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Document 62020CJ0632
Judgment of the Court (Grand Chamber) of 17 January 2023.#Kingdom of Spain v European Commission.#Appeal – External relations – Stabilisation and Association Agreement between the European Union and the European Atomic Energy Community, of the one part, and Kosovo, of the other part – Electronic communications – Regulation (EU) 2018/1971 – Body of European Regulators for Electronic Communications (BEREC) – Article 35(2) – Participation of the regulatory authority of Kosovo in that body – Concepts of ‘third country’ and ‘third State’ – Competence of the European Commission.#Case C-632/20 P.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 17 de janeiro de 2023.
Reino de Espanha contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Relações externas — Acordo de Estabilização e Associação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Kosovo, por outro — Comunicações eletrónicas — Regulamento (UE) 2018/1971 — Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (ORECE) — Artigo 35.o, n.o 2 — Participação da autoridade reguladora do Kosovo nesse organismo — Conceitos de “país terceiro” e de “Estado terceiro” — Competência da Comissão Europeia.
Processo C-632/20 P.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 17 de janeiro de 2023.
Reino de Espanha contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Relações externas — Acordo de Estabilização e Associação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Kosovo, por outro — Comunicações eletrónicas — Regulamento (UE) 2018/1971 — Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (ORECE) — Artigo 35.o, n.o 2 — Participação da autoridade reguladora do Kosovo nesse organismo — Conceitos de “país terceiro” e de “Estado terceiro” — Competência da Comissão Europeia.
Processo C-632/20 P.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:28
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
17 de janeiro de 2023 ( *1 )
«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Relações externas — Acordo de Estabilização e Associação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Kosovo, por outro — Comunicações eletrónicas — Regulamento (UE) 2018/1971 — Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (ORECE) — Artigo 35.o, n.o 2 — Participação da autoridade reguladora do Kosovo nesse organismo — Conceitos de “país terceiro” e de “Estado terceiro” — Competência da Comissão Europeia»
No processo C‑632/20 P,
que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 24 de novembro de 2020,
Reino de Espanha, representado inicialmente por S. Centeno Huerta e, em seguida, por A. Gavela Llopis, na qualidade de agentes,
recorrente,
sendo a outra parte no processo:
Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre, M. Kellerbauer e T. Ramopoulos, na qualidade de agentes,
recorrida em primeira instância,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),
composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos e M. Safjan, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, T. von Danwitz, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen (relator), M. Gavalec, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, juízes,
advogado‑geral: J. Kokott,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de junho de 2022,
profere o presente
Acórdão
1 |
Com o presente recurso, o Reino de Espanha requer a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 23 de setembro de 2020, Espanha/Comissão (T‑370/19, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2020:440), através do qual este julgou improcedente o pedido de anulação da Decisão da Comissão, de 18 de março de 2019, relativa à participação da autoridade reguladora nacional do Kosovo no Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (JO 2019, C 115, p. 26; a seguir «decisão controvertida»). |
Quadro jurídico
AEA Kosovo
2 |
O considerando 17 do Acordo de Estabilização e de Associação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Kosovo, por outro (JO 2016, L 71, p. 3; a seguir «AEA Kosovo»), enuncia que este acordo «em nada prejudica as posições sobre o estatuto e está em consonância com a Resolução 1244/1999 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) e com o parecer do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre a declaração de independência do Kosovo». |
3 |
O artigo 2.o do referido acordo prevê: «Nenhum dos termos, formulações ou definições utilizados no presente Acordo, incluindo os respetivos anexos e protocolos, constitui um reconhecimento do Kosovo pela [União Europeia] como um Estado independente nem um reconhecimento do Kosovo nessa qualidade por parte dos Estados‑Membros quando estes não tenham, a título individual, assumido anteriormente essa posição.» |
4 |
O artigo 111.o do mesmo acordo, sob a epígrafe «Redes e serviços de comunicações eletrónicas», dispõe: «A cooperação incide principalmente em domínios prioritários relacionados com o acervo da [União Europeia] nesta matéria. As Partes reforçam, nomeadamente, a cooperação no setor das redes e dos serviços de comunicações eletrónicas, tendo por objetivo final a adoção pelo Kosovo, cinco anos após a entrada em vigor do presente acordo, do acervo da [União Europeia] neste setor, prestando especial atenção à garantia e reforço da independência das autoridades reguladoras competentes.» |
Regulamento (UE) 2018/1971
5 |
Os considerandos 5, 13, 20, 22, 25, 29 e 34 do Regulamento (UE) 2018/1971 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que cria o Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (ORECE) e a Agência de Apoio ao ORECE (Gabinete do ORECE), e que altera o Regulamento (UE) 2015/2120 e revoga o Regulamento (CE) n.o 1211/2009 (JO 2018, L 321, p. 1), têm a seguinte redação:
[…]
[…]
[…]
[…]
[…]
[…]
|
6 |
O artigo 3.o do Regulamento 2018/1971, sob a epígrafe «Objetivos do ORECE», tem a seguinte redação: «1. As atividades do ORECE inscrevem‑se no âmbito dos Regulamentos (UE) n.o 531/2012 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2012, relativo à itinerância nas redes de comunicações móveis públicas da União (JO 2012, L 172, p. 10)] e (UE) 2015/2120 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, que estabelece medidas respeitantes ao acesso à Internet aberta e que altera a Diretiva 2002/22/CE relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas e o Regulamento (UE) n.o 531/2012 relativo à itinerância nas redes de comunicações móveis públicas da União (JO 2015, L 310, p. 1)] e da Diretiva (UE) 2018/1972 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (JO 2018, L 321, p. 36)]. 2. O ORECE visa os objetivos estabelecidos no artigo 3.o da Diretiva (UE) 2018/1972. Em particular, o ORECE visa garantir a aplicação coerente do quadro regulamentar para as comunicações eletrónicas, no âmbito referido no n.o 1 do presente artigo. 3. O ORECE exerce as suas atribuições com independência, imparcialidade, transparência e de forma atempada. 4. O ORECE apoia‑se nos conhecimentos especializados disponíveis nas [ARN]. […]» |
7 |
O artigo 4.o do Regulamento 2018/1971, sob a epígrafe «Atribuições de regulação do ORECE», enuncia, no seu n.o 4, primeiro parágrafo: «Sem prejuízo do cumprimento do direito aplicável da União, as ARN e a Comissão têm na melhor conta todas as orientações, pareceres, recomendações, posições comuns e melhores práticas adotadas pelo ORECE a fim de assegurar a aplicação coerente do quadro regulamentar para as comunicações eletrónicas no âmbito a que se refere o artigo 3.o, n.o 1.» |
8 |
