origem do prejuízo económico presumido, faziam parte integrante do referido auxílio e, como tal, tinham sido examinadas no âmbito da apreciação da compatibilidade da Comissão, sem que seja pertinente que os recorrentes não contestassem a compatibilidade enquanto tal dessas medidas com o mercado interno ( 47 ).

42.

A dificuldade principal neste processo reside no facto de os recorrentes em primeira instância não terem sido afetados pelas medidas em causa, ou seja, pelo auxílio de tesouraria e pela recapitalização em favor da BMPS, mas sim pelas medidas de repartição de encargos que fazem parte dos compromissos assumidos pelas autoridades italianas para efeitos de aprovação do auxílio controvertido e que formam o conjunto de medidas notificadas por essas autoridades e aprovadas pela Comissão.

43.

Ora, à luz da jurisprudência examinada nos n.os 22 a 37 das presentes conclusões, parece‑me que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao considerar que as circunstâncias evocadas eram suficientes para qualificar os recorrentes de «partes interessadas».

44.

Com efeito, é verdade, desde logo, que a anulação dos contratos FRESH, que implicou o não pagamento dos cupões ligados às obrigações FRESH detidas pelos recorrentes, é a consequência da decisão das autoridades italianas de estabelecer uma partilha dos encargos em relação aos acionistas e aos credores subordinados da BMPS no quadro do plano de reestruturação desta última. É igualmente verdade, como alega a Comissão, que os recorrentes não contestam, em princípio, a compatibilidade das medidas em causa com o mercado interno.

45.

Contudo, tal como o Tribunal Geral sublinhou ( 48 ), as medidas em causa e os compromissos revestem caráter indissociável, na medida em que estes últimos condicionam a declaração de compatibilidade ( 49 ). Com efeito, decorre dos n.os 41, 43 e 44 da comunicação relativa ao setor bancário que a justa repartição dos encargos a que a referida comunicação subordina a concessão de um auxílio de Estado implica, em primeiro lugar, a absorção das perdas pelos fundos próprios e depois, em princípio, uma contribuição dos credores subordinados ( 50 ).

46.

Não se pode, portanto, considerar, à semelhança da Comissão, que as medidas de repartição de encargos no âmbito do plano de reestruturação da BMPS eram independentes do auxílio de Estado e constituíam uma livre escolha das autoridades italianas. Com efeito, recordo que as medidas de repartição dos encargos faziam parte integrante do auxílio controvertido, tal como notificado pelas autoridades italianas e aprovado pela Comissão, e que desempenharam um papel importante na apreciação da compatibilidade destas medidas com o mercado interno ( 51 ).

47.

Por conseguinte, contrariamente aos argumentos da Comissão, não me parece que as medidas de repartição dos encargos sejam uma mera «hipótese factual» da autorização da Comissão, mas sim uma condição, imposta pela Comissão na comunicação relativa ao setor bancário, para efeitos da compatibilidade do auxílio notificado ( 52 ).

48.

No que respeita, mais particularmente ao argumento da Comissão de que o cumprimento das disposições de repartição de encargos constantes dessa comunicação era suficiente, mas não necessário para que esta declare o auxílio controvertido compatível com o mercado interno e que um Estado‑Membro é livre de não lhe propor as medidas de repartição dos encargos previstos nessa comunicação se tiver outras ideias, impõe‑se concluir que é difícil imaginar que «outras ideias» ou medidas «personalizadas» referidas por essa instituição poderiam substituir o princípio‑chave da repartição de encargos, que desempenha um papel fundamental no sistema introduzido pela mesma comunicação para a aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, mais ainda nas circunstâncias do caso concreto, em que a intervenção das autoridades italianas para evitar a falência da BMPS e a necessidade, em consequência, de uma aprovação da Comissão revestiam um caráter excecionalmente urgente.

49.

