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Document 62020CJ0719

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 12 de maio de 2022.
Comune di Lerici contra Provincia di La Spezia.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato.
Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Gestão dos resíduos — Adjudicação “in house” — Diretiva 2014/24/UE — Artigos 12.o e 72.o — Perda das condições de “controlo análogo” na sequência de uma concentração de sociedades — Possibilidade de o operador económico sucessor prosseguir a prestação de serviços.
Processo C-719/20.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:372

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

12 de maio de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Gestão dos resíduos — Adjudicação “in house” — Diretiva 2014/24/UE — Artigos 12.o e 72.o — Perda das condições de “controlo análogo” na sequência de uma concentração de sociedades — Possibilidade de o operador económico sucessor prosseguir a prestação de serviços»

No processo C‑719/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por Decisão de 18 de novembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de dezembro de 2020, no processo

Comune di Lerici

contra

Provincia di La Spezia,

sendo intervenientes:

IREN SpA,

ACAM Ambiente SpA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, S. Rodin, J.‑C. Bonichot, L. S. Rossi e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Comune di Lerici, por A. Fantappié e M. Clarich, avvocati,

em representação da Provincia di La Spezia, por P. Piciocchi, avvocato,

em representação da ACAM Ambiente SpA e da IREN SpA, por D. Anselmi, avvocatessa, e A. Lolli, avvocato,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. L. Vitale, avvocato dello Stato,

em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por G. Wils, G. Gattinara e P. Ondrůšek, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.o da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Comune di Lerici (Município de Lerici, Itália) à Provincia di La Spezia (Província de La Spezia, Itália) a respeito da aprovação, por esta última, de um plano que adjudica à ACAM Ambiente SpA a gestão do serviço de resíduos deste município até 2028.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 12.o da Diretiva 2014/24 prevê:

«1.   Um contrato público adjudicado por uma autoridade adjudicante a outra pessoa coletiva de direito privado ou público fica excluído do âmbito da presente diretiva quando estiverem preenchidas todas as seguintes condições:

a)

A autoridade adjudicante exerce sobre a pessoa coletiva em causa um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços;

b)

Mais de 80 % das atividades da pessoa coletiva controlada são realizadas no desempenho de funções que lhe foram confiadas pela autoridade adjudicante que a controla ou por outras pessoas coletivas controladas pela referida autoridade adjudicante; e

c)

Não há participação direta de capital privado na pessoa coletiva controlada, com exceção das formas de participação de capital privado sem poderes de controlo e sem bloqueio exigidas pelas disposições legislativas nacionais, em conformidade com os Tratados, e que não exercem influência decisiva na pessoa coletiva controlada.

Considera‑se que uma autoridade adjudicante exerce sobre uma pessoa coletiva um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, na aceção da alínea a) do primeiro parágrafo, quando exerce uma influência decisiva sobre os objetivos estratégicos e as decisões relevantes da pessoa coletiva controlada. Esse controlo pode ser igualmente exercido por outra pessoa coletiva, que, por sua vez, é controlada da mesma forma pela autoridade adjudicante.

2.   O n.o 1 aplica‑se igualmente quando uma pessoa coletiva controlada que é uma autoridade adjudicante adjudica um contrato à autoridade adjudicante que a controla, ou a outra pessoa coletiva controlada pela mesma autoridade adjudicante, desde que não haja participação direta de capital privado na pessoa coletiva à qual o contrato público é adjudicado, com exceção das formas de participação de capital privado sem poderes de controlo e sem bloqueio exigidas pelas disposições legislativas nacionais em conformidade com os Tratados, e que não exercem influência decisiva na pessoa coletiva controlada.

3.   Uma autoridade adjudicante que não exerce controlo sobre uma pessoa coletiva de direito público ou privado na aceção do n.o 1 pode, no entanto, adjudicar um contrato público sem aplicar a presente diretiva a essa pessoa coletiva quando estiverem preenchidas todas as seguintes condições:

a)

A autoridade adjudicante, conjuntamente com outras autoridades adjudicantes, exerce sobre a pessoa coletiva em causa um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços;

b)

Mais de 80 % das atividades da pessoa coletiva em causa são realizadas no desempenho de funções que lhe foram confiadas pelas autoridades adjudicantes que a controlam ou por outras pessoas coletivas controladas pelas mesmas autoridades adjudicantes;

c)

Não há participação direta de capital privado na pessoa coletiva controlada, com exceção das formas de participação de capital privado sem poderes de controlo e sem bloqueio exigidas pelas disposições legislativas nacionais, em conformidade com os Tratados, e que não exercem influência decisiva na pessoa coletiva controlada.

