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Document 62021CC0046

    Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 15 de setembro de 2022.


    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:695

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

    apresentadas em 15 de setembro de 2022 ( 1 )

    Processo C‑46/21 P

    Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER)

    contra

    Aquind Ltd

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Energia — Regulamento (CE) n.o 713/2009 — Decisão da ACER que indefere um pedido de isenção relativo às novas interligações elétricas — Recurso interposto na Câmara de Recurso da ACER — Função, composição, poderes e duração do processo da Câmara de Recurso da ACER — Intensidade da fiscalização — Artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 714/2009 — Regime de isenção para novas interligações elétricas — Artigo 12.o do Regulamento (EU) n.o 347/2013 — Regime geral de financiamento das infraestruturas energéticas transnacionais — Financiamento de projetos de interesse comum — Imputação dos custos fronteiriços»

    1.

    Este recurso permitirá ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a intensidade do controlo que as Câmaras de Recurso das agências da União devem aplicar quando são chamadas a pronunciar‑se sobre os recursos que lhes são submetidos.

    2.

    Em especial, o Tribunal de Justiça terá de confirmar ou rejeitar a posição do Tribunal Geral que, no acórdão ora em causa ( 2 ), exigiu que a Câmara de Recurso da Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (a seguir «ACER») ( 3 ) procedesse a um escrutínio das decisões desta agência que vá além do exame dos seus erros manifestos.

    3.

    Embora já exista uma jurisprudência assente relativa aos poderes das Câmaras de Recurso de outros organismos, como o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) e o Instituto Comunitário das Variedades Vegetais (ICVV), o mesmo não acontece com o contencioso das outras Câmaras de Recurso, cujas decisões vão sendo progressivamente submetidas ao Tribunal Geral ( 4 ). Daí a relevância do presente recurso ( 5 ).

    4.

    O pano de fundo do litígio consiste numa decisão da ACER (n.o 05/2018) que recusou isentar de determinadas obrigações impostas pelas regras de liberalização do mercado da eletricidade à construção de uma infraestrutura de interligação que liga as redes de transporte de eletricidade britânica e francesa.

    5.

    Essa decisão (confirmada depois pela Câmara de Recurso da ACER na sua Decisão A‑001‑2018), aplicou o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 714/2009 ( 6 ), conjugado com o regime geral de financiamento das infraestruturas energéticas previsto no artigo 12.o do Regulamento (UE) n.o 347/2013 ( 7 ).

    I. Quadro jurídico

    A.   Regulamento n.o 713/2009

    6.

    O artigo 19.o ( 8 ) dispõe:

    «1.   Qualquer pessoa singular ou coletiva, incluindo as entidades reguladoras nacionais, pode recorrer das decisões a que se referem os artigos 7.o, 8.o ou 9.o de que seja destinatária, ou de uma decisão que, embora formalmente dirigida a outra pessoa, lhe diga direta e individualmente respeito.

    […]

    4.   Se o recurso for admissível, a Câmara de Recurso verifica se é fundamentado. A Câmara de Recurso convida as partes no processo de recurso, tantas vezes quantas forem necessárias, a apresentar, em prazos determinados, as suas observações sobre as notificações que lhes tiver enviado ou sobre as comunicações das outras partes no processo de recurso. As partes no processo de recurso podem prestar declarações oralmente.

    5.   A Câmara de Recurso pode, nos termos do presente artigo, exercer todas as competências atribuídas à Agência ou remeter o processo para o órgão competente da Agência. Este órgão fica vinculado à decisão da Câmara de Recurso.

    […].»

    7.

    O artigo 20.o, n.o 1, prevê:

    «Pode ser interposto recurso para o Tribunal de Primeira Instância ou para o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 230.o do Tratado, de decisões da Câmara de Recurso ou, nos casos em que a Câmara de Recurso não tenha competência para se pronunciar, da Agência.»

    B.   Regulamento n.o 714/2009

    8.

    O artigo 17.o dispõe:

    «1.   As novas interligações de corrente contínua podem, se tal for solicitado, ficar isentas, por um período de tempo limitado, do disposto no n.o 6 do artigo 16.o do presente regulamento, bem como nos artigos 9.o e 32.o e nos n.os 6 e 10 do artigo 37.o da Diretiva 2009/72/CE [ ( 9 )], nas seguintes condições:

    a)

    O investimento tem de reforçar a concorrência na comercialização de eletricidade;

    b)

    O nível de risco associado ao investimento deve ser tal que o investimento não se realizaria se não fosse concedida uma isenção;

    c)

    O proprietário da interligação tem de ser uma pessoa singular ou coletiva distinta, pelo menos no plano jurídico, dos operadores em cujas redes será construída a interligação;

    d)

    Devem ser aplicadas tarifas aos utilizadores da interligação;

    e)

    Desde a abertura parcial do mercado referida no artigo 19.o da Diretiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade [(JO 1997, L 27, p. 20)], nenhuma parte do capital ou dos custos de exploração da interligação foi recuperada por via de qualquer componente das tarifas aplicadas pela utilização das redes de transporte ou distribuição ligadas pela interligação; e

    f)

    A isenção não pode prejudicar a concorrência nem o funcionamento efetivo do mercado interno da eletricidade ou o funcionamento efetivo do sistema regulado ao qual está ligada a interligação.

    […]

    4.   A decisão sobre a isenção ao abrigo dos n.os 1, 2 e 3 deve ser tomada caso a caso pelas entidades reguladoras dos Estados‑Membros em causa. Uma isenção pode abranger a totalidade ou parte da capacidade da nova interligação ou da interligação existente com capacidade significativamente aumentada.

    No prazo de dois meses a contar da data em que a isenção foi recebida pela última das entidades reguladoras em causa, a Agência pode apresentar um parecer consultivo às entidades reguladoras, o qual pode constituir uma base para a sua decisão.

    Ao decidir conceder uma isenção, há que analisar, caso a caso, se é necessário impor condições no que se refere à duração dessa isenção e ao acesso não discriminatório à interligação. Ao decidir essas condições, há que ter em conta, nomeadamente, a capacidade adicional a construir ou a alteração da capacidade existente, o horizonte temporal do projeto e as circunstâncias nacionais.

    Antes de concederem uma isenção, as entidades reguladoras dos Estados‑Membros em causa definem as regras e os mecanismos de gestão e atribuição de capacidade. As regras de gestão dos congestionamentos devem incluir a obrigação de oferecer no mercado a capacidade não utilizada e os utilizadores do serviço devem ter o direito de transacionar no mercado secundário as suas capacidades contratadas. Na avaliação dos critérios referidos nas alíneas a), b) e f) do n.o 1, devem ser tidos em conta os resultados do procedimento de atribuição de capacidade.

    Caso todas as entidades reguladoras em causa tenham chegado a acordo sobre a decisão de isenção no prazo de seis meses, devem informar a Agência dessa decisão.

    A decisão de isenção, incluindo as condições referidas no segundo parágrafo do presente número, deve ser devidamente justificada e publicada.

    5.   A decisão referida no n.o 4 é tomada pela Agência:

    a)

    Se todas as entidades reguladoras em causa não tiverem podido chegar a acordo no prazo de seis meses a contar da data em que a isenção foi solicitada junto da última dessas entidades reguladoras; ou

    b)

    Mediante pedido conjunto das entidades reguladoras em causa.

    Antes de tomar essa decisão, a Agência consulta as entidades reguladoras em causa e os requerentes.

    […].»

    C.   Regulamento RTE‑E

    9.

    O artigo 12.o tem a seguinte redação:

    «1.   Os custos de investimento eficientemente suportados, o que exclui custos de manutenção, relativos a um projeto de interesse comum pertencente às categorias definidas no Anexo II, ponto 1, alíneas a), b) e d), e no Anexo II, ponto 2, devem ser suportados pelos [operadores de redes de transporte] em causa ou pelos promotores do projeto da infraestrutura de transporte dos Estados‑Membros em que o projeto produz um impacto positivo líquido e, na medida em que não se encontrem abrangidos pelas receitas de congestionamento ou outras taxas, pagos pelos utilizadores da rede através de tarifas de acesso à rede no ou nos Estados‑Membros.

    2.   Para os projetos de interesse comum ao abrigo das categorias estabelecidas no Anexo II, ponto 1, alíneas (a) (b) e (d), e no Anexo II, ponto 2, as disposições do n.o 1 só se aplicam se, no mínimo, um promotor do projeto solicitar que as autoridades nacionais relevantes apliquem este artigo à totalidade ou a parte dos custos do projeto. Para os projetos de interesse comum ao abrigo das categorias estabelecidas no Anexo II, ponto 2, as disposições do n.o 1 só se aplicam se já tiver sido realizada uma avaliação da procura de mercado que demonstre não se poder esperar que os custos de investimento eficientemente suportados sejam cobertos pelas taxas.

    […]

    3.   Relativamente a um projeto de interesse comum abrangido pelas disposições do n.o 1, os promotores do projeto devem, pelo menos uma vez por ano e até à colocação em funcionamento do projeto, manter todas as entidades reguladoras nacionais em causa ao corrente dos progressos realizados por esse projeto e da identificação dos custos e impactos a este associados.

    Assim que um projeto desta natureza atingir a maturidade suficiente, os promotores do projeto, após consulta dos [operadores de redes de transporte] dos Estados‑Membros nos quais o projeto tenha um significativo impacto positivo líquido, devem apresentar um pedido de investimento. Este pedido de investimento deve incluir um pedido de imputação dos custos transfronteiriços e deve ser submetido às entidades reguladoras nacionais em causa, acompanhado dos seguintes elementos:

    a)

    uma análise de custo‑benefício específica do projeto, que seja conforme com a metodologia elaborada nos termos do artigo 11.o e tenha em consideração os benefícios obtidos fora das fronteiras do Estado‑Membro em causa;

    b)

    um plano de atividades que avalie a viabilidade financeira do projeto, incluindo a solução de financiamento escolhida, e, para um projeto de interesse comum pertencente à categoria referida no Anexo II, ponto 2, os resultados das consultas do mercado; e

    c)

    se os promotores do projeto estiverem de acordo, uma proposta fundamentada para uma repartição dos custos transfronteiriços.