O artigo 8.o deste regulamento, sob a epígrafe «Independência do conselho de reguladores», prevê: «1. Ao exercer as competências que lhe são conferidas, e sem prejuízo de os seus membros agirem em nome da respetiva ARN, o conselho de reguladores age com independência e objetividade, no interesse da União, independentemente de interesses nacionais ou pessoais específicos. 2. Sem prejuízo da coordenação a que se refere o artigo 3.o, n.o 6, os membros do conselho de reguladores e os seus suplentes não solicitam nem aceitam instruções de governos, instituições, pessoas ou organismos.» |
9 |
O artigo 9.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Funções do conselho de reguladores», dispõe: «Compete ao conselho de reguladores: […]
[…]» |
10 |
O artigo 15.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Composição do conselho de administração», enuncia, no seu n.o 3: «Os membros do conselho de administração e os seus suplentes não solicitam nem aceitam instruções de governos, instituições, pessoas ou organismos.» |
11 |
O artigo 16.o do Regulamento 2018/1971, sob a epígrafe «Funções administrativas do conselho de administração», prevê no seu n.o 1: «O conselho de administração tem as seguintes funções administrativas: […]
[…]» |
12 |
O artigo 20.o deste regulamento, sob a epígrafe «Responsabilidades do diretor», dispõe, nos seus n.os 3 e 6: «3. Sem prejuízo das competências do conselho de reguladores, do conselho de administração e da Comissão, o diretor é independente no exercício das suas funções e não solicita nem recebe instruções de governos, instituições, pessoas ou organismos. […] 6. O diretor é responsável pela execução das atribuições conferidas ao Gabinete do ORECE, com base nas orientações fornecidas pelo conselho de reguladores e pelo conselho de administração. Está encarregado, nomeadamente, por: […]
|
13 |
Nos termos do artigo 35.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Cooperação com os órgãos da União, os países terceiros e as organizações internacionais»: «1. Na medida do necessário para atingir os objetivos estabelecidos no presente regulamento e para exercer as suas atribuições, e sem prejuízo das competências dos Estados‑Membros e das instituições da União, o ORECE e o Gabinete do ORECE podem cooperar com os órgãos, os organismos e os grupos consultivos competentes da União, com as autoridades competentes dos países terceiros e com as organizações internacionais. Para esse efeito, o ORECE e o Gabinete do ORECE podem celebrar acordos, mediante aprovação prévia da Comissão. Esses acordos não criam obrigações jurídicas. 2. O conselho de reguladores, os grupos de trabalho e o conselho de administração estão abertos à participação das autoridades reguladoras dos países terceiros que sejam as principais responsáveis no que respeita às comunicações eletrónicas, caso esses países terceiros tenham celebrado acordos com a União para o efeito. Nos termos das disposições aplicáveis desses acordos, são celebrados acordos que determinam, nomeadamente, a natureza, o âmbito e o modo de participação, sem direito de voto, das autoridades reguladoras dos países terceiros em causa nos trabalhos do ORECE e do Gabinete do ORECE, incluindo disposições relativas à participação nas iniciativas desenvolvidas pelo ORECE, às contribuições financeiras e ao pessoal para o Gabinete do ORECE. No que diz respeito às questões de pessoal, esses acordos devem respeitar sempre o Estatuto dos Funcionários. 3. Como parte do programa de trabalho anual a que se refere o artigo 21.o, o conselho de reguladores adota a estratégia do ORECE para as relações com os órgãos, os organismos e os grupos consultivos competentes da União, com as autoridades competentes dos países terceiros e com as organizações internacionais no que respeita às matérias da competência do ORECE. A Comissão, o ORECE e o Gabinete do ORECE devem celebrar um acordo de trabalho adequado com o objetivo de garantir que o ORECE e o Gabinete do ORECE atuem no âmbito do seu mandato e do quadro institucional existente.» |
14 |
O artigo 42.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Declarações de interesses», enuncia: «1. Os membros do conselho de reguladores e do conselho de administração, o diretor, os peritos nacionais destacados e outras pessoas que não façam parte do pessoal do Gabinete do ORECE apresentam declarações escritas em que indicam os seus compromissos e a existência ou a inexistência de interesses, diretos ou indiretos, que possam ser considerados prejudiciais para a sua independência. […] 2. Os membros do conselho de reguladores, do conselho de administração e dos grupos de trabalho, e outros participantes nas reuniões desses órgãos e desses grupos, o diretor, os peritos nacionais destacados e outras pessoas que não façam parte do pessoal do Gabinete do ORECE devem declarar de forma exata e completa, o mais tardar no início de cada reunião, os interesses que possam ser considerados prejudiciais para a sua independência em relação aos pontos da ordem de trabalhos, e devem abster‑se de participar na discussão e na votação desses pontos. […]» |
Decisão controvertida
15 |
Depois de, nos seus considerandos 1 a 3, respetivamente, fazer referência às disposições do artigo 17.o, n.o 1, TUE, do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 e do artigo 111.o do AEA Kosovo, a decisão controvertida prevê no seu artigo 1.o: «A [ARN] do Kosovo, que é a responsável principal pela supervisão do funcionamento diário dos mercados das redes e dos serviços de comunicações eletrónicas pode participar no conselho de reguladores e nos grupos de trabalho do [ORECE] e no conselho de administração do Gabinete ORECE. Os termos da participação da [ARN] do Kosovo são estabelecidos no anexo.» |
Antecedentes do litígio
16 |
Os antecedentes do litígio estão expostos nos n.os 1 a 11 do acórdão recorrido e podem ser resumidos do seguinte modo para efeitos do presente processo. |
17 |
No período compreendido entre 2001 e 2015, a União Europeia assinou acordos de estabilização e de associação com seis países dos Balcãs Ocidentais, entre os quais a Bósnia‑Herzegovina e o Kosovo. |
18 |
Através da sua Comunicação de 6 de fevereiro de 2018 ao Parlamento Europeu, ao Conselho da União Europeia, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, intitulada «Uma perspetiva de alargamento credível e um maior empenho da [União Europeia] nos Balcãs Ocidentais» [COM(2018) 65 final], a Comissão preconizou ações destinadas a desenvolver a sociedade digital e a alinhar a legislação destes países com a legislação da União. |
19 |
Uma dessas ações consistia em integrar os Balcãs Ocidentais nos órgãos reguladores ou nos grupos de peritos existentes, como o ORECE. Resulta assim do ponto 8.3.1 do documento de trabalho da Comissão, de 22 de junho de 2018, intitulado «Medidas de apoio a uma estratégia digital para os Balcãs Ocidentais» [SWD(2018) 360 final], que uma «relação mais estreita entre as ARN da [União Europeia] e dos Balcãs Ocidentais contribuirá para aproximar as práticas regulamentares da região das da União […] Embora quatro das seis economias dos Balcãs Ocidentais sejam atualmente observadores do ORECE, o Conselho de Reguladores do ORECE concordou em trabalhar mais estreitamente com as seis ARN da região. Tal continuará a ser possível no contexto da revisão do Regulamento [n.o 1211/2009]». |
20 |