Para efeitos da alínea a) do primeiro parágrafo, considera‑se que as autoridades adjudicantes exercem conjuntamente um controlo sobre uma pessoa coletiva quando estiverem preenchidas todas as seguintes condições:

i)

os órgãos de decisão da pessoa coletiva controlada são compostos por representantes de todas as autoridades adjudicantes participantes. Várias ou todas as autoridades adjudicantes participantes podem fazer‑se representar por representantes individuais,

ii)

essas autoridades adjudicantes podem exercer conjuntamente uma influência decisiva sobre os objetivos estratégicos e as decisões relevantes da pessoa coletiva controlada,

iii)

a pessoa coletiva controlada não persegue quaisquer interesses contrários aos interesses das autoridades adjudicantes que a controlam.

4.   Um contrato celebrado exclusivamente entre duas ou mais autoridades adjudicantes não releva do âmbito de aplicação da presente diretiva quando estiverem preenchidas todas as seguintes condições:

a)

O contrato estabelece ou executa uma cooperação entre as autoridades adjudicantes participantes, a fim de assegurar que os serviços públicos que lhes cabe executar sejam prestados com o propósito de alcançar os objetivos que têm em comum;

b)

A execução da referida cooperação é unicamente regida por considerações de interesse público; e

c)

As autoridades adjudicantes participantes exercem no mercado livre menos de 20 % das atividades abrangidas pela cooperação.

5.   Para determinar a percentagem de atividades referida no n.o 1, primeiro parágrafo, alínea b), no n.o 3, primeiro parágrafo, alínea b), e no n.o 4, alínea c), deve ser tido em conta o volume médio total de negócios, ou uma medida alternativa adequada, baseada na atividade, por exemplo os custos suportados pela pessoa coletiva em causa ou pela autoridade contratante no que diz respeito a serviços, fornecimentos e obras, nos três anos anteriores à adjudicação do contrato.

Se, devido à data de criação ou de início de atividade da pessoa coletiva em causa ou a autoridade contratante devido à reorganização das suas atividades, o volume de negócios, ou a medida alternativa adequada baseada na atividade, não estiverem disponíveis para os três anos anteriores ou já não forem relevantes, basta mostrar que a medição da atividade é credível, nomeadamente através de projeções de atividades.»

4

Nos termos do artigo 18.o, n.o 1, desta diretiva:

«As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não‑discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.

Os concursos não podem ser organizados no intuito de não serem abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva ou de reduzir artificialmente a concorrência. Considera‑se que a concorrência foi artificialmente reduzida caso o concurso tenha sido organizado no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.»

5

O artigo 67.o, n.o 4, da referida diretiva dispõe:

«Os critérios de adjudicação não podem ter por efeito conferir à autoridade adjudicante uma liberdade de escolha ilimitada. Devem assegurar a possibilidade de concorrência efetiva e ser acompanhados de especificações que permitam verificar efetivamente a informação fornecida pelos proponentes, a fim de avaliar até que ponto estes cumprem os critérios de adjudicação. Em caso de dúvida, as autoridades adjudicantes verificam de facto a exatidão das informações e provas fornecidas pelos proponentes.»

6

O artigo 72.o da mesma diretiva enuncia:

«1.   Os contratos e os acordos‑quadro podem ser modificados sem novo procedimento de contratação, nos termos da presente diretiva, em qualquer dos seguintes casos:

[…]

d)

Se o adjudicatário ao qual a autoridade adjudicante atribuiu inicialmente o contrato for substituído por um novo adjudicatário, por um dos seguintes motivos:

[…]

ii)

transmissão universal ou parcial da posição do contratante inicial, na sequência de operações de reestruturação, incluindo OPA, fusão e aquisição, ou de uma insolvência, para outro operador económico que satisfaça os critérios em matéria de seleção qualitativa inicialmente estabelecidos, desde que daí não advenham outras modificações substanciais ao contrato e que a operação não se destine a contornar a aplicação da presente diretiva, ou

[…]

4.   A modificação de um contrato ou de um acordo‑quadro durante o seu período de vigência é considerada substancial, na aceção do n.o 1, alínea e), quando tornar o contrato ou o acordo‑quadro materialmente diferente do contrato ou acordo‑quadro celebrado inicialmente. Em qualquer caso, sem prejuízo dos n.os 1 e 2, uma modificação é considerada substancial se se verificar uma ou mais das seguintes condições:

a)

A modificação introduz condições que, se fizessem parte do procedimento de contratação inicial, teriam permitido a admissão de outros candidatos ou a aceitação de outra proposta, ou teriam atraído mais participações no concurso;

[…]»

7

O artigo 90.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 18 de abril de 2016. Os Estados‑Membros devem comunicar imediatamente à Comissão o texto dessas disposições.»

