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Document 62021CC0006

    Conclusões do advogado-geral J. Richard de la Tour apresentadas em 12 de janeiro de 2023.


    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:8

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    JEAN RICHARD DE LA TOUR

    apresentadas em 12 de janeiro de 2023 ( 1 )

    Processos apensos C‑6/21 P e C‑16/21 P

    República Federal da Alemanha (C‑6/21 P),

    República da Estónia (C‑16/21 P)

    contra

    Pharma Mar SA,

    Comissão Europeia

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Saúde pública — Medicamentos para uso humano — Regulamento (CE) n.o 726/2004 — Recusa de autorização de introdução no mercado do medicamento para uso humano Aplidin — plitidepsin — Recurso de anulação — Conceito de “empresa farmacêutica” — Conflito de interesses — Conceito de “produto rival”»

    I. Introdução

    1.

    No âmbito dos dois recursos apensos, a República Federal da Alemanha (processo C‑6/21 P) e a República da Estónia (processo C‑16/21 P) pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 28 de outubro de 2020, no Processo Pharma Mar/Comissão ( 2 ), pelo qual este anulou a Decisão de Execução C(2018) 4831 final da Comissão Europeia, de 17 de julho de 2018 ( 3 ), que recusou conceder à sociedade Pharma Mar S.A. uma autorização de introdução no mercado (AIM)do medicamento para uso humano Aplidin ‑ plitidepsin.

    2.

    De acordo com o pedido do Tribunal de Justiça, não abordarei as questões de admissibilidade dos recursos nas presentes conclusões. Nestas conclusões, exporei as razões pelas quais proponho ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido e remeta o processo ao Tribunal Geral.

    II. Quadro jurídico

    A.   Regulamento (CE) n.o 726/2004

    3.

    Os considerandos 7, 8, 13, 19, 23 e 24 do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos ( 4 ), com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento (UE) n.o 1027/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012 ( 5 ), enunciam:

    «(7)

    A experiência adquirida desde a adoção da Diretiva 87/22/CEE do Conselho, de 22 de dezembro de 1986, relativa à aproximação das medidas nacionais respeitantes à colocação no mercado dos medicamentos de alta tecnologia, nomeadamente dos resultantes da biotecnologia [ ( 6 )] demonstrou a necessidade de instituir um procedimento comunitário centralizado de autorização obrigatório para os medicamentos de alta tecnologia, e em especial para os resultantes da biotecnologia, a fim de manter o elevado nível de avaliação científica desses medicamentos na União Europeia e, consequentemente, preservar a confiança dos doentes e das profissões médicas nessa avaliação. Isto é particularmente importante no contexto da emergência de novas terapias, tais como a terapia génica e as terapias celulares associadas, ou a terapia somática xenogénica. Esta abordagem deve ser mantida, nomeadamente com vista a assegurar o bom funcionamento do mercado interno no setor farmacêutico.

    (8)

    Na perspetiva de uma harmonização do mercado interno no que se refere aos novos medicamentos, convém ainda tornar esse procedimento obrigatório para os medicamentos órfãos e para qualquer medicamento para uso humano que contenha uma substância ativa inteiramente nova, isto é, que ainda não tenha sido objeto de uma autorização na [União], e cujas indicações terapêuticas sejam o tratamento da síndrome de imunodeficiência adquirida, das neoplastias, de doenças neurodegenerativas ou da diabetes. Quatro anos após a data de entrada em vigor do presente regulamento, o procedimento deverá também tornar‑se obrigatório para os medicamentos para uso humano que contenham uma nova substância ativa, e cuja indicação terapêutica seja o tratamento de doenças autoimunes e outras disfunções imunitárias e doenças virais. […]

    […]

    (13)

    No interesse da saúde pública, as decisões de autorização no âmbito do procedimento centralizado deverão assentar em critérios científicos objetivos de qualidade, segurança e eficácia do medicamento em questão, independentemente de quaisquer considerações, de caráter económico ou outro […]

    […]

    (19)

    A principal atribuição da Agência [Europeia de Medicamentos, a seguir “Agência” ou “EMA”] deve ser a de emitir pareceres científicos da melhor qualidade possível destinados às instituições [da União] e aos Estados‑Membros, para o exercício das competências que a legislação [da União] lhes confere no domínio dos medicamentos, no que respeita à autorização e fiscalização dos mesmos. Só após uma avaliação científica única do mais elevado nível possível, da qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos de alta tecnologia, a efetuar pela Agência, deve a [União] conceder uma autorização de introdução no mercado, através de um procedimento célere que assegure uma estreita cooperação entre a Comissão e os Estados‑Membros.

    […]

    (23)

    Deve ser atribuída a um Comité dos Medicamentos para Uso Humano [ ( 7 )] a responsabilidade exclusiva pela elaboração dos pareceres da Agência em todas as questões relativas aos medicamentos para uso humano. […] Quanto aos medicamentos órfãos, essa tarefa incumbe ao Comité dos Medicamentos Órfãos instituído pelo Regulamento (CE) n.o 141/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1999, relativo aos medicamentos órfãos [ ( 8 )] […]

    (24)

    A criação da Agência permite reforçar o papel científico e a independência destes comités, nomeadamente através do estabelecimento de um secretariado técnico e administrativo permanente.»

    4.

    O título IV do Regulamento n.o 726/2004, intitulado «Agência Europeia de Medicamentos — Responsabilidades e estrutura administrativa», contém um capítulo 1 relativo às «[f]unções da Agência», que é composto pelos artigos 55.o a 66.o

    5.

    O artigo 62.o, n.o 2, do referido regulamento prevê:

    «Os Estados‑Membros enviam à Agência o nome dos peritos nacionais com experiência comprovada na avaliação de medicamentos para uso humano […] e que, tendo em conta o disposto no artigo 63.o, n.o 2, possam integrar os grupos de trabalho ou os grupos de aconselhamento científico de qualquer um dos comités referidos no artigo 56.o, n.o 1, acompanhados da indicação das suas qualificações e áreas de competência específica.

