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Document 62021CC0197

Conclusões do advogado-geral Pitruzzella apresentadas em 12 de maio de 2022.
Soda-Club (CO2) SA e SodaStream International BV contra MySoda Oy.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein oikeus.
Reenvio prejudicial — Direito das marcas — Regulamento (UE) 2017/1001 — Artigo 15.o, n.o 2 — Diretiva (UE) 2015/2436 — Artigo 15.o, n.o 2 — Esgotamento do direito conferido pela marca — Garrafas que contêm dióxido de carbono — Comercialização num Estado‑Membro pelo titular da marca — Atividade de um revendedor que consiste em encher e reetiquetar garrafas — Oposição deduzida pelo titular da marca — Motivos legítimos para se opor à comercialização posterior dos produtos que ostentam a marca.
Processo C-197/21.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:387

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GIOVANNI PITRUZZELLA

apresentadas em 12 de maio de 2022 ( 1 )

Processo C‑197/21

Soda‑Club (CO2) SA,

SodaStream International BV

contra

MySoda Oy

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia)]

«Reenvio prejudicial — Marcas — Esgotamento — Garrafas recarregáveis que contêm dióxido de carbono — Comercialização num Estado‑Membro pelo titular da marca ou com o seu consentimento — Revenda por um terceiro, após reembalagem e reposição da marca do referido terceiro, no mesmo Estado‑Membro — Marca da garrafa em circulação gravada no gargalo ainda visível — Reembalagem — Critérios estabelecidos no Acórdão Bristol‑Meyers Suibb e o. — Aplicabilidade a produtos diferentes dos produtos farmacêuticos — Aplicabilidade a uma situação relativa a um único Estado‑Membro — Condição de necessidade — Impressão da existência de uma ligação económica»

1.

O século XXI caracteriza‑se por uma tomada de consciência generalizada do impacto dos nossos padrões de consumo sobre questões fundamentais como, por exemplo, a proteção do ambiente. Na sua comunicação de 2015 intitulada «Fechar o ciclo — plano de ação da UE para a economia circular» ( 2 ), a Comissão Europeia elogiava as virtudes desse tipo de economia nestes termos: «[a] transição para uma economia mais circular, em que o valor dos produtos, materiais e recursos se mantém na economia o máximo de tempo possível e a produção de resíduos se reduz ao mínimo, é um contributo essencial para os esforços da UE no sentido de desenvolver uma economia sustentável, hipocarbónica, eficiente em termos de recursos e competitiva». Essa circularidade da economia implica que produtos comercializados pela primeira vez no território da União pelos titulares das marcas devem ser reutilizados, reabastecidos ou recarregados antes de voltarem a ser comercializados. É nesse contexto que se insere o presente processo prejudicial, que dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de precisar as condições em que se deve produzir a necessária conciliação entre os interesses legítimos desses titulares e os dos terceiros que reutilizam e revendem os seus produtos.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Regulamento (UE) 2017/1001

2.

O Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (a seguir «Regulamento 2017/1001») ( 3 ), revogou e substituiu, a partir de 1 de outubro de 2017, o Regulamento (CE) n.o 207/2009 ( 4 ).

3.

O artigo 15.o do Regulamento 2017/1001, sob a epígrafe «Esgotamento do direito conferido pela marca da União Europeia», dispõe:

«1.   A marca da UE não confere ao seu titular o direito de proibir a sua utilização para produtos que tenham sido comercializados no [E]spaço económico europeu sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.   O n.o 1 não é aplicável sempre que motivos legítimos justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado dos produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

2. Diretiva (UE) 2015/2436

4.

O artigo 15.o da Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (a seguir «Diretiva 2015/2436») ( 5 ), sob a epígrafe «Esgotamento dos direitos conferidos por uma marca», tem a seguinte redação ( 6 ):

«1.   Os direitos conferidos pela marca não permitem ao seu titular proibir a utilização desta para produtos comercializados na União sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.   O n.o 1 não é aplicável sempre que motivos legítimos justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado dos produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

B.   Direito finlandês

5.

O § 9.o, n.o 1, da tavaramerkkilaki (544/2019) (Lei sobre Marcas (n.o 544/2019) de 26 de abril de 2019, é aplicável às marcas nacionais desde 1 de maio de 2019. Prevê que o titular de uma marca não pode proibir a sua utilização em relação a produtos que o mesmo, ou um terceiro com o seu consentimento, tenha colocado no mercado no Espaço Económico Europeu. O n.o 2 do § 9 da Lei sobre Marcas prevê que, sem prejuízo do disposto no n.o 1, o titular da marca pode proibir a utilização da marca em relação a produtos quando existam motivos legítimos para se opor à oferta ou à comercialização posterior dos produtos. O titular da marca pode, em especial, proibir a utilização da marca quando o estado dos produtos se tenha alterado ou deteriorado após a sua colocação no mercado ( 7 ).

II. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

6.

A Soda‑Club (C02) SA e a SodaStream International B.V. (a seguir, em conjunto, «SodaStream») fabricam e vendem equipamentos de carbonatação domésticos destinados à utilização por particulares. Estes equipamentos permitem preparar facilmente, com água da torneira, água gaseificada e bebidas gaseificadas aromatizadas. Na Finlândia, estes equipamentos são comercializados com a marca SODASTREAM. As embalagens vendidas incluem, além do equipamento em questão, uma garrafa de dióxido de carbono recarregável, composta por um corpo em alumínio gravado com a marca SODASTREAM ou SODACLUB. Na garrafa encontra‑se igualmente colada uma etiqueta com uma destas duas marcas. Além disso, a SodaStream vende à unidade garrafas carregadas de dióxido de carbono. A SodaStream é titular das marcas da União Europeia e das marcas nacionais SODASTREAM e SODA‑CLUB. As marcas registadas SODASTREAM e SODA‑CLUB designam tanto as garrafas em questão como o dióxido de carbono que contêm.

7.

A MySoda Oy tem a sua sede na Finlândia e comercializa no referido Estado‑Membro equipamentos semelhantes aos vendidos pela SodaStream com a marca MYSODA em embalagens que, todavia, não contêm garrafas. Desde 2016, a MySoda comercializa na Finlândia garrafas de dióxido de carbono carregadas, que são compatíveis não só com os seus próprios equipamentos de carbonatação, mas também com os equipamentos comercializados pela SodaStream. As garrafas de dióxido de carbono cheias e vendidas pela MySoda são, nomeadamente, garrafas recarregadas, originariamente comercializadas pela SodaStream. A MySoda recebe dos revendedores garrafas de dióxido de carbono da SodaStream que foram entregues vazias pelos consumidores. A MySoda retira‑lhes então a etiqueta colada pela SodaStream à volta da garrafa. Depois, recarrega essa garrafa e coloca nela a sua própria etiqueta. É pacífico que a etiqueta assim colocada deixa sempre visíveis as gravuras da garrafa, incluindo as marcas SODASTREAM e SODA‑CLUB.

8.

Na Finlândia, as garrafas de dióxido de carbono podem ser adquiridas no comércio de retalho. A SodaStream e a MySoda não dispõem de lojas próprias.

9.

A MySoda utilizou duas etiquetas diferentes. Na etiqueta denominada «rosa» figurava em letras grandes o logótipo da MySoda acompanhado da especificação de que se tratava de «dióxido de carbono finlandês para equipamentos de carbonatação». Junto às especificações do produto, em letra pequena, encontrava‑se a referência à sociedade que tinha enchido a garrafa e uma remissão para a respetiva página Internet para mais informações. Na etiqueta denominada «branca» figurava, em letras maiúsculas e em cinco línguas, a expressão «dióxido de carbono». As especificações do produto, ou seja, o nome da sociedade que encheu a garrafa, bem como a referência de que esta não tinha nenhuma relação com o fornecedor original da mesma, com a sua empresa ou com as suas marcas apostas na garrafa bem como uma remissão para a página Internet da MySoda, estavam redigidas em letra pequena.

10.