Direito italiano

8

O artigo 1.o, n.os 611 e 612, da legge n.o 190 — Disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (legge di stabilità 2015) [Lei n.o 190 sobre as Disposições Relativas à Elaboração do Orçamento Anual e Plurianual do Estado (Lei de Estabilidade 2015, Itália)], de 23 de dezembro de 2014 (GURI n.o 300, de 29 de dezembro de 2014 — Suplemento Ordinário n.o 99, p. 1), prevê:

«611.   Sem prejuízo do disposto no artigo 3.o, n.os 27 a 29, da Lei n.o 244, de 24 de dezembro de 2007, conforme alterada, e no artigo 1.o, n.o 569, da Lei n.o 147, de 27 de dezembro de 2013, conforme alterada, a fim de garantir a coordenação das finanças públicas, a redução das despesas, a boa administração e a proteção da concorrência e do mercado, as regiões, as províncias de Trento e de Bolzano, as autarquias locais, as câmaras do comércio, da indústria, do artesanato e da agricultura, as universidades e os estabelecimentos de ensino superior públicos, assim como as autoridades portuárias iniciarão, a contar de 1 de janeiro de 2015, um processo de racionalização das sociedades e das participações sociais detidas direta ou indiretamente, com vista a reduzir o seu número até 31 de dezembro de 2015, tendo em conta, nomeadamente, os seguintes critérios:

[…]

d)

concentração de sociedades de serviços públicos locais de relevância económica;

[…]

612.   Os presidentes das regiões e das províncias autónomas de Trento e de Bolzano, os presidentes de província, os presidentes de município e os outros órgãos dirigentes da administração pública previstos no n.o 611, nas respetivas áreas de competência, definirão e aprovarão, antes de 31 de março de 2015, um plano operacional de racionalização das sociedades e das participações societárias detidas direta ou indiretamente, as modalidades e os prazos de execução, bem como a apresentação pormenorizada da poupança estimada. Este plano, acompanhado de um relatório técnico específico, deve ser transmitido à secção regional de fiscalização competente do Tribunal de Contas e publicado no sítio Internet institucional da Administração Pública em causa. Os órgãos indicados na primeira frase elaborarão, antes de 31 de março de 2016, um relatório dos resultados obtidos, que deve ser transmitido à secção regional de fiscalização competente do Tribunal de Contas e publicado no sítio Internet institucional da Administração Pública em causa. A publicação do plano e do relatório constitui um requisito de publicidade por força do Decreto n.o 33, de 14 de março de 2013».

9

Nos termos do artigo 3.o‑A, n.o 2‑A, do decreto‑legge n.o 138 — Ulteriori misure urgenti per la stabilizzazione Finanziaria e per lo sviluppo (Decreto‑Lei n.o 138 que estabelece medidas urgentes adicionais de estabilização financeira e de desenvolvimento), de 13 de agosto de 2011 (GURI n.o 216, de 16 de agosto de 2011, p. 89, a seguir «Decreto‑Lei n.o 138/2011»):

«O operador económico que sucede ao concessionário inicial, universal ou parcialmente, na sequência de operações entre sociedades efetuadas segundo procedimentos transparentes, incluindo fusões ou aquisições, desde que sejam respeitados os critérios qualitativos estabelecidos inicialmente, prossegue a gestão dos serviços até ao termo do prazo previsto […]».

10

O artigo 7.o, n.o 5, do decreto legislativo n.o 175 — Testo unico in materia di società a partecipazione pubblica (Decreto Legislativo n.o 175, que aprova o texto único em matéria de sociedades com participação pública), de 19 de agosto de 2016 (GURI n.o 210, de 8 de setembro de 2016, p. 1), dispõe:

«Quando o ato constitutivo exija a participação de sócios privados, a seleção destes é efetuada através de um procedimento de concurso público, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 9, do Decreto Legislativo n.o 50 de 2016».

Litígio no processo principal e questão prejudicial

11

Em 15 de junho de 2005, por decisão expressamente qualificada de «adjudicação “in house”», o Município de Lerici adjudicou à ACAM a gestão do ciclo integrado dos resíduos neste município até 31 de dezembro de 2028, gestão esta confiada, mais especificamente, à sua filial ACAM Ambiente. Nessa data, a ACAM era uma sociedade anónima cujo capital social estava repartido por vários municípios, entre os quais o Município de Lerici.

