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Document 62020TJ0480

    Acórdão do Tribunal Geral (Primeira Secção alargada) de 1 de março de 2023 (Extratos).
    Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics SAE e Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE contra Comissão Europeia.
    Subvenções — Importações de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro originários da China e do Egito — Regulamento de Execução (UE) 2020/776 — Direito de compensação definitivo — Cálculo do montante da subvenção — Imputabilidade da subvenção — Direitos de defesa — Erro manifesto de apreciação — Sistema de devolução de direitos de importação — Tratamento fiscal das perdas cambiais — Cálculo da margem de subcotação.
    Processo T-480/20.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2023:90

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção alargada)

    1 de março de 2023 ( *1 )

    «Subvenções — Importações de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro originários da China e do Egito — Regulamento de Execução (UE) 2020/776 — Direito de compensação definitivo — Cálculo do montante da subvenção — Imputabilidade da subvenção — Direitos de defesa — Erro manifesto de apreciação — Sistema de devolução dos direitos de importação — Tratamento fiscal das perdas cambiais — Cálculo da margem de subcotação»

    No processo T‑480/20,

    Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics SAE, com sede em Ain Soukhna (Egito),

    Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE, com sede em Ain Soukhna,

    representadas por B. Servais e V. Crochet, advogados,

    recorrentes,

    contra

    Comissão Europeia, representada por P. Kienapfel, G. Luengo e P. Němečková, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    apoiada por

    Tech‑Fab Europe eV, com sede em Frankfurt am Main (Alemanha), representada por L. Ruessmann e J. Beck, advogados,

    interveniente,

    O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção alargada),

    composto, na deliberação, por: H. Kanninen, presidente, M. Jaeger, N. Półtorak, O. Porchia e M. Stancu (relator), juízes,

    secretário: M. Zwozdziak‑Carbonne, administradora,

    vistos os autos,

    após a audiência de 22 de março de 2022,

    profere o presente

    Acórdão ( 1 )

    1

    Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, as recorrentes, a Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics SAE (a seguir «Hengshi») e a Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE (a seguir «Jushi»), pedem a anulação do Regulamento de Execução (UE) 2020/776 da Comissão, de 12 de junho de 2020, que institui direitos de compensação definitivos sobre as importações de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro originários da República Popular da China e do Egito e que altera o Regulamento de Execução (UE) 2020/492 da Comissão, que institui direitos antidumping definitivos sobre as importações de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro originários da República Popular da China e do Egito (JO 2020, L 189, p. 1) (a seguir «regulamento de execução impugnado»), na medida em que lhes diz respeito.

    I. Antecedentes do litígio

    2

    As recorrentes são duas sociedades constituídas em conformidade com a legislação da República Árabe do Egito, cujos acionistas são entidades chinesas. Pertencem ambas ao grupo China National Building Material (CNBM) (a seguir «Grupo CNBM»). A atividade das recorrentes consiste na produção e exportação de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro (a seguir «TFV») e de mechas ligeiramente torcidas (rovings) de fibra de vidro (a seguir «MSFV»). Estas últimas constituem a principal matéria‑prima utilizada para produzir TFV. Estes produtos são vendidos, nomeadamente, na União Europeia.

    A.   Quanto à Zona de Cooperação Económica e Comercial do Suez entre a China e o Egito

    3

    As duas recorrentes estão estabelecidas na Zona de Cooperação Económica e Comercial do Suez entre a China e o Egito (a seguir «Zona CECS»). A Zona CECS foi criada conjuntamente pela República Árabe do Egito e pela República Popular da China. As suas origens remontam aos anos noventa. Em 1997, os primeiros‑ministros da China e do Egito assinaram um protocolo de acordo, em que os dois países acordaram «cooperar no desenvolvimento da zona económica livre no norte do Golfo do Suez».

    4

    Em 2002, uma zona geográfica mais vasta de 20 km2, que incluía a Zona CECS, foi classificada como zona económica especial pelo Governo do Egito, tornando assim aplicável à Zona CECS a Lei n.o 83/2002 do Egito Relativa às zonas Económicas Especiais (a seguir «Lei n.o 83/2002»).

    5

    Em seguida, as entidades públicas chinesas e egípcias criaram a empresa Egypt TEDA Investment Co (a seguir «Egypt TEDA»), da qual a China detém 80 % das ações e o Egito os restantes 20 %.