Por considerar que esta prática violava os seus direitos conferidos pela marca e que tinha vários motivos legítimos para se lhe opor, a SodaStream intentou uma ação contra a MySoda para obter a declaração de que esta última contrafez as suas marcas na Finlândia ao utilizá‑las sem autorização no âmbito da sua atividade comercial e ao comercializar com essas marcas garrafas recarregadas nas quais tinha sido aposta a própria marca da MySoda, depois de retirar e substituir as etiquetas originais, sem autorização da SodaStream, ou garrafas recarregadas em que as etiquetas originais foram substituídas por novas etiquetas. A SodaStream pede a proibição da prática que considera constituir uma contrafação e uma indemnização.

11.

Num Acórdão interlocutório de 5 de setembro de 2019, o markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos, Finlândia) julgou procedentes os pedidos da SodaStream relativos à utilização pela MySoda das etiquetas rosa e improcedentes os que se referiam às etiquetas brancas. o markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos) declarou que o direito exclusivo atribuído pelas marcas à SodaStream tinha caducado no que diz respeito às garrafas de dióxido de carbono originalmente comercializadas pela mesma. Para se opor à prática da MySoda, a SodaStream devia fazer prova da existência de um interesse legítimo. Depois de ter excluído os critérios resultantes do Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. ( 8 ) pelo facto de não se tratar, no âmbito do litígio que opõe a SodaStream à MySoda, de uma importação paralela, o markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos) baseou‑se no Acórdão Viking Gas ( 9 ) para considerar que a prática da MySoda não alterava nem danificava a garrafa de dióxido de carbono inicialmente comercializada pela SodaStream ou o seu conteúdo. Essa prática não punha em causa a reputação desta última nem tinha causado qualquer dano suscetível de constituir um motivo legítimo para que a SodaStream se lhe opusesse. Se a prática relativa às etiquetas brancas não criou, segundo o órgão jurisdicional em causa, uma impressão errada da existência de uma ligação económica entre a MySoda Oy e a SodaStream, o mesmo não acontece com a utilização das etiquetas rosa que são suscetíveis de criar, no consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, a impressão da existência de uma ligação económica entre essas duas entidades. Devido, nomeadamente, ao logótipo predominante da MySoda aposto na etiqueta rosa, o referido órgão jurisdicional considerou que esse consumidor podia pensar que a garrafa de dióxido de carbono provinha desta última. Por conseguinte, existia um motivo legítimo para que a SodaStream se opusesse à prática que consistia na utilização das etiquetas rosa.

12.

A SodaStream e a MySoda interpuseram, cada uma, recurso deste acórdão interlocutório, recursos que foram admitidos pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia) chamado a pronunciar‑se sobre os mesmos.

13.

Segundo a SodaStream, ao retirar a etiqueta com a sua marca e que indicava, assim, a origem da garrafa de dióxido de carbono, e apondo‑lhe uma nova etiqueta, a MySoda efetua uma nova rotulagem do produto, prática esta que já por si só põe em causa a função de indicação de origem da marca e que deveria estar sujeita aos requisitos estabelecidos no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o., ou, pelo menos, à condição de necessidade. Ora, na sua opinião, a substituição da etiqueta nas condições acima descritas não é necessária para a colocação no mercado de garrafas recarregadas de dióxido de carbono, uma vez que a aposição, na garrafa recarregada, de um autocolante que permita apresentar as especificações relativas à empresa de recarregamento é menos lesiva dos direitos do titular da marca. Por conseguinte, considera que a SodaStream tem direito a opor‑se à prática da MySoda. A SodaStream invoca também, como mais um motivo legítimo para essa oposição, a impressão errada resultante da prática da MySoda no que se refere à existência de uma ligação económica entre ambas.

14.

Por sua vez, a MySoda alega que os requisitos estabelecidos no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. não se aplicam ao presente caso, por se tratar aqui de trocas comerciais no interior de um único Estado‑Membro. A MySoda não reacondiciona um produto original vendido no âmbito de uma importação paralela. Afirma que a substituição da etiqueta não põe em causa a função da marca, uma vez que o público‑alvo compreende que a etiqueta que apõe indica apenas a origem do dióxido de carbono e a empresa de recarregamento, enquanto a gravura aposta na garrafa que indica a origem desta continua visível. De qualquer modo, a substituição da etiqueta da SodaStream é efetivamente necessária, dado que, como essas garrafas estão concebidas para serem recarregadas inúmeras vezes, a aposição de um simples autocolante na garrafa recarregada daria lugar a um risco de confusão maior quanto à identidade da última empresa a efetuar o recarregamento. A substituição da etiqueta permite evitar uma situação em que o mesmo produto apresenta vários códigos de barras e, por outro lado, é frequentemente necessária quando a etiqueta original se deteriora ou descola. A MySoda refere que atuou em conformidade com uma prática habitual na Finlândia, tanto mais que seria igualmente seguida pela própria SodaStream. Por último, a MySoda esclareceu, perante o órgão jurisdicional de reenvio, que não é a única sociedade que opera no mercado do recarregamento de garrafas de dióxido de carbono e que, por conseguinte, é igualmente possível que as etiquetas que substitui não sejam as da SodaStream, mas antes as das empresas de recarregamento anteriores.

15.

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o direito da União não estabelece regras claras e detalhada sobre as condições com base nas quais existam motivos legítimos para que o titular de uma marca se possa opor à comercialização posterior de produtos colocados no mercado. Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, pelo menos, a reembalagem de medicamentos importados paralelamente, que inclui uma nova rotulagem, cria riscos para a garantia de proveniência da marca. Por conseguinte, essa reembalagem afeta o objeto específico da marca ( 10 ). Segundo jurisprudência constante, o titular da marca pode proibir a comercialização de produtos reacondicionados, se o comerciante não apresentar prova de que a linha de conduta preenche os requisitos estabelecidos no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. ( 11 ). O titular da marca pode, portanto, proibir a nova embalagem do produto, salvo quando seja necessária para permitir a comercialização dos produtos importados paralelamente e os interesses legítimos do titular da marca sejam assim salvaguardados ( 12 ). O órgão jurisdicional de reenvio salienta também que decorre do Acórdão Viking Gas, no qual, no entanto, não se faz referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao reacondicionamento nem às condições estabelecidas no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o., que, no caso de uma empresa que recarregou botijas de gás comercializadas no mesmo Estado‑Membro ter aposto as suas próprias etiquetas nessas botijas, pode existir um motivo legítimo para a oposição à conduta de quem faz o recarregamento, designadamente quando o uso do sinal é feito de modo a dar a impressão de que existe uma ligação económica entre o titular da marca e quem fez o recarregamento ( 13 ).

16.

O órgão jurisdicional de reenvio refere, por um lado, que não resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a condição de necessidade, conforme definida no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o., é aplicável ao reacondicionamento de produtos comercializados no mesmo Estado‑Membro. O órgão jurisdicional de reenvio não tem a certeza de poder qualificar a operação efetuada pela MySoda de «reacondicionamento» na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma vez que, no âmbito do processo principal, se trata de garrafas que se destinam a ser recarregadas várias dezenas de vezes. O órgão jurisdicional de reenvio pretende igualmente saber se é determinante que o público‑alvo considere que a etiqueta identifica exclusivamente a origem do dióxido de carbono, mesmo quando o titular da marca também apôs a etiqueta com a sua própria marca na garrafa, aquando da comercialização da garrafa de dióxido de carbono, para prova da origem da referida garrafa. Também não é fácil determinar se as conclusões retiradas do Acórdão Viking Gas são aplicáveis no âmbito do processo principal por se tratar, nesse acórdão, de marcas apostas pelo titular da marca que tinha inicialmente comercializado essas botijas de gás sem que as referidas marcas alguma vez tenham sido retiradas ou cobertas. No âmbito do processo principal, apenas a marca gravada no gargalo da garrafa de dióxido de carbono continua visível.

17.