12

Em 12 de julho de 2013, a ACAM viu‑se forçada a celebrar com os seus credores um acordo de reestruturação de dívidas. No âmbito desse acordo, a ACAM procurou, entre as restantes sociedades de gestão de serviços públicos com participação pública e com atividade no mercado italiano, uma sociedade adequada a fim de realizar uma operação de concentração. No seguimento do concurso público lançado para o efeito, a ACAM selecionou, a fim de realizar uma concentração, a IREN SpA, uma sociedade que opera em todo o território italiano, está sob controlo público e está cotada na Bolsa.

13

Em aplicação de um acordo especial de investimento, celebrado em 29 de dezembro de 2017, os municípios acionistas da ACAM cederam à IREN as ações da ACAM que detinham e adquiriram, subscrevendo um aumento de capital que lhes estava reservado, uma parte correspondente de ações da IREN. A IREN continuou, por intermediário das filiais da ACAM, que por sua vez se tornaram suas próprias filiais, a gerir os serviços inicialmente confiados a essas filiais.

14

Depois de, em 21 de fevereiro de 2017, ter manifestado a sua intenção de não aprovar a operação de concentração entre a ACAM e a IREN, o Município de Lerici decidiu, em 19 de janeiro de 2018, aceitar o acordo de investimento no que se refere apenas à cessão das suas ações da ACAM à IREN, tendo‑as efetivamente cedido em 11 de abril de 2018.

15

Por Decisão de 6 de agosto de 2018, a Província de La Spezia, que passou a ser competente para gerir o serviço integrado dos resíduos urbanos para os municípios da sua área territorial, à qual pertence o Município de Lerici, aprovou a atualização do plano de zona relativo à gestão integrada dos resíduos urbanos da província, na medida em que indicava, com base numa adjudicação in house, a ACAM Ambiente como gestora do serviço para este município até 31 de dezembro de 2028.

16

O Município de Lerici interpôs recurso desta decisão, por considerar que as condições da exceção in house tinham deixado de estar reunidas. Por Acórdão n.o 847/2019, o Tribunale amministrativo regionale per la Liguria (Tribunal Administrativo Regional da Liguria, Itália) negou provimento a esse recurso.

17

O Município de Lerici interpôs recurso desse acórdão para o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália).

18

Em primeiro lugar, sublinha que, embora este município fosse competente para adjudicar, em 2005, o contrato controvertido à ACAM, essa competência tinha, no entanto, sido transferida para as províncias, que estão, atualmente, encarregadas do serviço de gestão integrada dos resíduos urbanos em benefício da totalidade de municípios que integram a sua área territorial.

19

Em segundo lugar, aquele órgão jurisdicional salienta que a operação de concentração, em causa no processo principal, foi concluída com fundamento no artigo 1.o, n.os 611 e 612, da Lei n.o 190, de 23 de dezembro de 2014, cujo objetivo é conter a despesa pública, limitando as participações detidas por entidades públicas em sociedades. Esta operação era, aliás, justificada tendo em conta o facto de a ACAM ter celebrado um acordo de reestruturação da sua dívida. Em tal caso, o artigo 3.o‑A, n.o 2‑A, do Decreto‑Lei n.o 138/2011 prevê que o operador económico que sucede ao adjudicatário inicial prossegue a gestão dos serviços que tinham sido adjudicados a este último até ao termo do prazo previsto.

20

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que há dúvidas quanto à compatibilidade desta legislação com o artigo 12.o da Diretiva 2014/24, relativo à exceção in house no âmbito da adjudicação dos contratos públicos.

21

Com efeito, a operação de concentração, realizada no caso em apreço, teve como consequência que o serviço de gestão dos resíduos urbanos do Município de Lerici, inicialmente adjudicado, sem concurso, à ACAM, sobre a qual não é contestado que este município exercia, conjuntamente com outros municípios, um controlo análogo ao que exercia sobre os seus próprios serviços, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, está agora adjudicado à IREN, e, por intermediário desta, à sua filial ACAM Ambiente, sem que tal controlo do Município de Lerici subsista sobre nenhuma destas sociedades. Assim, não só a participação adquirida por este município na IREN era pouco significativa, como também desapareceram, a partir do momento em que o referido município cedeu essa participação, as ligações entre o mesmo e a IREN.

22

Ora, a Província de La Spezia decidiu atribuir diretamente, sem concurso, o serviço destinado ao Município de Lerici. Por conseguinte, há que determinar se este ajuste direto está em conformidade com as regras do direito da União relativas à adjudicação dos contratos públicos.