    6

    Em 2012, durante uma visita do presidente do Egito à China, este último descreveu a Zona CECS como um projeto‑chave para a cooperação bilateral entre os dois países. Manifestou igualmente a intenção de que cada vez mais empresas chinesas investissem na Zona CECS, participando assim no programa de recuperação do Egito.

    7

    Em 2013, a Zona CECS foi alargada em 6 km2, ao abrigo de um contrato entre a Egypt TEDA e as autoridades egípcias. A partir do mesmo ano, a Zona CECS foi desenvolvida no âmbito da iniciativa chinesa «Uma Cintura, Uma Rota». Segundo as Orientações do Conselho de Estado Chinês sobre a Promoção da Cooperação Internacional para a Capacidade de Produção e Fabrico de Equipamento, de 13 de maio de 2015, esta iniciativa inclui a possibilidade de as empresas «que se decidam pelo estrangeiro» beneficiarem de políticas fiscais favoráveis e apoio financeiro, empréstimos em condições preferenciais, apoio financeiro concedido através de empréstimos sindicados, créditos à exportação e financiamento de projetos, investimento em capitais próprios e seguros de crédito à exportação.

    8

    Em 2015, a zona económica especial referida no n.o 4, supra, da qual a Zona CECS fazia parte, foi oficialmente incluída na Zona Económica do Canal do Suez (a seguir «Zona CS»), uma zona mais vasta, que engloba a região em torno do Canal do Suez e regulada pela Lei n.o 83/2002, no contexto do «Plano de Desenvolvimento do Corredor do Canal do Suez» lançado pelo Egito.

    9

    Em 2016, os presidentes da China e do Egito inauguraram oficialmente o projeto de alargamento do setor de expansão de 6 km2 da Zona CECS e, em 21 de janeiro de 2016, assinaram um acordo entre os Governos da China e do Egito (a seguir «acordo de cooperação de 2016»), que clarificou a importância e o estatuto jurídico da Zona CECS.

    10

    Em conformidade com o acordo de cooperação de 2016, os Governos dos dois países desenvolvem conjuntamente a Zona CECS. A sua execução decorre no quadro das respetivas estratégias nacionais, a saber, relativamente à China, a iniciativa «Uma Cintura, Uma Rota», e, por outro, relativamente ao Egito, o Plano de Desenvolvimento do Corredor do Canal de Suez. Para o efeito, o Governo do Egito disponibiliza terrenos e mão de obra e oferece algumas isenções reduções fiscais; ao passo que as empresas chinesas ativas na zona exploram as instalações de produção com os seus ativos e os seus gestores. Para compensar a falta de fundos do Egito, o Governo da China apoia ainda este projeto disponibilizando os recursos financeiros necessários à TEDA Egito e às empresas chinesas ativas na Zona CECS.

    B.   Quanto ao processo que levou à adoção do regulamento de execução impugnado

    11

    Na sequência de uma denúncia apresentada pela interveniente, a Tech‑Fab Europe eV, em 1 de abril de 2019, ao abrigo do artigo 10.o do Regulamento (UE) 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra as importações que são objeto de subvenções de países não membros da União Europeia (JO 2016, L 176, p. 55, a seguir «regulamento antissubvenções de base»), em nome de produtores que representavam mais de 25 % da produção total de TFV da União, a Comissão deu início, com base neste artigo, a um inquérito antissubvenções relativo às importações na União de TFV originários da China e do Egito. Em 16 de maio de 2019, a Comissão publicou um aviso de início no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2019, C 167, p. 11).

    12

    Mais concretamente, como resulta do considerando 127 do regulamento de execução impugnado, o produto objeto do inquérito é constituído por têxteis tecidos e/ou agulhados de mechas e/ou fios de filamentos contínuos de fibra de vidro, com ou sem outros elementos, com exclusão dos produtos que forem impregnados ou pré‑impregnados e dos tecidos de malha aberta, cujas células sejam de dimensão superior a 1,8 mm, tanto em comprimento como em largura e de peso superior a 35 g/m2, atualmente classificados nos códigos NC ex70193900, ex70194000, ex70195900 e ex70199000 (códigos TARIC 7019390080, 7019400080, 7019590080 e 7019900080).

    13

    O inquérito relativo às subvenções e ao prejuízo abrangeu o período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2018. A análise das tendências pertinentes para a avaliação do prejuízo e do nexo de causalidade abrangeu o período compreendido entre de 1 de janeiro de 2015 e o final do período de inquérito.