Em 18 de março de 2019, a Comissão adotou seis decisões a respeito da participação no ORECE das ARN dos seis países dos Balcãs Ocidentais. Entre essas seis decisões, que se baseiam nomeadamente no artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971, figura a decisão controvertida, através da qual a Comissão autorizou que a ARN do Kosovo participe no Conselho de Reguladores e nos grupos de trabalho do ORECE, bem como no conselho de administração do Gabinete do ORECE. |
Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido
21 |
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de junho de 2019, o Reino de Espanha interpôs recurso de anulação da decisão controvertida. |
22 |
O Reino de Espanha invocou três fundamentos de recurso relativos à violação do artigo 35.o do Regulamento 2018/1971. |
23 |
No acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao referido recurso na íntegra. |
24 |
Com o seu primeiro fundamento de recurso, o Reino de Espanha alegava que a decisão controvertida viola o artigo 35.o do Regulamento 2018/1971, uma vez que o Kosovo não é um «país terceiro» na aceção desta disposição. Depois de ter salientado, no n.o 28 do acórdão recorrido, que o conceito de «país terceiro» não é definido no Regulamento 2018/1971 nem na regulamentação pertinente da União, o Tribunal Geral sublinhou, nos n.os 29 e 30 desse acórdão, que o Tratado FUE utiliza indiferenciadamente os termos «país terceiro» e «Estado terceiro». A este respeito, o Tribunal Geral recordou que a quinta parte do Tratado FUE, intitulada «A ação externa da União», cujo título III tem por objeto a cooperação «com países terceiros» e cujo título VI tem por objeto as relações «com as organizações internacionais e os países terceiros», reflete o facto de a sociedade internacional ser composta por vários atores. Daqui o Tribunal Geral deduziu que as disposições do Tratado FUE relativas aos «países terceiros» destinam‑se a permitir à União celebrar acordos internacionais com entidades territoriais, incluídas no conceito flexível de «países», mas que não são necessariamente «Estados», na aceção do direito internacional. |
25 |
No n.o 35 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que o conceito de «país terceiro» visado no direito primário da União, nomeadamente nos artigos 212.o e 216.o a 218.o TFUE, não pode assumir uma aceção diferente quando esse mesmo conceito figure num diploma de direito secundário. Daqui deduziu, no n.o 36 do mesmo acórdão, que o conceito de «país terceiro» na aceção do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 não equivale ao conceito de «Estado terceiro», assumindo antes um alcance mais amplo que vai além dos Estados soberanos, sem prejuízo da posição da União relativamente ao estatuto do Kosovo como Estado independente que, na qualidade de «país terceiro», também pode ter autoridades públicas, como a ANR do Kosovo. |
26 |
Com o seu segundo fundamento de recurso, o Reino de Espanha alegava que o artigo 111.o do AEA Kosovo não é um acordo celebrado com a União para permitir a participação nos órgãos do ORECE de uma ARN de um país terceiro, na aceção do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971. A este respeito, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 47 a 49 do acórdão recorrido, que estavam verificadas as duas condições de que esta disposição faz depender a participação das ARN dos países terceiros nos órgãos do ORECE, a saber, por um lado, a existência de um «acordo» entre o país terceiro em causa e a União e, por outro, a circunstância de a celebração desse acordo ter sido efetuada «para o efeito». |
27 |
No que diz respeito, em especial, a esta segunda condição, o Tribunal Geral esclareceu, no n.o 53 do acórdão recorrido, que é nomeadamente a participação, acompanhada de direitos limitados, prevista no artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971, que corresponde à cooperação estreita prevista no artigo 111.o do AEA Kosovo, sem contudo equivaler a uma «integração» da ARN do Kosovo na estrutura do ORECE. Por conseguinte, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 54 do acórdão recorrido, que o artigo 111.o do AEA Kosovo constitui um acordo «para o efeito», na aceção do artigo 35.o, n.o 2, deste regulamento. |
28 |
Por último, no que se refere ao terceiro fundamento de recurso, segundo o qual a decisão controvertida viola o artigo 35.o do Regulamento 2018/1971 pelo facto de a Comissão não ter respeitado o procedimento estabelecido para a participação das ARN dos países terceiros no ORECE, o Tribunal Geral salientou, em substância, nos n.os 77 e 81 do acórdão recorrido, que nem o Regulamento 2018/1971 nem nenhuma outra regulamentação da União atribuiu expressamente ao Gabinete do ORECE nem a nenhum outro organismo competência para celebrar os acordos aplicáveis à participação das ARN dos países terceiros, e que, não obstante o seu caráter geral, o artigo 17.o TUE constitui uma base jurídica suficiente para adotar a decisão controvertida. Daqui o Tribunal Geral deduziu, no n.o 82 do acórdão recorrido, que, nos termos desta disposição, a Comissão era competente para fixar unilateralmente na decisão controvertida acordos de trabalho na aceção do artigo 35.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento 2018/1971. |
Pedidos das partes no Tribunal de Justiça
29 |
Com o seu recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Geral, o Reino de Espanha conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
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30 |
A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
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Quanto ao presente recurso
31 |
Em apoio do presente recurso, o Reino de Espanha invoca cinco fundamentos relativos, o primeiro, a um erro de direito na interpretação do conceito de «país terceiro» na aceção do artigo 35.o do Regulamento 2018/1971, o segundo, a um erro de direito na interpretação e aplicação do artigo 111.o do AEA Kosovo, conjugado com o artigo 35.o do Regulamento 2018/1971, pelo facto de o Tribunal Geral ter interpretado erradamente as consequências da falta de tomada de posição da União a respeito do estatuto do Kosovo à luz do direito internacional, o terceiro, a um erro de direito na interpretação destas disposições, uma vez que a cooperação em causa não inclui a participação no ORECE e no conselho de administração do Gabinete do ORECE, o quarto, a um erro de direito pelo facto de o acórdão recorrido ter concluído que o artigo 17.o TUE constitui uma base jurídica válida para adotar a decisão controvertida e, o quinto, a um erro de direito na interpretação do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 pelo facto de o acórdão recorrido ter concluído que os acordos podem ser unilateralmente celebrados pela Comissão. |
Quanto ao primeiro fundamento
Argumentos das partes
32 |
Com o seu primeiro fundamento, o Reino de Espanha alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no n.o 36 do acórdão recorrido quando considerou que o conceito de «país terceiro», na aceção do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971, tem um alcance mais amplo do que o conceito de «Estado terceiro», uma vez que aquele primeiro conceito não visa apenas Estados independentes. Segundo este Estado‑Membro, semelhante interpretação não é conforme com o direito da União nem com o direito internacional. |
33 |
O Reino de Espanha critica o Tribunal Geral por apenas se ter baseado nas disposições do Tratado FUE relativas aos «países terceiros» para destas deduzir, sem proceder a outras análises, que estas disposições se destinam claramente a oferecer a possibilidade de celebrar acordos internacionais com entidades que não sejam Estados. Com efeito, ao fazê‑lo, o Tribunal Geral não identificou nenhum elemento no direito primário da União, nem no direito internacional, suscetível de diferenciar o conceito de «país terceiro» do conceito de «Estado terceiro». |