23

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, há que examinar, mais especificamente, se o facto de a escolha da ACAM de se fundir com a IREN ter sido precedida de um concurso público deve ser tido em conta neste contexto.

24

A este respeito, esse órgão jurisdicional considera que o objetivo último das regras de direito da União pertinentes é promover a concorrência e que, no âmbito da adjudicação de serviços públicos, esse resultado é alcançado quando vários operadores estão em concorrência, ou estão em condições de o estar, a fim de obter o contrato em causa, independentemente da qualificação jurídica do instrumento que permite alcançar esse objetivo. Nestas condições, o referido órgão jurisdicional tende a considerar que não é relevante que a adjudicação de um determinado serviço tenha sido feita através de um procedimento de concurso cujo objetivo é precisamente a adjudicação desse serviço ou através de um concurso tendo por objeto a aquisição das ações da sociedade que presta esses serviços, uma vez que em ambos os casos a concorrência está assegurada.

25

Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 12.o da Diretiva 2014/24/UE, de 26 de fevereiro de 2014, opõe‑se a uma legislação nacional que obriga a que se proceda a uma concentração de sociedades de serviços públicos locais de relevância económica, na sequência da qual o operador económico que [sucedeu] ao concessionário inicial em virtude de operações societárias realizadas segundo procedimentos transparentes, incluindo fusões ou aquisições, prossegue a gestão dos serviços até ao termo dos prazos previstos, no caso de:

a)

o concessionário inicial ser uma sociedade adjudicatária “in house” com base num controlo análogo com participações múltiplas;

b)

o operador económico sucessor ter sido selecionado através de concurso público;

c)

na sequência da operação societária de concentração, os requisitos do controlo análogo com participações múltiplas já não se verificarem em relação a nenhuma das entidades locais que adjudicaram originalmente o serviço em causa?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade da questão

26

Em conformidade com o artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, qualquer pedido de decisão prejudicial deve conter «uma exposição sumária do objeto do litígio bem como dos factos pertinentes, conforme apurados pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou, no mínimo, uma exposição dos dados factuais em que as questões assentam», «o teor das disposições nacionais suscetíveis de se aplicar no caso concreto e, sendo caso disso, a jurisprudência nacional pertinente», bem como «a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal».

27

No caso em apreço, contrariamente ao que sustenta o Governo austríaco, a decisão de reenvio contém uma descrição do quadro factual e regulamentar do litígio no processo principal suficiente para satisfazer as exigências do artigo 94.o do Regulamento de Processo.

28

Assim, por um lado, a decisão de reenvio retoma o teor das disposições nacionais aplicáveis ao litígio no processo principal. Por outro lado, a descrição, pelo órgão jurisdicional de reenvio, das Decisões de 15 de junho de 2005 e de 6 de agosto de 2018, bem como do concurso lançado pela ACAM, é suficiente para compreender as razões que conduziram à escolha das disposições do direito da União cuja interpretação este órgão jurisdicional pede, bem como o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido.

29

Daqui resulta que a questão submetida ao Tribunal de Justiça é admissível.

Quanto ao mérito

30

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2014/24 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacional por força da qual a execução de um contrato público, adjudicado inicialmente, sem concurso, a uma entidade in house, sobre a qual a autoridade adjudicante exercia, conjuntamente, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, seja prosseguida automaticamente pelo operador económico que adquiriu essa entidade, no termo de um procedimento de concurso, quando essa autoridade adjudicante não dispõe de tal controlo sobre este operador económico.

31

A título preliminar, resulta, em primeiro lugar, da decisão de reenvio que, durante o ano de 2005, o Município de Lerici adjudicou, até 2028, a gestão do seu serviço de resíduos à ACAM, sendo a gestão operacional deste serviço confiada à sua filial, a ACAM Ambiente. À data desta adjudicação, o capital social da ACAM era exclusivamente detido por alguns municípios, entre os quais o Município de Lerici.

32

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o contrato assim adjudicado à ACAM constituía um contrato público de serviços, pelo que esta adjudicação podia ter sido realizada sem concurso uma vez que, designadamente, o Município de Lerici exercia sobre a ACAM, conjuntamente com os outros municípios acionistas, um controlo análogo ao que estes municípios exerciam sobre os seus próprios serviços, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2008, Coditel Brabant, C‑324/07, EU:C:2008:621, n.o 50). Há que responder à questão prejudicial com base nesta premissa.