    A Agência elabora e mantém uma lista de peritos acreditados. Essa lista inclui os peritos nacionais acima referidos, bem como quaisquer outros peritos designados pela Agência ou pela Comissão e é atualizada.»

    6.

    De acordo com o artigo 63.o, n.o 2, do mesmo regulamento:

    «Os membros do Conselho de Administração, os membros dos comités, os relatores e os peritos não podem ter interesses financeiros ou outros, na indústria farmacêutica suscetíveis de afetar a sua imparcialidade. Devem comprometer‑se a agir ao serviço do interesse público e num espírito de independência e devem apresentar anualmente uma declaração sobre os seus interesses financeiros. Todos os interesses indiretos que possam estar relacionados com esta indústria devem constar de um registo mantido pela Agência e ser acessíveis a consulta pública, a pedido, nos serviços da Agência.

    O código de conduta da Agência deve prever a aplicação do presente artigo, em particular no que se refere à aceitação de presentes.

    Os membros do Conselho de Administração, os membros dos comités, os relatores e os peritos que participem em reuniões ou grupos de trabalho da Agência devem declarar em cada reunião, os interesses específicos que possam ser considerados prejudiciais à sua independência relativamente aos diversos pontos da ordem de trabalhos. Essas declarações são disponibilizadas ao público.»

    B.   Código de Conduta da EMA

    7.

    A secção 2.3.3., segundo parágrafo, da European Medicines Agency Code of Conduct (Código de Conduta da [EMA]) ( 9 ), de 16 de junho de 2016, prevê:

    «As restrições aplicáveis [aos membros do Conselho de Administração ou dos comités científicos, aos relatores e aos peritos] em termos de atividades individuais no contexto do papel e das responsabilidades da EMA dependerão das pessoas e da sua função específica. Os pormenores das restrições pertinentes são fixados nos documentos de orientação política.»

    C.   Política da EMA

    8.

    Nos termos da secção 3.2.2., primeiro e quarto pontos, da European Medicines Agency policy on the handling of compting interests of scientific committees’ members and experts (Política da [EMA] relativa ao tratamento dos interesses concorrentes dos membros dos comités científicos e dos peritos) ( 10 ), de 6 de outubro de 2016:

    «Por “produto rival” entende‑se: um medicamento destinado a uma população de doentes idêntica com o mesmo objetivo clínico (ou seja, tratar, prevenir ou diagnosticar uma doença específica) e que é um potencial concorrente comercial.

    […]

    Por “empresa farmacêutica” entende‑se: qualquer pessoa singular ou coletiva vocacionada para descobrir, desenvolver, produzir, comercializar e/ou distribuir medicamentos. Para efeitos da presente política, a definição inclui as empresas às quais são confiadas, no âmbito de um contrato, atividades ligadas à descoberta, ao desenvolvimento, à produção, à comercialização e à manutenção dos medicamentos (que podem também ser efetuadas internamente).

    A este respeito, as organizações de investigação clínica ou as empresas de consultoria que prestam aconselhamento ou serviços relacionados com as atividades supramencionadas são abrangidas pela definição de empresa farmacêutica.

    As pessoas singulares ou coletivas não abrangidas por esta definição mas que i) controlam (isto é, detêm uma participação maioritária numa empresa farmacêutica ou exercem uma influência considerável nos processos decisórios dessa empresa), ii) são controladas por ou iii) estão sujeitas ao controlo comum de uma empresa farmacêutica, são consideradas empresas farmacêuticas para efeitos da presente política.

    Os investigadores independentes e os institutos de investigação, incluindo as universidades e as sociedades científicas, estão excluídos do âmbito da presente definição.»

    9.

    A secção 4.1. da política da EMA, intitulada «Objetivos da política», prevê:

    «O principal objetivo desta política é assegurar que os membros dos comités científicos e os peritos que participam nas atividades da Agência não tenham interesses na indústria farmacêutica suscetíveis de comprometer a sua imparcialidade, em conformidade com as exigências do direito da União. Importa, no entanto, encontrar um equilíbrio com a necessidade de assegurar os melhores conhecimentos científicos (especialistas) para a avaliação e monitorização dos medicamentos para uso humano e veterinário. É por essa razão que é da maior importância procurar um equilíbrio ótimo entre o prazo de reflexão para os interesses declarados e a manutenção dos conhecimentos científicos.

    A fim de atingir este objetivo e de alcançar o equilíbrio supramencionado, importa atender, em primeiro lugar, à natureza do interesse declarado antes de determinar a duração da aplicação de qualquer eventual restrição.»

    10.

    A secção 4.2.1.2. da referida política tem a seguinte redação:

    «A participação de uma pessoa nas atividades da Agência é limitada tendo em conta três fatores: a natureza do interesse declarado, o período durante o qual esse interesse existiu e o tipo de atividade. Aplica‑se a seguinte metodologia: a natureza do interesse declarado no contexto da atividade específica da Agência é analisada em primeiro lugar, antes de determinar a duração da aplicação de quaisquer restrições.

    Regra geral, um emprego […] atual numa empresa farmacêutica ou interesses financeiros atuais na indústria farmacêutica são incompatíveis com a participação nas atividades da Agência. Uma exceção a esta regra geral diz respeito à testemunha especializada. Os interesses financeiros atuais são compatíveis com o envolvimento enquanto testemunha especializada.

    As exigências relativas à pertença aos órgãos de decisão (isto é, aos comités científicos) são mais rigorosas do que para os órgãos consultivos (isto é, os [grupos de aconselhamento científico ( 11 )] e para os grupos de peritos ad hoc).

    As exigências são igualmente mais rigorosas para os presidentes/vice‑presidentes dos comités científicos do que para os presidentes/vice‑presidentes dos outros fóruns e para os membros dos comités científicos e dos outros fóruns. Do mesmo modo, as exigências são mais rigorosas para os relatores (ou um papel de direção/coordenação equivalente) e para os examinadores oficialmente nomeados do que para os outros membros dos fóruns científicos.