    14

    Durante o período de inquérito, a Jushi produziu simultaneamente TFV e MFV. A Jushi utilizou as suas MFV autoproduzidas para produzir TFV, mas também vendeu MFV a clientes independentes, tanto no Egito como no estrangeiro, e à Hengshi. Esta última fabricou TFV a partir de MFV compradas à Jushi, bem como a outra sociedade coligada e a uma sociedade independente, ambas estabelecidas na China.

    15

    A Jushi vendeu TFV diretamente a clientes independentes no Egito e na União. Também exportou TFV para três clientes coligados na União, a saber, a Jushi Spain SA, a Jushi France SAS e a Jushi ltalia Srl. Além disso, a Jushi vendeu TFV na União por intermédio de uma sociedade coligada estabelecida fora da União, a Jushi Group (HK) Sinosia Composite Materials Co. Ltd. As vendas de TFV efetuadas pela Jushi na União representavam cerca de [confidencial] ( 2 ) % das vendas totais desse produto realizadas pelas recorrentes durante o período de inquérito.

    16

    A Hengshi, que só produz TFV, não vendeu o referido produto no mercado egípcio, mas na União, diretamente a clientes independentes e por intermédio de uma sociedade coligada estabelecida União, a Huajin Capital Ltd. As vendas de TFV efetuadas pela Hengshi na União representavam cerca de [confidencial] % das vendas totais deste produto realizadas pelas recorrentes durante o período de inquérito.

    17

    Em 21 de fevereiro de 2019, a Comissão deu início a um inquérito antidumping distinto, relativo às importações na União de TFV originários da China e do Egito (a seguir «inquérito antidumping paralelo»). Em 7 de junho de 2019, a Comissão iniciou igualmente um inquérito antissubvenções relativo às importações de MFV originárias do Egito (a seguir «inquérito antissubvenções paralelo sobre as MFV»).

    18

    Em 14 de junho de 2019, as recorrentes apresentaram observações sobre as subvenções, o prejuízo e o interesse da União. Apresentaram a sua resposta ao questionário antissubvenções em 1 de julho de 2019. Em 27 de setembro de 2019, transmitiram a sua resposta ao pedido de informações da Comissão. Esta efetuou visitas de verificação nas instalações das recorrentes e nas das sociedades coligadas com as recorrentes.

    19

    Em 26 de julho de 2019, o Governo do Egito apresentou a sua resposta ao questionário antissubvenções. Em 15 de outubro de 2019, apresentou a sua resposta ao pedido adicional de informações da Comissão. Em 23 de dezembro de 2019, esta última informou o Governo do Egito da sua intenção de aplicar o artigo 28.o do regulamento antissubvenções de base, tendo em conta certas informações relativas ao quadro jurídico e institucional e à existência de acordos intergovernamentais entre a República Popular da China e a República Árabe do Egito relativos à Zona CECS. Em 3 de janeiro de 2020, o Governo do Egito respondeu à Comissão e transmitiu‑lhe os esclarecimentos pedidos.

    20

    Em 27 de fevereiro de 2020, a Comissão enviou às recorrentes a divulgação final, sobre a qual estas apresentaram as suas observações em 20 de março de 2020. Teve lugar uma audição com a Comissão sobre essa divulgação.

    21

    Em 17 de abril de 2020, a Comissão adotou uma divulgação final adicional, sobre a qual as recorrentes apresentaram as suas observações em 22 de abril de 2020. Teve lugar uma audição com a Comissão sobre essa divulgação.

    22

    Em 12 de junho de 2020, a Comissão adotou o regulamento de execução impugnado. Esse regulamento de execução foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 15 de junho de 2020 e entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação.

    23

    O referido regulamento institui um direito de compensação definitivo de 10,9 % sobre as importações dos TFV das recorrentes com destino à União.

    II. Pedidos das partes

    24

    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    anular o regulamento de execução impugnado na medida em que lhes diz respeito;

    condenar a Comissão nas despesas;

    condenar a interveniente a suportar as suas próprias despesas.

    25

    A Comissão e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar as recorrentes nas despesas.