33

A este respeito, importa recordar que a Diretiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO 1992, L 209, p. 1), aplicável no momento da celebração do contrato entre o Município de Lerici e a ACAM, não obrigava uma autoridade adjudicante a lançar um concurso público quando exercesse sobre a entidade adjudicatária um controlo análogo ao que exercia sobre os seus próprios serviços e quando essa entidade realizasse o essencial da sua atividade com a autoridade adjudicante ou as autoridades adjudicantes que a detinham. Com efeito, perante uma tal adjudicação in house, presume‑se que a autoridade adjudicante recorre aos seus próprios meios uma vez que, mesmo sendo juridicamente distinta da entidade adjudicatária, esta última pode, na prática, ser equiparada aos serviços internos da autoridade adjudicante (v., neste sentido, acórdãos de 11 de janeiro de 2005, Stadt Halle e RPL Lochau, C‑26/03, EU:C:2005:5, n.o 49, e de 18 de junho de 2020, Porin kaupunki, C‑328/19, EU:C:2020:483, n.o 66).

34

Por outro lado, em caso de recurso a uma entidade detida em conjunto por várias autoridades públicas, o Tribunal de Justiça declarou que o «controlo análogo», na aceção do número anterior, podia ser exercido conjuntamente por essas autoridades (v., neste sentido, acórdãos de 13 de novembro de 2008, Coditel Brabant, C‑324/07, EU:C:2008:621, n.o 50, e de 8 de maio de 2014, Datenlotsen Informationssysteme, C‑15/13, EU:C:2014:303, n.o 27).

35

Em segundo lugar, resulta igualmente da decisão de reenvio que, após ter celebrado, em 2013, um acordo de reestruturação de dívidas com os seus credores, a ACAM decidiu lançar um concurso público a fim de selecionar um operador económico com o qual pudesse realizar uma operação de concentração. Este concurso conduziu à seleção da IREN, que adquiriu a totalidade das ações da ACAM detidas pelos municípios acionistas. Estes últimos adquiriram, ao abrigo de um aumento de capital desta sociedade que lhes estava reservado, uma participação social correspondente em ações da IREN, tendo o Município de Lerici, por seu turno, decidido aceitar o acordo acima mencionado apenas na medida em que implicava a cessão das suas ações da ACAM.

36

Em conformidade com o artigo 3.o‑A, n.o 2‑A, do Decreto‑Lei n.o 138/2011, a ACAM Ambiente, agora integralmente detida pela IREN, continuou a assegurar o serviço de gestão de resíduos dos municípios anteriormente acionistas da ACAM, incluindo do Município de Lerici.

37

Feitas estas clarificações preliminares, importa salientar que, quando um contrato público, como no caso em apreço, tiver sido adjudicado, sem concurso, a uma sociedade de capital público em conformidade com a jurisprudência mencionada nos n.os 33 e 34 do presente acórdão, a aquisição desta sociedade por outro operador económico, durante o período de vigência desse contrato, é suscetível de constituir uma modificação de uma condição fundamental do contrato que exige a realização de um concurso (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de abril de 2006, ANAV, C‑410/04, EU:C:2006:237, n.os 30 a 32, e de 10 de setembro de 2009, Sea, C‑573/07, EU:C:2009:532, n.o 53).

38

Com efeito, tal modificação pode ter como consequência que a entidade adjudicatária deixe de poder, na prática, ser equiparada aos serviços internos da autoridade adjudicante, na aceção do n.o 34 do presente acórdão, e, por conseguinte, que a execução do contrato público em causa deixe de poder ser prosseguida sem a realização de um concurso, não se podendo considerar que essa autoridade adjudicante recorre aos seus próprios meios.

39

No caso em apreço, uma vez que a aquisição da ACAM pela IREN ocorreu durante o ano de 2017, isto é, depois de decorrido o prazo de transposição da Diretiva 2014/24 pelos Estados‑Membros, tal como fixado no seu artigo 90.o, n.o 1, é à luz das disposições desta última diretiva que se deve examinar se tal modificação carecia da abertura de um concurso (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Sisal e o., C‑721/19 e C‑722/19, EU:C:2021:672, n.o 28 e jurisprudência referida).

40

A este respeito, em primeiro lugar, o artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24 prevê que um contrato público pode ser modificado, sem novo procedimento de contratação em conformidade com as exigências desta diretiva, quando o contratante inicial é substituído por um novo adjudicatário, na sequência, nomeadamente, da aquisição do primeiro pelo segundo desde que este último satisfaça os critérios em matéria de seleção qualitativa inicialmente estabelecidos e desde que daí não advenham outras modificações substanciais do contrato e que a operação não se destine a contornar a aplicação da referida diretiva.

