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Document 62020CO0545

    Despacho do vice-presidente do Tribunal de Justiça de 3 de junho de 2022.
    República da Bulgária contra Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia.
    Processo de medidas provisórias — Artigo 263.o TFUE — Recurso de anulação de um ato da União — Artigo 278.o TFUE — Pedido de suspensão da execução desse ato — Transporte — Regulamento (UE) 2020/1055 — Obrigação que recai sobre as empresas de assegurar o regresso dos seus veículos ao seu Estado‑Membro de estabelecimento — Urgência — Deterioração da situação económica e social de um Estado‑Membro — Danos ambientais.
    Processo C-545/20 R.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:445

     DESPACHO DO VICE‑PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    3 de junho de 2022 ( *1 )

    «Processo de medidas provisórias — Artigo 263.o TFUE — Recurso de anulação de um ato da União — Artigo 278.o TFUE — Pedido de suspensão da execução desse ato — Transporte — Regulamento (UE) 2020/1055 — Obrigação que recai sobre as empresas de assegurar o regresso dos seus veículos ao seu Estado‑Membro de estabelecimento — Urgência — Deterioração da situação económica e social de um Estado‑Membro — Danos ambientais»

    No processo C‑545/20 R,

    que tem por objeto um pedido de suspensão da execução nos termos do artigo 278.o TFUE, apresentado em 13 de dezembro de 2021,

    República da Bulgária, representada por M. Georgieva e L. Zaharieva, na qualidade de agentes,

    recorrente,

    apoiada por:

    República da Estónia, representada por N. Grünberg e M. Kriisa, na qualidade de agentes,

    República da Letónia, representada por J. Davidoviča, K. Pommere e I. Romanovska, na qualidade de agentes,

    República da Lituânia, representada por K. Dieninis, R. Dzikovič e V. Kazlauskaitė‑Švenčionienė, na qualidade de agentes,

    República de Malta, representada por A. Buhagiar, na qualidade de agente, assistido por D. Sarmiento Ramírez‑Escudero, abogado,

    República da Polónia, representada por B. Majczyna, na qualidade de agente,

    Roménia, representada por L.‑E. Baţagoi, E. Gane, L. Liţu e A. Rotăreanu, na qualidade de agentes,

    intervenientes,

    contra

    Parlamento Europeu, representado por I. Anagnostopoulou, O. Denkov e R. van de Westelaken, na qualidade de agentes,

    Conselho da União Europeia, representado por I. Gurov, A. Norberg e L. Vétillard, na qualidade de agentes,

    recorridos,

    apoiados por:

    Reino da Dinamarca, representado por M. Søndahl Wolff, na qualidade de agente,

    República Federal da Alemanha, representada por J. Möller e D. Klebs, na qualidade de agentes,

    República Helénica, representada por S. Chala, na qualidade de agente,

    República Francesa, representada por A.‑L. Desjonquères, A. Ferrand e N. Vincent, na qualidade de agentes,

    República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. Lipari, procuratore dello Stato, e de G. Santini, avvocato dello Stato,

    Grão‑Ducado do Luxemburgo, representado por A. Germeaux, na qualidade de agente,

    Reino dos Países Baixos, representado por M. K. Bultermann e J. Langer, na qualidade de agentes,

    República da Áustria, representada por A. Posch e J. Schmoll, na qualidade de agentes,

    Reino da Suécia, representado por H. Eklinder, C. Meyer‑Seitz, A. Runeskjöld, M. Salborn Hodgson, R. Shahsavan Eriksson, H. Shev e O. Simonsson, na qualidade de agentes,

    intervenientes,

    O VICE‑PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    ouvido o advogado‑geral, M. Szpunar,

    profere o presente

    Despacho

    1

    Com o seu pedido de medidas provisórias, a República da Bulgária pede ao Tribunal de Justiça que ordene a suspensão da execução, a título principal, do artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento (UE) 2020/1055 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2020, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1071/2009 (CE) n.o 1072/2009 e (UE) n.o 1024/2012, com vista à sua adaptação à evolução no setor dos transportes rodoviários (JO 2020, L 249, p. 17), na parte em que adota o artigo 5.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 1071/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que estabelece regras comuns no que se refere aos requisitos para o exercício da atividade de transportador rodoviário e que revoga a Diretiva 96/26/CE do Conselho (JO 2009, L 300, p. 51), e, a título subsidiário, a suspensão da execução deste artigo 1.o, n.o 3, na íntegra, ou, a título ainda mais subsidiário, da totalidade do Regulamento 2020/1055.