    […]

    4.   No prazo de seis meses a contar da data em que o último pedido de investimento for recebido pelas entidades reguladoras nacionais em causa, essas entidades devem, após consulta aos promotores do projeto envolvidos, tomar decisões coordenadas sobre a imputação dos custos de investimento a suportar por cada operador de sistemas relativamente ao projeto, bem como a sua inclusão nas tarifas. As entidades reguladoras nacionais podem decidir imputar apenas uma parte dos custos ou podem decidir imputá‑los entre vários projetos de interesse comum de um mesmo pacote.

    […]

    5.   Quando fixam ou aprovam as tarifas ao abrigo do artigo 37.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [2009/72] e do artigo 41.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/73/CE [ ( 10 )], as entidades reguladoras nacionais devem tomar em consideração, com base na imputação de custos transfronteiriços referida no n.o 4 do presente artigo, os custos efetivamente suportados por um [operador de redes de transporte] ou por outro promotor do projeto em consequência dos investimentos, na medida em que estes custos correspondam aos de um operador de rede eficiente e estruturalmente comparável.

    A decisão de imputação dos custos deve ser imediatamente notificada à Agência pelas entidades reguladoras nacionais, acompanhada de todas as informações relevantes respeitantes à decisão. […]

    […]

    A decisão de imputação dos custos deve ser publicada.

    6.   Se as entidades reguladoras nacionais em causa não tiverem chegado a acordo sobre o pedido de investimento, no prazo de seis meses a contar da data em que o pedido foi recebido pela última dessas entidades reguladoras, devem informar a Agência desse facto, sem demora.

    Neste caso, ou se as entidades reguladoras nacionais em causa apresentarem um pedido conjunto nesse sentido, a decisão sobre o pedido de investimento, incluindo a imputação de custos transfronteiriços referida no n.o 3, bem como a forma como os custos de investimento se refletem nas tarifas, é tomada pela Agência no prazo de três meses a contar da data em que a questão lhe foi submetida.

    […].»

    II. Antecedentes do litígio e acórdão recorrido

    10.

    Os factos na origem do litígio são descritos nos n.os 1 a 13 do acórdão recorrido. Desses factos destaco os seguintes:

    A Aquind Ltd, sociedade anónima constituída no Reino Unido, promove um projeto de interligação (a seguir «interligação Aquind») que liga as redes de transporte de eletricidade britânica e francesa.

    Em 17 de maio de 2017, a Aquind pediu a isenção para a interligação Aquind às entidades reguladoras nacionais (a seguir «ERN») francesa e britânica.

    Como essas duas entidades não chegaram a um acordo, transmitiram o pedido de isenção, respetivamente, em 29 de novembro e em 19 de dezembro de 2017, à ACER, para que esta última tomasse a decisão.

    Em 26 de abril de 2018, a interligação Aquind obteve o estatuto de projeto de interesse comum.

    Através da Decisão n.o 05/2018, de 19 de junho de 2018, a ACER indeferiu o pedido de isenção.

    Na opinião da ACER, embora a Aquind preenchesse as condições necessárias para a obtenção de uma isenção enumeradas no artigo 17.o, n.o 1, alíneas a) e c) a f), do Regulamento n.o 714/2009, não preenchia a prevista na alínea b) desse artigo.

    Em especial, a ACER acrescentou que, em abril de 2018, a interligação tinha obtido o estatuto de projeto de interesse comum, pelo que a Aquind podia ter requerido a aplicação do artigo 12.o do Regulamento RTE‑E, que prevê a possibilidade de imputação dos custos transfronteiriços, o que não o tinha feito.

    A ACER considerou que não se podia excluir que um apoio financeiro previsto pelo regime regulamentado estivesse disponível para a interligação Aquind. Assim, não estava em condições de identificar com a certeza exigida a existência de um risco assente na inexistência de um apoio financeiro através do regime regulamentado.

    Considerou também que não tinham sido demonstrados, ou eram insuficientes, o risco associado às receitas, o risco excecional associado ao mercado, o risco associado à concorrência direta com as outras interligações e a incerteza sobre os rendimentos do congestionamento, o risco de restrição da rede britânica, o risco associado à construção da interligação Aquind, bem como os riscos políticos e macroeconómicos associados, nomeadamente, ao Brexit.

    Em 17 de agosto de 2018, a Aquind interpôs recurso da Decisão da ACER na Câmara de Recurso, que a confirmou na sua Decisão A‑001‑2018, de 17 de outubro.

    11.

    A Aquind interpôs recurso de anulação (T‑735/18) da Decisão da Câmara de Recurso no Tribunal Geral.

    12.

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou procedentes os quarto e nono fundamentos do recurso da Aquind e, consequentemente, anulou a Decisão da Câmara de Recurso. Negou provimento ao recurso quanto ao restante e condenou a ACER no pagamento das despesas.

    13.

    Em 27 de janeiro de 2021, a ACER interpôs o presente recurso ( 11 ). Por seu turno, em 17 de abril de 2021, a Aquind apresentou igualmente um requerimento de interposição de recurso subordinado do acórdão recorrido.

    14.

    Em 5 de fevereiro de 2021, na sequência da prolação do acórdão recorrido, a Câmara de Recurso, decidiu retomar o processo e julgar inadmissível o recurso de anulação da Aquind ( 12 ).

    15.

    Além disso, a Aquind apresentou um pedido de imputação de custos transfronteiriços nas ERN de França, do Reino Unido, de Espanha e da Alemanha em agosto e setembro de 2019. O processo subsequente a esse pedido foi interrompido, uma vez que a interligação Aquind deixou de ser considerada um projeto de interesse comum no Regulamento Delegado (UE) 2020/389 ( 13 ).

    16.

    Em 29 de maio e 2 de junho de 2020, a Aquind apresentou um segundo pedido de isenção parcial ( 14 ), por um período de 25 anos, para a interligação Aquind nas ERN francesa e britânica. Em 27 de janeiro de 2021, essas duas entidades anunciaram que não podiam deferir o pedido, após a entrada em vigor do Acordo de Comércio e de Cooperação entre a União e o Reino Unido na sequência do Brexit.

    III. Pedidos das partes

    17.

    A ACER pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular, total ou parcialmente, o acórdão recorrido;

    no caso de o Tribunal de Justiça considerar que o estado do litígio o permite, negar provimento ao recurso em primeira instância;

    a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral para que decida em conformidade com o acórdão do Tribunal de Justiça;

    condenar a Aquind Ltd nas despesas do presente recurso e do processo no Tribunal Geral.

    18.

    A Aquind pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso interposto pela ACER;

    no caso de julgar procedente algum dos argumentos da ACER, negar provimento ao recurso com base nos outros fundamentos invocados pela Aquind, incluindo, sendo caso disso, os apresentados no âmbito dos fundamentos rejeitados pelo Tribunal Geral;

    no caso de não confirmar o acórdão recorrido, anular a Decisão da Câmara de Recurso com base nos outros fundamentos invocados pela Aquind no Tribunal Geral;

    condenar a ACER nas despesas.

    19.

    Além disso, a Aquind interpôs um recurso subordinado em que pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular a declaração de inadmissibilidade dos terceiro e quarto fundamentos invocados pela Aquind no Tribunal Geral;

    anular a decisão relativa à improcedência dos primeiro, quinto, sexto, sétimo e oitavo fundamentos invocados pela Aquind no Tribunal Geral;

    tomar em consideração os argumentos apresentados no âmbito dos fundamentos invocados pela Aquind no presente recurso, em apoio do seu pedido de confirmação do acórdão recorrido;

    por conseguinte, anular a Decisão da Câmara de Recurso da ACER pelos fundamentos invocados no pedido da Aquind no Tribunal Geral.

    20.

    A ACER contestou o recurso subordinado pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso na sua totalidade;

    condenar a Aquind nas suas próprias despesas e nas despesas efetuadas pela ACER.

    IV. Recurso da ACER. Observação preliminar

    21.

    Em substância, a ACER alega que o acórdão recorrido enferma de dois erros de direito, respeitantes:

    à intensidade do controlo exercido pela Câmara de Recurso, tanto em geral como em relação ao presente caso, relativamente às apreciações de ordem económica e técnica complexas;

    à interpretação do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009.

    22.

    Adianto que proporei a rejeição do primeiro dos dois fundamentos do recurso da ACER, o que implicará confirmar o acórdão recorrido na parte em que anula a Decisão da Câmara de Recurso.

    23.

    Com base nessa premissa, poderia parecer desnecessário examinar o segundo fundamento do recurso da ACER, uma vez que a Decisão da Câmara de Recurso foi anulada na sua totalidade.

    24.

    Todavia, efetuarei essa análise e proporei que se julgue procedente o segundo fundamento do recurso da ACER, com a subsequente anulação do acórdão recorrido no que respeita, apenas, à relação do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009 com o regime geral de financiamento do artigo 12.o do Regulamento RTE‑E.

    25.

    Considero ser indispensável que o Tribunal de Justiça decida sobre este segundo fundamento do recurso porque, de outro modo, deixaria inalterada a tese do Tribunal Geral (que me parece errada) sobre a relação entre esses dois regulamentos. Se essa tese não for retificada, poderia ser considerada vinculativa para a ACER e para a sua Câmara de Recurso.

    26.

    Na realidade, o Tribunal Geral não precisava ( 15 ) de ter analisado o quarto fundamento de anulação, após ter acolhido o primeiro fundamento que, por si só, punha em causa a validade da Decisão da Câmara de Recurso. Como não se limitou a este último, desenvolveu uma jurisprudência que, na minha opinião, vai além de um simples obiter dictum e não é conforme com o direito.

    V. Primeiro fundamento do recurso da ACER: intensidade da fiscalização da Câmara de Recurso sobre as apreciações complexas de ordem técnica e económica

    A.   Acórdão recorrido

    27.

    O Tribunal Geral analisa «a abordagem defendida pela ACER que visa considerar que a fiscalização que a Câmara de Recurso exerce sobre as apreciações de ordem técnica e económica complexas pode ser equivalente à fiscalização jurisdicional restrita exercida pelo juiz da União» (n.o 49 do acórdão recorrido) e rejeita‑a.

    28.

    Em substância, essa rejeição assenta em quatro tipos de considerações:

    A criação da Câmara de Recurso inscreve‑se num movimento que visa prever um mecanismo para impugnar as decisões das agências, sobre questões complexas técnicas, científicas ou económicas que afetam diretamente a situação jurídica das partes em causa. Estas últimas dispõem desse recurso num contexto em que a fiscalização do juiz da União se limita a examinar se o exercício do poder de apreciação não está viciado por erro manifesto ou desvio de poder ( 16 ).