41

Por conseguinte, resulta da redação deste artigo 72.o, n.o 1, que o seu âmbito de aplicação se limita à hipótese de o sucessor do contratante original prosseguir a execução de um contrato público que foi objeto de um processo de contratação inicial em conformidade com as exigências impostas pela Diretiva 2014/24, entre as quais figura o respeito dos princípios da não discriminação, da igualdade e da concorrência efetiva entre os operadores económicos, conforme recordados e concretizados no artigo 18.o, n.o 1, e no artigo 67.o, n.o 4, desta diretiva.

42

Tal interpretação é corroborada pelo n.o 4 deste artigo 72.o, por força do qual uma modificação do contrato é considerada substancial quando introduz condições que, se fizessem parte do procedimento de contratação inicial, teriam permitido a admissão de outros candidatos ou a aceitação de outra proposta, ou teriam atraído mais participações no concurso, bem como pelo objetivo de abertura dos contratos públicos à mais ampla concorrência possível, prosseguido pelas diretivas nesta matéria em benefício não apenas dos operadores económicos mas também das autoridades adjudicantes (Acórdão de 27 de novembro de 2019, Tedeschi e Consorzio Stabile Istant Service, C‑402/18, EU:C:2019:1023, n.o 39).

43

Por conseguinte, uma modificação do contratante, como a que está em causa no processo principal, não pode, contrariamente ao que sustenta o Governo austríaco, ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 72.o da Diretiva 2014/24, uma vez que o contrato público em causa no processo principal tinha sido inicialmente adjudicado a uma entidade in house, sem concurso.

44

Em segundo lugar, importa salientar que o artigo 12.o, n.os 1 a 3, da Diretiva 2014/24 integra, nomeadamente, os princípios recordados nos n.os 33 e 34 do presente acórdão, enquanto precisa as condições em que as adjudicações in house escapam ao âmbito de aplicação desta diretiva.

45

Mais especificamente, ao abrigo do artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2014/24, um contrato público pode ser adjudicado sem aplicar os procedimentos de contratação previstos nesta diretiva quando a autoridade adjudicante, conjuntamente com outras autoridades adjudicantes, exerça sobre o adjudicatário um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, quando mais de 80 % das atividades deste adjudicatário sejam realizadas no desempenho de funções que lhe foram confiadas por estas autoridades adjudicantes ou por outras pessoas coletivas controladas por estas últimas e, por último, quando não há participação direta de capital privado nesse adjudicatário, com exceção das formas de participação de capital privado sem poderes de controlo e sem bloqueio exigidas pelas disposições legislativas nacionais, em conformidade com os Tratados, e que não exercem influência decisiva no adjudicatário.

46

Além disso, resulta do último parágrafo do artigo 12.o, n.o 3, que a existência de um controlo conjunto, na aceção desta disposição, pressupõe, nomeadamente, que todas as entidades adjudicantes estejam representadas nos órgãos de decisão da entidade controlada e possam exercer conjuntamente uma influência decisiva sobre os objetivos estratégicos e as decisões relevantes dessa entidade.

47

Ora, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, por um lado, que o Município de Lerici não dispunha, à data da decisão objeto do recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, de nenhuma participação no capital da IREN, o qual está, aliás, largamente aberto a participações privadas. Por outro lado, não se afigura que este município estivesse representado nos órgãos de decisão desta sociedade nem que estivesse em condições de influenciar, ainda que conjuntamente com os outros municípios que detinham a ACAM, os objetivos estratégicos ou as decisões relevantes da IREN.

48

Daqui resulta que não se afigura que as condições previstas no artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2014/24, que permitem considerar que a adjudicação de um contrato público escapa ao âmbito de aplicação dos procedimentos de contratação previstos por esta diretiva, estejam preenchidas, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

49

Também não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a IREN e o Município de Lerici mantivessem entre si uma relação tal que se pudesse considerar estarem preenchidas as condições estabelecidas pelo artigo 12.o, n.os 1 ou 2, desta diretiva, que permitem qualificar esse contrato de «operação in house».

50

Sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, deve, por conseguinte, considerar‑se que a prossecução da execução do contrato público pela IREN no processo principal resulta da modificação de uma condição fundamental do contrato que exige a abertura de um concurso, pelo que a Diretiva 2014/24 só autorizaria a IREN a prosseguir tal execução depois de ter sido selecionada como adjudicatária do referido contrato no termo de um procedimento de contratação em conformidade com as exigências desta diretiva.