    2

    Este pedido foi apresentado na sequência de um recurso interposto por este Estado‑Membro, em 23 de outubro de 2020, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, destinado a obter a anulação parcial ou, eventualmente, total do Regulamento 2020/1055.

    Quadro jurídico

    3

    O artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 2020/1055, dispõe:

    «O artigo 5.o [do Regulamento n.o 1071/2009] passa a ter a seguinte redação:

    […]

    1. Para preencher o requisito previsto no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), no Estado‑Membro de estabelecimento a empresa deve

    […]

    b)

    Organizar a atividade da sua frota de veículos de forma a assegurar que os veículos à disposição da empresa, e que são utilizados no transporte internacional, regressem a um dos centros operacionais situados nesse Estado‑Membro o mais tardar oito semanas após terem saído;

    […]»

    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

    4

    Por Decisões do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 11 de janeiro e 3 de fevereiro de 2022, a República de Malta e a República da Polónia foram admitidas a intervir em apoio dos pedidos da República da Bulgária.

    5

    A República da Bulgária pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    ordenar a suspensão da execução do artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento 2020/1055, na parte em que adota o artigo 5.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1071/2009 até à prolação do acórdão que põe termo ao processo C‑545/20;

    a título subsidiário, ordenar a suspensão da execução do artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento 2020/1055 na íntegra, até à prolação do acórdão que põe termo ao processo C‑545/20;

    a título ainda mais subsidiário, ordenar a suspensão da execução deste regulamento na sua totalidade, até à prolação do acórdão que põe termo ao processo C‑545/20; e

    condenar o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia nas despesas.

    6

    O Parlamento e o Conselho pedem ao Tribunal de Justiça que se digne indeferir o pedido de medidas provisórias e condenar a República da Bulgária nas despesas.

    Quanto ao pedido de medidas provisórias

    7

    O artigo 160.o, n.o 3, do Regulamento de Processo dispõe que os pedidos de medidas provisórias devem especificar «o objeto do litígio, as razões da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a adoção da medida provisória requerida».

    8

    Assim, uma medida provisória só pode ser concedida pelo juiz das medidas provisórias se se demonstrar que a sua adoção se justifica, à primeira vista, de facto e de direito (fumus boni juris), e se a mesma for urgente, no sentido de que é necessário, para evitar que os interesses do requerente sejam prejudicados de forma grave e irreparável, que a medida provisória em causa seja decretada e produza os seus efeitos ainda antes da decisão sobre o mérito. O juiz das medidas provisórias procede igualmente, sendo caso disso, à ponderação dos interesses em presença. Estes requisitos são cumulativos, pelo que o pedido de medidas provisórias deve ser indeferido se um destes requisitos não estiver preenchido (Despacho de 8 de abril de 2020, Comissão/Polónia, C‑791/19 R, EU:C:2020:277, n.o 51 e jurisprudência referida).

    9

    No âmbito da análise dos mencionados requisitos, o juiz das medidas provisórias dispõe de um amplo poder de apreciação, podendo determinar livremente, à luz das particularidades do caso concreto, a forma como estes diferentes requisitos devem ser verificados, bem como a ordem pela qual vai proceder a essa verificação, visto que não existe nenhuma norma de direito da União que lhe imponha um esquema de análise preestabelecido para apreciar a necessidade de decidir provisoriamente (Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 16 de julho de 2021, ACER/Aquind, C‑46/21 P‑R, não publicado, EU:C:2021:633, n.o 16).

    10

    No caso em apreço, há que começar por analisar o requisito relativo à urgência.

    Argumentação

    11

    A República da Bulgária sustenta que a aplicação da obrigação, que recai sobre uma empresa, de assegurar que os seus veículos regressem ao seu Estado‑Membro de estabelecimento, prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1071/2009, conforme alterado pelo Regulamento n.o 2020/1055 (a seguir «medida controvertida»), implicará um prejuízo grave e irreparável para os condutores provenientes tanto da Bulgária como de outros Estados‑Membros da Europa Oriental.

    12

    Segundo aquele Estado‑Membro, a previsibilidade deste prejuízo é demonstrada num relatório elaborado em outubro de 2019 e atualizado em fevereiro de 2020 na sequência de um pedido de uma associação búlgara de profissionais do transporte rodoviário (a seguir «primeiro relatório»), bem como num relatório elaborado em fevereiro de 2021 a pedido da Comissão Europeia (a seguir «segundo relatório»).