    As disposições relativas à organização e aos poderes da Câmara de Recurso permitem constatar que não foi criada «para se limitar a um controlo restrito das apreciações de ordem técnica e económica complexas». É o que se infere: a) das qualificações dos seus membros; b) dos poderes conferidos à Câmara de Recurso pelo artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009; c) da exegese do artigo 20.o desse regulamento ( 17 ).

    As regras de organização e de processo adotadas pela ACER ao abrigo do artigo 19.o, n.o 6, do Regulamento n.o 713/2009 confirmam que pretendeu atribuir‑se à Câmara de Recurso «a missão de exercer um controlo da decisão da Agência com uma intensidade que não se pode limitar à fiscalização restrita» ( 18 ).

    O Tribunal Geral já declarou (no que respeita à Câmara de Recurso da ECHA) que «[…] seria contrário à própria natureza dos órgãos de recurso criados nas agências que exercessem uma fiscalização restrita reservada aos órgãos jurisdicionais da União». Os argumentos relativos à inaplicabilidade dessa jurisprudência à Câmara de Recurso da ACER (devido à composição diferente e aos poderes de ambas) não podem ser acolhidos ( 19 ).

    B.   Argumentos das partes no recurso da ACER

    29.

    Segundo a ACER, o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito quanto ao objetivo da Câmara de Recurso, à sua organização e aos seus poderes, tendo em conta o contexto em que esta desempenha a sua função.

    30.

    A Aquind contesta os argumentos correspondentes da ACER e considera que foi com razão que o Tribunal Geral se pronunciou sobre a exigência, pela Câmara de Recurso, de uma fiscalização completa e não restrita ao erro manifesto de apreciação.

    31.

    Por conseguinte, exporei os argumentos da ACER em apoio do seu primeiro fundamento de recurso.

    1. Quanto ao objetivo

    32.

    O Tribunal Geral cometeu um erro de direito e violou os princípios da separação dos poderes e da cooperação leal consagrados no artigo 13.o, n.o 2, TUE, na medida em que não teve em conta o objetivo da aplicação de um processo de recurso rápido e simplificado para a Câmara de Recurso, como enuncia o considerando 19 do Regulamento n.o 713/2009.

    33.

    Pelo contrário, o Tribunal Geral privilegiou um objetivo que ele próprio enuncia, baseado na perceção de um pretenso «movimento» do legislador da União.

    2. Quanto ao contexto em que a Câmara de Recurso intervém

    34.

    O Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que as disposições relativas à organização e aos poderes da Câmara de Recurso permitem concluir que a intensidade da sua fiscalização sobre apreciações de ordem técnica e económica complexa não podia ser limitada aos erros manifestos de apreciação (n.os 52 a 82 do acórdão recorrido). Esse erro manifesta‑se das seguintes formas:

    No que respeita à composição da Câmara de Recurso, o Tribunal Geral erra ao equipará‑la à da ECHA (n.os 53 e 61, entre outros, do acórdão recorrido).

    O Tribunal Geral erra igualmente ao considerar que a escolha dos membros da Câmara de Recurso «com experiência relevante no setor da energia» implica que o legislador da União pretendeu dotar a Câmara de Recurso dos conhecimentos necessários para lhe permitir proceder ela própria a apreciações relativas a elementos factuais de ordem técnica e económica complexos ligados à energia (n.os 53, 65 e 69 do acórdão recorrido).

    O Tribunal Geral considerou erradamente que a duração do procedimento e os recursos limitados da sua Câmara de Recurso não justificavam uma fiscalização restrita das apreciações complexas de ordem técnica e económica (n.os 66 e 73 a 82 do acórdão recorrido) ( 20 ). Essa declaração viola os princípios do equilíbrio institucional e da divisão de poderes, uma vez que a ACER não pode aumentar os seus recursos humanos e financeiros de forma autónoma.

    O Tribunal Geral não interpretou corretamente o artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009 (n.os 54, 55, 59 e 60 do acórdão recorrido). Esta disposição, longe de justificar o exercício de uma fiscalização completa da Câmara de Recurso, diz unicamente respeito à possibilidade de anular as decisões da ACER e de as substituir pelas da Câmara de Recurso ou de remeter o processo à ACER, mas nada diz quanto à intensidade da fiscalização por parte da Câmara de Recurso.

    Um novo erro do Tribunal Geral é constatado nos n.os 57, 58 e 60 do acórdão recorrido, uma vez que os artigos 19.o, n.o 1, e 20.o do Regulamento n.o 713/2009 não impedem a Câmara de Recurso de efetuar uma fiscalização restrita. Segundo a ACER, o Tribunal Geral pode sempre exercer uma fiscalização jurisdicional completa das decisões da Câmara de Recurso, mesmo que estas exerçam uma fiscalização restrita.

    3. A título subsidiário

    35.

    Subsidiariamente, a ACER alega que, mesmo admitindo (quod non) que a Câmara de Recurso deveria exercer uma fiscalização completa das suas decisões, quando comportam apreciações complexas de ordem técnica e económica, o Tribunal Geral cometeu um erro (n.os 83 a 90 do acórdão recorrido) ao considerar que a Câmara de Recurso não efetuou essa fiscalização completa no caso em apreço.

    C.   Apreciação

    36.

    O Tribunal de Justiça deve determinar se o Tribunal Geral decidiu corretamente ou se cometeu um erro de direito ao considerar que a Câmara de Recurso devia ter efetuado uma fiscalização completa da Decisão da ACER, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo Regulamento n.o 713/2009.

    37.

    A ACER defendia, e continua a defender, que à Câmara de Recurso competia uma simples fiscalização restrita, limitada apenas à avaliação dos erros manifestos de apreciação quanto às decisões complexas de ordem técnica e económica.

    38.

    Na minha opinião, a interpretação adotada pelo Tribunal Geral é correta. A sua leitura dos artigos 19.o e 20.o do Regulamento n.o 713/2009 é a mais adequada.

    39.

    Esta posição é corroborada pela função específica da Câmara de Recurso e é confirmada (ou, pelo menos, a ela não se opõem) outros elementos de apreciação relativos à sua composição, aos seus poderes, à duração do processo e à sua comparação com as Câmaras de Recurso de outras agências da União.

    1. Função e objetivos da Câmara de Recurso

    40.

    Durante estes últimos anos, ocorreu um fenómeno de «agencificação» da administração da União ( 21 ). No âmbito desse processo, as agências foram dotadas de câmaras de recurso com capacidade para adotar atos jurídicos com incidência na situação jurídica dos particulares. A ACER adquiriu progressivamente poderes de decisão limitados e capacidade para adotar acordos com incidência na situação jurídica dos particulares, ainda que a sua função principal consista na coordenação da ação das ERN no domínio da energia ( 22 ). Esta circunstância explica a configuração inicial da sua Câmara de Recurso.

    41.

    Em especial, se os meus cálculos estiverem corretos, foram criadas oito câmaras deste tipo ( 23 ), que não obdecem a um modelo único ( 24 ) e apresentam diferenças na sua estrutura, funcionamento e poderes. Todavia, têm algumas características comuns ( 25 ):

    São órgãos de reexame administrativo, internos das agências, com alguma independência. Não têm natureza jurisdicional, ainda que exerçam funções quase jurisdicionais através de processos contraditórios.

    São compostas por juristas e técnicos, o que lhes confere uma maior capacidade para decidirem dos recursos de decisões que geralmente integram uma componente técnica significativa.

    Nelas podem interpor recurso os destinatários das decisões das agências e as pessoas singulares e coletivas a quem essas decisões digam direta e individualmente respeito.

    Fiscalizam as decisões que produzem efeitos em relação a terceiros, relativamente às quais o direito derivado que institui as Câmaras de Recurso confere a sua competência. Por conseguinte, o âmbito da sua competência é limitado.

    Constituem um mecanismo expedito, rápido, acessível, especializado e pouco dispendioso para proteger os direitos dos destinatários e dos afetados pelas decisões das agências.

    42.

    De forma indireta, a importância de algumas destas Câmaras de Recurso foi reforçada pela introdução do artigo 58.o‑A no Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia ( 26 ).

    43.

    Nos termos desse artigo, o recebimento dos recursos interpostos das decisões do Tribunal Geral respeitantes a uma decisão de determinadas câmaras de recurso ( 27 ) é subordinado à demonstração da sua importância para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União ( 28 ).

    44.

    Concordo com a afirmação do Tribunal Geral (n.o 51 do acórdão recorrido) segundo a qual a criação da Câmara de Recurso da ACER se inscreve num movimento, privilegiado pelo legislador da União, que visa estabelecer «órgãos de recurso» nas agências da União quando lhes foram confiados poderes de decisão sobre questões complexas no plano técnico ou científico, que afetam diretamente a situação jurídica das partes em causa.

    45.

    Como justamente afirma o Tribunal Geral, «o sistema do órgão de recurso representa […] um meio adequado para proteger os […] direitos [das partes em causa] num contexto em que […] a fiscalização do juiz da União se deve limitar a examinar se o exercício do amplo poder de apreciação dos elementos factuais de ordem científica, técnica e económica complexos não está viciado por erro manifesto […]» ( 29 ).

    46.

    Com efeito, penso que não faria muito sentido que, num quadro de ação caracterizado pela complexidade técnica e económica dos processos confiados a cada agência, fossem criados órgãos de recurso no seu seio, que, precisamente, não pudessem avaliar os aspetos técnicos e económicos das decisões dessa agência.

    47.

    É certo que a fiscalização do juiz da União se deve limitar a examinar se o exercício do amplo poder de apreciação dos elementos factuais de ordem científica, técnica e económica complexos enferma de erro manifesto ou de desvio de poder. Mas essa fiscalização, já exercida pelo Tribunal Geral, não é a que compete à Câmara de Recurso, cuja especialização lhe permite, como exporei adiante, aprofundar esses aspetos e avaliar de forma exaustiva todos os pormenores da decisão impugnada ( 30 ).

    48.