Seguidamente, é igualmente verdade, como a Comissão sublinha a título subsidiário, que os recorrentes não detêm eles próprios ações FRESH (emitidas pela BMPS e subscritas pela JPM) nem são partes nos contratos FRESH (celebrados entre a BMPS e a JPM), que foram anulados na sequência das medidas de repartição de encargos, mas detêm obrigações FRESH (emitidas pela MUFJ para conceder à JPM os fundos necessários à subscrição de ações FRESH).

50.

Contudo, como o Tribunal Geral constatou no acórdão recorrido, tendo em conta a interdependência entre os vários vínculos contratuais subjacentes aos instrumentos FRESH, a anulação dos contratos FRESH era suscetível de causar um prejuízo económico aos recorrentes em primeira instância, tendo em conta a perda de pagamento dos cupões ligados às obrigações FRESH, e, portanto, a adoção da decisão controvertida podia ter uma incidência concreta na sua situação. Por conseguinte, o auxílio controvertido, tal como notificado pelas autoridades italianas e declarado compatível com o mercado interno pela decisão controvertida, se se incluírem os compromissos assumidos pelas autoridades italianas com vista a essa declaração de compatibilidade, causa prejuízo aos recorrentes ( 53 ).

51.

Por último, entendo que o Despacho de 26 de março de 2014, Adorisio e o./Comissão ( 54 ) e o Acórdão de 19 de dezembro de 2019, BPC Lux 2 e o./Comissão ( 55 ), invocados pela Comissão, não alteram esta apreciação ( 56 ). Com efeito, no Processo Adorisio e o./Comissão, o Tribunal Geral declarou que os titulares de obrigações subordinadas de um banco, expropriados no contexto de uma medida de nacionalização do mesmo banco, não tinham qualquer interesse em interpor recurso contra uma decisão da Comissão de não levantar objeções a duas medidas de auxílio notificadas no contexto dessa nacionalização ( 57 ), apreciação que não é pertinente para efeitos de interpretação da condição, diferente, da legitimidade ativa ( 58 ). No processo BPC Lux 2 e o./Comissão, o Tribunal Geral declarou que os titulares de obrigações subordinadas de um banco, cujo valor tinha diminuído em resultado da submissão desse banco a um processo de resolução, não tinham legitimidade para impugnar uma decisão da Comissão de não levantar objeções a uma medida de auxílio notificada no contexto desse processo de resolução ( 59 ). Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal Geral considerou que a redução do valor das obrigações em questão tinha origem na decisão das autoridades nacionais de submeter o banco a um processo de resolução, e não na concessão do auxílio controvertido, ao contrário do que acontece no presente caso, em que a anulação dos contratos FRESH é consequência das medidas de repartição de encargos que fazem parte integrante do auxílio controvertido que foi notificado e aprovado.

52.

Em conclusão, parece‑me que a Comissão não demonstrou que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando, ao julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade suscitada por esta última, declarou o recurso admissível.

Quanto à falta de pertinência dos processos intentados nos órgãos jurisdicionais nacionais para efeitos da legitimidade ativa dos recorridos

53.

Sem suscitar um fundamento separado, a Comissão precisa que o facto de os recorridos terem instaurado nos tribunais luxemburgueses um processo contra a rescisão dos contratos FRESH pela BMPS não lhes permite serem considerados «partes interessadas» nem lhes confere legitimidade para impugnar a decisão controvertida. Esses processos só são pertinentes para efeitos de exame do interesse em agir dos recorrentes, exigência distinta da da legitimidade ativa, que é objeto do presente recurso.

54.

Basta salientar, a este respeito, que o Tribunal Geral não retirou nenhuma consequência desses processos no que respeita à qualidade dos recorrentes como partes interessadas, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589.

55.

Por conseguinte, este argumento carece de pertinência no caso vertente e, portanto, é inoperante.

Quanto às despesas

56.

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal de Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

57.

Tendo a Comissão sido vencida, proponho que seja condenada nas despesas.

Conclusão

58.

Atendendo às considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça:

negue provimento ao recurso;

condene a Comissão Europeia a suportar, além das suas próprias despesas, as efetuadas pelos recorridos.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) T‑161/18, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2021:102.