    III. Questão de direito

    [Omissis]

    B.   Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 2.o, alíneas a) e b), do artigo 3.o, ponto 1, alínea a), e do artigo 4.o, n.os 2 e 3, do regulamento antissubvenções de base

    [Omissis]

    1. Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativo à violação do artigo 2.o, alíneas a) e b), e do artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base

    71

    As recorrentes invocam três alegações principais em apoio desta parte do fundamento. Primeiro, na opinião delas, a interpretação feita pela Comissão do artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base não é justificada à luz do direito da União. Segundo, a invocação, pela Comissão, do direito da OMC para interpretar o artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento deste regulamento não tem fundamento. Terceiro, a interpretação feita pela Comissão do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), 1), do Acordo sobre as subvenções e as medidas de compensação (a seguir «Acordo SMC»), não respeita a jurisprudência da OMC e o direito internacional público.

    72

    Em apoio da primeira alegação, as recorrentes sustentam que decorre de uma interpretação literal do artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base, cuja redação é clara e precisa e não necessita de ser interpretada nem à luz da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (a seguir «Convenção de Viena»), nem do Projeto sobre a Responsabilidade dos Estados por atos internacionalmente ilícitos (a seguir «artigos da CDI»), que não só os poderes públicos que fazem a contribuição financeira, mas também a própria contribuição financeira, se devem situar no território do país de origem ou de exportação. Esta interpretação é sustentada pelo contexto global do regulamento antissubvenções de base, nomeadamente pelos seus artigos 10.o, n.o 7, e 13.o, n.o 1.

    73

    Em apoio da segunda alegação, as recorrentes alegam que a Comissão errou ao interpretar o artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base à luz do direito da OMC. Indicam que, embora, segundo a jurisprudência, o juiz da União possa fiscalizar a legalidade de um ato da União Europeia à luz das regras da OMC quando a União pretenda dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito da OMC, no presente caso, não pode ser invocada uma interpretação à luz do direito da OMC relativamente às disposições do regulamento antissubvenções de base que difiram das disposições do Acordo SMC. Ora, segundo as recorrentes, os termos do Acordo SMC diferem claramente dos termos utilizados por esse regulamento no que diz respeito à definição do conceito de «subvenção».

    74

    Em apoio da terceira alegação, as recorrentes argumentam que, admitindo que o direito da OMC deve ser tido em conta na interpretação da expressão «poderes públicos» no regulamento antissubvenções de base, a interpretação feita pela Comissão do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), 1), do Acordo SMC continua a ser incorreta, na medida em que ignora o artigo 31.o, n.os 1 e 3, da Convenção de Viena. Com efeito, decorre claramente deste artigo do Acordo SMC que os atos do Estado de um país terceiro não podem ser atribuídos ao Estado do país de origem ou de exportação. Esta interpretação é confirmada por outras disposições do Acordo SMC, como o artigo 13.o, n.os 1, 2 e 4, e o artigo 18.o, n.o 1, alínea a).

    75

    Além disso, o artigo 11.o da CDI não é uma regra de direito internacional «pertinente», na aceção do artigo 31.o, n.o 3, alínea c), da Convenção de Viena, para efeitos da interpretação do termo «Estado», que figura no artigo 1.o, n.o 1, alínea a, 1), do Acordo SMC. O Órgão de Recurso da OMC não teve um entendimento diferente no processo «Estados Unidos — direitos antidumping e direitos compensatórios definitivos sobre certos produtos provenientes da China» (WT/DS 379/AB/R). Na réplica, as recorrentes acrescentam que, se a lei aplicável nesse inquérito tivesse sido o Acordo SMC em vez do regulamento antissubvenções de base, a Comissão poderia ter qualificado as contribuições financeiras concedidas pelas entidades chinesas às recorrentes como subvenções, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Acordo SMC, sem ter de «atribuir» essas contribuições financeiras ao Estado egípcio com base no artigo 11.o da CDI. O artigo 11.o da CDI não seria, em todo o caso, aplicável ao presente processo, uma vez que se destina a regular a conduta de um Estado incorporado noutro Estado na sequência da aquisição de um território, que é imputável ao Estado sucessor, ou ainda a posterior adoção por um Estado de uma conduta privada ilícita que tenha sido ou esteja a ser cometida. Com efeito, são os artigos 16.o a 18.o da CDI que regulam a responsabilidade do Estado por atos de outro Estado, e não o artigo 11.o da CDI.

    76

    A Comissão, apoiada pela interveniente, contesta estes argumentos.