    13

    De modo geral, devido à distribuição da oferta e da procura no mercado dos serviços de transporte de mercadorias, a aplicação da medida controvertida implicaria a realização de viagens adicionais operadas por camiões sem carga (a seguir «viagens sem carga»). A República da Bulgária sustenta, mais concretamente, que 46 % dos veículos obrigados a regressar a este Estado‑Membro de forma a dar cumprimento à medida controvertida vão operar a viagem sem carga.

    14

    Em primeiro lugar, segundo aquele Estado‑Membro, esta situação é suscetível de causar um dano ambiental e de provocar deste modo um prejuízo que, por natureza, seria irreparável.

    15

    Com efeito, tal situação resultaria na emissão de 2,9 milhões de toneladas adicionais de dióxido de carbono (CO2), isto é, um aumento de 4,6 % das emissões provenientes do transporte internacional rodoviário de mercadorias. Estima‑se que as emissões adicionais das transportadoras búlgaras seriam de 71162 toneladas de CO2, isto é, um aumento de 2 % das emissões totais dos veículos búlgaros destinados ao transporte internacional de mercadorias. Estas emissões adicionais de CO2 poderiam comprometer o cumprimento, por parte dos Estados‑Membros, das suas obrigações relativas à limitação de tais emissões.

    16

    Ademais, a aplicação da medida controvertida poderia resultar na emissão de 107 toneladas a 619 toneladas adicionais de óxido de azoto (NOx), isto é, um aumento de 1,35 % a 7,81 % destas emissões, e na emissão de 38 toneladas a 221 toneladas adicionais de partículas finas (PM2,5), isto é, um aumento de 0,86 % a 4,98 % destas emissões. Os custos associados a tal poluição atmosférica estão avaliados entre os 4,5 milhões e 25,9 milhões de euros à escala da União Europeia.

    17

    Em segundo lugar, o aumento do número de viagens operadas pelas transportadoras búlgaras, resultante da aplicação da medida controvertida, provocaria um aumento do congestionamento nos pontos de passagem fronteiriços situados fora do espaço Schengen. Consequentemente, segundo a República da Bulgária, tanto o cumprimento dos prazos de entrega por parte destas transportadoras como a gestão da sua frota de veículos poderiam ficar comprometidos, o que resultaria na insatisfação dos seus clientes e na degradação das redes de distribuição logística.

    18

    Em terceiro lugar, a aplicação da medida controvertida teria consequências económicas e sociais nefastas.

    19

    Segundo a República da Bulgária, os custos associados à exploração das transportadoras estabelecidas nos Estados‑Membros da Europa Oriental vão aumentar em cerca de 3 mil milhões de euros, isto é, em média, 11000 euros por veículo. Além disso, estas transportadoras vão sofrer uma perda da sua receita devido à multiplicação do número de viagens sem carga. De forma a evitar os efeitos resultantes da aplicação da medida controvertida, algumas transportadoras podem vir a optar por transferir a sua atividade para outros Estados‑Membros, transferência essa que, em si, vai gerar custos periódicos e custos pontuais.

    20

    Ora, mais de 80 % dos veículos pesados que regularmente atravessam as fronteiras europeias pertencem a pequenas e médias empresas, que são particularmente vulneráveis. Consequentemente, segundo a República da Bulgária, neste Estado‑Membro, 36 % dos veículos destinados ao transporte internacional de mercadorias cessarão a sua atividade, o que terá consequências sobre o produto interno bruto do referido Estado‑Membro e poderá conduzir ao desemprego de 14000 trabalhadores do setor búlgaro do transporte internacional de mercadorias.

    21

    Algumas das consequências económicas identificadas podem eventualmente vir a ser objeto de uma indemnização. No entanto, não é certo que as empresas que se verão obrigadas a cessar a sua atividade, a transferi‑la para um Estado‑Membro que não a Bulgária ou a dirigi‑la para outros setores de atividade serão capazes de, posteriormente, retomar a sua atividade no setor dos transportes na Bulgária. Do mesmo modo, a degradação do nível de vida dos trabalhadores desempregados e as consequências sociais associadas à deterioração da situação económica não poderão ser reparadas a posteriori.

    22

    Em quarto lugar, a cessação de atividade de algumas empresas de transporte vai resultar numa diminuição da capacidade das cadeias logísticas e prejudicar o bom funcionamento do mercado interno.