    Portanto, considero que, em princípio, a função dos órgãos de recurso criados nas agências, quanto à fiscalização das decisões complexas destas últimas, não pode ser equiparada à dos órgãos jurisdicionais da União. Se assim não fosse, a criação das Câmaras de Recurso seria redundante, ou seja, duplicaria desnecessariamente o nível de fiscalização que é próprio dos órgãos jurisdicionais da União.

    49.

    Por conseguinte, concordo com o Tribunal Geral quando declara que «se a fiscalização efetuada pela Câmara de Recurso devesse ser restrita no que respeita às apreciações de ordem técnica e económica complexas, isso significaria que o Tribunal exerceria uma fiscalização limitada sobre uma decisão que seria, ela própria, o resultado de uma fiscalização restrita. É manifesto que um sistema de “controlo restrito de uma fiscalização restrita” não oferece as garantias de uma proteção jurisdicional efetiva de que devem beneficiar as empresas […]» ( 31 ).

    2. Composição da Câmara de Recurso

    50.

    Nos termos do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009 ( 32 ), os membros da Câmara de Recurso são selecionados de entre os quadros superiores das ERN, ou de outros organismos, com experiência relevante no setor da energia.

    51.

    Nos termos do artigo 18.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 713/2009 ( 33 ), o mandato desses membros, que tomam decisões com total independência e não aceitam quaisquer instruções, é de cinco anos, com possibilidade de renovação.

    52.

    Por conseguinte, a composição da Câmara de Recurso satisfaz as exigências indispensáveis para efetuar uma fiscalização completa e não restrita das decisões da ACER. Se os seus membros devem ter experiência anterior no setor da energia, é porque dispõem (ou devem dispor) dos conhecimentos técnicos necessários para apreciar os recursos em profundidade. Foi o que o Tribunal Geral salientou, cuja opinião partilho ( 34 ).

    53.

    A ACER alega que os quadros superiores das ERN não possuem necessariamente esses conhecimentos técnicos e experiência, uma vez que são os quadros médios das ERN que procedem às apreciações sobre as questões complexas de ordem técnica e económica.

    54.

    Esse argumento não me convence. Se fossem escolhidos membros da Câmara de Recurso sem a experiência necessária no setor da energia e sem o conhecimento técnico exigido, simplesmente a sua seleção não seria conforme com o artigo 18.o do Regulamento n.o 713/2009. O facto de esses conhecimentos estarem igualmente ao alcance de «quadros médios» não significa que os quadros superiores possam não os ter.

    55.

    De resto, a composição e o perfil dos membros da Câmara de Recurso não foram alterados pela reforma operada pelo Regulamento 2019/942, cujos artigos 25.o, 26.o e 27.o reproduzem, em substância, o artigo 18.o do Regulamento n.o 713/2009. Com a reforma pretendeu‑se precisamente reforçar a Câmara de Recurso para que exerça melhor as suas funções.

    56.

    Também não me convence o argumento da ACER relativo à incidência no litígio do regime dos membros da Câmara de Recurso que exerciam a sua função, até 2019, sem remuneração e a título honorário. Segundo a ACER, ao abrigo deste regime, podiam exercer outras funções que lhes tiravam tempo para se dedicarem à Câmara de Recurso, pelo que era lógico que se limitassem a exercer uma fiscalização restrita e mais rápida das decisões da agência.

    57.

    A ausência de remuneração e de exclusividade dos membros da Câmara de Recurso, até 2019, não justifica a redução das suas funções de fiscalização. Esses aspetos podem explicar‑se, entre outras razões, pelos poderes de decisão mais reduzidos da ACER antes de 2019 e, sobretudo, pelo número limitado de recursos que, segundo os cálculos iniciais, eram interpostos ( 35 ).

    58.

    O aumento do número de processos levou a que se previsse atualmente uma remuneração para os membros da Câmara de Recurso ( 36 ) e uma seleção dos candidatos com mais exigências de conhecimentos jurídicos gerais, juntamente com os perfis técnicos ( 37 ).

    59.

    O reforço dos recursos humanos da Câmara de Recurso tinha demonstrado, quando muito, que a sua conceção inicial não era inteiramente adequada para o cumprimento das tarefas que lhe eram confiadas pelo Regulamento n.o 713/2009 ( 38 ). Todavia, essa falha não justifica que a Câmara de Recurso tivesse de renunciar à sua função primordial para se limitar a uma fiscalização restrita das decisões da agência.

    60.

    O aumento dos poderes da ACER no âmbito da alteração das normas da União relativas à energia, ocorrida após 2019 ( 39 ) (não aplicáveis aos factos do presente litígio), e a reforma da própria ACER pelo Regulamento 2019/942, implicam que o reforço da sua Câmara de Recurso a coloque em condições de exercer uma fiscalização completa das decisões dessa agência.

    3. Duração do processo

    61.

    A ACER considera que o prazo que a Câmara de Recurso tinha para decidir (dois meses, em conformidade com o artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 713/2009) não lhe permitia proceder a uma análise aprofundada. Na sua opinião, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar o contrário.

    62.

    Pela minha parte, concordo com o raciocínio do Tribunal Geral e considero que este não cometeu um erro de direito na interpretação da referida disposição.

    63.

    É certo que o prazo para se pronunciar sobre o recurso era reduzido ( 40 ), uma vez que, em dois meses, devia ser levado a cabo um processo de caráter contraditório, no qual as partes podiam ser convidadas a apresentar observações sobre as comunicações provenientes das outras e a prestar declarações oralmente na Câmara de Recurso.

    64.

    Todavia, como afirma corretamente o Tribunal Geral (n.o 74 do acórdão recorrido), a duração do prazo não basta para revelar uma intenção do legislador de limitar a fiscalização da Câmara de Recurso. Existem vários argumentos que demonstram o contrário:

    O conhecimento técnico e a experiência dos membros da Câmara de Recurso facilitam uma rápida compreensão dos recursos e a sua célere resolução.

    O artigo 19.o do Regulamento n.o 713/2009 prevê, em substância, que a Câmara de Recurso examine se os argumentos apresentados pelo recorrente demonstram a existência de um erro que afete a decisão impugnada. A Câmara de Recurso limita a sua ação a avaliar se os fundamentos invocados pelo recorrente são suscetíveis de demonstrar que a decisão impugnada padece de erros. Deve apenas verificar os elementos técnicos e económicos complexos decorrentes desses fundamentos.

    A Câmara de Recurso não tem de realizar uma fiscalização ex novo dos elementos de facto e de direito da Decisão da ACER. A este respeito, distingue‑se, por exemplo, das Câmaras de Recurso do EUIPO e do ICVV.

    Nos termos do artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009, Câmara de Recurso podia exercer «todas as competências atribuídas à Agência ou remeter o processo para o órgão competente da Agência». Por conseguinte, era‑lhe possível dar provimento ao recurso e remeter o processo à ACER para que adotasse uma nova decisão.

    65.

    Esta interpretação não é posta em causa pelo facto de o Regulamento 2019/942 ter alargado para quatro meses o prazo de que a Câmara de Recurso dispõe para decidir ( 41 ). Esse alargamento demonstra apenas que o legislador talvez tenha sido pouco realista ao fixar o prazo de dois meses no Regulamento n.o 713/2009, mas daí não se pode inferir que a Câmara de Recurso só devia exercer uma fiscalização restrita sobre as decisões da ACER.

    4. Poderes da Câmara de Recurso

    66.

    Como já referi, o artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009 previa que a Câmara de Recurso exercesse todas as competências atribuídas à Agência ou remetesse o processo para o órgão competente desta, que fica vinculado à decisão da Câmara de Recurso.

    67.

    Como salienta corretamente o Tribunal Geral (n.o 54 do acórdão recorrido), quando desse provimento ao recurso, a Câmara de Recurso podia assumir o poder de apreciação da ACER para examinar se os elementos de que dispunha lhe permitiam adotar a sua própria decisão, como alternativa à remessa do processo à ACER para uma nova decisão.

    68.

    Em conformidade com o artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009, é a decisão da Câmara de Recurso e não a decisão da ACER que deve ser objeto de recurso no Tribunal Geral. Foi o que aconteceu no presente processo: a recorrente não tinha legitimidade para impugnar diretamente a decisão da ACER perante o juiz da União ( 42 ), como explicou o Tribunal Geral no n.o 58 do acórdão recorrido.

    69.

    Essa dupla constatação corrobora o facto de que a Câmara de Recurso não podia limitar a sua atuação a uma fiscalização restrita da Decisão da ACER, em termos equivalentes à fiscalização jurisdicional exercida pelo juiz da União.

    70.

    Como já referi, a Câmara de Recurso dispõe de conhecimentos técnicos que lhe permitem levar a cabo uma fiscalização completa e não restrita ao escrutínio do erro manifesto das decisões da ACER. Posteriormente, esta fiscalização completa permite a fiscalização jurisdicional da competência do Tribunal Geral.

    71.

    As considerações anteriores não são postas em causa pelo erro, irrelevante, em que incorre o Tribunal Geral (n.o 60 do acórdão recorrido) ao referir‑se a uma «eventual incompatibilidade» da Decisão da ACER de 5 de outubro de 2019 ( 43 ) com o Regulamento n.o 713/2009.

    72.

    O Tribunal Geral errou nessa apreciação, uma vez que a alteração da Decisão da ACER n.o 1/2011 resultava da adoção prévia do Regulamento 2019/942. O artigo 21.o da Decisão n.o 1/2011, alterada, limita‑se a reproduzir o conteúdo do artigo 28.o, n.o 5, do Regulamento 2019/942 ( 44 ). Por conseguinte, a incompatibilidade evocada não existia.

    73.

    Todavia, este erro do Tribunal Geral ocorre num raciocínio obiter dictum e diz respeito a uma alteração normativa que não é aplicável ratione temporis ao litígio. Por esse motivo, é irrelevante para a solução final, no que respeita à intensidade da fiscalização efetuada pela Câmara de Recurso.

    5. Comparação da Câmara de Recurso da ACER com as de outras agências da União

    74.

    Parece‑me adequada a comparação que o Tribunal Geral faz entre a intensidade da fiscalização da Câmara de Recurso da ECHA e da ACER, para alargar à segunda a sua jurisprudência relativa ao nível de fiscalização das decisões da primeira.

    75.

    O Tribunal Geral, após ter reproduzido a sua posição a propósito da Câmara de Recurso da ECHA (n.o 61 do acórdão recorrido) ( 45 ), afirma que também é aplicável à Câmara de Recurso da ACER.