Por outro lado, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça e, em particular, do Acórdão Loendersloot ( 14 ), por vezes pode bastar a aposição nas garrafas de um simples autocolante que mencione as informações suplementares, sem que seja necessário de retirar a etiqueta aposta pelo titular da marca que colocou as garrafas no mercado. Resulta igualmente da jurisprudência que a condição de necessidade não é preenchida se a prática em causa se explicar exclusivamente pela procura de uma vantagem comercial ( 15 ). As garrafas recarregadas de dióxido de carbono devem mencionar as especificações relativas à empresa que efetuou o recarregamento. Admitindo‑se que os critérios do Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. são aplicáveis, designadamente a relativa à necessidade, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se deve ser tida em consideração a finalidade das garrafas. Com efeito, uma vez que as garrafas de dióxido de carbono se destinam a ser recarregadas para reutilização, pode suscitar‑se a questão da duração das etiquetas apostas pelo titular da marca que colocou essas garrafas no mercado. Mais concretamente, trata‑se de determinar se a deterioração da etiqueta aposta na garrafa pelo titular da marca, a remoção da mesma da garrafa, ou o facto de outra empresa de recarregamento já ter anteriormente substituído a etiqueta original pela sua própria, são suscetíveis de constituírem uma circunstância com base na qual a troca da etiqueta ou a sua substituição por uma etiqueta da empresa de recarregamento pode ser considerada necessária para a colocação no mercado da garrafa reabastecida.

18.

Nestas circunstâncias, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia) decidiu suspender a instância e, por decisão que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de março de 2021, submeter a este último as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Os denominados critérios “Bristol‑Myers Squibb”, estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativamente à reembalagem e nova rotulagem em situações de importação paralela, e, em especial, a condição de “necessidade”, são aplicáveis quando está em causa a reembalagem ou a nova rotulagem de mercadorias colocadas no mercado num Estado‑Membro pelo titular da marca ou com a sua autorização, para efeitos de revenda nesse Estado‑Membro?

2)

Ao ser comercializada uma garrafa que contém dióxido de carbono, e na qual o titular da marca apôs a sua marca, a qual consta da etiqueta da garrafa e está ainda gravada no gargalo da garrafa, os critérios Bristol‑Myers Squibb acima referidos e, em especial, a condição de necessidade, são aplicáveis se um terceiro, ao recarregar a garrafa com dióxido de carbono para efeitos de revenda, lhe retirar a etiqueta original e a substituir por uma etiqueta que contém o seu próprio logótipo, continuando, ao mesmo tempo, a marca do distribuidor da garrafa a ser visível na gravura aposta no gargalo da garrafa?

3)

Pode, na situação acima descrita, considerar‑se que, em princípio, a remoção e a substituição da etiqueta que contém a marca põem em causa a função da marca, que consiste em provar a origem da garrafa ou, tendo em conta a aplicabilidade das condições da reembalagem e da nova rotulagem, é relevante o facto de que

se deve presumir que o público‑alvo considera que a etiqueta identifica exclusivamente a origem do dióxido de carbono (e, deste modo, a empresa de recarregamento da garrafa); ou

se deve presumir que o público‑alvo considera que a etiqueta também identifica, pelo menos, em parte, a origem da garrafa?

4)

Pode, na medida em que a remoção e a substituição da etiqueta das garrafas de CO2 são apreciadas à luz da condição de necessidade, a deterioração ou a remoção não intencionais das etiquetas apostas nas garrafas colocadas no mercado pelo titular da marca ou a remoção das mesmas e a sua substituição por uma empresa de recarregamento anterior, constituir uma circunstância com base na qual a substituição regular das etiquetas por uma etiqueta da empresa de recarregamento deve ser considerada necessária para a colocação no mercado das garrafas reabastecidas?»

19.

A MySoda, a SodaStream, o Governo finlandês e a Comissão apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça.

III. Análise

20.

Antes de analisar as questões submetidas ao Tribunal de Justiça, esclareço que, nas presentes conclusões, referir‑me‑ei às disposições pertinentes do Regulamento 2017/1001 e da Diretiva 2015/2436, a saber, em particular, o artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 e o artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 ( 16 ). Na medida em que os factos imputados à MySoda começaram em 2016, e tendo em conta a semelhanças entre as disposições que regulam o esgotamento do direito conferido pelas marcas nacionais e da União, os desenvolvimentos relativos ao artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 e ao artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 serão igualmente válidos quanto à interpretação das disposições correspondentes contidas nos diplomas anteriormente em vigor ( 17 ). Por esta mesma razão, a jurisprudência do Tribunal de Justiça proferida com base nessas disposições anteriores continua a ser pertinente para a resolução do litígio no processo principal.

A.   Quanto à primeira, segunda e quarta questões prejudiciais

21.

Com as suas primeira, segunda e quarta questões prejudiciais, que, na minha opinião, há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que esclareça se os critérios estabelecidos no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. são aplicáveis num caso em que os produtos são revendidos por um terceiro, depois de comercializados pela primeira vez na União pelo titular da marca, no mesmo Estado‑Membro em que foram colocados no mercado pela primeira vez. Além disso, pergunta se esses critérios, designadamente o da necessidade, se aplicam quando um terceiro recarrega a garrafa com dióxido de carbono para revenda, lhe retira a etiqueta de origem e a substitui pela sua própria etiqueta deixando visível a marca do titular que está gravada no gargalo da garrafa. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta que efeito pode ter na apreciação da existência da necessidade de reembalagem o facto de, por natureza, as etiquetas apostas pelo titular da marca em garrafas que se destinam a ser recarregadas e reutilizadas se deteriorarem frequentemente, ou serem removidas, tornando assim potencialmente necessária a sua substituição regular com vista à sua posterior comercialização. Estas questões são submetidas para determinar se a SodaStream tem direito a opor‑se à prática da MySoda.

22.

Esta faculdade de oposição, que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias, destina‑se unicamente a proteger direitos que constituem o objeto específico da marca, entendidos à luz da função essencial desta ( 18 ). O objeto específico do direito de marca consiste, nomeadamente, em assegurar ao seu titular o direito exclusivo de utilizar a marca na primeira comercialização de um produto, protegendo‑o, desse modo, contra eventuais concorrentes que pretendam desfrutar da posição da empresa e da reputação da marca através da utilização abusiva desta ( 19 ). A função essencial da marca é garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto designado pela marca, permitindo‑lhe distinguir, sem confusão possível, esse produto dos que têm outra proveniência ( 20 ). No entanto, na medida em que constitui necessariamente uma limitação ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias, o direito do titular da marca de se opor à comercialização posterior dos produtos que ostentam a sua marca não é ilimitado.

23.

A questão do esgotamento do direito conferido pela marca da União ou pela marca nacional encontra‑se, portanto, regulada no artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 e no artigo 15.o da Diretiva 2015/2436. Estas duas disposições destinam‑se, designadamente, em termos semelhantes, a conciliar os interesses fundamentais da proteção dos direitos de marca com os da livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros ( 21 ). Decorre dessas disposições que o titular da marca não pode, em princípio, opor‑se à utilização dessa marca após a primeira comercialização pelo titular da marca ou com o seu consentimento ( 22 ). O princípio do esgotamento do direito conferido pela marca consagrado nessas duas disposições constitui, portanto, o limite aos direitos de exclusividade reconhecidos aos titulares de uma marca. As relações entre essa exclusividade e a livre circulação das mercadorias foram, por diversas vezes, ilustradas na jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 23 ). Por conseguinte, embora a titularidade da marca implique, per se, uma necessária restrição à livre circulação de mercadorias em nome da proteção da propriedade industrial e comercial, o grau de proteção diminui à medida que se revela a existência de riscos anticoncorrenciais no mercado, designadamente de compartimentação.

24.

É pacífico entre as partes que as garrafas em causa foram comercializadas pela primeira vez no território finlandês pela SodaStream, titular da marca. Se nos cingirmos ao que antecede, esta não se pode opor à prática em causa no processo principal.

25.

Contudo, o direito conferido pela marca não se esgota sempre que o seu titular possa invocar um motivo legítimo que justifique que se oponha à comercialização posterior dos produtos ( 24 ). Embora a modificação e a alteração do estado dos produtos sejam mencionadas no artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento 2017/2001 e no artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2436 a título de exemplo, estas disposições não fornecem uma lista exaustiva de motivos legítimos suscetíveis de evitar a aplicação do princípio do esgotamento ( 25 ).

26.