    O período a ter em conta em função do interesse direto ou indireto declarado é o período atual ou os últimos três anos, ou em certos casos, como indicado anteriormente, um período mais longo (v. secção 4.2.1.1. para mais pormenores). Como referido anteriormente, a natureza do interesse declarado é, em primeiro lugar, examinada antes de decidir da duração das eventuais restrições. No entanto, é sempre possível declarar um qualquer interesse além destes períodos limitados no tempo (ou seja, no período atual ou nos últimos três anos). Podem também, por sua própria iniciativa, restringir sempre o seu envolvimento nas atividades da Agência na sequência dessa declaração.

    Além disso, se um membro de um comité científico/grupo de trabalho/GAC/grupo de peritos ad hoc tiver a intenção de aceitar (seja ou não solicitado) atividades profissionais numa empresa farmacêutica (como um emprego) durante o seu mandato (quer tenha ou não sido assinado um contrato de trabalho com uma empresa), deve informar imediatamente a Agência desse facto. A Agência restringe totalmente o envolvimento desse membro nas atividades da Agência a partir da data da declaração. A Agência informa a Autoridade Investida do Poder de Nomeação de que o membro deixa de poder participar nas suas atividades […].

    Casos específicos de produtos rivais

    No caso específico dos produtos rivais (anteriormente designados produtos concorrentes), aplica‑se uma abordagem a dois níveis:

    o conceito de “produtos rivais” diz respeito às situações em que existe apenas um número muito reduzido (um a dois) de produtos rivais. O mesmo se aplica a uma marca dominante onde um produto genérico é examinado.

    no que respeita às indicações amplas, dado que são autorizados numerosos produtos para a mesma indicação, o volume existente de concorrência dilui potenciais interesses de maneira adequada.

    Em situações que se caracterizam apenas por um pequeno número de produtos rivais, conforme anteriormente referido, as consequências dizem respeito aos presidentes e vice‑presidentes dos comités científicos e dos grupos de trabalho, bem como aos relatores e outros membros que exerçam funções de direção/codireção e aos pares avaliadores oficialmente nomeados.»

    III. Antecedentes do litígio

    11.

    A Pharma Mar é uma sociedade que opera no domínio da investigação oncológica. Em 16 de novembro de 2004, obteve, nos termos do disposto no Regulamento (CE) n.o 141/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1999, relativo aos medicamentos órfãos, a designação do medicamento Aplidin como medicamento órfão para o tratamento de uma forma grave de cancro da medula óssea.

    12.

    Em 21 de setembro de 2016, a Pharma Mar apresentou à EMA um pedido de AIM do Aplidin. O procedimento de avaliação deste pedido pela EMA teve início em 27 de outubro de 2016.

    13.

    No âmbito do referido procedimento, o CHMP, responsável, por força do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004, pela emissão do parecer da EMA relativo a quaisquer questões referentes, em particular, à concessão de uma AIM de um medicamento para uso humano, emitiu, em 14 de dezembro de 2017, um parecer negativo recomendando que a Comissão indeferisse o pedido de AIM formulado pela Pharma Mar, considerando, a título principal, que a eficácia e a segurança do produto não estavam suficientemente demonstradas e que, consequentemente, os benefícios não eram superiores aos riscos incorridos.

    14.

    Em 3 de janeiro de 2018, em aplicação do artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004, a Pharma Mar apresentou à EMA um pedido de revisão do parecer do CHMP de 14 de dezembro de 2017. Além disso, esta sociedade pediu à EMA para consultar, no âmbito dessa reapreciação, em conformidade com o artigo 62.o, n.o 1, desse regulamento, um GAC.

    15.

    Assim, o GAC de oncologia, composto por cinco membros principais, seis peritos adicionais e dois representantes dos pacientes, realizou uma reunião a 7 de março de 2018 para responder às várias questões que lhe foram submetidas.

    16.

    Em 22 de março de 2018, o CHMP confirmou o seu parecer negativo de 14 de dezembro de 2017 sobre o pedido de AIM apresentado pela Pharma Mar. Este comité elaborou concomitantemente um projeto de decisão da Comissão que indeferiu esse pedido de AIM. Consequentemente, a Comissão adotou a decisão impugnada, recusando o pedido de AIM do Aplidin, em conformidade com o Regulamento n.o 726/2004. Essa decisão foi objeto do recurso para o Tribunal Geral que deu origem ao acórdão recorrido.

    IV. Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    17.

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de outubro de 2018, a Pharma Mar interpôs recurso de anulação da decisão impugnada.

    18.

    O Tribunal Geral pronunciou‑se sobre a primeira parte do primeiro fundamento, relativa à falta de imparcialidade objetiva de dois membros do GAC ( 12 ) à luz das disposições da política da EMA ou do princípio mais geral de imparcialidade baseado no artigo 41.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 13 ).

    19.

    O Tribunal Geral começou por examinar a alegação de conflitos de interesses respeitantes aos dois peritos empregados simultaneamente por um instituto universitário e um hospital universitário que colaboram em matéria de investigação e de ensino, partilhando simultaneamente pessoal e equipamentos, nomeadamente em matéria de investigação clínica.

    20.

    O Tribunal Geral observou que o hospital universitário aloja um centro de terapia celular que corresponde à definição de «empresa farmacêutica» na aceção da política da EMA, uma vez que disponibiliza pessoal de investigação e infraestruturas às empresas farmacêuticas, realiza ensaios clínicos a pedido destas e fabrica medicamentos para elas em regime de subcontratação. Notando que a política da EMA previa um alargamento da definição de «empresa farmacêutica» à pessoa singular ou coletiva controlada por ou que controla uma empresa farmacêutica, o Tribunal Geral decidiu que o próprio hospital universitário que controla o centro de terapia celular deveria ser considerado uma empresa farmacêutica e que cabia à Comissão provar o contrário.

    21.