    76.

    A crítica da ACER a esta parte do acórdão recorrido baseia‑se nas diferenças de objetivos, processos de recurso (nomeadamente, dos prazos para decidir) e regime do pessoal das câmaras de recurso da ACER e da ECHA. Essas diferenças seriam suscetíveis de infirmar a comparação efetuada pelo Tribunal Geral.

    77.

    Todavia, essas diferenças não afetam o cerne da tese do Tribunal Geral, aplicável tanto à Câmara de Recurso da ECHA como à da ACER: seria contrário à natureza dos órgãos de recurso instituídos nas agências exercerem uma fiscalização restrita à fiscalização do erro manifesto e não procederem a uma avaliação completa das apreciações de ordem técnica, científica e económica complexas contidas nas decisões recorridas.

    78.

    Dado que, tendo em conta tudo o que precede, me parece que essa tese do Tribunal Geral não enferma de nenhum erro de direito, também esta parte do primeiro fundamento é improcedente.

    6. Argumento subsidiário: a fiscalização exercida pela Câmara de Recurso foi completa

    79.

    A título subsidiário, a ACER alega que, mesmo admitindo (quod non) que a Câmara de Recurso deveria exercer uma fiscalização completa e não restrita ao erro manifesto das decisões que comportam apreciações complexas de ordem técnica e económica, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao afirmar que a Câmara de Recurso não tinha efetuado este tipo de fiscalização no presente processo.

    80.

    Todavia, este argumento subsidiário não tem em consideração o facto de a própria Câmara de Recurso ter considerado (n.os 47 e 52 da sua decisão) que se limitaria a exercer uma fiscalização restrita ao erro manifesto de apreciação, no que respeita à isenção pedida pela Aquind.

    81.

    A Câmara de Recurso faz esta afirmação expressa como uma declaração de princípio que regerá a sua intervenção. Por conseguinte, não era necessário analisar em pormenor os n.os 70 a 74 e 94 a 98 da Decisão da ACER quando a própria Câmara de Recurso começa por dizer que aplicará uma fiscalização restrita ao erro manifesto de apreciação. Em suma, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito quanto a este ponto.

    82.

    Atendendo às considerações anteriores, o primeiro fundamento de recurso da ACER deve ser julgado improcedente.

    VI. Segundo fundamento de recurso da ACER: violação do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009

    A.   Acórdão recorrido

    83.

    Para o Tribunal Geral, a abordagem adotada pela Câmara de Recurso quanto à isenção não estava justificada nem à luz do Regulamento n.o 714/2009, nem à luz do Regulamento RTE‑E. Em substância, baseou esta afirmação nos seguintes argumentos:

    A Câmara de Recurso teria introduzido uma condição suplementar que não figura entre as enumeradas no artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009.

    Nenhuma disposição regulamentar permite considerar que o legislador tenha previsto a prioridade de um regime sobre o outro. Os dois regimes podem ser aplicados alternativamente.

    O critério essencial que deve nortear o exame do pedido de isenção é o do «nível de risco associado ao investimento» do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, que a Câmara de Recurso não aplicou.

    Recorrer ao procedimento de imputação dos custos transfronteiriços não constitui uma garantia de que os riscos a que as interligações estão expostas sejam eliminados.

    B.   Argumentos das partes

    84.

    A ACER acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito «fundamental» ao declarar (em particular nos n.os 105 e 106 do acórdão recorrido) que nenhuma disposição regulamentar permite considerar que o legislador tenha previsto a prioridade do regime do Regulamento RTE‑E sobre o regime de isenção do Regulamento n.o 714/2009.

    85.

    Esse erro de direito decorre da interpretação inadequada que o pelo Tribunal Geral faz acerca da relação entre o artigo 12.o do Regulamento RTE‑E e o artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009. A redação, o objetivo e o contexto deste último, bem como do seu antecessor, o Regulamento (CE) n.o 1228/2003 ( 46 ), levam a ACER a sustentar que o Regulamento RTE‑E estabelece o regime geral e que o Regulamento n.o 714/2009 institui um regime de isenção, cuja interpretação deve ser estrita. Não se trata de regimes iguais entre os quais os promotores dos projetos podem escolher livremente, como afirma o Tribunal Geral.

    86.

    Um segundo erro de direito que a ACER aponta ao acórdão recorrido (n.os 101 a 104) consiste no facto de considerar que, embora o eventual financiamento ao abrigo do artigo 12.o do Regulamento RTE‑E possa ser um critério pertinente para determinar o risco associado ao investimento, este critério não pode ser entendido como requisito indispensável para a obtenção da isenção ( 47 ).

    87.

    A ACER considera que a indisponibilidade de apoio financeiro suficiente no âmbito do regime regulamentado é um elemento essencial para determinar se o risco do investimento está ou não coberto, de modo que esta análise está implícita no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009 e não constitui uma condição suplementar para a concessão da isenção a uma interligação nova.

    88.

    Por último, para a ACER, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito (n.os 108 e 109 do acórdão recorrido) ao afirmar que não se pode recusar à Aquind a isenção do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009 presumindo‑se que o pedido de apoio em aplicação do artigo 12.o do Regulamento RTE‑E conduziria à concessão de uma vantagem financeira que permitiria eliminar o risco.

    89.

    Na opinião da ACER, a possibilidade de obter financiamento para a interligação, através da imputação dos custos transfronteiriços, não era hipotética, tendo‑se baseado na consideração da interligação da Aquind como projeto de interesse comum, e na análise dos custos, da capacidade e das vantagens obtidas pela ACER. É precisamente esta a análise dos riscos que o artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009 impõe para determinar se os riscos financeiros da interligação podiam ser limitados mediante meios diferentes da concessão da isenção ao regime geral.

    90.

    A Aquind contesta os argumentos da ACER e considera que o Tribunal Geral não cometeu nenhum dos erros de direito que lhe são imputados.

    C.   Apreciação

    91.

    A melhor compreensão do problema aconselha a expor, antes de mais, a relação entre os dois regimes de financiamento para, depois, analisar os argumentos deste segundo fundamento de recurso.

    1. Financiamento das interligações elétricas

    92.

    As interligações elétricas transeuropeias de corrente contínua são infraestruturas fundamentais para o desenvolvimento do mercado europeu da eletricidade ( 48 ). Ligam os sistemas elétricos nacionais assegurando os abastecimentos de eletricidade e evitando o seu isolamento, incentivando simultaneamente a criação de um mercado elétrico europeu integrado com mais concorrência e melhores preços para os consumidores ( 49 ).

    93.

    As interligações elétricas são obras de grande envergadura e complexidade tecnológica que exigem um investimento significativo e vários anos para serem concluídas. Estas características explicam a adoção do Regulamento RTE‑E e a criação da figura dos projetos de interesse comum, como via para dirigir o financiamento para os mesmos ( 50 ).

    94.

    No seu artigo 1.o, o Regulamento RTE‑E ( 51 ) refere‑se à identificação dos projetos de interesse comum necessários para realizar corredores e domínios prioritários em matéria de infraestruturas energéticas transeuropeias. Além de abordar a identificação e a execução desses projetos, o Regulamento RTE‑E prevê normas para facilitar e agilizar as suas licenças e para assegurar a participação pública nos mesmos.

    95.

    Neste processo, é particularmente relevante o artigo 12.o do Regulamento RTE‑E, que fixa as regras e orientações para a imputação dos custos transfronteiriços, tendo em conta os riscos para os projetos de interesse comum.

    96.

    Nos termos do artigo 12.o, n.os 3, 4, 5 e 6, do Regulamento RTE‑E:

    Assim que um projeto ao abrigo das categorias do anexo II, ponto 1, alíneas a), b) e d), e ponto 2, atingir a maturidade suficiente, os seus promotores devem apresentar às ERN correspondentes um «pedido de investimento [que] deve incluir um pedido de imputação dos custos transfronteiriços».

    Após consultar aos promotores do projeto, as ERN devem tomar «decisões coordenadas sobre a imputação dos custos de investimento a suportar por cada operador de sistemas relativamente ao projeto, bem como a sua inclusão nas tarifas».

    «A decisão de imputação dos custos» deve ser imediatamente notificada à ACER pelas ERN «acompanhada de todas as informações relevantes respeitantes à decisão».

    Se as ERN não alcançarem um acordo sobre o pedido de investimento no prazo de seis meses, devem informar a ACER desse facto, sem demora, que pode adotar «a decisão sobre o pedido de investimento, incluindo a imputação de custos transfronteiriços […], bem como a forma como os custos de investimento se refletem nas tarifas».

    97.

    O Regulamento RTE‑E foi adotado em 2013 e antes não existia uma regulamentação equivalente no direito da União que previsse um regime semelhante de financiamento das infraestruturas energéticas transeuropeias ( 52 ).

    98.

    Por este motivo, o seu artigo 12.o, n.o 9, prevê que «[o] presente artigo não se aplica aos projetos de interesse comum que beneficiem de [ ( 53 )]: […] b) uma isenção do disposto no artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento [n.o 714/2009] nos termos do artigo 17.o do Regulamento [n.o 714/2009]; […] ou d) uma isenção nos termos do artigo 7.o do Regulamento [n.o 1228/2003]».

    99.

    A mesma interpretação é válida para o artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento RTE‑E, relativo aos incentivos para este tipo de infraestruturas energéticas transeuropeias.

    100.

    Este conjunto normativo não visa estabelecer uma aplicação alternativa entre o regime regulamentado de financiamento das interligações elétricas e o regime de isenção.

    101.

    Os artigos 12.o, n.o 9, e 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento RTE‑E destinam‑se a impedir que as interligações elétricas que tinham beneficiado do regime de isenção ao abrigo do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009 (e do artigo 7.o do Regulamento n.o 1228/2003) pudessem optar pelo financiamento do regime geral estabelecido no artigo 12.o do Regulamento RTE‑E.

    102.

    Ora, para as novas interligações elétricas projetadas depois da entrada em vigor do Regulamento RTE‑E, os seus artigos 12.o, n.o 9, e 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, não são relevantes, uma vez que são normas que podem ser qualificadas de «transitórias» ( 54 ).

    103.