34 |
Segundo o Reino de Espanha, os conceitos de «país terceiro» e de «Estado terceiro» são equivalentes, embora revistam um grau de formalidade jurídica diferente. Assim, do ponto de vista do direito internacional, cada um dos termos «Estado» e «país» evoca uma dimensão distinta de um mesmo sujeito, tendo cada um o seu próprio âmbito de aplicação. O termo «país» não é utilizado para fazer referência ao estatuto de sujeito de direito internacional, mas sim à sua dimensão física. Estes dois termos podem, por vezes, consoante o contexto, ser indistintamente utilizados. |
35 |
O Reino de Espanha considera que os termos «país terceiro», como utilizados nos Tratados e no Regulamento 2018/1971, não têm um sentido mais amplo nem um sentido diferente daquele que reveste o termo «Estado terceiro». Uma interpretação contrária poderia transformar o conceito de «país terceiro» numa categoria autónoma do direito da União, com um significado diferente daquele que existe no direito internacional, num contexto em que os Estados são os sujeitos‑chave das relações internacionais. |
36 |
A Comissão refuta esta argumentação por ser infundada e sustenta que os termos «país terceiro» e «Estado terceiro» são utilizados de modo distinto no direito da União. Assim, a Comissão celebrou acordos internacionais com o Kosovo na qualidade de «país terceiro», prevista nos artigos 212.o, e 216.o a 218.o TFUE, sem lhe reconhecer o estatuto de Estado. |
Apreciação do Tribunal de Justiça
37 |
A título preliminar, há que salientar que, nos n.os 28 e 29 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou, por um lado, que o conceito de «país terceiro» não é de modo nenhum definido no Regulamento 2018/1971 nem na regulamentação da União em matéria de comunicações eletrónicas, e que, por outro, o Tratado FUE utiliza indistintamente os termos «países terceiros» e «Estado terceiro» nas suas disposições, mas que muitas disposições respeitantes a questões relativas às relações externas utilizam sobretudo o termo «países terceiros». Em especial, o Tribunal Geral indicou que a parte V do Tratado FUE, relativa à ação externa da União, contém um título III sobre a cooperação «com os países terceiros», bem como um título VI sobre as relações «com as organizações internacionais e os países terceiros», refletindo assim o facto de a sociedade internacional ser composta por vários atores. |
38 |
A este respeito, afigura‑se que uma interpretação literal dos Tratados, em especial da parte V do Tratado FUE, não permite determinar o sentido do conceito de «país terceiro» constante do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971. |
39 |
Com efeito, por um lado, os termos «país terceiro» e «Estado terceiro» figuram indistintamente em muitas disposições dos Tratados UE e FUE sem que o recurso a qualquer um destes termos pareça ter uma justificação específica. |
40 |
Por outro lado, segundo jurisprudência constante, a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. |
41 |
A este respeito, conforme a advogada‑geral salientou nos n.os 50 a 52 das suas conclusões, nem todas as versões linguísticas dos Tratados UE e FUE utilizam conjuntamente os termos «Estado terceiro» e «países terceiros». Nas versões, nomeadamente, destes Tratados nas línguas estónia, letã, polaca e eslovena é utilizada a expressão «Estado terceiro». Por outro lado, quando estes dois termos são utilizados na mesma versão linguística, a sua utilização nem sempre coincide com a que figura noutras versões linguísticas destes Tratados. |
42 |
Ora, as disposições de direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de maneira uniforme, à luz das versões redigidas em todas as línguas da União e, em caso de divergência entre essas diferentes versões, a disposição em questão deve ser interpretada em função do contexto e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento [v., neste sentido, Acórdãos de 26 de janeiro de 2021, Hessischer Rundfunk, C‑422/19 e C‑423/19, EU:C:2021:63, n.o 65 e jurisprudência referida, e de 14 de julho de 2022, Itália e Comune di Milano/Conselho (Sede da Agência Europeia de Medicamentos), C‑59/18 e C‑182/18, EU:C:2022:567, n.o 67 e jurisprudência referida]. |
43 |
No caso em apreço, o Tribunal Geral considerou, no n.o 30 do acórdão recorrido, que as disposições do Tratado FUE relativas aos «países terceiros» oferecem a possibilidade de celebrar acordos internacionais com entidades «que não sejam Estados». Foi partindo desta premissa que, no n.o 35 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que o conceito de «país terceiro» utilizado no direito primário da União não pode assumir uma aceção diferente quando esse mesmo conceito figure num texto de direito secundário como o do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971. Daqui, o Tribunal Geral deduziu, no n.o 36 do acórdão recorrido, que o alcance do conceito de «país terceiro», na aceção deste artigo 35.o, n.o 2, vai além dos Estados soberanos. |
44 |
O Tribunal Geral fixou a referida premissa sem tomar em consideração as diferenças entre as versões linguísticas dos Tratados UE e FUE, cuja redação não permite concluir pela existência de uma diferença de significado entre os termos «país terceiro» e «Estado terceiro». |
45 |
A fixação de semelhante diferença de significado colide, por outro lado, com a circunstância, salientada no n.o 39 do presente acórdão, de em várias versões linguísticas destes Tratados só serem utilizados os termos «Estado terceiro». |
46 |
Sucede o mesmo em relação ao Regulamento 2018/1971. Com efeito, como a advogada‑geral salientou no n.o 63 das suas conclusões, os termos «país terceiro» não figuram em todas as versões linguísticas deste regulamento. Nas versões búlgara, estónia, letã, lituana, polaca e eslovena, é utilizado apenas o equivalente dos termos «Estado terceiro». |
47 |
Resulta do que precede que a fundamentação do Tribunal Geral padece assim de um erro de direito. |
48 |
No entanto, há que recordar que, se os fundamentos de uma decisão do Tribunal Geral revelarem uma violação do direito da União, mas se concluir que o seu dispositivo se baseia noutros fundamentos jurídicos, essa violação não é suscetível de acarretar a anulação dessa decisão e há que proceder à substituição da fundamentação (Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho, C‑134/19 P, EU:C:2020:793, n.o 50 e jurisprudência referida). |
49 |
Para verificar se no caso em apreço o dispositivo do acórdão recorrido se baseia noutros fundamentos jurídicos, há que verificar se o Tribunal Geral concluiu acertadamente, no n.o 37 do acórdão recorrido, que a Comissão não violou o artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 quando equiparou o Kosovo a um «país terceiro» na aceção desta disposição. |
50 |
A este respeito, há que observar que, para garantir o efeito útil do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971, uma entidade territorial situada fora da União e em relação à qual esta última não reconheceu a qualidade de Estado independente deve poder ser equiparada a um «país terceiro» na aceção desta disposição, desde que o direito internacional não seja violado [v., neste sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation, C‑286/90, EU:C:1992:453, n.o 9, e de 5 de abril de 2022, Comissão/Conselho (Organização Marítima Internacional), C‑161/20, EU:C:2022:260, n.o 32]. |
51 |