51

A circunstância de a IREN ter sido selecionada pela ACAM e, por conseguinte, pelos municípios que detinham esta sociedade no termo de um concurso público, não altera essa conclusão.

52

Com efeito, basta observar que, como salientado no n.o 47 do presente acórdão, à data da decisão objeto de recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, o Município de Lerici não detinha nenhuma participação, ainda que indireta, na IREN.

53

No âmbito da execução do contrato público em causa no processo principal, a IREN não pode, por conseguinte, ser equiparada a uma sociedade de capital misto, detida simultaneamente pela autoridade adjudicante, ainda que indiretamente, e por uma entidade que tenha sido selecionada por esta no termo de um procedimento transparente e aberto à concorrência, na aceção do Acórdão de 15 de outubro de 2009, Acoset (C‑196/08, EU:C:2009:628).

54

Por conseguinte, sem que seja necessário analisar as características do concurso público através do qual a IREN foi selecionada, esse procedimento não pode, de qualquer modo, equivaler, no caso do contrato público em causa no processo principal, a um procedimento de contratação conforme às exigências previstas pela Diretiva 2014/24, uma vez que a IREN, tanto antes da operação de concentração com a ACAM como depois da aquisição das participações sociais pelos outros municípios, era uma entidade alheia ao Município de Lerici.

55

Tendo em conta o que precede, há que concluir que a Diretiva 2014/24 se opõe a que a execução de um contrato público objeto de adjudicação in house prossiga, sem concurso, quando a autoridade adjudicante já não detém nenhuma participação, ainda que indireta, na entidade adjudicatária e já não dispõe de nenhum controlo sobre a mesma.

56

Importa ainda acrescentar que tal conclusão se impõe mesmo na hipótese de, como a decisão de reenvio poderia deixar entender, se considerar que o contrato público em causa no processo principal foi objeto de uma nova adjudicação pela Província de La Spezia.

57

Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, em 6 de agosto de 2018, esta província, que passou a ser competente para gerir o serviço de resíduos dos municípios da sua área territorial, aprovou a atualização do plano de zona relativo à gestão integrada dos resíduos urbanos da província, na medida em que atribuía à ACAM Ambiente a gestão do serviço de resíduos do Município de Lerici até 2028.

58

Ora, mesmo admitindo que a Decisão de 6 de agosto de 2018 deva ser analisada no sentido de que adjudica a gestão desse serviço de resíduos à ACAM Ambiente, filial integralmente detida pela IREN, a verdade é que tal atribuição por ajuste direto não satisfaria as exigências impostas pela Diretiva 2014/24.

59

Com efeito, por um lado, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a Província de La Spezia e a ACAM Ambiente se encontrem numa das situações enumeradas no artigo 12.o desta diretiva. Há que salientar nomeadamente que esta província não parece deter nenhuma participação no capital social da IREN e, por conseguinte, no capital social da ACAM Ambiente, nem dispor de nenhum poder de controlo sobre essas entidades.

60

Daqui resulta que, sob reserva das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, não se afigura que o artigo 12.o da Diretiva 2014/24 seja suscetível de justificar a adjudicação pela Província de La Spezia, sem concurso, do contrato público de serviços à ACAM Ambiente.

61

Por outro lado, tendo em conta os elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, tal adjudicação também não aparenta poder ser equiparada a uma adjudicação de um contrato público a uma sociedade de economia mista nas condições recordadas no n.o 53 do presente acórdão. Assim, basta recordar que, como foi sublinhado no n.o 59 do presente acórdão, a Província de La Spezia não parece deter nenhuma participação na IREN e, portanto, na ACAM Ambiente.

62

Resulta de todas as considerações precedentes que a Diretiva 2014/24 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacional por força da qual a execução de um contrato público, adjudicado inicialmente, sem concurso, a uma entidade in house, sobre a qual a autoridade adjudicante exercia, conjuntamente, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, seja prosseguida automaticamente pelo operador económico que adquiriu essa entidade, no termo de um procedimento de concurso, quando essa autoridade adjudicante não dispõe de tal controlo sobre este operador económico nem detém nenhuma participação no seu capital social.

Quanto às despesas

63

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

A Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacional por força da qual a execução de um contrato público, adjudicado inicialmente, sem concurso, a uma entidade in house, sobre a qual a autoridade adjudicante exercia, conjuntamente, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, seja prosseguida automaticamente pelo operador económico que adquiriu essa entidade, no termo de um procedimento de concurso, quando essa autoridade adjudicante não dispõe de tal controlo sobre este operador económico nem detém nenhuma participação no seu capital social.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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