    23

    A República da Estónia, a República de Malta e a República da Polónia apoiam a argumentação da República da Bulgária a respeito do risco de ocorrência de prejuízos de ordem ambiental, económica e social. A este respeito, a República de Malta invoca um relatório relativo à situação deste Estado‑Membro, elaborado em novembro de 2020.

    24

    O Parlamento e o Conselho alegam que a República da Bulgária não demonstrou a probabilidade de, em caso de aplicação da medida controvertida, ocorrer um prejuízo grave e irreparável antes da prolação do acórdão que põe termo ao processo C‑545/20.

    25

    Em primeiro lugar, criticam a metodologia seguida na elaboração do primeiro e segundo relatórios invocados pela República da Bulgária, nomeadamente por tais relatórios se basearem em hipóteses irrealistas, particularmente no que se refere ao número de viagens sem carga, e por implicarem extrapolações com base em dados provenientes de amostras pouco representativas.

    26

    Alegam, em segundo lugar, que as previsões relativas ao alegado dano ambiental são pouco fiáveis e em parte contraditórias, ao passo que os custos avançados não são significativos. Consideram, além disso, que a República da Bulgária não teve em conta o facto de os Estados‑Membros estarem sujeitos a obrigações relativas à emissão de CO2 por força do Regulamento (UE) 2018/842 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativo às reduções anuais obrigatórias das emissões de gases com efeito de estufa pelos Estados‑Membros entre 2021 e 2030 como contributo para a ação climática a fim de cumprir os compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris e que altera o Regulamento (UE) n.o 525/2013 (JO 2018, L 156, p. 26), e à concentração de NOx e PM2,5 no ar, em conformidade com a Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa (JO 2008, L 152, p. 1).

    27

    Em terceiro lugar, entendem que as previsões apresentadas relativamente ao congestionamento dos pontos de passagem fronteiriços são manifestamente erradas.

    28

    Em quarto lugar, alegam que os custos gerados pela aplicação da medida controvertida não são irreparáveis e foram sobreavaliados, uma vez que não foi tida em consideração a existência, ao abrigo da legislação da União em vigor, de uma obrigação de instalar o centro de exploração no Estado‑Membro de estabelecimento.

    29

    Além disso, segundo o Parlamento e o Conselho, tendo em conta as características do setor dos transportes que resultam do segundo relatório, a República da Bulgária não foi capaz de demonstrar que as eventuais perdas de quota de mercado pelas empresas búlgaras serão duradouras. Alegam igualmente que, visto que existe uma elevada escassez deste tipo de condutores na União, é improvável que os condutores de veículos pesados permaneçam numa situação de desemprego.

    30

    O Parlamento acrescenta que, na medida em que o Regulamento 2020/1055 foi adotado há quase dois anos, as empresas em causa já se começaram a adaptar e que o presente pedido de medidas provisórias foi apresentado demasiado tarde para evitar que a medida controvertida produza os seus efeitos.

    Apreciação

    31

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o processo de medidas provisórias tem por finalidade garantir a plena eficácia da futura decisão definitiva para evitar uma lacuna na proteção jurídica assegurada pelo Tribunal de Justiça. Com vista a alcançar este objetivo, a urgência deve ser apreciada face à necessidade de decidir provisoriamente, de modo a evitar que a parte que requer a proteção provisória sofra um prejuízo grave e irreparável. Cabe a esta parte provar que, se aguardar pelo desfecho do processo principal, sofrerá um prejuízo dessa natureza. Para provar a existência de tal prejuízo grave e irreparável, não é necessário exigir que a ocorrência do prejuízo seja demonstrada com absoluta certeza. Basta que este seja previsível com um grau de probabilidade suficiente (Despacho de 17 de dezembro de 2018, Comissão/Polónia, C‑619/18 R, EU:C:2018:1021, n.o 60 e jurisprudência referida).

    32

    Em conformidade com esta jurisprudência, cabe sempre à parte que requer a adoção de uma medida provisória explicar e provar a probabilidade de ocorrência de um prejuízo grave e irreparável. A este respeito, o juiz das medidas provisórias deve dispor de indicações concretas e precisas, baseadas em provas documentais pormenorizadas que permitam analisar as consequências precisas que provavelmente resultariam da falta das medidas requeridas (v., neste sentido, Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 13 de abril de 2021, Lituânia/Parlamento e Conselho, C‑541/20 R, não publicado, EU:C:2021:264, n.os 19 e 20).