No que se refere ao Kosovo, no seu parecer consultivo de 22 de julho de 2010, Conformidade com o Direito Internacional da Declaração Unilateral de Independência do Kosovo (Colet., TIJ 2010, p. 403), o Tribunal Internacional de Justiça considerou que a adoção da Declaração de Independência do Kosovo de 17 de fevereiro de 2008 não violou o direito internacional geral, a Resolução 1244/1999 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, nem o quadro constitucional aplicável. |
52 |
Esta equiparação não é suscetível de afetar as posições individuais dos Estados‑Membros quanto à questão de saber se o Kosovo tem a qualidade de Estado independente reclamada pelas suas autoridades, como indica a primeira nota de rodapé da decisão controvertida. |
53 |
Decorre dos elementos que precedem que, contrariamente ao que o Reino de Espanha alega, o Kosovo pode ser equiparado a um «país terceiro», na aceção do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 sem que se verifique uma violação do direito internacional. |
54 |
Por outro lado, no que se refere à integração de «países terceiros» no regime de participação previsto no artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971, há que recordar que, segundo o primeiro parágrafo desta disposição, a participação das ARN desses países está sujeita a duas condições cumulativas. A primeira diz respeito à existência de um «acordo» celebrado com a União e, a segunda, à circunstância de esse acordo ter sido celebrado «para o efeito». |
55 |
Como o Tribunal Geral salientou no n.o 32 do acórdão recorrido, a União celebrou vários acordos com o Kosovo, reconhecendo assim a sua capacidade para celebrar esse tipo de acordos. Entre estes figura o AEA Kosovo, cujo artigo 111.o, relativo às redes e serviços de comunicações eletrónicas, prevê que a cooperação instituída diz essencialmente respeito aos domínios prioritários do acervo da União nesta matéria, e que as partes reforçam esta cooperação, tendo por objetivo final a adoção do referido acervo pelo Kosovo, cinco anos após a entrada em vigor do acordo em causa, prestando especial atenção à garantia e reforço da independência das autoridades reguladoras competentes. |
56 |
Além disso, como resulta do n.o 49 do acórdão recorrido, o artigo 111.o do AEA Kosovo é análogo, no que respeita à sua formulação e ao seu contexto, às disposições relativas ao reforço da cooperação em matéria de redes e de serviços de comunicações eletrónicas que constam de outros acordos de estabilização e de associação celebrados pela União com os países dos Balcãs Ocidentais candidatos à adesão, nas quais assenta a participação das ARN desses países nas instâncias do ORECE. Ora, embora o considerando 34 do Regulamento 2018/1971 se refira, de maneira geral, aos acordos celebrados com os Estados‑Membros do EEE/EFTA e com os países candidatos à adesão, como a advogada‑geral salientou no n.o 68 das suas conclusões, a menção do estatuto de país candidato à adesão no referido considerando não visa excluir do âmbito desta cooperação os países que, à semelhança do Kosovo, não pertencem a estas duas categorias, sendo meramente exemplificativa dos acordos visados no artigo 35.o, n.o 2, primeiro parágrafo, deste regulamento. |
57 |
Por conseguinte, deve considerar‑se que o AEA Kosovo também foi celebrado para permitir essa participação, na aceção desta disposição, uma vez que o artigo 111.o deste acordo tem expressamente por objeto a adoção do acervo da União e o reforço da cooperação entre as partes no domínio das redes e serviços de comunicações eletrónicas. |
58 |
Esta apreciação não pode ser posta em causa pela circunstância, sublinhada pelo Reino de Espanha no âmbito do terceiro fundamento do presente recurso, de o artigo 95.o do Acordo de Estabilização e de Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a antiga República jugoslava da Macedónia, por outro (JO 2004, L 84, p. 13), prever expressamente a «cooperação no âmbito das estruturas europeias», circunstância que o Tribunal Geral não mencionou. O Reino de Espanha alega, a este respeito, que, contrariamente a este artigo 95.o, o artigo 111.o do AEA Kosovo não faz nenhuma referência a uma participação num órgão da União como o ORECE. |
59 |
Todavia, essa diferença não prejudica a circunstância, sublinhada no n.o 56 do presente acórdão, de o artigo 111.o do AEA Kosovo ser análogo, no que respeita à sua formulação e ao seu contexto, às disposições relativas ao reforço da cooperação em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas que constam de outros acordos de estabilização e de associação celebrados pela União com países dos Balcãs Ocidentais candidatos à adesão, nos quais assenta a participação das ARN desses países nas instâncias do ORECE, acordos esses que, segundo o considerando 34 do Regulamento 2018/1971, foram celebrados «para o efeito», na aceção do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971. Por conseguinte, é desprovido de pertinência o facto de os termos do AEA Kosovo não serem idênticos aos de um desses acordos. |
60 |
Além disso, quando se refere, no que diz respeito à participação das autoridades de países terceiros no ORECE, aos «acordos [celebrados] com a União para o efeito» e às «disposições aplicáveis desses acordos», o artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 faz depender essa participação da existência de acordos que instituem um quadro de cooperação setorial entre a União e esses países em matéria de redes e de serviços de comunicações eletrónicas, sem todavia exigir que os referidos acordos prevejam expressamente essa participação. |
61 |
A respeito da finalidade do Regulamento 2018/1971, há que salientar que, em conformidade com o objetivo de cooperação que prossegue, o artigo 35.o, n.o 2, deste regulamento abre o Conselho de Reguladores, os grupos de trabalho e o conselho de administração do ORECE à participação das ARN de países terceiros que sejam as principais responsáveis no que respeita às comunicações eletrónicas. |
62 |
Assim, por um lado, resulta do considerando 20 do referido regulamento que o ORECE deve estar habilitado para celebrar acordos com autoridades competentes dos países terceiros com vista a desenvolver relações de cooperação e o intercâmbio de opiniões sobre questões de regulação. Por outro lado, o considerando 34 do mesmo regulamento enuncia que a participação das autoridades reguladoras de países terceiros competentes nas instâncias do ORECE visa continuar a aplicação coerente do quadro regulamentar das comunicações eletrónicas. |
63 |
Ora, o artigo 111.o do AEA Kosovo visa reforçar a cooperação no domínio das redes e dos serviços de comunicações eletrónicas para que o Kosovo possa adotar o acervo da União nesta matéria. |
64 |
Por conseguinte, atendendo a todos os elementos que precedem, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito quando concluiu, no n.o 37 do acórdão recorrido, que a Comissão, quando considerou em substância na decisão controvertida que o Kosovo era equiparável a um «país terceiro», na aceção do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971, não violou esta disposição. |
65 |
O primeiro fundamento deve assim ser julgado improcedente. |
Quanto ao segundo fundamento
Argumentos das partes
66 |
Com o seu segundo fundamento, o Reino de Espanha alega que, no n.o 33 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral interpretou erradamente as consequências decorrentes da não tomada de posição da União sobre o estatuto do Kosovo à luz do direito internacional, violando assim as disposições conjugadas do artigo 111.o do AEA Kosovo e do artigo 35.o do Regulamento 2018/1971. |