    77

    Como decorre do n.o 72, supra, segundo as recorrentes, a interpretação, pela Comissão, do artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base, nomeadamente do conceito de «poderes públicos» do país de origem ou de exportação, não é justificada à luz do direito da União.

    78

    Para responder a esta questão, há que recordar que, segundo a jurisprudência, cada disposição de direito da União deve ser colocada no seu contexto e interpretada à luz do conjunto das disposições deste direito, das suas finalidades e do seu estado de evolução à data em que a aplicação da disposição em causa é feita (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, Association France Nature Environnement,C‑379/15, EU:C:2016:603, n.o 49 e jurisprudência referida).

    79

    A este respeito, primeiro, cabe recordar que o artigo 3.o do regulamento antissubvenções de base dispõe que se considera existir uma subvenção se as condições estabelecidas nos pontos 1 e 2 deste artigo estiverem preenchidas, a saber, se existir uma «contribuição financeira» dos poderes públicos do país de origem ou de exportação, e se, por conseguinte, for conferida uma «vantagem».

    80

    O artigo 2.o, alínea b), do referido regulamento define «poderes públicos» como as entidades públicas baseadas no território do país de origem ou de exportação.

    81

    Ora, a definição de «poderes públicos» que figura neste artigo limita‑se a interpretar o conceito de «poderes públicos» no sentido de que inclui os organismos públicos do país de origem ou de exportação. Todavia, esta disposição não exclui que a contribuição financeira possa ser imputada aos poderes públicos do país de origem ou de exportação do produto em causa, em função dos elementos de prova específicos disponíveis.

    82

    Segundo, importa salientar que o considerando 5 desse regulamento prevê que, «[a]o determinar a existência de uma subvenção, é necessário demonstrar que houve uma contribuição financeira da parte das autoridades ou de uma entidade pública no território de um país, ou que houve qualquer forma de proteção dos rendimentos ou de manutenção dos preços na aceção do artigo XVI do GATT de 1994, daí advindo um benefício para a empresa beneficiária».

    83

    Ora, a expressão «no território de um país» utilizada neste considerando não implica que a contribuição financeira tenha de provir diretamente dos poderes públicos do país de origem ou de exportação. Pelo contrário, a utilização desta expressão não exclui, como observa a Comissão, a possibilidade de se concluir que as contribuições financeiras podem ser imputadas aos poderes públicos do país de origem ou de exportação do produto em causa.

    84

    Assim, o regulamento antissubvenções de base não exclui que, mesmo que a contribuição financeira não provenha diretamente dos poderes públicos do país de origem ou de exportação, lhes possa ser imputada.

    85

    A conclusão anterior é ainda mais pertinente no contexto específico da Zona CECS, onde estão sediadas as recorrentes.

    86

    Em primeiro lugar, no considerando 690 do regulamento de execução impugnado, a Comissão teve em conta duas declarações de dois presidentes egípcios, relativas à Zona CECS. A primeira, de 2012, descrevia essa zona como um projeto‑chave para a cooperação bilateral entre o Egito e a China. A segunda, de 2014, estava relacionada com a iniciativa «Uma Cintura, Uma Rota» e precisava, nomeadamente, que esta iniciativa constituía uma oportunidade importante para a recuperação do Egito e que as autoridades egípcias estavam dispostas a participar ativamente e a dar o seu apoio. As autoridades egípcias pretendiam cooperar com a China no desenvolvimento, nomeadamente, dos projetos do corredor do Canal de Suez e da Zona CECS e encorajar as empresas chinesas a investir no Egito.

    87

    A este respeito, o considerando 691 do regulamento de execução impugnado indica que as características da iniciativa chinesa «Uma Cintura, Uma Rota» são do domínio público e que, segundo as Orientações do Conselho de Estado sobre a Promoção da Cooperação Internacional para a Capacidade de Produção e Fabrico de Equipamento, de 13 de maio de 2015, as medidas de que as empresas «que se decidam pelo estrangeiro» podem beneficiar compreendem, nomeadamente, políticas de tributação e fiscalidade, empréstimos em condições preferenciais, apoio financeiro através de empréstimos sindicados, créditos à exportação e financiamento de projetos, investimentos em capitais próprios e, por último, seguros de crédito à exportação.