    O Tribunal Geral acrescentou que este centro de terapia celular está encarregado da realização de ensaios clínicos e da produção de um produto rival do examinado pelo GAC, que é um medicamento órfão para o qual não existe oferta de tratamento alternativo no mercado. No entanto, o segundo perito declarou, como atividades em curso, atividades de consultoria relativamente a este produto rival, atividades de investigador principal e de investigador para dois outros produtos rivais.

    22.

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral pronunciou‑se sobre a incidência dos alegados conflitos de interesse relativos aos dois peritos na regularidade do processo.

    23.

    Por um lado, depois de ter recordado que a exigência de imparcialidade a que estão sujeitas as instituições, órgãos, gabinetes ou agências da União se estende também aos peritos consultados, o Tribunal Geral considerou que o GAC interveio no processo, no âmbito de uma garantia prestada à Pharma Mar, de reexame do seu pedido por um grupo de peritos altamente especializado no domínio do medicamento, e que, dado o seu parecer ter sido tomado em consideração pelo CHMP, o GAC pode ter tido influência no desenrolar e no desfecho do procedimento que conduziu à decisão impugnada.

    24.

    Por outro lado, o Tribunal Geral salientou que o primeiro perito tinha tido responsabilidades próprias enquanto vice‑presidente de uma reunião do GAC que incluía a de propor peritos adicionais, entre os quais se encontrava o segundo perito.

    V. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

    25.

    Pelo seu recurso no processo C‑6/21 P, a República Federal da Alemanha conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o acórdão recorrido;

    confirmar a decisão impugnada e negar provimento ao recurso;

    subsidiariamente, remeter o processo ao Tribunal Geral; e

    condenar a Pharma Mar nas despesas.

    26.

    Pelo seu recurso no processo C‑16/21 P, a República da Estónia conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o acórdão recorrido, e

    condenar as partes no pagamento das respetivas despesas com o recurso.

    27.

    A Pharma Mar conclui pedindo que os recursos sejam julgados inadmissíveis ou que lhes seja negado provimento e que as recorrentes sejam condenadas a suportar as despesas relativas aos recursos.

    28.

    Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de março de 2021, os processos C‑6/21 P e C‑16/21 P foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

    29.

    Por Decisão de 8 de julho de 2021 e por Despacho de 17 de setembro de 2021, foram admitidas as intervenções do Reino dos Países Baixos e da EMA em apoio dos pedidos da República Federal da Alemanha e da República da Estónia nos dois processos apensos.

    VI. Análise

    30.

    Antes de analisar os fundamentos do recurso, quero recordar brevemente que a EMA dispõe de um amplo poder regulamentar de harmonização.

    31.

    Com efeito, por um lado, o Regulamento n.o 726/2004, que instituiu a EMA, tem por fundamento, em especial, o artigo 95.o CE, atual artigo 114.o TFUE, que visa o estabelecimento do funcionamento do mercado interno e que o Tribunal de Justiça já declarou que confere uma margem de apreciação ao legislador da União que pode ser utilizada «designadamente, para escolher a técnica de harmonização mais adequada quando a aproximação tida em mente requeira análises físicas, químicas ou biológicas, bem como a tomada em consideração dos desenvolvimentos científicos relativos à matéria em causa» ( 14 ). Além disso, o considerando 8 deste regulamento menciona «[a] perspetiva de uma harmonização do mercado interno no que se refere aos novos medicamentos». Assim, a EMA dispõe de um amplo poder geral de harmonização.

    32.

    Por outro lado, pode ser feita uma analogia, no que respeita à política da EMA (relativa aos conflitos de interesses), com a política elaborada pela EMA relativa à transparência e ao acesso aos documentos ( 15 ). Com efeito, segundo a doutrina, esta política pode ser vista como uma medida regulamentar que aplica o direito de acesso aos documentos, como previsto no artigo 15.o, n.o 3, TFUE e no artigo 42.o da Carta ( 16 ). Além disso, o Tribunal Geral considerou, em diversas ocasiões, que, em aplicação do artigo 73.o do Regulamento n.o 726/2004, a EMA adotou as normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 ( 17 ), as quais traduzem a referida política ( 18 ). Como no caso da política da EMA (relativa aos conflitos de interesses), a política relativa à transparência e ao acesso aos documentos prevê um quadro de resultados atualizado à medida que a EMA vai adquirindo experiência em matéria de pedido de acesso aos documentos ( 19 ).

    33.

    Daqui deduzo que o Regulamento n.o 726/2004 representa uma tradução do princípio da boa administração e do artigo 42.o da Carta sobre o direito de acesso aos documentos e, uma vez que a política da EMA foi adotada com base nesse regulamento, esta pode ser analisada igualmente como uma aplicação explícita e harmonizada do direito primário.

    34.

    Acrescente‑se que este amplo poder de harmonização anda a par com um amplo poder de apreciação em matéria de prevenção dos conflitos de interesses em benefício da EMA. Com efeito, como esta última recorda nas suas observações, o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004, que atribui competência à EMA para elaborar um código de conduta em matéria de prevenção de conflitos de interesses, foi acrescentado pelo Parlamento Europeu durante a discussão do projeto para «introduzir um nível adequado de abertura e transparência, particularmente necessário no sector farmacêutico. Por outro lado, afigura-se necessário aditar um novo parágrafo relativo ao código de conduta» ( 20 ).

    A.   Quanto ao primeiro fundamento nos processos C‑6/21 P e C‑16/21 P: Violação do conceito de «empresa farmacêutica», conforme definido na secção 3.2.2. da política da EMA

    1. Argumentos das partes

    35.