67 |
O Reino de Espanha considera que uma vez que nem todos os Estados‑Membros reconheceram a qualidade de Estado ao Kosovo, a Comissão, quando adotou a decisão controvertida, não podia ter autorizado que a ARN do Kosovo participasse na rede de autoridades independentes constituída entre Estados. Tal decisão implicaria que a União reconhecesse uma autoridade de um território, o Kosovo, em relação ao qual a União não adotou nenhuma posição comum para além de reconhecer que se trata de um caso sui generis, permitindo que cada Estado‑Membro determine o tipo de relações que pretende estabelecer com este território. Assim sendo, segundo o Reino de Espanha, da decisão controvertida resulta uma aproximação que, na prática, se poderia traduzir num reconhecimento de facto, implícito, do estatuto do Kosovo como Estado e, por conseguinte, na imposição desse reconhecimento aos Estados‑Membros da União. |
68 |
A Comissão considera que o segundo fundamento é novo e não identifica a norma jurídica violada pelo Tribunal Geral. Por conseguinte, este fundamento é inadmissível, sendo, em todo o caso, desprovido de fundamento jurídico. |
Apreciação do Tribunal de Justiça
69 |
Primeiro, como foi recordado no n.o 52 do presente acórdão, a decisão controvertida indica expressamente, numa primeira nota de rodapé, que a designação do Kosovo no título desta decisão «não prejudica as posições relativas ao Estatuto e é conforme com a Resolução 1244/1999 do Conselho de Segurança das Nações Unidas e com o parecer do [Tribunal Internacional de Justiça] sobre a declaração de independência do Kosovo». Esta indicação também foi incluída no considerando 17 e no artigo 2.o do AEA Kosovo. |
70 |
Segundo, resulta da apreciação que consta dos n.os 56 e 57 do presente acórdão que, atendendo ao artigo 111.o do AEA Kosovo, este acordo visa, nomeadamente, permitir que a ARN do Kosovo participe nas instâncias do ORECE, o que coincide com o objetivo de cooperação com ARN de países terceiros, prosseguido pelo artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2018/1971. A este respeito, o Reino de Espanha não contesta a legalidade deste acordo e deste regulamento, nem o facto de, no Kosovo, existir uma ARN, na aceção do referido regulamento. |
71 |
Daqui resulta que este o Reino de Espanha não pode validamente alegar que, pelo mero facto de estabelecer uma cooperação com a ANR do Kosovo quando dá execução o AEA Kosovo e ao Regulamento 2018/1971, a decisão controvertida viola estes últimos atos e dela decorre um reconhecimento do Kosovo enquanto Estado terceiro. |
72 |
Por conseguinte, a adoção da decisão controvertida pela Comissão não pode ser interpretada no sentido de que implica o reconhecimento implícito pela União do Estatuto do Kosovo enquanto Estado independente. |
73 |
Daqui resulta que é errada a premissa em que se baseia a crítica formulada pelo Reino de Espanha dirigida ao n.o 33 do acórdão recorrido. Por conseguinte, há que julgar o segundo fundamento improcedente sem examinar a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão. |
Quanto ao terceiro fundamento
Argumentos das partes
74 |
Com o seu terceiro fundamento, o Reino de Espanha alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou, nos n.os 49 a 53 do acórdão recorrido, que o objetivo enunciado no artigo 111.o do AEA Kosovo, a saber, a adoção do acervo da União no domínio das comunicações eletrónicas, implica que o Kosovo participe no ORECE, na aceção do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971. |
75 |
Em primeiro lugar, o Reino de Espanha sustenta que, não havendo nenhuma menção expressa para este efeito no AEA Kosovo, está excluída a participação do Kosovo num órgão da União como o ORECE. Em apoio desta acusação, invoca os argumentos sintetizados no n.o 58 do presente acórdão. |
76 |
Em segundo lugar, o Reino de Espanha sustenta que a utilização do termo «cooperação» no artigo 111.o do AEA Kosovo não implica necessariamente que a ARN do Kosovo participe no ORECE, em conformidade com o artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971. Em princípio, esta participação é reservada aos Estados‑Membros, uma vez que este órgão tem por missão desenvolver regras da União em matéria de comunicações eletrónicas e adotar posições que têm impacto nas decisões dos organismos nacionais e dos organismos da União. Admitir a participação do Kosovo neste órgão não permitiria a este país adotar o acervo da União, mas sim participar na elaboração das regras setoriais desta última, o que não corresponde ao objetivo do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971. |
77 |
O Reino de Espanha contesta a apreciação levada a cabo pelo Tribunal Geral no n.o 53 do acórdão recorrido, segundo a qual a participação prevista no artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 corresponde à cooperação estreita prevista no artigo 111.o do AEA Kosovo mas não equivale a uma qualquer «integração» da ARN do Kosovo na estrutura do ORECE. Segundo o Reino de Espanha, esta apreciação, não fundamentada, viola o artigo 111.o do AEA Kosovo, que não prevê uma cooperação «estreita». |
78 |
Em terceiro lugar, o Reino de Espanha alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação que fez do artigo 35.o do Regulamento 2018/1971 quando considerou que a participação da ANR do Kosovo no ORECE era possível não obstante não existir uma posição comum da União sobre o Estatuto do Kosovo. |
79 |
A Comissão contesta essa argumentação. |
Apreciação do Tribunal de Justiça
80 |
No que se refere, primeiro, ao argumento de que a participação do Kosovo num órgão da União como o ORECE está excluída uma vez que não é feita nenhuma menção expressa para este efeito no AEA Kosovo, há que observar que se respondeu este argumento nos n.os 59 e 60 do presente acórdão. |
81 |
No que se refere, segundo, à acusação relativa ao erro cometido pelo Tribunal Geral no n.o 53 do acórdão recorrido, quando considerou que a participação prevista no artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 corresponde à cooperação estreita prevista no artigo 111.o do AEA Kosovo, esta não pode ser acolhida. |
82 |
A este respeito, cabe salientar que o artigo 35.o do Regulamento 2018/1971 prevê diversos graus e formas de cooperação. Assim, o n.o 1 desta disposição prevê a faculdade de o ORECE e de o Gabinete do ORECE celebrarem acordos, mediante aprovação prévia da Comissão, nomeadamente com as autoridades competentes de países terceiros, sendo especificado que estes acordos não criam obrigações jurídicas. Esta forma de cooperação é portanto menos «estreita» do que a participação das ARN dos países terceiros no ORECE, prevista no n.o 2 da referida disposição e que, como resulta do n.o 63 do presente acórdão, contribui para a cooperação referida no artigo 111.o do AEA Kosovo, destinada especificamente a garantir e a reforçar a independência das entidades reguladoras participantes. |
83 |
Dito isto, contrariamente ao que o Reino de Espanha sustenta, esta última forma de cooperação entre a União e o Kosovo não permite que se equipare a participação da ARN desse país terceiro nas instâncias do ORECE à integração dessa mesma ARN neste último órgão da União. |
84 |