No contexto de uma importação paralela de produtos farmacêuticos, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que o artigo 7.o, n.o 2, da Primeira Diretiva 89/104 devia ser interpretado no sentido de que o titular da marca pode legitimamente opor‑se à comercialização posterior de um produto farmacêutico, quando o importador reembalou o referido produto e repôs a marca do titular, salvo quando, primeiro se demonstrar que o uso do direito de marca pelo titular para se opor à comercialização dos produtos reembalados com essa marca contribui para estabelecer uma compartimentação artificial dos mercados entre Estados‑Membros, segundo, se demonstrar que a reembalagem não pode afetar o estado originário do produto contido na embalagem, terceiro, se indicar claramente na nova embalagem o autor do reacondicionamento do produto e o nome do seu fabricante, quarto, a apresentação do produto reembalado não seja tal que possa prejudicar a reputação da marca e a do seu titular e quinto, o importador avisar, antes da colocação à venda do produto reembalado, o titular da marca e lhe fornecer, a seu pedido, uma amostra do produto reembalado ( 26 ). Basta que um dos critérios estabelecidos no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. não esteja satisfeito, para que o titular da marca se possa legitimamente opor à comercialização posterior de um produto farmacêutico que ostente a sua marca e que tenha sido objeto de um reacondicionamento ( 27 ).

27.

Assim, para apreciar o direito da SodaStream de se opor à prática da MySoda é necessário determinar se esta configura um reacondicionamento na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça (segunda questão) ( 28 ). Em seguida, há que determinar se os ensinamentos que decorrem do Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. apenas são válidos para situações de importação paralela que impliquem necessariamente a comercialização do produto em causa no território de um Estado‑Membro diferente do da primeira comercialização (primeira questão). Por último, há que verificar se as condições estabelecidas nesse acórdão o foram tendo em consideração especialmente o tipo específico de produtos que ali estavam em questão, ou seja, produtos farmacêuticos, antes de se poder abordar a aplicação da condição de necessidade, na aceção do referido acórdão, às circunstâncias do litígio no processo principal.

1. Quanto à existência de um reacondicionamento

28.

Quanto à questão de saber se a prática da MySoda em causa no processo principal constitui um reacondicionamento, o Tribunal de Justiça, embora noutro contexto, já declarou que «a nova rotulagem dos medicamentos que ostentam a marca, tal como a sua nova embalagem, afetam o objeto específico da marca […]. Com efeito, a modificação que implica uma nova embalagem ou uma nova rotulagem de um medicamento que ostente uma marca cria, pela sua própria natureza, riscos reais para a garantia de proveniência que a marca visa assegurar» ( 29 ). Posteriormente, o Tribunal de Justiça veio esclarecer que a aposição de um rótulo de pequena dimensão numa embalagem de origem de dispositivos médicos, intacta e que não foi aberta, que não esconde a marca original e que se limita a designar o importador paralelo como responsável pela colocação no mercado com a indicação dos seus contactos, um código de barras e um número farmacológico, não constitui um reacondicionamento. Uma vez que não pode afetar o objeto específico da marca, essa operação não constitui um motivo legítimo suscetível de justificar que o titular da marca se oponha à comercialização posterior do produto em causa ( 30 ). Contudo, não se me afigura possível reduzir a prática em causa no processo principal, descrita no n.o 9 das presentes conclusões, a esta última hipótese. Com efeito, a MySoda abre as garrafas de dióxido de carbono, manipula‑as, inspeciona‑as, limpa‑as e em seguida enche‑as antes de as selar e de proceder à sua nova rotulagem ( 31 ). Também não se pode excluir que o objeto específico da marca possa, por este motivo, ser afetado, mesmo que a marca de SodaStream gravada no gargalo continue visível ( 32 ). Por conseguinte, existe efetivamente reacondicionamento das garrafas de dióxido de carbono inicialmente comercializadas no mercado finlandês por esta última.

2. Quanto à aplicabilidade dos critérios do Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o, no âmbito do processo principal

29.

Quanto à questão da ligação entre os critérios estabelecidos no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. e as situações de importação paralela, devo salientar desde logo que, embora o litígio no processo principal incida efetivamente sobre uma situação que se verifica no mercado finlandês, os rótulos apostos pela MySoda estão redigidos em cinco línguas, revelando assim toda a potencialidade de uma eventual distribuição das garrafas recarregadas fora do território finlandês.

30.

Saliento igualmente que os critérios estabelecidos no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. são, pelo menos do ponto de vista da sua formulação, aplicáveis numa configuração como a do processo principal uma vez que acabam por incidir sobre o alcance da proteção conferida pela marca e sobre os seus limites. A este respeito, concordo com a SodaStream quando alega que o interesse do titular da marca em obter uma proteção contra uma eventual violação da garantia de origem do produto que ostenta a sua marca é o mesmo quer essa violação se verifique no território do mesmo Estado‑Membro em que o produto em causa foi comercializado pela primeira vez quer no território de um Estado‑Membro diferente.

31.

Sobretudo, a proteção da propriedade intelectual não pode chegar ao ponto de legitimar um mercado fechado e, por conseguinte, uma concorrência falseada ( 33 ). Ora, na minha opinião, os riscos para o mercado são comparáveis, uma vez que a oposição ao reacondicionamento pode ter a consequência imediata de contribuir para a compartimentação artificial do mercado, mesmo o nacional. Inclino‑me, portanto, a considerar, em consonância com a Comissão, que a limitação da prática a um único Estado‑Membro não é decisiva no momento de determinar se os critérios estabelecidos no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. são aplicáveis. Decidindo‑se de outro modo, existiria o risco de reconhecer à SodaStream a possibilidade de beneficiar incondicionalmente da revenda futura dos seus próprios produtos. É certo que o Tribunal de Justiça não fez referência ao Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. no seu Acórdão Viking Gas, apesar de se tratar igualmente de uma situação de recarga de botijas de gás no território de um único Estado‑Membro. Contudo, o referido processo tinha como objeto uma prática diferente, analisada antes de tudo sob a perspetiva da liberdade de escolha e do direito de propriedade do consumidor que tinha comprado a garrafa de gás quando da sua primeira introdução no mercado ( 34 ). A questão do direito dos concorrentes de procederem ao enchimento e à troca das botijas de gás surgiu apenas no final da análise ( 35 ), limitando‑se o Tribunal de Justiça, no dispositivo do acórdão, a recordar a exigência de um «motivo legítimo», sem precisar as respetivas condições ( 36 ). Além disso, como salientou com razão o órgão jurisdicional de reenvio, a marca em questão nesse processo não tinha sido removida nem encoberta.

32.

Quanto à questão de saber se os critérios estabelecidos no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. são específicas dos produtos farmacêuticos e dos dispositivos médicos, por um lado, não se me afigura que a leitura desse acórdão limite esses critérios a esse tipo de produtos ( 37 ) e, por outro, o Tribunal de Justiça já declarou não ser esse o caso ( 38 ), uma vez que o elemento que determina a aplicação das referidas condições não resulta da qualidade dos produtos, mas do facto de um produto que ostenta a marca ter sido objeto de uma intervenção realizada por um terceiro sem autorização do titular da marca e que pode falsear a garantia de proveniência que lhe é conferida pela marca ( 39 ). Por conseguinte, não estou de acordo com a leitura proposta pela Comissão dos n.os 27 e 28 do Acórdão Junek Europ‑Vertrieb ( 40 ), dado que não decorre desses números que o Tribunal de Justiça tenha excluído, por princípio, a aplicação dos critérios estabelecidos no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. a produtos diferentes dos produtos farmacêuticos. Na minha opinião, estes números apenas evocam o contexto, designadamente factual, que levou à adoção da jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça.

33.

Por conseguinte, de todos estes elementos resulta que nada parece opor‑se a que a condição de necessidade, tal como decorre do Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. seja aplicada no âmbito do processo principal.

3. Quanto à condição de necessidade na aceção do Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o.

34.