    Nos seus primeiros fundamentos, a República Federal da Alemanha e a República da Estónia sustentam que o Tribunal Geral, ao equiparar o hospital universitário no seu conjunto a uma empresa farmacêutica cujos trabalhadores não podem ser peritos, infringiu a secção 3.2.2. da política da EMA e desrespeitou o direito a uma boa administração, garantido pelo artigo 41.o, n.o 1, da Carta. Entendem, apoiadas pela EMA, que esta última dispõe de um amplo poder de apreciação para elaborar um código de conduta sobre a independência dos peritos em conformidade com o artigo 63.o do Regulamento n.o 726/2004, uma vez que é a autoridade mais bem colocada para encontrar o justo equilíbrio em matéria de regras de gestão de conflitos de interesses à luz da necessidade de ter a melhor peritagem possível para avaliar os medicamentos para uso humano. Acrescentam que os hospitais universitários, embora acolham um centro de terapia celular, o qual corresponde à definição de «empresa farmacêutica», estão incluídos na categoria de investigadores independentes e organizações de investigação, incluindo universidades e sociedades científicas, devido à sua missão de investigação, e como tal estão excluídos desta definição. A EMA precisa que esta exclusão dos investigadores independentes e de outros se aplica seja qual for o grau de controlo ou de propriedade dos mesmos relativamente a uma empresa farmacêutica. Acrescenta que a interpretação adotada pelo Tribunal Geral tem consequências desproporcionadas sobre a qualidade do conselho científico, ainda que os peritos dos hospitais ou universidades estejam sujeitos a regras deontológicas rigorosas. O Reino dos Países Baixos aponta no mesmo sentido ao indicar que a interpretação adotada pelo Tribunal Geral restringiria drasticamente a possibilidade de recrutar peritos independentes e, além disso, só funcionaria em detrimento dos peritos de um GAC nomeados pela EMA e não dos que participassem numa reunião do GAC a pedido de uma empresa farmacêutica.

    36.

    Pelo contrário, a Pharma Mar alega que a margem de apreciação da EMA para estabelecer uma política de conflitos de interesses não é ilimitada e que, se uma hipótese não estiver prevista nessa política (hospitais universitários ou produtos rivais), há que aplicar os princípios jurisprudenciais relativos ao respeito da exigência de imparcialidade objetiva destinados a excluir qualquer dúvida legítima quanto a um eventual juízo antecipado. Ora, no caso em apreço, o centro de terapia celular do hospital universitário está envolvido no desenvolvimento de um produto rival do Aplidin, sem que um terceiro observador possa facilmente apreciar se a imparcialidade objetiva é respeitada, dado que este centro não é juridicamente distinto do hospital universitário, e sem que a Comissão tenha provado a falta de controlo entre o hospital universitário e esse centro.

    2. Apreciação

    37.

    A análise deste fundamento requer uma decisão sobre dois elementos: por um lado, o âmbito de aplicação do conceito de «institutos de investigação» mencionados como estando excluídos da definição de «empresa farmacêutica» na secção 3.2.2., quarto ponto, quarto parágrafo, da política da EMA e, por outro, a aplicação do conceito de «controlo» previsto no terceiro parágrafo deste quarto ponto às pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação da exceção ao conceito de «empresa farmacêutica».

    38.

    Antes de abordar estes dois elementos, quero recordar que todas as partes estão de acordo em admitir que o centro de terapia celular em causa no caso em apreço é uma empresa farmacêutica, na aceção da secção 3.2.2. da política da EMA, e que, consequentemente, as pessoas que nele trabalham não podem ser nomeadas peritos com base na secção 4.2.1.2., segundo ponto, desta política.

    39.

    Primeiro, relativamente ao âmbito de aplicação do conceito de «institutos de investigação», é ponto assente que os hospitais universitários não são mencionados como tais na lista de organizações excluídas da definição de «empresa farmacêutica» na secção 3.2.2., quarto ponto, quarto parágrafo, da política da EMA, que se limita a mencionar os «investigadores independentes e os institutos de investigação, incluindo as universidades e as sociedades científicas». No entanto, este argumento literal não me parece suficiente para decidir a questão.

    40.

    De facto, por um lado, o objetivo explícito da política da EMA é recordado na secção 4.1. e consiste em garantir a imparcialidade dos peritos através da ausência de interesses na indústria farmacêutica, preservando simultaneamente a necessidade de obter os melhores conhecimentos científicos especializados. Assim, esta política caracteriza‑se por uma ponderação entre a inexistência de conflitos de interesses e a exigência de uma perícia científica de alto nível. É inegável que a exceção em benefício dos institutos de investigação, incluindo as universidades, se baseia nesta exigência. Além disso, a jurisprudência exige que um comité de peritos, para que possa cumprir a sua missão, seja «composto por pessoas que possuem os conhecimentos científicos exigidos nos diferentes domínios em questão, ou [que] os seus membros benefici[em] do conselho de peritos que detêm esses conhecimentos» ( 21 ).

    41.

    Neste sentido, a exigência de qualidade científica justifica que se considerem os hospitais universitários como institutos de investigação ou universidades.

    42.

    Por outro lado, existe uma equiparação dos hospitais universitários, do mesmo modo que os institutos de investigação, aos organismos de investigação no considerando 12 da Diretiva (UE) 2019/790 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital e que altera as Diretivas 96/9/CE e 2001/29/CE ( 22 ), que enuncia que «[o]s organismos de investigação de toda a União englobam uma grande variedade de entidades cujo principal objetivo é a realização de investigação científica ou de investigação conjugada com a prestação de serviços de ensino. […] Estes organismos deverão abranger, por exemplo, para além das universidades ou outras instituições de ensino superior e respetivas bibliotecas, também entidades como institutos de investigação e hospitais que se consagrem à investigação». Assim, no domínio da propriedade intelectual, o hospital universitário é considerado um instituto de investigação.

    43.

    Consequentemente, é possível retirar da finalidade de exigência de qualidade científica, e da vontade do legislador da União noutro domínio, a conclusão de que os hospitais universitários devem ser considerados institutos de investigação, na aceção da secção 3.2.2., quarto ponto, quarto parágrafo, da política da EMA.

    44.