( 3 ) Regulamento do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9).

( 4 ) Decisão C(2017) 4690 final, de 4 de julho de 2017, relativa ao auxílio de Estado SA.47677 (2017/N) — Itália, novo auxílio e plano de reestruturação alterado da Banca Monte dei Paschi di Siena (a seguir «decisão controvertida»).

( 5 ) Como explicarei, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de «interessados», na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, coincide com o de «parte interessada», na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 (v. nota 24 das presentes conclusões). No seguimento das presentes conclusões, quando não for necessário distinguir estes dois conceitos, utilizarei, de uma forma geral, a expressão «parte(s) interessada(s)».

( 6 ) Anthony Braesch.

( 7 ) Trinity Investments DAC, Bybrook Capital Master Fund LP, Bybrook Capital Hazelton Master Fund LP e Bybrook Capital Badminton Fund LP.

( 8 ) Ambos os contratos estão sujeitos à lei luxemburguesa.

( 9 ) Decreto‑legge n.o 237 — Disposizioni urgenti per la tutela del risparmio nel settore creditizio (Decreto‑Lei n.o 237, que Aprova Disposições Urgentes para a Proteção da Poupança no Setor do Crédito), de 23 de dezembro de 2016 (GURI n.o 299, de 23 de dezembro de 2016), que foi convertido em lei e alterado pela legge di conversione (Lei de Conversão), de 17 de fevereiro de 2017 (GURI n.o 43, de 21 de fevereiro de 2017).

( 10 ) Esta intervenção do legislador italiano seguiu‑se a um teste de resistência realizado à escala europeia pela Autoridade Bancária Europeia (EBA) ao longo do ano de 2016, que tinha revelado, nomeadamente, um défice de fundos próprios da BMPS no âmbito do cenário desfavorável. Anteriormente, um auxílio à reestruturação concedido pela República Italiana à BMPS que tinha em conta um plano de reestruturação e compromissos já tinha sido aprovado pela Comissão em 2013, e integralmente reembolsado pela BMPS em 2015.

( 11 ) Este auxílio era constituído por duas medidas de auxílio a favor do BMPS (a seguir «medidas em causa»). A primeira consistia num auxílio de tesouraria de 15 mil milhões de euros sob a forma de garantias do Estado sobre as dívidas de primeiro grau e a segunda consistia num auxílio à recapitalização preventiva da BMPS no montante de 5,4 mil milhões de euros, mencionada no n.o 5 das presentes conclusões.

( 12 ) Esta notificação deu seguimento a um pedido de apoio financeiro público excecional sob a forma de recapitalização preventiva ao abrigo do Decreto‑Lei n.o 237/2016, apresentado pela BMPS após uma tentativa falhada de angariação de novos capitais privados. Anteriormente, ainda no decurso do ano de 2016, na sequência de uma declaração do Banco Central Europeu (BCE) segundo a qual a BMPS estava solvente, a Comissão tinha aprovado temporariamente um auxílio de tesouraria individual de 15 mil milhões de euros a favor da BMPS, com base em compromissos propostos pelas autoridades italianas, as quais se haviam comprometido a apresentar um plano de reestruturação no prazo de dois meses a contar da concessão das garantias, a menos que o auxílio fosse reembolsado dentro desse mesmo prazo.

( 13 ) Nos termos desta disposição, podem ser considerados compatíveis com o mercado interno os auxílios destinados a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro.

( 14 ) JO 2013, C 216, p. 1 (a seguir «comunicação relativa ao setor bancário»).

( 15 ) Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190). A este respeito, a Comissão considerou que as condições em que as medidas de auxílio tinham sido concedidas eram conformes com a isenção prevista no artigo 32.o, n.o 4, alínea d), desta diretiva.