    88

    Em segundo lugar, no considerando 693 do regulamento de execução impugnado, a Comissão teve em conta o facto de a Zona CECS ter sido objeto do acordo de cooperação de 2016 entre os Governos chinês e egípcio. Ora, esse acordo prevê, nomeadamente, no seu artigo 1.o, a possibilidade de a República Popular da China aplicar a sua legislação nessa Zona CECS. O artigo 4.o, n.o 1, do referido acordo prevê que «[o] Governo chinês considera a Zona [CECS] como a zona de cooperação económica e comercial da China no estrangeiro» e que «[a] zona de cooperação, durante a construção, a captação de operadores e a exploração, tem direito a beneficiar da facilitação e do apoio estratégicos concedidos pelo Governo chinês às zonas de cooperação económica e comercial no estrangeiro». O artigo 5.o, n.o 1, deste acordo dispõe igualmente que o Governo chinês presta apoio à zona de cooperação «incentivando as instituições financeiras pertinentes a disponibilizar mecanismos de financiamento para […] projetos de investimento localizados na Zona de Cooperação, desde que sejam respeitadas as condições de concessão de crédito e os requisitos de utilização do empréstimo».

    89

    Em terceiro lugar, o considerando 660 do regulamento de execução impugnado indica que, a fim de assegurar a aplicação do acordo de cooperação de 2016, os Governos chinês e egípcio estabeleceram igualmente um mecanismo de consulta a três níveis, nomeadamente um acordo de cooperação relativo ao estabelecimento do Comité de Administração da Zona CECS, um comité de gestão da zona e a comunicação de problemas e dificuldades pela sociedade Egypt TEDA e pelos seus homólogos egípcios. Resulta, além disso, do considerando 652 do mesmo regulamento que 80 % das ações da Egypt TEDA são detidas pela China e 20 % pelo Egito e visa impulsionar o desenvolvimento da Zona CECS no Egito.

    90

    Por último, resulta dos considerandos 726 e 745 do regulamento de execução impugnado que o apoio financeiro concedido às empresas chinesas estabelecidas no Egito era particularmente significativo.

    91

    Por conseguinte, os Governos chinês e egípcio criaram, em estreita colaboração, a Zona CECS como uma área com características legais e económicas que permitiam que as autoridades públicas chinesas concedessem diretamente todas as facilidades inerentes à iniciativa chinesa «Uma cintura, Uma Rota» às empresas chinesas estabelecidas na zona.

    92

    Nestas circunstâncias, não se pode aceitar que uma estrutura económica e jurídica de tal magnitude como a da Zona CECS, concebida em estreita cooperação entre os Governos chinês e egípcio ao mais alto nível, seja subtraída ao regulamento antissubvenções de base sem que isso prejudique o seu efeito útil ou a sua finalidade e os seus objetivos.

    93

    Terceiro, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, a interpretação feita pela Comissão do artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base pela Comissão não é contrária nem ao artigo 10.o, n.o 7, nem ao artigo 13.o, n.o 1, deste mesmo regulamento. Com efeito, no que respeita ao artigo 10.o, n.o 7, o regulamento antissubvenções de base não exclui de modo nenhum que os poderes públicos do país de origem ou de exportação possam ser consultados sobre as contribuições financeiras que lhes são imputáveis. No caso em apreço, os autos revelam, aliás, que a Comissão convidou o Governo egípcio a abrir consultas sobre questões como os empréstimos preferenciais concedidos por entidades chinesas.

    94

    No que respeita ao artigo 13.o, n.o 1, do referido regulamento, que permite, nomeadamente, ao país de origem ou de exportação eliminar ou limitar a subvenção ou tomar outras medidas relativas aos seus efeitos, essa possibilidade permanece válida nos casos em que a contribuição financeira possa ser imputada aos poderes públicos do país de origem ou de exportação. Com efeito, no caso vertente, o Governo egípcio podia pôr termo à cooperação estreita com o Governo chinês em matéria de contribuições financeiras ou propor medidas destinadas a limitar os efeitos das subvenções em causa.

    95

    Atendendo às considerações precedentes, deve concluir‑se que nem o artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base nem a economia geral deste regulamento impedem que uma contribuição financeira concedida pelos poderes públicos de um país terceiro possa ser imputada aos poderes públicos do país de origem ou de exportação numa situação como a presente, perante os elementos de prova específicos disponíveis, tal como são expostos nos n.os 86 a 91, supra.