    Segundo, a etapa seguinte do raciocínio consiste em saber se os institutos de investigação excluídos da definição de «empresa farmacêutica» estão sujeitos ao critério de controlo ascendente, descendente ou conjunto previsto pela secção 3.2.2., quarto ponto, terceiro parágrafo, da política da EMA. Com efeito, esta disposição diz respeito às pessoas singulares ou coletivas que não estão abrangidas pela definição de «empresa farmacêutica», mas que controlam, são controladas ou estão colocadas sob o controlo comum de uma empresa farmacêutica e, a esse título, são consideradas empresas farmacêuticas.

    45.

    Este parágrafo visa pessoas que não correspondem, enquanto tais, à definição de «empresa farmacêutica», mas cujo controlo leva a considerá‑las como tal para prevenir conflitos de interesses. A secção 3.2.2., quarto ponto, quarto parágrafo, relativa aos investigadores independentes e aos institutos de investigação, prevê a regra inversa, a saber, que pessoas ou entidades que possam ser consideradas empresas farmacêuticas (incluindo por via de controlo) estão excluídas do âmbito de aplicação desta definição.

    46.

    No caso em apreço, na audiência, a República da Estónia referiu que, se o critério do controlo de um centro de terapia celular levasse a considerar o hospital universitário como uma empresa farmacêutica, deixaria de estar em condições de manter os peritos atualmente propostos à EMA, nos termos do artigo 62.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004, uma vez que todas essas pessoas dependem do único hospital universitário do país. Ora, este hospital conta com um centro de terapia celular no qual trabalham quatro pessoas, enquanto o hospital emprega 4800 pessoas, das quais 200 médicos e 197 internos ( 23 ). Assim, o critério do controlo equivale a excluir da possibilidade de ser perito para a EMA um grande número de pessoas proporcionalmente ao número de pessoas que efetivamente trabalham na estrutura qualificada de «empresa farmacêutica», e isto em detrimento da exigência de qualificação científica. Consequentemente, a exclusão de todo o pessoal hospitalar, à semelhança da de todos os empregados de uma empresa farmacêutica, unicamente devido a pertencerem a uma estrutura, parece ir além do equilíbrio pretendido pela política da EMA em matéria de conflitos de interesses, mesmo que o hospital universitário não tenha por principal objetivo o fabrico de medicamentos, ao contrário de uma empresa farmacêutica.

    47.

    À luz da redação da secção 3.2.2. da política da EMA, não me parece possível fazer uma distinção entre os diferentes tipos de controlos enunciados no quarto ponto, terceiro parágrafo, desta secção, ainda que, no caso em apreço, esteja em causa apenas o controlo do centro de terapia celular, qualificado de «empresa farmacêutica», pelo hospital, e não o controlo de um hospital por uma empresa farmacêutica, por exemplo. Por conseguinte, afirmar que o critério de controlo não é relevante para a qualificação de um hospital universitário de «empresa farmacêutica» leva a excluir todos os tipos de controlo.

    48.

    Todavia, esta interpretação não conduz à inexistência de qualquer controlo quanto a um eventual conflito de interesses para o pessoal de um hospital universitário, empregado fora do centro de terapia celular. De facto, individualmente, qualquer perito da EMA continua sujeito às regras aplicáveis aos conflitos de interesse. Assim, o equilíbrio entre a prevenção de conflitos de interesses e o nível científico dos peritos é preservado.

    49.

    Da mesma forma, parece‑me suficiente que o serviço em questão seja claramente identificável, bem como o pessoal que lhe é afeto, sem que se exija autonomia jurídica. Com efeito, a partir do momento em que toda a prevenção dos conflitos de interesses, conforme organizada pela EMA, assenta nas declarações dos peritos, não parece mais complicado que um terceiro obtenha informações sobre o lugar ocupado por um trabalhador num hospital cujos serviços estão claramente identificados do que noutro organismo. Cabe à EMA assegurar que as declarações dos peritos mostrem de forma evidente se a pessoa trabalha numa empresa farmacêutica na aceção da sua política.

    50.

    Deduzo de todas estas considerações que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que o hospital universitário era uma empresa farmacêutica unicamente em virtude de este deter o controlo de um centro de terapia celular, ele próprio qualificado de «empresa farmacêutica», na aceção da secção 3.2.2. da política da EMA.

    B.   Quanto ao segundo fundamento no processo C‑6/21 P: violação do ónus da prova

    1. Argumentos das partes

    51.

    Quanto ao segundo fundamento no processo C‑6/21 P, a República Federal da Alemanha considera que o Tribunal Geral inverteu o ónus da prova ao acusar a Comissão de não ter apresentado provas da existência de uma estrutura jurídica distinta que acolhia o centro de terapia celular e da inexistência de controlo do hospital sobre este, quando, na falta de prova dessa fiscalização, o Tribunal Geral não devia ter qualificado o hospital universitário de «empresa farmacêutica».

    2. Apreciação

    52.

    Devido à interpretação proposta da secção 3.2.2. da política da EMA no exame do fundamento anterior, considero que o Tribunal Geral inverteu o ónus da prova ao inferir da falta de prova da inexistência de controlo do hospital sobre o centro de terapia celular a existência de um controlo do primeiro sobre o segundo. Em qualquer caso, este argumento pode ser considerado inoperante, uma vez que o critério do controlo não é acolhido em relação aos institutos de investigação.

    C.   Quanto ao terceiro fundamento no processo C‑6/21 P e ao segundo fundamento no processo C‑16/21 P: violação do conceito de «produto rival»

    1. Argumentos das partes

    53.

    O terceiro fundamento no processo C‑6/21 P e o segundo fundamento no processo C‑16/21 P são relativos à violação do conceito de «produtos rivais», na aceção da secção 4.2.1.2. da política da EMA.

    54.

    Com a primeira parte destes fundamentos, a República Federal da Alemanha e a República da Estónia, apoiadas pela EMA, consideram que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não declarar que o segundo perito era apenas um membro ordinário do GAC, não abrangido, a esse título, pela regra de conflito de interesses ligada à participação no desenvolvimento de um produto rival. Precisam que, segundo o anexo 1 da política da EMA, as restrições ligadas ao desenvolvimento de um produto rival só abrangem determinadas pessoas com funções bem definidas, nomeadamente os presidentes e vice‑presidentes dos comités científicos, tendo em conta o seu papel determinante no resultado da avaliação.