( 16 ) Quanto ao resto, a Comissão considerou que o plano de reestruturação era apto a restaurar a viabilidade a longo prazo da BMPS e continha medidas de repartição de encargos suficientes, bem como garantias suficientes para limitar distorções da concorrência indevidas. Salientou igualmente que a implementação do plano de reestruturação estava assegurada.

( 17 ) Os primeiros quatro fundamentos eram relativos, o primeiro, à violação do Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no âmbito de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1), e a uma falta de fundamentação, o segundo, ao facto de a Comissão ter exigido ilegalmente a anulação dos contratos FRESH, o terceiro, ao facto de a decisão controvertida ser discriminatória em relação aos titulares das obrigações FRESH; o quarto, ao facto de, ao aprovar a aplicação de medidas de repartição de encargos aos instrumentos FRESH, a Comissão ter violado os direitos de propriedade dos titulares das obrigações FRESH.

( 18 ) Ao decidir por acórdão sobre a admissibilidade do recurso, o Tribunal Geral quis manifestamente conferir à sua decisão um alcance de decisão de princípio.

( 19 ) Acórdão recorrido, n.os 43 a 45.

( 20 ) Acórdão recorrido, n.os 56 a 63.

( 21 ) Em contrapartida, nos termos do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589, se a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, deve dar início ao procedimento formal de investigação. Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, deste regulamento, essa decisão convida o Estado‑Membro em causa e outras partes interessadas a apresentarem as suas observações num prazo determinado.

( 22 ) V., neste sentido, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, a seguir «Acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex», EU:C:2011:341, n.o 47 e jurisprudência referida). A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que, quando um recorrente pede a anulação de uma decisão de não levantar objeções, contesta essencialmente o facto de essa decisão ter sido adotada sem que a Comissão tenha dado início ao procedimento formal de investigação, violando assim os seus direitos processuais (v., neste sentido, Acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, n.o 59). Em contrapartida, se o recorrente puser em causa o mérito da decisão de apreciação do auxílio enquanto tal, o simples facto de poder ser considerado interessado, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, não basta para que o recurso seja julgado admissível. Nesse caso, o recorrente deve demonstrar que tem um estatuto especial, na aceção do Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17), nos termos do qual os sujeitos diferentes dos destinatários de uma decisão só podem considerar‑se individualmente afetados se essa decisão os afetar em virtude de certas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa, e, consequentemente, os individualiza de forma semelhante àquela em que o destinatário seria individualizado (v., nomeadamente, neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Ja zum Nürburgring/Comissão, C‑647/19 P, EU:C:2021:666, n.o 32 e jurisprudência referida). Sobre a evolução da jurisprudência em matéria de admissibilidade dos recursos de terceiros contra uma decisão de não levantar objeções, v., nomeadamente, Nehl, H. P., «Direct Actions and Judicial Review before the Union Courts», State Aid Law of the European Union, Oxford, 2016, p. 419.

( 23 ) No seu quinto fundamento de recurso em primeira instância.

( 24 ) Por uma questão de exaustividade, preciso que o conceito de «parte interessada» definido no artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 retoma o de «partes interessadas» na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça [v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Ja zum Nürburgring/Comissão (C‑647/19 P, EU:C:2021:666, n.o 56 e jurisprudência referida)]. Com efeito, segundo jurisprudência anterior à entrada em vigor do Regulamento (CE) n.o 659/99 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.o do Tratado CE (JO 1999, L 83, p. 1) (no texto que precedeu o Regulamento 2015/1589), os «interessados» na aceção do artigo 93.o, n.o 2, CEE (atual artigo 108.o, n.o 2, TFUE), que podiam assim, em conformidade com o artigo 173.o, n.o 4, CEE (atual artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE), interpor recursos de anulação como direta e individualmente afetados, eram pessoas, empresas ou associações eventualmente afetadas nos seus interesses pela concessão de um auxílio, ou seja, nomeadamente, as empresas concorrentes dos beneficiários desse auxílio e as organizações profissionais [v., em particular, Acórdãos de 14 de novembro de 1984, Intermills/Comissão (323/82, EU:C:1984:345, n.o 16), e de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France (C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 41)].