    96

    Além disso, ao contrário do que as recorrentes alegam, esta conclusão é corroborada pelas disposições do artigo 1.o do Acordo SCM, à luz do qual o regulamento antissubvenções de base deve ser interpretado. A este respeito, cabe recordar que, no caso de a União pretender dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito da OMC ou no caso de o ato da União remeter expressamente para disposições precisas dos Acordos da OMC, incumbe ao juiz da União fiscalizar a legalidade do ato da União em causa à luz das regras da OMC (v., por analogia, Acórdão de 14 de julho de 2021, Interpipe Niko Tube e Interpipe Nizhnedneprovsky Tube Rolling Plant/Comissão, T‑716/19, EU:T:2021:457, n.o 95).

    97

    Ora, resulta claramente do considerando 3 do regulamento antissubvenções de base que um dos seus objetivos é «transpor» para o direito da União, «na medida do possível», as disposições do Acordo SMC.

    98

    Por outro lado, já foi estabelecido pela jurisprudência que o artigo 3.o do regulamento antissubvenções de base, com a epígrafe «Definição de subvenção», e o artigo 1.o do Acordo SMC são em grande parte idênticos quanto à sua redação e totalmente idênticos quanto à sua substância (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2019, Jindal Saw e Jindal Saw Italia/Comissão, T‑300/16, EU:T:2019:235, n.o 99).

    99

    Além disso, não decorre dos considerandos do regulamento antissubvenções de base nenhuma intenção por parte do legislador de se afastar do conteúdo do artigo 1.o, n.o 1, alínea a, 1), do Acordo SMC. Pelo contrário, como resulta do considerando 3 do referido regulamento, citado no n.o 97, supra, o legislador quis dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito do Acordo SMC, na aceção da jurisprudência citada no n.o 96, supra.

    100

    Assim, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, as disposições do regulamento antissubvenções de base devem ser interpretadas, na medida do possível, à luz das disposições correspondentes do Acordo SCM (Acórdão de 10 de abril de 2019, Jindal Saw e Jindal Saw Italia/Comissão, T‑300/16, EU:T:2019:235, n.o 101). O mesmo se diga em relação ao artigo 3.o desse regulamento, que visa dar execução ao conteúdo do artigo 1.o do Acordo SMC (Acórdão de 10 de abril de 2019, Jindal Saw e Jindal Saw Italia/Comissão, T‑300/16, EU:T:2019:235, n.o 102).

    101

    No que respeita ao artigo 1.o, n.o 1, alínea a, 1), do Acordo SMC, sublinhe‑se, em primeiro lugar, que esse acordo define a subvenção como uma contribuição financeira do Estado ou de qualquer entidade pública no território de «um» membro da OMC. Esta formulação não exclui, portanto, a possibilidade de uma contribuição financeira concedida por um país terceiro ser imputada aos poderes públicos do país de origem ou de exportação, desde que a contribuição financeira do Estado ou de qualquer entidade pública seja efetuada no território de «um» membro da OMC.

    102

    Em segundo lugar, os artigos 13.o e 18.o do Acordo SCM, que têm por objeto, respetivamente, sobre as consultas e os compromissos, não põem em causa as considerações acima referidas. Com efeito, a letra e o objeto destas disposições não excluem as situações em que a contribuição financeira é imputada a um membro da OMC, uma vez que, por um lado, os membros cujos produtos poderão ser objeto de um inquérito podem ser consultados sobre as contribuições financeiras que lhes são imputáveis, e, por outro, os membros cujos produtos poderão ser objeto de um inquérito podem impor limitações às subvenções que lhes são imputáveis.

    103

    Atendendo às considerações precedentes, importa salientar que, visto a Comissão ter interpretado corretamente o regulamento antissubvenções de base à luz do acordo SCM, a circunstância de ter tido ou não em conta o artigo 11.o da CDI é inoperante. Por conseguinte, há que julgar igualmente improcedente a terceira alegação da presente parte do segundo fundamento e, consequentemente, esta parte na sua totalidade.

    [Omissis]

    [Omissis]

    [Omissis]

    [Omissis]

    [Omissis]

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção alargada)

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics SAE e a Jushi Egypt for Fiberglass Fabrics Industry SAE suportarão, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão Europeia.

     

    3)

    A Tech‑Fab Europe eV suportará as suas próprias despesas.

     

    Kanninen

    Jaeger

    Półtorak

    Porchia

    Stancu

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de março de 2023.

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

    ( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal considera útil.

    ( 2 ) Dados confidenciais ocultados.

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