    55.

    Pelo contrário, a Pharma Mar alega que estes fundamentos têm por objeto um elemento desnecessário do raciocínio do Tribunal Geral e que um erro quanto a este aspeto não tem consequências. A título subsidiário, alega que a conclusão relativa ao primeiro perito não é contestada. Acrescenta que esta parte é inadmissível por visar apenas a obtenção de um novo exame dos factos. Contesta igualmente que o segundo perito fosse um membro ordinário do GAC, uma vez que foi designado como membro adicional, devido à raridade da doença, e que, como tal, a sua nomeação devesse ter sido rodeada de mais garantias do que para um membro ordinário.

    56.

    A segunda parte dos fundamentos critica o erro de direito cometido pelo Tribunal Geral relativamente ao conceito de «produtos rivais», na aceção da secção 4.2.1.2. da política da EMA, e a má aplicação deste conceito. A República Federal da Alemanha e a República da Estónia, apoiadas pela EMA, precisam que a política da EMA só prevê uma regra de conflitos de interesses para o perito que participa no desenvolvimento de um produto rival se houver um ou dois produtos rivais para a indicação terapêutica para a qual a AIM é solicitada. Acrescentam que o Tribunal Geral considerou erradamente que, sendo o Aplidin um medicamento órfão, havia pouco ou nenhum tratamento alternativo disponível no mercado. A EMA precisa que existem pelo menos quinze medicamentos para a indicação terapêutica solicitada e que, por força do seu poder discricionário, considera que os medicamentos órfãos devem ser sujeitos às mesmas regras de avaliação que os outros medicamentos.

    57.

    A Pharma Mar sustenta que este argumento é infundado, uma vez que a verificação de um potencial conflito de interesses, face ao silêncio da política da EMA sobre medicamentos órfãos, devia ser mais rigorosa no caso de uma AIM para um medicamento desse tipo. A título subsidiário, contesta a existência de um erro manifesto de apreciação por parte do Tribunal Geral relativamente ao número de produtos rivais do Aplidin.

    2. Apreciação

    58.

    A título preliminar, é de notar que na secção 4.2.1.2. da política da EMA, o conceito de «produtos concorrentes» foi substituído pelo de «produtos rivais».

    59.

    Além disso, esta secção enuncia claramente que, quando exista apenas um ou dois produtos rivais, as consequências, em termos de conflitos de interesses, «terão a ver com os presidentes e vice‑presidentes dos comités científicos e dos grupos de trabalho, bem como com os relatores e outros membros que exerçam funções de direção/codireção e com os pares avaliadores oficialmente nomeados». Assim, o simples facto de se trabalhar num produto rival não é suficiente para qualificar um conflito de interesses. Por conseguinte, os fundamentos referem‑se às duas condições cumulativas desta regra, a saber, por um lado, a função do perito em causa no grupo de trabalho e, por outro, o número de produtos rivais em causa.

    60.

    Primeiro, a política da EMA prevê regras unicamente para certas funções que conferem ao seu titular, a priori, mais peso na decisão do que a um simples membro. Além disso, este texto não distingue os membros principais dos membros adicionais, sendo todos considerados como simples membros. Assim, o segundo perito, membro adicional do GAC, não preenche a primeira condição para que as regras relativas aos produtos rivais se possam aplicar.

    61.

    Daqui resulta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao aplicar as regras específicas aos produtos rivais, quando o segundo perito era um simples membro do GAC.

    62.

    Segundo, o simples facto de o Aplidin ser um medicamento órfão não é suficiente para desencadear a aplicação das regras relativas aos produtos rivais, uma vez que a política da EMA não prevê regras específicas para os medicamentos órfãos, considerando, por força do seu poder de apreciação resultante do seu amplo poder de harmonização ( 24 ), que estes últimos devem ser sujeitos às mesmas exigências que qualquer medicamento aquando do exame prévio à sua introdução no mercado ( 25 ).

    63.

    Pelo contrário, o simples facto de o CellProtect, medicamento produzido no centro de terapia celular em causa e que beneficia dos conselhos do segundo perito, corresponder à definição de «produto rival» prevista na secção 3.2.2., primeiro ponto, da política da EMA, também não basta para desencadear a aplicação dessas regras. É ainda necessário que estes existam apenas em número muito reduzido, a saber, um ou dois. Ora, resulta das próprias constatações do Tribunal Geral no n.o 69 do acórdão recorrido que existem três produtos rivais do Aplidin nos quais o segundo perito trabalha (CellProtect, Daratumumab, Isatuximab). Além disso, a EMA recorda que o relatório do CHMP relativo ao Aplidin, apresentado ao Tribunal Geral, indica que o cenário terapêutico para o mieloma múltiplo compreende pelo menos quinze medicamentos.

    64.

    Assim, ao decidir que o simples facto de trabalhar em produtos rivais, sem provar que estes eram apenas um ou dois, colocava o segundo perito em situação de conflito de interesses, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. Por outro lado, ao não ter em conta a existência de quinze medicamentos para a indicação terapêutica solicitada pela Pharma Mar para o seu medicamento, o Tribunal Geral cometeu um erro manifesto de apreciação.

    65.

    Por conseguinte, o terceiro fundamento no processo C‑6/21 P e o segundo fundamento no processo C‑16/21 P devem ser julgados integralmente procedentes.

    D.   Quanto ao quarto fundamento no processo C‑6/21 P e ao terceiro fundamento no processo C‑16/21 P: inobservância do papel dos peritos e da sua influência no GAC e falta de influência decisiva do segundo perito

    1. Argumentos das partes

    66.