( 25 ) V., neste sentido, Acórdãos de 14 de novembro de 1984, Intermills/Comissão (323/82, EU:C:1984:345, n.o 16), e Comissão/Kronoply e Kronotex, n.o 63.

( 26 ) V., nomeadamente, neste sentido, Acórdãos de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão (C‑319/07 P, a seguir Acórdão 3F/Comissão, EU:C:2009:435, n.o 33), e Comissão/Kronoply e Kronotex, n.o 65.

( 27 ) Esta disposição refere‑se, «em especial», às categorias de pessoas mencionadas, a saber, o beneficiário do auxílio controvertido, as empresas concorrentes e as associações setoriais.

( 28 ) Nesse processo, o recorrente era um sindicato de trabalhadores que negociava os termos e condições em que a mão‑de‑obra era fornecida às empresas e que alegava que as medidas de auxílio destinadas, em substância, a favorecer os marítimos empregados a bordo de navios inscritos no registo internacional de navios dinamarquês eram suscetíveis de afetar a sua posição concorrencial face a outros sindicatos de marítimos cujos membros eram os beneficiários dessas medidas.

( 29 ) Nesse processo, os recorrentes eram empresas que adquiriam a mesma matéria‑prima que o beneficiário do auxílio, a saber, madeira para indústria, e que alegavam que o auxílio de Estado que lhe tinha sido concedido era suscetível de afetar a sua posição concorrencial no mercado da madeira industrial.

( 30 ) Acórdão 3F/Comissão, n.o 33.

( 31 ) Acórdão 3F/Comissão, n.o 59. Não é, além disso, certo que, nesta passagem, o Tribunal de Justiça se tenha referido à «posição concorrencial» no sentido indicado pela Comissão, ou seja, uma verdadeira concorrência no mercado interno, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

( 32 ) Acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, n.os 65 a 71.

( 33 ) C‑647/19 P, EU:C:2021:666.

( 34 ) V. Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no Processo Ja zum Nürburgring/Comissão (C‑647/19 P, EU:C:2021:347, n.os 30 e 31 e jurisprudência referida).

( 35 ) V. Acórdão de 2 de setembro de 2021, Ja zum Nürburgring/Comissão (C‑647/19 P, EU:C:2021:666, n.o 57 e jurisprudência referida). Também não me parece que, como afirma a Comissão, a conclusão do Tribunal de Justiça sobre este ponto seja motivada pelo facto de que, no caso em apreço, os recorrentes podiam ser considerados potenciais concorrentes do beneficiário do auxílio controvertido. Com efeito, é verdade que nesse acórdão o Tribunal de Justiça recorda, tal como tinha feito o Tribunal Geral no acórdão recorrido, que a recorrente era uma associação cujo objetivo (de interesse geral) era incompatível com o (de maximização dos ganhos) do beneficiário do auxílio. Na minha opinião, o Tribunal de Justiça também não queria basear a sua apreciação numa situação de concorrência potencial, mas sim justificar o facto de a concessão de auxílio ao beneficiário em causa poder «afetar os interesses» (não necessariamente económicos, uma vez que se tratava de uma associação que prossegue um interesse geral) da recorrente e dos seus membros (n.os 66 e 67 do referido acórdão). Em qualquer caso, no n.o 57 desse mesmo acórdão (que reproduz o n.o 30 das Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no Processo Ja zum Nürburgring/Comissão, C‑647/19 P, EU:C:2021:347), o Tribunal de Justiça declarou que a um organismo que não seja concorrente do beneficiário do auxílio controvertido pode ser reconhecida a qualidade de «parte interessada» e que isso exige que ele demonstre que o referido auxílio pode ter uma incidência concreta na sua situação, sem precisar o conceito de «incidência concreta». Do mesmo modo, no n.o 31 das suas conclusões, o advogado‑geral indicou claramente que «a qualidade de “parte interessada” não pressupõe necessariamente a existência de uma relação de concorrência» e exclui qualquer erro de direito por parte do Tribunal Geral na qualificação da recorrente como «parte interessada», embora tivesse igualmente declarado que a recorrente «não tinha nenhuma atividade nos mercados afetados pelas medidas em causa».