Com efeito, como a advogada‑geral salientou nos n.os 97 e 98 das suas conclusões, quando os representantes da ANR do Kosovo participam nos trabalhos do Conselho de Reguladores, em grupos de trabalho e no conselho de administração do ORECE, exprimem as suas opiniões com total independência e transparência, em conformidade com os considerandos 5 e 13, o artigo 3.o, n.o 3, o artigo 8.o, n.o 2, e o artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento 2018/1971. Além disso, a influência dos representantes das ARN dos países terceiros no ORECE está limitada pelo artigo 35.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento 2018/1971, uma vez que esta disposição exclui expressamente a possibilidade de lhes ser concedido um direito de voto. |
85 |
Por outro lado, contrariamente ao que o Reino de Espanha alega, a participação da ARN do Kosovo no ORECE não permite ao Kosovo participar na elaboração da regulamentação setorial da União em matéria de comunicações eletrónicas. Com efeito, embora nos termos do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2018/1971 as ARN e a Comissão «[tenham] na melhor conta todas as orientações, pareceres, recomendações, posições comuns e melhores práticas adotadas pelo ORECE», esses atos não são juridicamente vinculativos e não se inscrevem no âmbito de um procedimento de elaboração da regulamentação da União em matéria de comunicações eletrónicas. O ORECE tem por única função desempenhar um papel de fórum para a cooperação entre as ARN, bem como entre as ARN e a Comissão, com vista a assegurar a aplicação coerente do quadro regulamentar neste setor, como resulta do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971, lido à luz do considerando 5 deste regulamento. |
86 |
No que se refere, em terceiro, à acusação relativa a uma violação do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 pelo facto de a União não ter uma posição comum a respeito do Estatuto de Estado do Kosovo, esta deve ser afastada pelos mesmos motivos que foram expostos nos n.os 69 a 73 do presente acórdão. |
87 |
Daqui resulta que quando declarou, nos n.os 53 e 54 do acórdão recorrido, que a cooperação resultante do artigo 111.o do AEA Kosovo corresponde às modalidades da cooperação prevista no artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 e que, por conseguinte, o artigo 111.o do AEA Kosovo constitui um acordo «para o efeito», na aceção do artigo 35.o, n.o 2, deste regulamento, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito. |
88 |
Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra. |
Quanto à primeira parte do quarto fundamento
Argumentos das partes
89 |
O quarto fundamento de recurso é, no essencial, composto por duas partes. Através da segunda parte, o Reino de Espanha contesta a competência da Comissão para adotar a decisão controvertida. Esta segunda parte será examinada em conjunto com o quinto fundamento, com o qual tem elementos comuns. |
90 |
Através da primeira parte, o Reino de Espanha alega que o artigo 111.o do AEA Kosovo não constitui uma base jurídica suficiente para adotar a decisão controvertida. O Reino de Espanha contesta a apreciação do Tribunal Geral, constante do n.o 72 do acórdão recorrido, segundo a qual para que uma ARN de um país terceiro participe no ORECE não é necessária uma autorização específica conferida no contexto de um acordo internacional. |
91 |
A este respeito, o Reino de Espanha sustenta que o AEA Kosovo é um acordo muito geral que não prevê a incorporação nem a participação do Kosovo nas estruturas da União em nenhum domínio, incluindo no das telecomunicações. O o Reino de Espanha recorda que o artigo 111.o do AEA Kosovo não se refere à participação deste país num organismo da União, referindo‑se antes à cooperação entre as partes nesse acordo. |
92 |
A Comissão entende que esta argumentação é improcedente. |
Apreciação do Tribunal de Justiça
93 |
Resulta dos fundamentos enunciados nos n.os 56 a 64 e nos n.os 80 a 87 do presente acórdão que o artigo 111.o do AEA Kosovo constitui um acordo «para o efeito», na aceção do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971, e que, deste modo, o artigo 111.o do AEA Kosovo constitui uma base jurídica suficiente para que a ARN do Kosovo participe nos trabalhos do ORECE e do Gabinete do ORECE. |
94 |
Em especial, para que possa constituir uma base jurídica suficiente, tal acordo não tem necessariamente de conter disposições detalhadas a respeito da participação no ORECE, na aceção do artigo 35.o, n.o 2, deste regulamento. O facto de determinados acordos de associação com países candidatos à adesão ou de certas decisões relativas à participação das ARN dos Estados‑Membros da EFTA conterem disposições mais detalhadas do que as do artigo 111.o do AEA Kosovo não é a este respeito pertinente. |
95 |
Por conseguinte, a primeira parte do quarto fundamento deve ser julgada improcedente. |
Quanto à segunda parte do quarto fundamento e ao quinto fundamento
Argumentos das partes
96 |
Através da segunda parte do quarto fundamento, o Reino de Espanha contesta a competência da Comissão para adotar a decisão controvertida. Segundo este Estado‑Membro, a participação do Kosovo no ORECE não pode resultar de uma decisão baseada apenas no artigo 17.o TUE, porquanto, por um lado, o AEA Kosovo não prevê esta possibilidade, e, por outro, a União não tem uma posição comum relativa ao Estatuto do Kosovo. O Reino de Espanha contesta a apreciação do Tribunal Geral constante do n.o 77 do acórdão recorrido, segundo a qual, uma vez que o Regulamento 2018/1971 não conferiu expressamente ao ORECE competência para celebrar acordos aplicáveis à participação das ARN dos países terceiros, nomeadamente da ARN do Kosovo, esta competência pertence à Comissão, em conformidade com o disposto no artigo 17.o TUE. |
97 |
Por outro lado, o Reino de Espanha alega que a participação do Kosovo no ORECE não respeita as competências do Conselho da União Europeia e o artigo 16.o TUE, lido em conjugação com o artigo 21.o, n.o 3, TUE. Segundo este Estado‑Membro, compete ao Conselho verificar se a participação da ARN do Kosovo no ORECE é do interesse da União bem como conciliar os interesses em presença. |
98 |
A este respeito, o Reino de Espanha recorda que a escolha da base jurídica reveste uma importância particular, uma vez que permite preservar as competências de cada instituição [Acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15), C‑687/15, EU:C:2017:803, n.os 49 e 50], e que a celebração de um acordo internacional implica apreciar os interesses da União no âmbito das relações com o país terceiro, bem como promover a realização de arbitragens entre os interesses divergentes decorrentes dessas relações (Acórdão de 28 de julho de 2016, Conselho/Comissão, C‑660/13, EU:C:2016:616, n.o 39). |
99 |
Através do seu quinto fundamento, o Reino de Espanha alega que, nos n.os 76 e 77 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral interpretou erradamente o artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971, quando declarou que o Gabinete do ORECE é uma agência descentralizada da União e que a Comissão, ao abrigo das suas funções executivas e dos seus poderes de representação externa, deve assumir todas as competências que não foram expressamente delegadas nessa agência, nomeadamente a adoção dos acordos previstos nesta disposição. |
100 |
O Reino de Espanha sustenta que o Tribunal Geral se equivocou quanto à natureza e às funções do ORECE, como demonstra o facto de os n.os 76 e 77 do acórdão recorrido não se referirem ao ORECE, cujo órgão decisório supremo é o Conselho de Reguladores, que não tem personalidade jurídica e que não é uma agência descentralizada, mas ao Gabinete do ORECE, órgão que tem por papel prestar apoio administrativo ao ORECE. |
101 |