    O quarto fundamento no processo C‑6/21 P e o terceiro fundamento no processo C‑16/21 P dizem respeito à falta de influência decisiva dos dois peritos. A República da Estónia argumenta que, a partir do momento em que o hospital universitário não é considerado uma empresa farmacêutica, o simples facto de o primeiro perito, que presidiu a uma reunião do GAC, na qualidade de vice‑presidente do grupo, ser funcionário desse hospital não basta para criar uma situação de conflito de interesses. No que respeita ao segundo perito, a República Federal da Alemanha e a República da Estónia alegam que, enquanto membro ordinário do GAC, não tinha um papel preponderante, apesar de a imparcialidade do GAC ser garantida pela sua colegialidade.

    67.

    Inversamente, a Pharma Mar contesta a qualidade de membro ordinário do segundo perito, uma vez que foi nomeado como membro adicional do GAC, devido à necessidade de peritagem específica.

    2. Apreciação

    68.

    Uma vez que as razões pelas quais a imparcialidade dos dois peritos foi posta em causa pelo Tribunal Geral, a saber, serem funcionários do hospital universitário e, quanto ao segundo perito, ter trabalhado em produtos rivais, estão excluídas após o raciocínio que propus na análise do primeiro fundamento nos processos C‑6/21 P e C‑16/21 P, bem como do terceiro fundamento no processo C‑6/21 P e do segundo fundamento no processo C‑16/21 P, não é necessário analisar o quarto fundamento no processo C‑6/21 P e o terceiro fundamento no processo C‑16/21 P.

    69.

    Em conclusão, o acórdão do Tribunal Geral deve, na minha opinião, ser anulado.

    VII. Quanto à remessa do processo ao Tribunal Geral

    70.

    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

    71.

    No caso em apreço, considero que o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos necessários para decidir definitivamente quanto ao mérito do recurso, o que implica a análise de elementos que não foram apreciados pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido nem debatidos no Tribunal de Justiça.

    72.

    Por conseguinte, considero necessário remeter o processo ao Tribunal Geral, reservando para final a decisão quanto às despesas, para que este decida o litígio na sua totalidade.

    VIII. Conclusão

    73.

    Tendo em conta todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça:

    1)

    Anule o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 28 de outubro de 2020, no Processo Pharma Mar/Comissão (T‑594/18, não publicado, EU:T:2020:512).

    2)

    Remeta o processo ao Tribunal Geral da União Europeia.

    3)

    Reserve para final a decisão quanto às despesas.


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) T‑594/18, a seguir «acórdão recorrido», não publicado, EU:T:2020:512.

    ( 3 ) A seguir «decisão impugnada».

    ( 4 ) JO 2004, L 136, p. 1.

    ( 5 ) JO 2012, L 316, p. 38, a seguir «Regulamento n.o 726/2004».

    ( 6 ) JO 1987, L 15, p. 38.

    ( 7 ) A seguir «CHMP».

    ( 8 ) JO 2000, L 18, p. 1.

    ( 9 ) EMA/385894/2012 rev.1.

    ( 10 ) EMA/626261/2014, Rev. 1, a seguir «política da EMA».

    ( 11 ) A seguir «GAC».

    ( 12 ) A seguir, respetivamente, «primeiro perito» e «segundo perito» ou, em conjunto, «dois peritos».

    ( 13 ) A seguir «Carta».

    ( 14 ) Acórdão de 6 de dezembro de 2005, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑66/04, EU:C:2005:743, n.o 46).

    ( 15 ) European Medicines Agency policy on access to documents (related to medicinal products for human and veterinary use) [Política da [EMA] sobre o acesso aos documentos (relativos aos medicamentos para uso humano e veterinário)] (EMA/110196/2006), de 30 de novembro de 2010. Esta política foi substituída pela da European Medicines Agency policy on access to documents (Política da [EMA] sobre o acesso aos documentos) (EMA/729522/2016), de 4 de outubro de 2018.

    ( 16 ) V. Kim, D., «Transparency Policies of the European Medicines Agency: Has the Paradigm Shifted?», in Medical Law Review, Oxford University Press, Oxford, 2017, Vol. 25, n.o 3, pp. 456 a 483, em particular, p. 463.

    ( 17 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 30 de maio de 2001 relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).

    ( 18 ) V. Acórdãos de 5 de fevereiro de 2018, Pari Pharma/EMA (T‑235/15, EU:T:2018:65, n.os 58 e 59); de 5 de fevereiro de 2018, PTC Therapeutics International/EMA (T‑718/15, EU:T:2018:66, n.os 54 e 55); de 5 de fevereiro de 2018, MSD Animal Health Innovation e Intervet international/EMA (T‑729/15, EU:T:2018:67, n.os 39 e 40), e de 25 de setembro de 2018, Amicus Therapeutics UK e Amicus Therapeutics/EMA (T‑33/17, não publicado, EU:T:2018:595, n.os 48 e 49).

    ( 19 ) V. documento EMA/127362/2006, Rev. 1, 4 de outubro de 2018.

    ( 20 ) V. projeto de resolução legislativa do Parlamento Europeu sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece procedimentos comunitários de autorização, fiscalização e farmacovigilância no que respeita aos medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos [COM(2001) 404 ‑ C5‑0591/2001 ‑ 2001/0252 (COD)], integrado no relatório sobre esta proposta, de 7 de outubro de 2002; disponível no seguinte endereço Internet https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A‑5‑2002‑0330_FR.html#_section2. V., nomeadamente, alteração 111 da referida proposta.

    ( 21 ) Acórdão de 9 de setembro de 2010, Now Pharm/Comissão (T‑74/08, EU:T:2010:376, n.o 76), relativo a um procedimento de designação de medicamentos órfãos.

    ( 22 ) JO 2019, L 130, p. 92.

    ( 23 ) Da mesma forma, na audiência, a República Federal da Alemanha explicou que o maior hospital universitário da Alemanha (o Charité em Berlim) empregava 20900 pessoas, das quais apenas 100 trabalham numa unidade de fabrico de medicamentos de natureza comercial.

    ( 24 ) V. n.os 30 a 34 das presentes conclusões.

    ( 25 ) V. considerando 8 e anexo, pontos 3 e 4, do Regulamento n.o 726/2004.

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