Resulta desta condição, tal como redigida no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o., que o titular da marca pode legitimamente opor‑se à comercialização posterior de um produto, quando o importador o reembalou e o colocou de novo a marca, salvo quando, nomeadamente, se demonstrar que o uso do direito de marca pelo titular para se opor à comercialização dos produtos reembalados com essa marca contribui para compartimentar artificialmente os mercados entre Estados‑Membros ou, no presente caso, o mercado (secundário) nacional. Segundo o Tribunal de Justiça é este o caso, nomeadamente, quando a reembalagem seja necessária para a comercialização do produto no Estado‑Membro de importação e, ainda, efetuada em condições tais que o estado originário do produto não possa ser afetado ( 41 ). O poder do titular de um direito de marca protegido num Estado‑Membro de se opor à comercialização, com a marca, de produtos reembalados só deve ser limitado na medida em que a reembalagem a que tenha procedido o importador seja necessária para comercializar o produto ( 42 ). Em todos os casos, a condição de necessidade deve ser analisada à luz da função essencial reconhecida à marca ( 43 ).

35.

Assim, a reembalagem é necessária para a comercialização do produto em causa noutro Estado‑Membro quando a modificação da embalagem é exigida por imperativos regulamentares ( 44 ). Pelo contrário, o Tribunal de Justiça declarou que o reacondicionamento não se afigura necessário quando se explica exclusivamente pela procura, por parte do importador paralelo, de uma vantagem económica ( 45 ).

36.

A condição de necessidade só deve ser apreciada quanto ao facto de se proceder ao reacondicionamento do produto com vista a permitir a sua comercialização posterior e não quanto à forma ou ao estilo com que este reacondicionamento é realizado ( 46 ). No entanto, a condição de necessidade não é autossuficiente, uma vez que, verificada que esteja a necessidade do reacondicionamento, há ainda que assegurar que os interesses legítimos do titular da marca são protegidos para concluir que não se pode opor à revenda do seu produto ( 47 ), e é nessa etapa sucessiva que a forma ou o estilo do reacondicionamento devem ser analisados.

37.

Deve recordar‑se igualmente o lugar que deve ocupar a marca, ao analisar a condição de necessidade num sistema de concorrência não falseado. Como alegou a Comissão, considero que a condição relativa à necessidade da reembalagem deve ser aplicada tendo em conta a exigência de ponderar os interesses do titular da marca e, no presente caso, os interesses dos revendedores. A este respeito, devo sublinhar que a operação efetuada pela MySoda é mais complexa do que a simples revenda de uma garrafa já comercializada, uma vez que vai recarregar essa garrafa com dióxido de carbono.

38.

Embora incumba ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a questão de saber se, atendendo às circunstâncias que caracterizam o litígio no processo principal, a reembalagem efetuada pela MySoda é necessária para efeitos da comercialização das garrafas de dióxido de carbono recarregadas, é manifesto que o referido órgão jurisdicional solicita ao Tribunal de Justiça que dê orientações para realizar essa apreciação.

39.

A SodaStream comercializa produtos destinados a serem reutilizados ( 48 ). Imputa à MySoda o facto de ela própria organizar a reutilização e a recarga das garrafas que ostentam a marca da SodaStream. Invocar o seu direito de marca sobre a garrafa é o único meio legal que a SodaStream tem de se opor à atividade da MySoda que, de qualquer modo, se afigura reconhecida e enquadrada pelo menos na legislação nacional, uma vez que se trata de uma substância classificada de perigosa como é o dióxido de carbono.

40.

Por conseguinte, das duas, uma.

41.

Por um lado, uma vez que a atividade desenvolvida pela MySoda se afigura legal e tendo em conta a finalidade dos produtos comercializados pela SodaStream, imaginemos que a MySoda prossegue a sua atividade de enchimento, mas que seja proibida, em nome dos direitos baseados na marca, de retirar a etiqueta. O produto comercializado teria um valor manifestamente acrescentado conferido por um operador que não é o titular da marca, mas que apenas ostentaria a etiqueta deste último. Na verdade, a marca como garantia de origem seria plenamente eficaz no que respeita à garrafa, mas já não quanto ao próprio gás e ao serviço de enchimento. Esta situação, puramente teórica, seria, por outro lado, problemática no que respeita à atribuição da responsabilidade em caso de problemas que surjam na sequência da recarga, uma vez que essa responsabilidade poderia, erradamente, parecer incumbir ao titular da marca da garrafa e não ao operador que recarregou a garrafa. Como referi acima, a operação levada a cabo pela MySoda não é uma simples revenda da garrafa. Nessa situação, a rotulagem não refletiria o estado real do produto tal como deve ser, atendendo à sua finalidade, comercializado no mercado secundário.

42.

Por outro lado, seguindo a argumentação da SodaStream que consiste em invocar uma proteção contínua da sua marca, para além da primeira colocação no mercado, aposta num produto reutilizável, isso teria o efeito de impedir qualquer manipulação das garrafas recarregáveis por um terceiro operador. Por conseguinte, apenas a SodaStream poderia legitimamente proceder à recarga e à revenda das garrafas, mesmo que a proteção conferida pela marca e o direito de oposição que confere ao seu titular apenas digam respeito às garrafas em questão, e não às operações posteriores, e não podem ter o efeito de compartimentar os mercados e, portanto, falsear a concorrência ( 49 ). Decorre das observações da SodaStream que esta considera essencial assegurar que só as garrafas de dióxido de carbono cuja segurança e enchimento correto ela própria possa garantir sejam comercializadas com as suas marcas. O órgão jurisdicional de reenvio é o mais bem colocado para promover o equilíbrio entre este argumento aparentemente seguro ( 50 ) e a eventual manipulação do produto com fins anticoncorrenciais ( 51 ).

43.

Nestas condições específicas, atendendo à natureza e finalidade dos produtos, a sua reembalagem, entendida como a manipulação (abertura, limpeza, verificação), enchimento das garrafas já comercializadas e, sobretudo, uma eventual nova rotulagem, afigura‑se‑me a priori necessária para a utilização a que essas garrafas recarregáveis se destinam e para que o mercado secundário seja acessível a operadores independentes. A nova rotulagem, desde que realizada de forma clara e não fraudulenta, contribui paradoxalmente, em meu entender, para preservar a função essencial das marcas, quer se trate da marca de quem comercializou a garrafa pela primeira vez quer de quem a recarregou antes de a revender. Ainda na minha opinião, a condição de necessidade fica, assim, preenchida por esta única razão, tanto mais que deve ser apreciada à luz das circunstâncias do caso em apreço, tomando designadamente em consideração as diferenças factuais do litígio principal no processo Bristol‑Myers Squibb e o. Atendendo ao período de duração das garrafas de dióxido de carbono que podem, segundo as indicações da MySoda, ser recarregadas uma centena de vezes, também não posso deixar de admitir que o estado de conservação da etiqueta de origem se vai deteriorar e que, na previsível hipótese de enchimentos sucessivos por diversos operadores, o último a efetuar uma nova rotulagem da garrafa não será necessariamente o que removeu a etiqueta de origem.

4. Conclusão

44.

Resulta do que antecede que, no contexto do litígio no processo principal, o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001 e o artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2436 devem ser interpretados no sentido de que o titular da marca pode legitimamente opor‑se à comercialização posterior das garrafas de dióxido de carbono por um terceiro, no território do mesmo Estado‑Membro em que essas garrafas foram colocadas no mercado pela primeira vez pelo referido titular ou com o seu consentimento, quando o referido terceiro que as recarregou as reembalou e nelas apôs a sua marca, salvo se se demonstrar que essa oposição contribui para uma compartimentação artificial do mercado. A fim de apreciar a existência desse risco, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a reembalagem realizada, atendendo à natureza do produto em causa e à sua finalidade, é necessária para assegurar o acesso de terceiros ao mercado da recarga de dióxido de carbono. Caso o órgão jurisdicional de reenvio conclua pela necessidade da reembalagem realizada pelo terceiro, deve ainda assegurar‑se de que os interesses legítimos do titular da marca são assim salvaguardados.

B.   Quanto à terceira questão prejudicial

45.

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, por princípio, a remoção e a substituição da etiqueta que contém a marca põem em causa a função da marca ou se se deve ainda avaliar, para efeitos da aplicabilidade das condições relativas à reembalagem e da nova rotulagem, se o público‑alvo considera que a etiqueta identifica exclusivamente a origem do dióxido de carbono ou, pelo contrário, se deve presumir que este público considera que a etiqueta também identifica, pelo menos, em parte, a origem da garrafa ( 52 ).

46.