    A relação entre o regime regulamentado e o regime de exceção é corroborada pelos trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 1228/2003, que o Tribunal Geral não teve em consideração. O Tribunal de Justiça recorreu a esses trabalhos preparatórios para interpretar os artigos 16.o e 17.o do Regulamento n.o 714/2009 ( 55 ).

    104.

    Com efeito, na posição comum do Conselho para a adoção do Regulamento n.o 1228/2003 foi incluída a seguinte declaração da Comissão sobre o regime de isenção: «A Comissão sublinha a sua intenção de interpretar esta isenção de forma restrita a fim de garantir que a sua concessão será limitada ao mínimo necessário, em especial no que se refere à sua duração e à capacidade em causa do projeto ao qual se aplica, com vista à realização do objetivo de garantir o financiamento de investimentos que comportem um nível de risco excecional» ( 56 ). A interpretação restritiva da isenção e do recurso a esta em situações muito limitadas é recordada no ponto C4 da posição comum ( 57 ).

    105.

    A Direção‑Geral da Energia e dos Transportes da Comissão publicou uma nota interpretativa do Regulamento n.o 1228/2003 a fim de facilitar a sua aplicação pelas ERN nacionais, na qual preconizava o caráter excecional do regime de isenção ( 58 ). Procedeu‑se do mesmo modo no Documento de Trabalho dos serviços da Comissão de 2009 ( 59 ).

    106.

    Por conseguinte, os trabalhos preparatórios e os documentos explicativos da Comissão evidenciam o caráter excecional do regime de isenção do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009 e a sua aplicação subsidiária em relação ao regime geral de financiamento das interligações elétricas do Regulamento RTE‑E.

    2. Análise do fundamento

    107.

    Na minha opinião, o raciocínio do Tribunal Geral enferma de um erro de direito, nomeadamente nos n.os 105 e 106 do acórdão recorrido, porque coloca ao mesmo nível dois regimes jurídicos distintos. Como já referi:

    O Regulamento RTE‑E estabelece o regime geral aplicável ao financiamento das interligações que constituam projetos de interesse comum.

    Pelo contrário, as regras relativas à isenção do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009 constituem o regime de exceção, de modo que não é reconhecido aos promotores o direito de escolher a qual destes dois regimes submetem o seu projeto.

    108.

    Em princípio, os promotores de uma interligação elétrica classificada como projeto de interesse comum, para conseguir a sua viabilidade financeira, devem submeter‑se ao regime geral (ou regulamentado, como o designa a ACER) do Regulamento RTE‑E, que se encontra previsto, principalmente, no seu artigo 12.o

    109.

    Se não obtiverem apoio mediante a imputação de custos transfronteiriços, os promotores podem demonstrar, se for caso disso, que o seu projeto apresenta um nível de risco financeiro que justifica a concessão de uma isenção do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009.

    110.

    Mas, repito, os promotores não podem optar diretamente pelo regime excecional de isenção, o que implicaria a subversão da relação entre este último e o regime geral de apoio financeiro às interligações novas. Em virtude dessa relação:

    O regime de isenção implica uma derrogação temporária aos princípios gerais que regem a utilização das receitas, a separação das redes de transporte e dos operadores das redes de transporte, bem como o acesso de terceiros às redes de transporte ou de distribuição, fatores essenciais para a liberalização do mercado da eletricidade da União.

    O regime geral de apoio às infraestruturas energéticas transnacionais do Regulamento RTE‑E está concebido precisamente para evitar isenções aos promotores destas obras que impliquem restrições à livre concorrência no mercado da eletricidade da União.

    Só quando a viabilidade económica não seja possível através do regime geral de apoio financeiro é que é lógico conceder, a título excecional, a isenção do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009.

    111.

    Dessa compreensão incorreta das relações entre esses dois regimes decorre um novo erro de direito, percetível nomeadamente nos n.os 101 e 102 do acórdão recorrido. Nesses números, o Tribunal Geral sustenta que a Câmara de Recurso não podia fazer da apresentação de um pedido prévio de apoio financeiro, nos termos do artigo 12.o do Regulamento RTE‑E, uma condição para determinar o risco associado ao investimento.

    112.

    É certo que a indisponibilidade de apoio financeiro gera um risco económico suscetível de pôr em perigo a construção da interligação. Como o próprio Tribunal Geral admite, este fator deve ser tomado em consideração pela ACER quando aplica a condição da existência de um risco associado ao investimento que justifique uma isenção ao sistema regulamentado que o artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009 prevê.

    113.

    Por conseguinte, a verificação pela ACER da existência ou não de um apoio financeiro através do regime geral deve ser efetuada para verificar o risco e conceder ou recusar a isenção ( 60 ). Foi o que fez a ACER e a sua Câmara de Recurso confirmou a conformidade deste exame com as exigências do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009.

    114.

    Ora, não se pode admitir, como concluiu erradamente o Tribunal Geral, que, com esta abordagem, a ACER acrescenta uma nova condição às já previstas no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 para a concessão de uma isenção.

    115.

    Além disso, a ACER e a sua Câmara de Recurso não exigiram à Aquind a apresentação de um pedido de financiamento através do regime regulamentado. Limitaram‑se a apreciar em que medida o risco económico da construção da interligação Aquind teria sido reduzido se o financiamento tivesse sido obtido através do regime regulamentado. Além da determinação dos custos e dos benefícios e de outros elementos, a ACER avaliou ( 61 ) se se preenchia o requisito segundo o qual «[o]nível de risco associado ao investimento deve ser tal que o investimento não se realizaria se não fosse concedida uma isenção».

    116.

    Por conseguinte, considero que a análise da ACER, confirmada pela sua Câmara de Recurso, era adequada e que não implica, contrariamente ao que o Tribunal Geral afirmou, a introdução de uma condição que não figura entre as enumeradas no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 para conceder a isenção.

    117.

    No mesmo sentido, o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Geral nos n.os 107 a 110 do acórdão recorrido enferma de um erro. Os seus dois argumentos principais são os seguintes:

    A Câmara de Recurso e a ACER basearam‑se principalmente num raciocínio hipotético, a saber, na «possibilidade» de um pedido nos termos do artigo 12.o do Regulamento RTE‑E dar lugar a um apoio financeiro para a Aquind, e no facto de não «se poder excluir» que uma decisão favorável nos termos dessa disposição fornecesse uma garantia suficiente aos potenciais investidores. A vantagem do apoio financeiro através do regime regulamentado não podia simplesmente assentar numa presunção ou ser apresentada como um facto adquirido.

    A possibilidade de obter um apoio financeiro ao abrigo do artigo 12.o do Regulamento RTE‑E não permite excluir automaticamente o risco financeiro associado ao investimento. O recurso ao procedimento de imputação dos custos transfronteiriços não constitui uma garantia de que todos os riscos a que estão sujeitas as interligações sejam suprimidos.

    118.

    O primeiro argumento não me convence. A classificação da interligação Aquind como projeto de interesse comum abria a porta ao seu financiamento através do regime regulamentado de imputação dos custos transfronteiriços e de incentivos do Regulamento RTE‑E. Assim, a ACER e a sua Câmara de Recurso podiam considerar que este financiamento estava ao alcance da Aquind, se o tivesse pedido ( 62 ).

    119.

    Em todo o caso, a análise do «nível de risco associado ao investimento», previsto no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, obrigava a ACER a avaliar se o risco financeiro do projeto poderia ter sido reduzido pelo recurso a outros meios de financiamento que funcionam de forma geral e de modo preferencial relativamente à concessão da isenção. Esta última, repito, dada a sua natureza de regime excecional, constitui uma solução de «última instância», devido ao seu impacto negativo na liberalização do mercado comum da eletricidade.

    120.

    O segundo argumento do Tribunal Geral também não me convence. O facto (certo) de que o regime geral de financiamento do Regulamento RTE‑E não constitui uma garantia para a supressão de todos os riscos a que as interligações estão expostas não pode conduzir à concessão da isenção do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009.

    121.

    Bastaria aos promotores de um projeto de interesse comum, como a interligação Aquind, não pedirem o apoio do regime regulamentado para aumentar o risco financeiro do seu projeto e «forçar» assim a concessão da isenção. Em última análise, ser‑lhes‑ia permitido escolher entre dois regimes de apoio a este tipo de infraestruturas que não se situam ao mesmo nível. O erro de base do Tribunal Geral acima analisado encontra‑se novamente neste raciocínio do acórdão recorrido.

    122.

    Além disso, a análise do «nível de risco associado ao investimento» estaria automaticamente cumprida e o próprio requisito previsto no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, perderia o seu sentido se se considerasse que os eventuais atrasos e incertezas relativos à concessão de apoio financeiro pelo regime geral do Regulamento RTE‑E permitem conceder a isenção.

    123.

    Atendendo às considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue procedente este fundamento de recurso, na medida em que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009 em conjugação com o artigo 12.o do Regulamento RTE‑E.

    VII. Recurso subordinado da Aquind

    124.

    Além de contestar o recurso da ACER, a Aquind interpôs um recurso subordinado em que formula os pedidos referidos no n.o 19 das presentes conclusões.

    125.

    Como proponho ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente o primeiro fundamento de recurso da ACER e confirme o Acórdão do Tribunal Geral na parte em que anula a Decisão da Câmara de Recurso, não será necessário proceder a uma análise específica do recurso subordinado da Aquind.

    126.

    Com efeito, o acórdão recorrido deve ser confirmado em sede de recurso de decisão do Tribunal Geral pela improcedência do primeiro fundamento, mesmo que o segundo seja julgado procedente. Assim, a anulação completa da Decisão da Câmara de Recurso é corroborada por ter aplicado uma fiscalização restrita ao erro manifesto. Não é necessário nem aconselhável que o Tribunal de Justiça examine outro fundamento adicional de anulação dessa decisão, como pede a Aquind. Por conseguinte, deve ser negado provimento ao seu recurso subordinado.

    VIII. Falta de necessidade de remessa do processo ao Tribunal Geral

    127.

    Nos termos do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

    128.

    Não é necessário que o Tribunal de Justiça remeta o processo ao Tribunal Geral, após confirmação do acórdão deste último na parte em que anula na totalidade a Decisão da Câmara de Recurso da ACER.

    129.