    33

    Por conseguinte, no caso em apreço, incumbe à República da Bulgária provar que a aplicação da medida controvertida no período compreendido entre a assinatura do presente despacho e a prolação do acórdão que põe termo ao processo C‑545/20 é suscetível de causar, de forma previsível e com um grau de probabilidade suficiente, um prejuízo grave e irreparável.

    34

    Resulta do pedido de medidas provisórias que este Estado‑Membro invoca prejuízos decorrentes dos efeitos que a medida controvertida teria no congestionamento dos pontos de passagem fronteiriços, na situação económica e social de determinados Estados‑Membros, no funcionamento do mercado interno e no ambiente.

    35

    Tais prejuízos podem ser validamente invocados pela República da Bulgária de modo que sejam decretadas medidas provisórias, visto que os Estados‑Membros são responsáveis pelos interesses considerados gerais no plano nacional e podem garantir a sua defesa no âmbito de um processo de medidas provisórias (Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 13 de abril de 2021, Lituânia/Parlamento e Conselho, C‑541/20 R, não publicado, EU:C:2021:264, n.o 21).

    36

    Por conseguinte, há que determinar se as provas apresentadas pela República da Bulgária permitem demonstrar, por um lado, que a ocorrência de um ou vários dos referidos prejuízos é previsível com um grau de probabilidade suficiente e, por outro, que esses prejuízos têm caráter grave e irreparável.

    37

    A este respeito, importa recordar que o processo de medidas provisórias não está concebido para comprovar a realidade de factos complexos e altamente controversos. O juiz das medidas provisórias não dispõe dos meios necessários para proceder a tais verificações e, em muitos casos, dificilmente conseguiria fazê‑lo em tempo útil (Despacho de 20 de novembro de 2017, Comissão/Polónia, C‑441/17 R, EU:C:2017:877, n.o 54).

    Quanto aos efeitos da medida controvertida no congestionamento dos pontos de passagem fronteiriços

    38

    Resulta do segundo relatório que, independentemente da aplicação da medida controvertida, a travessia dos pontos de passagem fronteiriços implica um tempo de espera significativo. Por conseguinte, o aumento da duração da viagem daí resultante é um dos elementos que, em geral, devem ser tidos em conta pelas transportadoras rodoviárias no planeamento das suas operações.

    39

    Certamente não é de excluir que, na falta de medidas adotadas pelos Estados‑Membros em causa com vista a reduzir o tempo de espera nos pontos de passagem fronteiriços, a aplicação da medida controvertida pode conduzir a um aumento desse tempo de espera e, assim, obrigar as transportadoras de mercadorias em causa a recorrer a meios suplementares para assegurar o cumprimento dos prazos de entrega e a boa gestão da sua frota de veículos.

    40

    No entanto, os custos gerados constituem um prejuízo de ordem pecuniária que, salvo circunstâncias excecionais, não pode ser considerado irreparável, uma vez que, regra geral, a pessoa lesada pode ver restabelecida a situação anterior à ocorrência do prejuízo mediante compensação pecuniária (Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 13 de abril de 2021, Lituânia/Parlamento e Conselho, C‑541/20 R, não publicado, EU:C:2021:264, n.o 29).

    41

    Por conseguinte, visto que a República da Bulgária não invocou circunstâncias excecionais associadas ao risco de congestionamento nos pontos de passagem fronteiriços, a sua argumentação relativa a este risco não é suscetível de demonstrar o preenchimento do requisito de urgência.

    Quanto aos efeitos económicos e sociais da medida controvertida

    42

    A título preliminar, há que constatar que os efeitos económicos e sociais da medida controvertida noutros Estados‑Membros que não a República da Bulgária, invocados tanto por este Estado‑Membro como pelos Estados‑Membros que intervieram em apoio dos seus pedidos, não bastam, no caso em apreço, para demonstrar o caráter previsível da ocorrência de um prejuízo grave e irreparável.

    43

    Com efeito, antes de mais, embora a República da Bulgária se refira, de maneira geral, ao prejuízo sofrido por outros Estados‑Membros, os dados mais detalhados em que baseia a sua argumentação referem‑se, em geral, unicamente à situação das empresas búlgaras.

    44

    É certo que a República da Bulgária menciona os custos adicionais que a aplicação da medida controvertida poderia gerar para as transportadoras de outros Estados‑Membros. No entanto, não se pode considerar, à luz da jurisprudência recordada no n.o 40 do presente despacho, que esses custos adicionais constituam, enquanto tal, um prejuízo grave e irreparável.