( 36 ) É esta circunstância, de resto, que torna úteis os elementos de informação e os argumentos que esta parte poderia eventualmente apresentar ao longo do processo formal de investigação.

( 37 ) O que inclui, portanto, não só as medidas de apoio estatal em sentido estrito, mas igualmente quaisquer elementos pertinentes para a declaração da compatibilidade do auxílio.

( 38 ) V., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Ja zum Nürburgring/Comissão (C‑647/19 P, EU:C:2021:666, n.o 57).

( 39 ) É verdade que, como a jurisprudência do Tribunal de Justiça não esclareceu este ponto até à data, a meu ver, poder‑se‑ia subscrever a interpretação da Comissão segundo a qual, em substância, uma vez que o objetivo prosseguido pelas regras em matéria de auxílios de Estado (e que justifica a competência da Comissão nesta matéria) é salvaguardar a concorrência e a qualidade de «parte interessada» constitui uma mera expressão particular do critério da afetação direta e individual inscrito no artigo 263.o TFUE, apenas uma incidência relacionada com a concorrência é pertinente para efeitos da apreciação da legitimidade ativa de um recorrente. Contudo, na minha opinião, esta interpretação envolve uma aplicação excessivamente restritiva das condições de admissibilidade dos recursos contra uma decisão de não levantar objeções. Além disso, parece‑me que ligar o conceito de afetação introduzido pela jurisprudência e transposto no artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 à existência de uma incidência na situação do recorrente relacionada com a concorrência implica, de facto, a demonstração de uma afetação da concorrência na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (mesmo que se trate de um mercado diferente do afetado pelo auxílio de Estado presumido), o que, independentemente da sua complexidade, pode ir além do que é necessário (e suficiente) para o exame da admissibilidade de um recurso e julgar antecipadamente, numa certa medida, a apreciação do mérito desse recurso (pelo menos no que respeita aos efeitos do alegado auxílio no mercado).

( 40 ) T‑777/19, EU:T:2021:588, sob recurso no Tribunal de Justiça.

( 41 ) V. Acórdão de 15 de setembro de 2021, CAPA e o./Comissão (T‑777/19, EU:T:2021:588, n.o 53).

( 42 ) Acórdão de 15 de setembro de 2021, CAPA e o./Comissão (T‑777/19, EU:T:2021:588, n.os 97 e 101). Segundo o Tribunal Geral, os impactos evocados pelos recorrentes eram inerentes, por um lado, às decisões das autoridades nacionais de implantação desses projetos nas zonas em causa no âmbito da sua política de exploração dos recursos energéticos, e, por outro, à regulamentação do espaço público marítimo e às medidas técnicas aplicáveis aos referidos projetos.

( 43 ) Processo C‑742/21, CAPA e o./Comissão, que me está atribuído enquanto advogado‑geral.

( 44 ) Além disso, o facto de se ter em conta situações apreciadas nessa decisão no âmbito do exame da compatibilidade de um auxílio para efeitos da apreciação da admissibilidade de um recurso contra a decisão controvertida permite, a meu ver, evitar o alargamento do círculo de pessoas afetadas de modo a introduzir uma «action popularis».

( 45 ) Acórdão recorrido, n.o 63.

( 46 ) Acórdão recorrido, n.os 60 a 62.

( 47 ) Acórdão recorrido, n.os 40 e 41.

( 48 ) V. acórdão recorrido, n.o 40.

( 49 ) A este respeito, a meu ver, deve rejeitar‑se a interpretação dos recorridos segundo a qual foram afetados apenas pela parte da decisão controvertida que dizia respeito ao plano de reestruturação. Com efeito, nessa decisão, a Comissão não tomou uma decisão separada sobre o plano de reestruturação, mas decidiu apenas sobre a compatibilidade do auxílio controvertido, tal como notificado pelas autoridades italianas, tendo em conta todos os elementos dessas medidas, incluindo o plano de reestruturação e as medidas de repartição dos encargos compreendidos neste plano.