    Cabe a essa Câmara de Recurso dar cumprimento ao acórdão do Tribunal Geral em conformidade com as precisões fornecidas pelo Tribunal de Justiça em sede de recurso, o que implica não ter em conta esse acórdão no que respeita à relação entre o artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009 e o artigo 12.o do Regulamento RTE‑E.

    130.

    O acolhimento do segundo fundamento de recurso não exige a remessa do processo ao Tribunal Geral, uma vez que, como já referi, não era indispensável que este se tivesse pronunciado sobre a relação entre o artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009 e o artigo 12.o do Regulamento RTE‑E.

    IX. Quanto às despesas

    131.

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável ao recurso de decisões do Tribunal Geral em conformidade com o seu artigo 184.o, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

    132.

    Na medida em que preconizo que o primeiro fundamento do recurso da ACER seja julgado improcedente, em conformidade com o pedido da Aquind, mas que o segundo seja julgado procedente, cada uma das partes deveria suportar as suas próprias despesas. Há que aplicar esta mesma repartição das despesas ao recurso subordinado, estreitamente ligado ao recurso principal.

    X. Conclusão

    133.

    Atendendo às considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça:

    1)

    Julgar improcedente o primeiro fundamento do recurso da ACER.

    2)

    Julgar procedente o segundo fundamento do recurso da ACER.

    3)

    Negar provimento ao recurso subordinado da Aquind na sua totalidade.

    4)

    Declarar que a ACER e a Aquind suportarão as suas próprias despesas.


    ( 1 ) Língua original: espanhol.

    ( 2 ) Acórdão de 18 de novembro de 2020, Aquind/ACER (T‑735/18, EU:T:2020:542). A seguir «acórdão recorrido».

    ( 3 ) O seu regime jurídico encontrava‑se previsto no Regulamento (CE) n.o 713/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que institui a Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (JO 2009, L 211, p. 1). Esse regulamento foi revogado pelo Regulamento (UE) 2019/942 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, que institui a Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (JO 2019, L 158, p. 22).

    ( 4 ) No que respeita à Câmara de Recurso da Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), v. Acórdãos do Tribunal Geral de 20 de setembro de 2019, BASF Grenzach/ECHA (T‑125/17, EU:T:2019:638) e Alemanha/ECHA (T‑755/17, EU:T:2019:647).

    ( 5 ) V. a ampla análise jurisprudencial contida na obra de Chamon, M.; Volpato, A. e Eliantonio, M. (eds.): Boards of Appeal of EU Agencies: Towards Judicialization of Administrative Review?, Oxford University Press, 2022.

    ( 6 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1228/2003 (JO 2009, L 211, p. 15).

    ( 7 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2013, relativo às orientações para as infraestruturas energéticas transeuropeias e que revoga a Decisão n.o 1364/2006/CE e altera os Regulamentos (CE) n.o 713/2009 (CE) n.o 714/2009 e (CE) n.o 715/2009 (JO 2013, L 115, p. 39). Conhecido como o regulamento relativo às redes transeuropeias de energia (a seguir «Regulamento RTE‑E»).

    ( 8 ) Transcrevo a versão deste artigo em vigor no momento do litígio. No Regulamento 2019/942 o seu equivalente é o artigo 28.o, cujo n.o 5 dispõe que «[a] câmara de recurso pode confirmar a decisão ou remeter o processo para o órgão competente da ACER. Este órgão fica vinculado à decisão da câmara de recurso».

    ( 9 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55).

    ( 10 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO 2009, L 211, p. 94)

    ( 11 ) Além disso, nesse mesmo dia, a ACER apresentou um pedido de medidas provisórias destinado a suspender a execução do acórdão recorrido, alegando o risco que constituiria para o direito da União e para o mercado interno da energia. A vice‑presidente do Tribunal de Justiça indeferiu esse pedido no Despacho de 16 de julho de 2021, ACER/Aquind (C‑46/21 P‑R, EU:C:2021:633, não publicado), com o fundamento de que o prejuízo grave e irreparável alegado deixou de existir e tornou‑se hipotético no momento em que a Câmara de Recurso julgou inadmissível o pedido da Aquind na sua Decisão A‑001‑2018_R, de 4 de junho de 2021.

    ( 12 ) Decisão A‑001‑2018_R, de 4 de junho de 2021. Nessa decisão, a Câmara de Recurso declarou que a saída do Reino Unido da União não permite a aplicação do Regulamento n.o 714/2009 e do Regulamento RTE‑E a novas interligações elétricas entre esse país e um Estado‑Membro da União. Contra esta decisão, a Aquind interpôs no Tribunal Geral o recurso de anulação T‑492/21, ainda pendente.

    ( 13 ) Regulamento Delegado da Comissão, de 31 de outubro de 2019, que altera o Regulamento (UE) n.o 347/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito à lista da União de projetos de interesse comum (JO 2020, L 74, p. 1). Em 21 de maio de 2020, a Aquind interpôs um recurso de anulação deste regulamento delegado, pendente no Tribunal Geral (processo T‑295/20, Aquind e o./Comissão). Previamente, tinha‑o impugnado antes da sua publicação, mas o seu recurso foi julgado inadmissível pelo Despacho do Tribunal Geral de 5 de março de 2021, Aquind e o./Comissão (T‑885/19, EU:T:2021:118), confirmado em sede de recurso de decisão do Tribunal Geral pelo Acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de agosto de 2022, Aquind e o./Comissão (C‑310/21 P, EU:C:2022:615).

    ( 14 ) Apenas relativamente às obrigações previstas no artigo 19.o, n.os 2 e 3, do Regulamento (UE) 2019/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativo ao mercado interno da eletricidade (JO 2019, L 158, p. 54).

    ( 15 ) No n.o 91 do acórdão recorrido afirma‑se: «Assim sendo, por razões ligadas a uma boa administração da justiça, o Tribunal Geral considera útil examinar o quarto fundamento, relativo a uma interpretação errada da relação existente entre o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 e o artigo 12.o do Regulamento [RTE‑E]». O sublinhado é meu.

    ( 16 ) Acórdão recorrido, n.o 51.

    ( 17 ) Acórdão recorrido, n.os 52 a 58.

    ( 18 ) Acórdão recorrido, n.os 59 e 60.

    ( 19 ) Acórdão recorrido, n.os 61 a 70.

    ( 20 ) No n.o 66 do acórdão recorrido afirma‑se que «[…] incumbe à ACER tomar todas as medidas organizacionais internas necessárias para mobilizar os meios postos à sua disposição a fim de cumprir os seus objetivos, tal como são definidos no Regulamento n.o 713/2009».

    ( 21 ) Everson, M., Monda, C. e Vos, E. (eds): European Agencies in Between Institutions and Member States, Wolters Kluwer, Alphen aan den Rijn, 2014; Chamon, M.: EU Agencies: Legal and Political Limits to the Transformation of the EU Administration, Oxford University Press, 2016; Alberti, J.: Le agenzie dell’Unione europea, Giuffrè, Milán, 2018; Vos, E.: EU Agencies, Common Approach and Parliamentary Scrutiny, European Parliament, 2018.

    ( 22 ) V. análise de Tovo, C.: «The Boards of Appeal of Networked Services Agencies: Specialized Arbitrators of Transnational Regulatory Conflicts?», em Chamon, M.; Volpato, A e Eliantonio, M., op. cit., pp. 36 a 40; e de Jankovich, K.: «La réforme de l’Agence de l’Union européenne pour la coopération des régulateurs de l’énergie: une évolution sans révolution», Revue du droit de l’Union européenne, 2019, n.o 3, pp. 69 a 85.

    ( 23 ) As do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), do Instituto Comunitário das Variedades Vegetais (ICVV), da Agência Europeia para a Segurança da Aviação (AESA), da Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), da Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), do Conselho Único de Resolução (CUR), da Agência Europeia dos Caminhos de Ferro (AFE) e das três autoridades europeias de supervisão [a Autoridade Bancária Europeia (ABE), a Autoridade Europeia para os Mercados Financeiros (ESMA) e a Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (EIOPA)] que partilham uma Câmara de Recurso.

    ( 24 ) A Declaração Conjunta e da Abordagem Comum do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissãosobre as agências descentralizadas, de 19 de julho de 2012, https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST‑11450‑2012‑INIT/en/pdf, falam apenas no seu n.o 21 da abordagem comum da independência e imparcialidade dos membros das câmaras de recurso.

    ( 25 ) Entre a abundante bibliografia sobre as câmaras de recurso das agências, v. as diversas contribuições no livro coletivo de Chamon, M.; Volpato, A e Eliantonio, M., op. cit.; Chirulli, P.: Non‑Judicial Remedies and EU Administration Protection of Rights versus Preservation of Autonomy, Routledge, 2021; De Lucia, L.: «Specialised Adjudication in EU Administrative Law: the Boards of Appeal of EU Agencies», European Law Review 2015, pp. 832 a 857.

    ( 26 ) Regulamento (UE) 2019/629 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, que altera o Protocolo n.o 3 relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (JO 2019, L 111, p. 1).

    ( 27 ) Concretamente, as Câmaras de Recurso do EUIPO, do ICVV, da ECHA, da ESA e as constituídas após 1 de maio de 2019 no âmbito de qualquer outro órgão ou organismo da União.

    ( 28 ) Não se exclui que, no futuro, o mecanismo de recebimento dos recursos se estenda aos acórdãos do Tribunal Geral que, por seu turno, se tenham pronunciado sobre decisões das câmaras de recurso de outras agências cuja posição seja equiparável às referidas no artigo 58.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça. A articulação da Câmara de Recurso da ACER é equiparável à das câmaras de recurso das agências referidas nesse artigo. V. De Lucia, L.: «The Shifting State of Rights Protection vis‑à‑vis EU Agencies: a Look at Article 58a of the Statute of the Court of Justice of the European Union», European Law Review, 2019, pp. 812 a 816.

    ( 29 ) N.o 51 do acórdão recorrido.

    ( 30 ) Neste sentido, Tovo, C.: «the added value of BoAs with respect to the proper functioning of the EU system of legal remedies, however, resides precisely in guaranteeing an in‑depth control of the merits of the decisions of the agencies, which, as atypical implementing acts of a technical nature, are necessarily subject to a limited judicial review before the CJEU» (em Tovo, C.: «The Boards of Appeal of Networked Services Agencies: Specialized Arbitrators of Transnational Regulatory Conflicts?», em Chamon, M.; Volpato, A e Eliantonio, M., op. cit., p. 55).