À semelhança da SodaStream, entendo que esta terceira questão prejudicial no sentido de que se refere a uma condição diferente e autónoma da relativa à necessidade da reembalagem. Com efeito, como se recordou, designadamente no n.o 36 das presentes conclusões, mesmo que a prática em causa no processo principal deva ser considerada necessária, na aceção da primeira dos critérios estabelecidos no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o., tal não é suficiente para constatar a impossibilidade da SodaStream de se opor à referida prática, uma vez que esses critérios são referidas cumulativos. Dito de outra forma, uma vez constatada a necessidade objetiva do reacondicionamento, deve examinar‑se a sua efetiva realização.

47.

O terceiro critério consagrado pelo Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. exige que seja indicado claramente na nova embalagem o autor do reacondicionamento do produto e o nome do seu fabricante, devendo estas indicações ser impressas de tal modo que uma pessoa com uma visão normal e um grau de atenção normal seja capaz de as entender ( 53 ). A clareza da informação exigida deve, assim, permitir evitar a confusão no espírito do consumidor ( 54 ).

48.

A fim de preservar a garantia de origem da marca, a nova rotulagem não deve, designadamente, dar a impressão de que existe uma ligação económica entre o terceiro revendedor do produto e o titular da marca, nomeadamente que a empresa do revendedor pertence à rede de distribuição do titular dessa marca ou que existe uma relação especial entre as duas empresas ( 55 ). Se o consumidor normalmente informado e razoavelmente atento tem dificuldade em determinar a proveniência dos produtos, os direitos baseados na marca não podem ser considerados esgotados ( 56 ). Decorre designadamente do Acórdão Viking Gas ( 57 ) que a apreciação da existência de uma impressão de ligação económica deve ter em conta a rotulagem das garrafas e as condições em que as mesmas são trocadas ( 58 ). Devem igualmente ser tidas em conta as práticas no setor e apurar‑se se os consumidores estão habituados a que as garrafas sejam cheias por outros distribuidores. Deve, então, ser possível presumir que um consumidor que se dirige diretamente a um concorrente para encher a sua garrafa ou para trocar a sua garrafa vazia por uma garrafa cheia esteja mais facilmente em condições de conhecer a inexistência de ligação entre o concorrente em questão e o titular da marca ( 59 ). O Tribunal de Justiça admitiu igualmente que o facto de a marca da garrafa continuar a ser visível apesar da rotulagem suplementar ( 60 ) levada a cabo pelo concorrente constitui um elemento relevante na medida em que parece excluir que a referida rotulagem alterou o estado das garrafas encobrindo completamente a sua origem ( 61 ).

49.

Ao proceder à nova rotulagem, o terceiro não deve ter uma intenção maliciosa, como seria o caso, por exemplo, se tivesse a intenção real de enganar o consumidor. No entanto, a remoção da etiqueta pela MySoda não parece ter necessariamente uma intenção dolosa, uma vez que pode não ser possível demonstrar se foi efetivamente a MySoda a retirar, de uma determinada garrafa, a etiqueta de origem ou a etiqueta da última empresa que encheu a garrafa de gás. A remoção pode ser justificada tendo em consideração a natureza particular do produto considerado, ou seja, garrafas recarregáveis. A marca da garrafa continua visível uma vez que está gravada no gargalo pelo que a função essencial da marca como garantia de origem da garrafa não é forçosamente posta em causa pelo simples facto de ter havido uma nova rotulagem. Não obstante, afigura‑se‑me que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar qual será a compreensão exata dessa nova rotulagem por um consumidor normalmente informado e razoavelmente atento ( 62 ). É certo que isso depende do nível de conhecimento do referido consumidor do funcionamento e das práticas ( 63 ) no mercado do enchimento de garrafas de dióxido de carbono. Isso depende igualmente da clareza das informações contidas na etiqueta, que deve, sem ambiguidade quanto ao responsável efetivo pelo fabrico da garrafa, conter as especificações sobre a última empresa que encheu a garrafa de dióxido de carbono.

50.

Acrescento que o Governo finlandês insistiu sobre os aspetos ambientais do litígio no processo principal, alegando que a valorização das garrafas pelo respetivo enchimento e reutilização deve ser incentivada ao abrigo da política de prevenção de resíduos, que é um dos objetivos prosseguidos pela Diretiva (UE) 2018/852 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, que altera a Diretiva 94/62/CE relativa a embalagens e resíduos de embalagens ( 64 ). Para este efeito, segundo esse Governo, a valorização das garrafas não se deve tornar demasiado complexa em resultado de uma excessiva consideração prestada aos direitos do fabricante da garrafa, titular da marca.

51.

À luz de todos estes elementos, considero que o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001 e o artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2436 devem ser interpretados no sentido de que quando um terceiro procede à recarga do gás e à revenda de uma garrafa de dióxido de carbono, remove a etiqueta que contém a marca do fabricante da garrafa, deixando visível essa marca gravada no gargalo, e nela apõe a sua própria etiqueta, a impressão de conjunto dada pela nova rotulagem deve ser apreciada para determinar se as especificações relativas ao autor da reembalagem do produto e ao fabricante desse produto são claras e inequívocas para um consumidor normalmente informado e razoavelmente atento. Essas especificações constantes da nova rotulagem não devem, nomeadamente, deixar pensar que existe uma ligação económica ou uma relação especial entre o terceiro que recarregou a garrafa e o titular da marca. Para apreciar a impressão causada pela nova rotulagem, devem ser tidas em conta, designadamente, as práticas específicas do setor em causa e o nível de conhecimento dessas práticas por parte dos consumidores.

C.   Quanto à aplicação do critério resultante do Acórdão Viking Gas

52.

A título subsidiário, no caso de o Tribunal de Justiça não seguir a linha de raciocínio acima sugerida, poder‑se‑ia aplicar o critério delineado no seu Acórdão Viking Gas, com vista à obtenção de um resultado aproximadamente equivalente.

53.

Recordo que, no referido processo, o Tribunal de Justiça devia determinar em que condições o titular de uma licença exclusiva para a utilização de botijas em material compósito destinadas a serem reutilizadas, cuja forma está protegida como marca tridimensional e nas quais o referido titular apôs a sua denominação e o seu logótipo, registados como marcas nominativa e figurativa, se podia opor, nos termos dos artigos 5.o e 7.o da Primeira Diretiva 89/104, a que estas botijas, após terem sido adquiridas por consumidores que, em seguida, gastaram o gás inicialmente contido nas mesmas, fossem trocadas por um terceiro, mediante pagamento, por botijas em material compósito cheias de gás que não provém do referido titular ( 65 ).

54.

O Tribunal de Justiça reconheceu desde logo que as garrafas destinadas a serem reutilizadas constituem um verdadeiro produto e não meras embalagens ( 66 ). Em seguida, ponderou, por um lado, o interesse legítimo do licenciado do direito à marca constituída pela forma da botija e titular das marcas apostas na mesma de tirar proveito dos direitos ligados a estas marcas e, por outro lado, os interesses legítimos dos compradores das botijas, designadamente o de fruir plenamente do seu direito de propriedade sobre estas botijas, bem como o interesse geral na manutenção de uma concorrência não falseada ( 67 ). Por último, o Tribunal de Justiça recordou que a realização do valor económico das marcas correspondentes às botijas decorria da respetiva venda e que uma venda que permita essa realização do valor económico da marca esgota os direitos exclusivos conferidos pela Primeira Diretiva 89/104 ( 68 ).

55.

Do ponto de vista dos compradores, se o seu direito de propriedade fosse limitado por direitos de marca mesmo após a venda, estes deixariam de ser livres no exercício do referido direito, mas estariam vinculados a um único fornecedor de gás para o enchimento ulterior das botijas ( 69 ). Do ponto de vista da concorrência, essa situação permitiria ao licenciado do direito à marca reduzir indevidamente a concorrência no mercado a jusante, relativo ao enchimento de botijas de gás, e implicaria o risco de uma repartição deste mercado ( 70 ).