    45

    Seguidamente, embora a República da Estónia e a República da Polónia invoquem os efeitos económicos e sociais da medida controvertida nos seus respetivos territórios, não apresentam, no entanto, nenhum elemento de prova destinado a demonstrar a realidade desses efeitos.

    46

    Por último, relativamente à República de Malta, o relatório apresentado por este Estado‑Membro indica que a aplicação das medidas analisadas nesse relatório é suscetível de produzir efeitos no setor dos transportes que vão desde a criação de 51 novos postos de trabalho à extinção de 96 postos de trabalho. Do mesmo modo, a aplicação desta medida implicaria, no máximo, a cessação das atividades de 43 camiões.

    47

    Ora, estes efeitos, admitindo‑os provados, não apresentam uma dimensão suficiente para que possam ser considerados um prejuízo grave e irreparável.

    48

    No que respeita à situação económica e social da República da Bulgária, resulta das considerações que figuram no n.o 44 do presente despacho que o aumento dos custos a que as transportadoras desse Estado‑Membro estariam expostas devido à aplicação da medida controvertida não constitui, enquanto tal, um prejuízo grave e irreparável, o que, aliás, a República da Bulgária reconhece.

    49

    Em contrapartida, para efeitos do presente processo, estes custos poderão ser considerados relevantes se se provar que revestem uma dimensão tal que implicariam necessariamente uma reestruturação do setor dos transportes na Bulgária suscetível de causar neste Estado‑Membro um decréscimo significativo do produto interno bruto ou um aumento significativo da taxa de desemprego.

    50

    A este respeito, em primeiro lugar, e sem que haja necessidade de se pronunciar quanto à fiabilidade das previsões apresentadas pela República da Bulgária relativamente ao potencial aumento dos custos a suportar pelas transportadoras búlgaras, há que constatar que não é de excluir que a aplicação da medida controvertida possa gerar determinados custos adicionais para estas transportadoras, na medida em que implica necessariamente um regresso regular dos seus veículos a esse Estado‑Membro.

    51

    No entanto, o mero facto de um grande número de empresas do setor dos transportes búlgaro ter uma dimensão reduzida não basta para demonstrar, na ausência de elementos mais precisos quanto à situação financeira de tais empresas, que estas não estariam em condições de suportar os custos associados à aplicação da medida controvertida e que seriam, por conseguinte, obrigadas a cessar a sua atividade, a dirigi‑la para outros setores de atividade, ou ainda a estabelecer‑se noutros Estados‑Membros.

    52

    Em segundo lugar, afigura‑se que o argumento da República da Bulgária relativo aos efeitos económicos e sociais da medida controvertida se baseia essencialmente em previsões constantes do primeiro relatório sobre o rendimento das empresas do setor dos transportes búlgaro, a cessação da sua atividade e a perda de postos de trabalho nesse setor.

    53

    Todavia, importa desde já constatar que este relatório é expressamente apresentado como tendo por objetivo avaliar os efeitos da aplicação combinada de uma série de normas relativas, nomeadamente, ao regresso regular dos condutores ao Estado‑Membro de estabelecimento, às condições de trabalho e de descanso dos condutores, bem como ao exercício da cabotagem rodoviária. Assim, este relatório não permite determinar em que medida a evolução económica e social que descreve resulta da aplicação da medida controvertida e poderia ser evitada mediante a suspensão desta única medida.

    54

    Seguidamente, embora o primeiro relatório demonstre que a aplicação das medidas analisadas conduzirá a uma profunda reestruturação do setor dos transportes búlgaro, o mesmo não indica o prazo no qual esta reestruturação terá lugar.

    55

    Por último, a avaliação feita no relatório a respeito do número de veículos que cessariam a sua atividade e do número de empregos que se extinguiriam na Bulgária, dos quais resultariam as consequências económicas e sociais invocadas por esse Estado‑Membro, baseia‑se numa extrapolação com base em respostas a um inquérito fornecidas por 57 empresas búlgaras, sendo, no entanto, possível depreender do referido relatório que o setor do transporte rodoviário de mercadorias neste Estado‑Membro é composto por 12700 empresas, e que não se afirmou de modo algum no referido relatório que as empresas participantes no inquérito constituem uma amostra representativa deste setor.