    ( 31 ) N.o 58 do acórdão recorrido.

    ( 32 )

    ( 33 ) V., no mesmo sentido, artigos 1.o a 4.o da Decisão n.o 1‑2011 da Câmara de Recurso da ACER de 1 de dezembro de 2011 que estabelece as regras de organização e de processo da Câmara de Recurso, disponível em https://extranet.acer.europa.eu/en/The_agency/Organisation/Board_of_Appeal/BoA_Public_Docs/BoA%20minutes%20FINAL%20.pdf. O texto revisto em 5 de outubro de 2019 está disponível em https://acer.europa.eu/en/The_agency/Organisation/Board_of_Appeal/BoA_Public_Docs/Rules%20of%20Procedure_for%20publication.pdf.

    ( 34 ) N.o 53 do acórdão recorrido: «[o] legislador da União pretendeu […] dotar a Câmara de Recurso da ACER dos conhecimentos necessários para lhe permitir proceder ela própria a apreciações relativas a elementos factuais de ordem técnica e económica complexos ligados à energia».

    ( 35 ) Com efeito, antes da entrada em vigor do Pacote Energia Limpa de 2019, só tinha sido apresentado um recurso na Câmara de Recurso em 2017 e dois em 2018. Em 2019, já foram seis, em 2020, nove e em 2021, onze. V. https://acer.europa.eu/the‑agency/organisation‑and‑bodies/board‑of‑appeal/boa‑decisions.

    ( 36 ) V. Decisão n.o 17/2019 do Conselho de Administração da ACER, de 26 de setembro de 2019.

    ( 37 ) É o que se afirma no Programming Document 2021 – 2023, dezembro 2020, http://documents.acer.europa.eu/en/The_agency/Mission_and_Objectives/Documents/Programming%20Document%20‑%202021‑2023%20‑%20European%20Union%20Agency%20for%20the%20Cooperation%20of%20Energy%20Regulators.pdf (p. 33).

    ( 38 ) A ACER reconhece esta circunstância no documento referido na nota anterior (p. 160).

    ( 39 ) O Pacote de Energia Limpa contém, entre outros, o Regulamento 2019/942.

    ( 40 ) Este prazo reduzido está em conformidade com o objetivo, enunciado no considerando 19 do Regulamento n.o 713/2009, de conferir aos interessados, «por razões de economia processual […] o direito de interpor recurso junto da Câmara de Recurso […]».

    ( 41 ) Artigo 28.o, n.o 2, do Regulamento 2019/942. O número muito reduzido de processos da Câmara de Recurso nos seus primeiros anos era compatível com um prazo de decisão tão curto, mas o aumento dos casos a partir de 2018 aconselhou o alargamento de dois para quatro meses.

    ( 42 ) O novo artigo 29.o do Regulamento 2019/942, dispõe agora mais claramente que «[a]s ações de recurso para anulação de uma decisão da ACER, ao abrigo do presente regulamento, e por omissão de decisão nos prazos aplicáveis, podem ser interpostas junto do Tribunal de Justiça apenas após esgotado o processo de recurso referido no artigo 28.o».

    ( 43 ) Nessa decisão foi alterado o artigo 20.o da Decisão n.o 1‑2011, que estabelece as regras de organização e de processo da Câmara de Recurso. O (novo) artigo 21.o, que substitui o artigo 20.o, da decisão alterada, dispõe que a Câmara de Recurso limita‑se a confirmar a decisão da Agência ou a remeter o processo ao órgão competente da mesma.

    ( 44 ) O artigo 28.o, n.o 5, do Regulamento 2019/942 facilita, de algum modo, o trabalho da Câmara de Recurso que «pode confirmar a decisão ou remeter o processo para o órgão competente» da ACER.

    ( 45 ) «Nomeadamente, já foi declarado, a propósito da Câmara de Recurso da ECHA, que o controlo efetuado por essa Câmara sobre apreciações de ordem científica constantes de uma decisão da ECHA não estava limitado à verificação da existência de erros manifestos, mas que, pelo contrário, devido às competências jurídicas e científicas dos seus membros, a referida Câmara devia verificar se os argumentos invocados pelo recorrente eram suscetíveis de demonstrar que as considerações em que a referida decisão da ECHA se baseara padeciam de erros (Acórdão de 20 de setembro de 2019, BASF Grenzach/ECHA, T‑125/17, EU:T:2019:638, n.os 87 a 89). A intensidade do controlo efetuado pela Câmara de Recurso é superior à da fiscalização efetuada pelo juiz da União (v., por analogia, Acórdão de 20 de setembro de 2019, BASF Grenzach/ECHA, T‑125/17, EU:T:2019:638, n.o 124)».

    ( 46 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade (JO 2003, L 176, p. 1).

    ( 47 ) Segundo o Tribunal Geral, a Câmara de Recurso fez da apresentação de um pedido prévio de apoio financeiro, nos termos do artículo 12.o do Regulamento RTE‑E, um «pré‑requisito para a demonstração do risco associado ao investimento», abordagem que não é justificada nem à luz do Regulamento n.o 714/2009 nem à luz do Regulamento RTE‑E.

    ( 48 ) Acórdão de 11 de março de 2020, Baltic Cable (C‑454/18, EU:C:2020:189, n.o 57): «Como resulta do artigo 1.o, alínea a), do Regulamento n.o 714/2009, a referida atribuição de capacidades de interligação é objeto de princípios harmonizados que devem permitir criar regras equitativas em matéria de comércio transfronteiriço de eletricidade, aumentando assim a concorrência no mercado interno da eletricidade».

    ( 49 ) V. Report of the Commission Expert Group on electricity interconnection: “Towards a sustainable and integrated Europe”, novembro 2017, https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/documents/report_of_the_commission_expert_group_on_electricity_interconnection_targets.pdf, pp. 10 a 14.

    ( 50 ) Entre 2014 e 2020, o instrumento de financiamento designado Mecanismo Interligar a Europa contribuiu para o financiamento de 107 projetos de interesse comum, com um orçamento total de 4,7 mil milhões de euros. Quase dois terços deste montante foram utilizados em projetos de transporte e de armazenamento de eletricidade, bem como redes elétricas inteligentes. V. os dados na Comissão Europeia: Connecting Europe Facility. Energy. Supported actions 2014‑2020, May 2021, https://cinea.ec.europa.eu/system/files/2021‑05/CEF_Energy_supporting‑actions_2021.pdf.

    ( 51 ) O Regulamento RTE‑E foi alterado por já não ser idóneo para assegurar a neutralidade climática da União, na sequência da adoção do Pacto Ecológico Europeu e das novas orientações da política energética, pelo Regulamento (UE) 2022/869 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2022, relativo às orientações para as infraestruturas energéticas transeuropeias, que altera os Regulamentos (CE) n.o 715/2009 (UE) 2019/942 e (UE) 2019/943 e as Diretivas 2009/73/CE e (UE) 2019/944 e que revoga o Regulamento [RTE‑E] ( JO 2022, L 152, p. 45 ).

    ( 52 ) A Decisão n.o 1364/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, que estabelece orientações para as redes transeuropeias de energia e revoga a Decisão 96/391/CE e a Decisão n.o 1229/2003/CE (JO 2006, L 262, p. 1), é a precursora do Regulamento RTE‑E. Estabelecia um quadro muito precário de apoio às redes energéticas transeuropeias, em que não existia um regime geral de financiamento dessas infraestruturas, para além da possibilidade de recurso ao financiamento da União.

    ( 53 ) O sublinhado é meu.

    ( 54 ) No mesmo sentido, o considerando 23, último período, do Regulamento n.o 714/2009 afirma que «[a]s isenções concedidas em virtude do Regulamento [n.o 1228/2003] continuarão a aplicar‑se até à data de caducidade prevista na decisão de concessão de isenção».

    ( 55 ) Acórdão de 11 de março de 2020, Baltic Cable (C‑454/18, EU:C:2020:189, n.o 48).

    ( 56 ) SEC/2003/0160 final, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu nos termos do n.o 2, segundo parágrafo, do artigo 251.o do Tratado CE respeitante à abordagem comum adotada pelo Parlamento Europeu e o Conselho tendo em vista a adoção de um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade, anexo E.

    ( 57 )

    ( 58 ) Note of DG Energy & Transport on Directives 2003/54‑55 and Regulation 1228\03 in the electricity and gas internal market about exemptions from certain provisions of the third party access regime, 30.1.2004, p. 1: «The possibility for such exemptions is clearly an exception to the general rule of third party access which is the basis of the new competitive market for electricity and gas. Exemptions will therefore only be granted exceptionally and on a case‑by‑case basis. There will be no block exemptions for specific types of infrastructure and all cases will be assessed on their merits. This consideration is particularly relevant since there is no possibility of exemptions for existing infrastructure and therefore any decision to give new pieces of infrastructure a different status must be clearly justified».

    ( 59 ) Document SEC(2009)642 final, 6.5.2009, Commission staff working document on Article 22 of Directive 2003/55/EC concerning common rules for the internal market in natural gas and Article 7 of Regulation (EC) No 1228/2003 on conditions for access to the network for cross‑border exchanges in electricity — New Infrastructure Exemptions. No n.o 17 afirma‑se: «Exemptions are an exception to the general rule of regulated TPA. Such exceptions have to be limited to what is strictly necessary to realise the investment and the scope of the exemptions has to be proportionate».

    ( 60 ) A Comissão seguiu um raciocínio semelhante para recusar uma isenção em benefício de um operador checo de armazenamento de gás na sua Decisão C (2011) 4509 da Comissão, de 27 de junho de 2011, relativa à derrogação referente a uma instalação de armazenamento subterrâneo de gás em Dambořice, disponível em https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/documents/2011_damborice_decision_en.pdf. Esta isenção baseava‑se no artigo 36.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73, aplicável no domínio do gás, que é semelhante à do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009.

    ( 61 ) A este respeito, a ACER dispõe de um certo poder de apreciação, como foi reconhecido a respeito das isenções equivalentes relativas ao mercado do gás no Acórdão de 4 de dezembro de 2019, Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo/Comissão (C‑342/18 P, não publicado, EU:C:2019:1043, n.o 48).

    ( 62 ) Devo acrescentar que a Aquind pediu posteriormente esse financiamento através do regime geral.

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