( 50 ) V., igualmente a este respeito, Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o. (C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 42).

( 51 ) Com efeito, a formulação da decisão controvertida (nomeadamente os n.os 101 a 110) leva‑me a acreditar que a Comissão considerou, pelo menos, as medidas de repartição dos encargos como sendo muito importantes, se não decisivas, para efeitos da declaração da compatibilidade do auxílio controvertido. Pode, além disso, perguntar‑se se uma eventual verificação da incidência dessas medidas de repartição dos encargos na compatibilidade do auxílio notificado à Comissão não faz parte mais da apreciação (de mérito) da compatibilidade do auxílio do que da apreciação, necessariamente mais superficial, da admissibilidade do recurso.

( 52 ) É irrelevante a este respeito que a decisão controvertida não tenha sido uma «decisão condicional» na aceção do artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589 e que não tenha formalmente imposto e tornado vinculativos os compromissos em causa.

( 53 ) V., em particular, n.os 37 e 39 do acórdão recorrido.

( 54 ) T‑321/13, não publicado, EU:T:2014:175.

( 55 ) T‑812/14 RENV, não publicado, EU:T:2019:885.

( 56 ) Além disso, esse acórdão e esse despacho não foram objeto de recurso para o Tribunal de Justiça.

( 57 ) Recordo que, no presente processo, no seu recurso para o Tribunal de Justiça, a Comissão não reiterou o seu argumento relativo à inexistência de um interesse em agir dos recorrentes em primeira instância.

( 58 ) Seja como for, parece‑me que o caso objeto desse despacho é fundamentalmente diferente do presente caso, na medida em que os recorrentes em primeira instância, titulares de obrigações subordinadas de um banco, se queixavam da expropriação dessas obrigações no âmbito da nacionalização desse banco, implementada pelo Reino dos Países Baixos paralelamente à notificação de duas medidas de auxílio de Estado a favor do mesmo banco. Nesse processo, o Tribunal Geral, com fundamento numa motivação muito concisa, considerou que, no seu exame da compatibilidade do auxílio controvertido, a Comissão tinha tido exclusivamente em conta a expropriação como elemento de contexto e não como condição da compatibilidade dessas medidas (Despacho de 26 de março de 2014 no Processo T‑321/13Adorisio e o./Comissão, não publicado, EU:T:2014:175, n.o 25). Além disso, embora, como alega a Comissão, o Tribunal Geral tenha igualmente sublinhado a falta de legitimidade ativa dos recorrentes devido à inexistência de uma relação concorrencial entre estes últimos e o beneficiário do auxílio controvertido (v. Despacho de 26 de março de 2014, Adorisio e o./Comissão, T‑321/13, não publicado, EU:T:2014:175, n.os 44 a 48), fê‑lo no âmbito do exame de um argumento desses mesmos recorrentes, alegando que alguns deles eram também concorrentes dos beneficiários do auxílio (v. Despacho de 26 de março de 2014, Adorisio e o./Comissão, T‑321/13, não publicado, EU:T:2014:175, n.o 37).

( 59 ) Mais precisamente, o processo de resolução em causa implicava a criação de um estabelecimento de crédito temporário (o «banco de transição») para o qual eram transferidas as atividades comerciais saudáveis do banco, deixando para um bad bank as perdas relativas aos ativos e passivos transferidos para o banco de transição, e, no âmbito dos compromissos apresentados à Comissão pelas autoridades nacionais, foi nomeadamente previsto que nenhum dos ativos dos titulares de títulos de crédito subordinados pudesse ser transferido para o banco de transição (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, BPC Lux 2 e o./Comissão, T‑812/14 RENV, não publicado, EU:T:2019:885, n.os 7 a 14).

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