56.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou que a venda da botija em material compósito «esgota os direitos [d]o licenciado do direito à marca […] e transfere para o comprador o direito de dispor livremente dessa botija, incluindo o de a trocar ou de a mandar encher quando o gás de origem estiver gasto, junto de uma empresa da sua escolha […], mas também junto de um dos seus concorrentes. Este direito do comprador tem como corolário o direito destes concorrentes de procederem, dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 7.o, n.o 2, da [Primeira] Diretiva 89/104, ao enchimento e troca das botijas vazias» ( 71 ), limites decorrentes da existência de motivos legítimos suscetíveis de justificar uma oposição à comercialização posterior dos produtos colocados no mercado pelo titular da marca. Esses motivos legítimos podem consistir na modificação ou alteração do estado dos produtos que ostentam a marca, no uso por um terceiro de um sinal idêntico ou semelhante a uma marca prejudicando seriamente o prestígio desta última ou dando a impressão de que existe uma ligação económica entre o titular da marca e este terceiro (como a existência de uma relação especial entre ambos ou a pertença a uma rede de distribuição do titular) ( 72 ). A apreciação da existência de uma impressão de ligação económica deve ter em conta a rotulagem das botijas e as condições em que as mesmas são trocadas ( 73 ), que não devem levar o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, a considerar que existe uma ligação entre as duas empresas em causa ou que o gás que serviu para o enchimento seja proveniente do titular da marca. Devem ser igualmente tidas em conta as práticas nesse setor e apurar se os consumidores estão habituados a que as botijas sejam cheias por outros distribuidores. Será assim possível presumir que um consumidor que se dirige diretamente a um concorrente para mandar encher a sua botija ou para trocar a sua botija vazia por uma cheia, esteja mais facilmente em condições de conhecer a inexistência de ligação entre o concorrente em questão e o titular da marca ( 74 ). O Tribunal de Justiça também admitiu que o facto de a marca da botija continuar visível apesar da rotulagem suplementar ( 75 ) efetuada pelo concorrente constitui um elemento relevante na medida em que parece excluir que a referida rotulagem alterou o estado das botijas encobrindo a sua origem ( 76 ).

57.

Aplicável ao presente litígio no processo principal, decorre do que antecede que o artigo 15.o do Regulamento 2017/2001 e o artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 não permitem ao titular da marca das garrafas de dióxido de carbono destinadas a serem recarregadas e posteriormente reutilizadas opor‑se a que essas garrafas, depois de terem sido adquiridas pelos consumidores que gastaram o gás, de terem sido levadas por esses consumidores a revendedores responsáveis pela recolha das garrafas vazias e de terem sido recarregadas por um terceiro concorrente, sejam vendidas por esse terceiro, depois de este último ter aposto a sua própria marca nas referidas garrafas deixando visível a marca do titular, salvo se o titular da marca estiver em condições de invocar um motivo legítimo na aceção das disposições referidas. O órgão jurisdicional de reenvio deve então determinar se a prática em causa no processo principal prejudica seriamente o prestígio do titular da marca ou se o uso assim feito do sinal idêntico é suscetível de dar a impressão de que existe uma ligação económica entre este titular e o terceiro em causa. Para este efeito, o órgão jurisdicional de reenvio deve examinar se o consumidor normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, teria a perceção da eventual existência de uma ligação económica entre o titular da marca e o terceiro concorrente. Para tal, há que ter em consideração os hábitos dos consumidores e as práticas no mercado. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio deve igualmente assegurar‑se de que a rotulagem efetuada pelo terceiro concorrente não altera o estado das garrafas.

IV. Conclusão

58.

Tendo em conta as observações que antecedem, proponho que se responda do seguinte modo às questões submetidas pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia):

1)

No contexto do litígio no processo principal, o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia, e o artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, devem ser interpretados no sentido de que o titular da marca pode legitimamente opor‑se à comercialização posterior por um terceiro, no território do mesmo Estado‑Membro em que as garrafas de dióxido de carbono foram colocadas no mercado pela primeira vez por esse titular ou com o seu consentimento, das referidas garrafas que foram recarregadas por esse terceiro quando este as tenha reembalado e reposto nelas a sua marca, salvo se se demonstrar que essa oposição contribui para uma compartimentação artificial do mercado. Para apreciar a existência desse risco, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, atendendo à natureza e à finalidade do produto em causa, se a reembalagem efetuada é necessária para garantir o acesso de terceiros ao mercado da recarga de dióxido de carbono. Caso o órgão jurisdicional de reenvio conclua pela necessidade da reembalagem efetuada pelo terceiro, deve ainda assegurar‑se de que os interesses legítimos do titular da marca ficam, além disso, garantidos.

2)

O artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001 e o artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2436 devem ser interpretados no sentido de que quando um terceiro procede à recarga do gás e à revenda de uma garrafa de dióxido de carbono, remove a etiqueta que contém a marca do fabricante da garrafa, deixando visível essa marca gravada no gargalo, e nela apõe a sua própria etiqueta, a impressão de conjunto dada pela nova rotulagem deve ser apreciada para determinar se as especificações relativas ao autor da reembalagem do produto e ao fabricante desse produto são claras e inequívocas para uma pessoa com uma visão normal e um grau de atenção normal. Essas especificações constantes da nova rotulagem não devem, nomeadamente, deixar pensar que existe uma ligação económica ou uma relação especial entre o terceiro que recarregou a garrafa e o titular da marca. Para apreciar a impressão causada pela nova rotulagem devem ser tidas em conta as práticas específicas do setor em causa e o nível de conhecimento dessas práticas por parte dos consumidores.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) COM(2015) 614 final, de 2 de dezembro de 2015.

( 3 ) JO 2017, L 154, p. 1.

( 4 ) Regulamento do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015 (JO 2015, L 341, p. 21) (a seguir «Regulamento 207/2009»). O artigo 13.o do Regulamento n.o 207/2009 corresponde ao artigo 15.o do Regulamento 2017/2001.

( 5 ) JO 2015, L 336, p. 1.

( 6 ) A partir de 15 de janeiro de 2019, esta disposição substitui e corresponde, em grande medida, ao artigo 7.o da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2008, L 299, p. 25).

( 7 ) Atendendo à duração da prática impugnada no órgão jurisdicional de reenvio, há que referir também o § 10a da tavaramerkkilaki (1715/1995) [Lei sobre Marcas (1715/1995)], em vigor até 31 de agosto de 2016, bem como o § 8 da tavaramerkkilaki (616/2016) [Lei relativa às marcas (616/2016)], em vigor até 30 de abril de 2019. Estas duas disposições correspondem, em substância, ao § 9 da Lei sobre Marcas atualmente em vigor.

( 8 ) Acórdão de 11 de julho de 1996 (C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, a seguir Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o., EU:C:1996:282).

( 9 ) Acórdão de 14 de julho de 2011 (C‑46/10, a seguir «Acórdão Viking Gas, EU:C:2011:485).

( 10 ) O órgão jurisdicional de reenvio invoca aqui os Acórdãos de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, EU:C:2002:246, n.os 29 e 30), e de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249, n.os 28 a 30).

( 11 ) O órgão jurisdicional de reenvio refere aqui o Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249, n.os 52 e 53).

( 12 ) O órgão jurisdicional de reenvio menciona aqui o Acórdão de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, EU:C:2002:246, n.o 34).

( 13 ) O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se aqui ao n.o 37 do Acórdão Viking Gas.

( 14 ) Acórdão de 11 de novembro de 1997 (C‑349/95, EU:C:1997:530).

( 15 ) O órgão jurisdicional de reenvio menciona aqui o Acórdão de 12 de outubro de 1999, Upjohn (C‑379/97, EU:C:1999:494, n.o 44).

( 16 ) Quanto ao caráter exaustivo da harmonização a que procede o artigo 15.o da Diretiva 2015/2436, v., por analogia, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Schweppes (C‑291/16, EU:C:2017:990, n.o 30). A propósito do artigo 7.o da Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), v. Acórdãos Bristol‑Myers Squibb e o. (n.os 25 e 26), e de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, EU:C:2002:246, n.o 17).

( 17 ) Ou seja, o artigo 13.o do Regulamento n.o 207/2009 e o artigo 7.o da Diretiva 2008/95.

( 18 ) V. Acórdão de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, EU:C:2002:246, n.o 28).

( 19 ) V. Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. (n.o 44) e Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Schweppes (C‑291/16, EU:C:2017:990, n.o 37).