    56

    Tendo em conta o que precede, os elementos que figuram no primeiro relatório não podem ser tidos como suscetíveis de provar, com um grau de probabilidade suficiente, a previsibilidade da ocorrência, antes da prolação do acórdão que põe termo ao processo C‑545/20, do prejuízo de ordem económica e social invocado pela República da Bulgária em caso de aplicação da medida controvertida.

    57

    Em terceiro lugar, o segundo relatório não inclui elementos capazes de sustentar o argumento da República da Bulgária relativo aos efeitos económicos e sociais da medida controvertida.

    58

    Pelo contrário, este relatório conclui que, mesmo tendo em conta os custos adicionais que a aplicação da medida controvertida implicaria, as empresas dos Estados‑Membros da Europa Oriental conservarão uma vantagem concorrencial no setor do transporte rodoviário de mercadorias, deduzindo‑se daí que é provável que este setor não venha a conhecer uma reestruturação na União.

    59

    Além disso, o referido relatório expõe que as consequências previsíveis da aplicação da medida controvertida sobre o acesso ao emprego por parte dos condutores serão necessariamente limitadas, devido à insuficiência do número de condutores disponíveis na União.

    60

    Decorre dos elementos acima expostos que as provas apresentadas pela República da Bulgária não são suficientes para demonstrar que os efeitos económicos e sociais da aplicação da medida controvertida são suscetíveis de causar, de forma previsível, um prejuízo grave e irreparável.

    Quanto aos efeitos da medida controvertida sobre o funcionamento do mercado interno

    61

    Importa sublinhar que os efeitos da medida controvertida no funcionamento do mercado interno invocados pela República da Bulgária decorrem, segundo este Estado‑Membro, de uma redução na oferta de transporte rodoviário de mercadorias na União. Esta redução da oferta de transporte rodoviário de mercadorias resulta, por seu turno, da interrupção das atividades de várias empresas deste setor de atividade que a aplicação desta medida implicaria.

    62

    Ora, resulta dos n.os 42 a 60 do presente despacho que a República da Bulgária não provou que a ocorrência de tal cessação da atividade antes da prolação do acórdão que põe termo ao processo C‑545/20 é previsível.

    63

    Consequentemente, este Estado‑Membro também não demonstrou o caráter previsível dos alegados efeitos da medida controvertida sobre o funcionamento do mercado interno.

    Quanto aos efeitos ambientais da medida controvertida

    64

    Afigura‑se que, para provar o risco de ocorrência de um prejuízo de ordem ambiental, a República da Bulgária alega a existência de um risco de aumento das emissões de certos gases que é demonstrado, relativamente a este Estado‑Membro, por elementos que figuram no primeiro relatório e, relativamente a toda a União, pelos dados expostos no segundo relatório.

    65

    Quanto aos valores apresentados no primeiro relatório para provar o risco de ocorrência de um dano ambiental provocado pelas transportadoras búlgaras, há que salientar que estes apenas se referem às emissões de CO2.

    66

    Além disso, as limitações metodológicas desse relatório, mencionadas nos n.os 53 e 55 do presente despacho, não permitem invocá‑lo como fundamento na apreciação dos eventuais efeitos da medida controvertida sobre essas emissões.

    67

    Com efeito, por um lado, o referido relatório não contém nenhuma precisão quanto à contribuição previsível de cada uma das medidas analisadas para o aumento das emissões de CO2 a que se refere. Por outro lado, relativamente aos efeitos da medida controvertida, este aumento resultaria da realização de um grande número de viagens sem carga. Ora, a frequência previsível das viagens sem carga em que se baseia a previsão exposta no mesmo relatório foi determinada com base nas declarações da amostra de empresas participantes no inquérito em causa, cuja falta de representatividade já foi constatada.

    68

    Por outro lado, o cálculo do aumento das emissões de CO2 é efetuado, no primeiro relatório, imputando a realização de viagens sem carga a todos os camiões utilizados pelo setor búlgaro do transporte internacional rodoviário de mercadorias, embora resulte deste relatório que 53 % dos veículos pertencentes a este setor são utilizados em atividades que implicam ciclos de transporte inferiores a oito semanas, não lhes sendo, por conseguinte, exigida uma alteração das suas práticas atuais para dar cumprimento à medida controvertida.

    69

    Quanto aos valores invocados pela República da Bulgária para provar a existência do risco de ocorrência de um dano ambiental provocado pelas transportadoras de toda a União, há que constatar que este Estado‑Membro se baseia, em larga medida, numa das hipóteses previstas no segundo relatório, segundo a qual as empresas do setor dos transportes darão cumprimento à medida controvertida sem que haja uma reestruturação do setor.

    70

    Ora, vários dos elementos avançados pela República da Bulgária impedem a concretização desta hipótese, que o Parlamento e o Conselho consideram, aliás, puramente teórica. Assim, de modo a provar o prejuízo de ordem económica e social que invoca, este Estado‑Membro sustenta que o setor dos transportes irá, caso a medida controvertida seja aplicada, ser objeto de uma reestruturação profunda. Do mesmo modo, embora o referido Estado‑Membro sustente que 46 % das viagens realizadas por transportadoras búlgaras para dar cumprimento a esta medida serão viagens sem carga, os cálculos constantes do segundo relatório, relacionados com a hipótese de inexistência de reestruturação, baseiam‑se na premissa de que 100 % das viagens necessárias para dar cumprimento à referida medida serão viagens sem carga.

    71

    Importa ainda salientar que a avaliação do número de veículos que operam ciclos de transporte superiores a oito semanas, que é determinante para calcular as emissões adicionais que poderão decorrer da aplicação da medida controvertida, deriva de uma extrapolação feita com base nas declarações recolhidas no âmbito de um inquérito submetido a uma amostra de transportadoras, descrita no segundo relatório como sendo insuficiente face à dimensão do mercado de transporte internacional rodoviário.

    72

    Nestas condições, embora não se possa excluir que a aplicação da medida controvertida é suscetível de causar um aumento das emissões de certos gases, os documentos apresentados pela República da Bulgária não permitem avaliar com precisão o volume desse aumento.

    73

    No que respeita ao caráter grave e irreparável que o referido aumento poderia revestir, importa salientar que, como sublinham o Parlamento e o Conselho, as emissões de CO2, de NOx e de PM2,5 são objeto de regulamentação específica do direito da União.

    74

    Assim, o Regulamento 2018/842 estabelece obrigações, que incumbem a cada Estado‑Membro, relativas à limitação das emissões de gases com efeito de estufa, entre os quais figura o CO2, ao passo que a Diretiva 2008/50 estabelece objetivos nacionais de redução da exposição às PM2,5, bem como valores‑limite de NOx e PM2,5.

    75

    Daqui resulta que, mesmo com base nos valores mais elevados avançados pela República da Bulgária, a aplicação da medida controvertida apenas implicaria um aumento moderado das emissões de CO2, NOx e PM2,5, cuja suscetibilidade de pôr em causa, a médio prazo, a salvaguarda da qualidade do ar e o combate ao aquecimento global não ficou demonstrada (v., por analogia, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 2 de outubro de 2003, Comissão/Áustria, C‑320/03 R, EU:C:2003:543, n.o 98).

    76

    Quanto ao resto, os custos associados ao aumento das emissões de NOx e de PM2,5 a que se refere a República da Bulgária não são suscetíveis de demonstrar, tendo em conta o respetivo montante em toda a União, o caráter grave do prejuízo alegado pela República da Bulgária.

    77

    Por conseguinte, há que concluir que as provas apresentadas pela República da Bulgária não são suficientes para demonstrar que os efeitos ambientais da aplicação da medida controvertida são suscetíveis de causar, de forma previsível, um prejuízo grave e irreparável.

    78

    Tendo em conta o acima exposto, afigura‑se que a República da Bulgária não demonstrou que a aplicação da medida controvertida no período compreendido entre a assinatura do presente despacho e a prolação do acórdão que põe termo ao processo C‑545/20 é suscetível de causar, de forma previsível com um grau de probabilidade suficiente, um prejuízo grave e irreparável e, por conseguinte, que o requisito relativo à urgência está preenchido.

    79

    Tendo em conta o caráter cumulativo dos requisitos das medidas provisórias, há, por conseguinte, que indeferir o pedido de medidas provisórias, sem que seja necessário analisar os requisitos relativos ao fumus boni juris e à ponderação de interesses.

    80

    Em conformidade com o artigo 137.o do Regulamento de Processo, o Tribunal decidirá sobre as despesas no acórdão ou no despacho que porá termo à instância.

     

    Pelos fundamentos expostos, o vice‑presidente do Tribunal de Justiça decide:

     

    1)

    O pedido de medidas provisórias é indeferido.

     

    2)

    Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: búlgaro.

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