( 20 ) V. Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Schweppes (C‑291/16, EU:C:2017:990, n.o 37).

( 21 ) V. Acórdão de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, EU:C:2002:246, n.o 18).

( 22 ) V. artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 e artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2436.

( 23 ) V., nomeadamente, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Schweppes (C‑291/16, EU:C:2017:990, n.o 30 e jurisprudência referida).

( 24 ) V. artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001 e artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2436.

( 25 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 36).

( 26 ) V. Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. (n.o 79).

( 27 ) V., designadamente, n.os 31 e 60 do Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249, n.os 31 e 60).

( 28 ) V. Acórdão de 17 de maio de 2018, Junek Europ‑Vertrieb (C‑642/16, EU:C:2018:322, n.o 29).

( 29 ) V. Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249, n.os 29 e 30). V. também Acórdão de 17 de maio de 2018, Junek Europ‑Vertrieb (C‑642/16, EU:C:2018:322, n.o 30).

( 30 ) V. Acórdão de 17 de maio de 2018, Junek Europ‑Vertrieb (C‑642/16, EU:C:2018:322, n.os 35 a 37).

( 31 ) A este respeito, o conjunto das operações levadas a cabo parece‑me bastante mais complexo do que uma simples «reciclagem», como afirma o Governo finlandês.

( 32 ) Com efeito, a visibilidade da gravura não é, de forma alguma, comparável à do rótulo. Nestas condições, mesmo que não se trate de uma dissimulação total, o presente caso assemelha‑se, sem se confundir, ao analisado no n.o 86 do Acórdão de 8 de julho de 2010, Portakabin (C‑558/08, EU:C:2010:416).

( 33 ) V. Acórdão Viking Gas (n.os 31 e 32). Pelo contrário, o direito de marca é concebido como um elemento essencial de um sistema de concorrência não falseada.

( 34 ) V. Acórdão Viking Gas (n.os 31 e 35).

( 35 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 35 in fine e n.os 36 a 41).

( 36 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 42 e dispositivo).

( 37 ) V., por exemplo, o texto dos n.os 59 e 60, ou ainda do n.o 75, do Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o.

( 38 ) Quanto à aplicação destas condições a garrafas de bebidas espirituosas, v. Acórdão de 11 de novembro de 1997, Loendersloot (C‑349/95, EU:C:1997:530).

( 39 ) V. Acórdão de 11 de novembro de 1997, Loendersloot (C‑349/95, EU:C:1997:530, n.o 27).

( 40 ) Acórdão de 17 de maio de 2018 (C‑642/16, EU:C:2018:322).

( 41 ) V. Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. (n.o 79).

( 42 ) V. Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. (n.o 56).

( 43 ) V. n.o 22 das presentes conclusões.

( 44 ) V. Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. (n.o 53). V., também, Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 36).

( 45 ) V. Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 37 e jurisprudência referida).

( 46 ) V. Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 38 e jurisprudência referida).

( 47 ) V. Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 30).

( 48 ) Esta diferença parece‑me fundamental para distinguir o presente processo de casos cada vez frequentes denominados «sobreciclagem», que neste momento ainda se encontram numa espécie de zona cinzenta jurídica (penso, por exemplo, na questão da recuperação, a partir de vestuário autêntico e legalmente adquirido, de botões que ostentam uma marca de luxo para serem transformados em bijuteria por um terceiro que não é o titular da marca de luxo em causa).

( 49 ) Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou, num contexto ligeiramente diferente, que «permitir ao licenciado do direito à marca constituída pela forma da botija em material compósito e titular das marcas apostas na mesma que se opusesse, com base nos direitos correspondentes a estas marcas, ao enchimento ulterior das botijas reduziria indevidamente a concorrência no mercado a jusante, relativo ao enchimento de botijas de gás, e implicaria mesmo o risco de uma repartição deste mercado se o referido licenciado e titular conseguisse impor a sua botija graças às características técnicas específicas da mesma, cuja proteção não é objeto do direito das marcas» (Acórdão Viking Gas, n.o 34).

( 50 ) A MySoda, por sua vez, refere que a atividade de enchimento das garrafas com uma substância considerada perigosa como o dióxido de carbono é uma atividade estritamente organizada e fiscalizada na Finlândia e, designadamente, sujeita ao cumprimento do direito da União aplicável nesta matéria.

( 51 ) Por exemplo, a SodaStream, depois de ter referido que detinha entre 55 e 60 % das quotas de mercado da atividade de enchimento das garrafas de dióxido de carbono na Finlândia, contra 30 a 35 % da MySoda, sugere, como sendo uma medida menos prejudicial ao seu direito de marca do que a aposição das etiquetas em causa no processo principal e como elemento suscetível de demonstrar que a nova rotulagem efetuada pela MySoda não é necessária, que os distribuidores sejam responsabilizados pela triagem das garrafas vazias que lhe são entregues, reenviando‑as aos titulares das marcas respetivas para o seu enchimento. No entanto, com este tipo de procedimento, deixaria de haver distinção entre o mercado das máquinas de carbonatação habitualmente vendidas com pelo menos uma garrafa cheia de dióxido de carbono e o mercado específico da simples recarga de garrafas de dióxido de carbono, uma vez que a marca da máquina e da primeira garrafa iria determinar necessariamente a empresa que pode recarregar a garrafa uma centena de vezes.

( 52 ) A este respeito, a questão de saber se a aposição de um autocolante na garrafa é menos prejudicial aos direitos de marca da SodaStream deve ser apreciada pelo órgão jurisdicional de reenvio, designadamente para verificar se tal não gera, pelo contrário, um maior risco de confusão para os consumidores, nomeadamente no caso da aposição de múltiplos autocolantes com os sucessivos enchimentos das garrafas.

( 53 ) V. n.o 79 do Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o.

( 54 ) Em determinados casos, pode facilmente imaginar‑se que o quarto critério, relativo à obrigação de não prejudicar a reputação da marca e do seu titular, seja analisado simultaneamente com este terceiro critério. Devo observar, porém, que o mesmo não é objeto das questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça.

( 55 ) V. Acórdão de 8 de julho de 2010, Portakabin (C‑558/08, EU:C:2010:416, n.o 80). V., também, Acórdão Viking Gas (n.os 37 e 39).

( 56 ) V., a respeito dos internautas, Acórdão de 8 de julho de 2010, Portakabin (C‑558/08, EU:C:2010:416, n.o 81). A respeito dos consumidores, em geral, v. Acórdão Viking Gas (n.os 39 e 40).

( 57 ) Acórdão de 14 de julho de 2011 (C‑46/10, EU:C:2011:485).

( 58 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 39).

( 59 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 40). Recorde‑se que não é esse o caso no âmbito do processo principal.

( 60 ) No presente caso, foram apostos dois autocolantes na garrafa pela empresa efetuava o seu enchimento, sem que as marcas nominativas e figurativas da empresa que comercializou a referida garrafa pela primeira vez tenham sido removidas ou encobertas (v. Acórdão Viking Gas, n.o 11).

( 61 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 41).

( 62 ) Com efeito, prefiro esta formulação que me parece mais ou menos equivalente à utilizada no Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. (v., por comparação, n.o 48 das presentes conclusões).

( 63 ) A este respeito, como salientou a Comissão, contrariamente aos factos do processo principal que deu origem ao Acórdão Viking Gas, as garrafas recarregadas não são vendidas em lojas que ostentem a insígnia da empresa que efetuou a recarga, pelo que poderá ser mais difícil para o consumidor distinguir a função exata de cada uma das marcas apostas nessas garrafas.

( 64 ) JO 2018, L 150, p. 141.

( 65 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 15).

( 66 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 30).

( 67 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 31).

( 68 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 32).

( 69 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 33).

( 70 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 34).

( 71 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 35).

( 72 ) V. Acórdão Viking Gas (n.os 36 e 37).

( 73 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 39).

( 74 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 40).

( 75 ) No presente caso, foram apostos dois autocolantes na garrafa pela empresa que efetuava o seu enchimento, sem que as marcas nominativas e figurativas da empresa que comercializou essa garrafa pela primeira vez fossem removidas ou encobertas (v. Acórdão Viking Gas, n.o 11).

( 76 ) V. Acórdão Viking Gas (n.o 41).

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