O Reino de Espanha salienta que o estatuto especial do ORECE decorre da obrigação de independência dos reguladores que o compõem. Esta obrigação, conjugada com o facto de o ORECE não ser uma agência descentralizada, tem como consequência que os poderes do ORECE são mais amplos do que os poderes das agências da União. |
102 |
Por conseguinte, como resulta de uma interpretação literal, contextual e teleológica do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971, a Comissão deve limitar‑se a intervir nos casos expressamente previstos no Regulamento 2018/1971. Assim sendo, a adoção dos acordos é da competência do ORECE e não da Comissão. |
103 |
A Comissão contesta esta argumentação. Alega que a segunda parte do quarto fundamento é, em parte, manifestamente inadmissível porque a argumentação respeitante à competência do Conselho para adotar a decisão controvertida, resultante do artigo 16.o TUE, não foi suscitada na primeira instância. Além disso, de acordo com a Comissão, a segunda parte do quarto fundamento é improcedente. |
104 |
No que se refere ao quinto fundamento do presente recurso, a Comissão alega que decorre da redação do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 que esta disposição não determina qual é a autoridade que é competente para adotar os acordos em causa. |
105 |
Ora, segundo a Comissão, as competências que não tenham sido expressamente delegadas numa agência da União no contexto de um ato legislativo pertencem à Comissão. Esta interpretação é corroborada pela circunstância de o artigo 35.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1971 delegar expressamente no ORECE e no Gabinete do ORECE o poder de celebrar «acordos», mas mediante «aprovação prévia da Comissão». Além disso, da análise sistemática deste regulamento resulta que a aprovação prévia da Comissão é necessária para efeitos da cooperação ao abrigo do artigo 35.o, n.o 1, do referido regulamento, mas tal aprovação não é mencionada no seu artigo 35.o, n.o 2, porque as modalidades de cooperação ao abrigo desta última disposição são definidas pela Comissão. |
106 |
Por outro lado, a independência reconhecida ao ORECE no âmbito das suas funções não obsta a que sejam reconhecidas à Comissão competências específicas no que se refere às relações com os países terceiros. |
Apreciação do Tribunal de Justiça
107 |
A título preliminar, há que observar que as alegações do Reino de Espanha a respeito da segunda parte do quarto fundamento do presente recurso visam, em substância, um pretenso erro de direito que terá sido cometido pelo Tribunal Geral quando declarou que o artigo 17.o TUE constitui uma base jurídica válida para adotar a decisão controvertida. Por conseguinte, embora seja certo que na primeira instância o Reino de Espanha não invocou a competência do Conselho, não é menos certo que a argumentação expendida no âmbito da segunda parte do quarto fundamento relativa ao artigo 16.o TUE, se destina a criticar os fundamentos enunciados nos n.os 74 a 82 do acórdão recorrido a propósito da competência da Comissão ao abrigo do artigo 17.o TUE. Assim sendo, esta argumentação está associada à que o Reino de Espanha extraiu desta última disposição no seu recurso que correu na primeira instância, sendo, por conseguinte, a mesma admissível por não alterar o objeto do litígio que correu no Tribunal Geral. |
108 |
Quanto ao mérito, há que recordar que o artigo 35.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento 2018/1971 enuncia que «[n]os termos das disposições aplicáveis [dos acordos entre a União e os países terceiros a que se refere o primeiro parágrafo], são celebrados acordos que determinam, nomeadamente, a natureza, o âmbito e o modo [dessa] participação […] incluindo disposições relativas à participação nas iniciativas desenvolvidas pelo ORECE, às contribuições financeiras e ao pessoal para o Gabinete do ORECE». |
109 |
A este respeito, primeiro, o Tribunal Geral não cometeu um erro quando, no n.o 70 do acórdão recorrido, rejeitou a argumentação do Reino de Espanha segundo a qual decorre da redação do artigo 35.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento 2018/1971 que só os acordos que preveem a participação no ORECE devem determinar as modalidades de fixação desses «acordos». Com efeito, por um lado, tal interpretação dificilmente seria conciliável com o efeito útil desta disposição, que tem precisamente por objetivo prever a adoção dos referidos acordos. Por outro lado, como resulta do n.o 60 do presente acórdão, os termos «disposições aplicáveis [dos] acordos» precedidos da locução «nos termos» significam que a adoção dos «acordos» deve ser conforme com as disposições destes últimos que instituem um quadro de cooperação setorial entre a União e um país terceiro e, em particular, com o seu objetivo último que, no caso do artigo 111.o do AEA, consiste na adoção pelo Kosovo do acervo da União no setor das comunicações eletrónicas. |
110 |
Dito isto, o facto de o AEA Kosovo não conter disposições que visam a celebração de acordos ao abrigo do artigo 35.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento 2018/1971, não é suscetível de pôr em causa, como alegado pelo Reino de Espanha, a consideração segundo a qual o artigo 111.o do ASA constitui uma base jurídica suficiente para permitir que a ARN do Kosovo participe nos trabalhos do ORECE e do Gabinete do ORECE, como decorre dos n.os 56 a 64 e 80 a 87 do presente acórdão. |
111 |
Segundo, há que salientar que, embora o artigo 35.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento 2018/1971 preveja a celebração de «acordos» para a concretização da participação das ARN de países terceiros nos trabalhos do ORECE e do Gabinete do ORECE, esta disposição não concretiza o procedimento para adotar esses acordos. |
112 |
A este respeito, como a advogada‑geral salientou no n.o 122 das suas conclusões, a decisão controvertida não podia ser tomada com fundamento no artigo 17.o TUE a título das funções executivas e de representação externa da Comissão. Com efeito, no que respeita a uma parte das funções executivas, o artigo 290.o, n.o 1, e o artigo 291.o, n.o 2, TFUE exigem a delegação explícita de poderes à Comissão, que no caso em apreço não existiu. Por outro lado, no que se refere às funções de representação externa da União, basta observar que a celebração de «acordos» para a concretização da participação das ARN dos países terceiros nos trabalhos do ORECE e do Gabinete do ORECE, na aceção do artigo 35.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento 2018/1971, não pode ser considerada um ato de representação externa da União. Com efeito, decorre desta disposição que estes acordos não têm por objetivo a referida representação externa enquanto tal, mas concretizar, nomeadamente, a natureza, o alcance e as condições da participação, nos trabalhos desses organismos da União das autoridades reguladoras dos países terceiros que celebraram acordos com a União para esse efeito. |
113 |
Acresce que, decorre do artigo 9.o, alínea i), e do artigo 20.o, n.o 6, alínea m), do Regulamento 2018/1971, lidos à luz do considerando 20 desse regulamento, que este determina quais os organismos que podem celebrar os acordos visados no seu artigo 35.o, n.o 2. Com efeito, por um lado, o considerando 20 do referido regulamento prevê que o ORECE deverá estar habilitado para celebrar acordos, nomeadamente com as autoridades competentes dos países terceiros. Por outro lado, o artigo 9.o, alínea i), e o artigo 20.o, n.o 6, alínea m), do mesmo regulamento indicam que o Conselho dos Reguladores e o diretor do Gabinete do ORECE autorizam conjuntamente a celebração de acordos, nomeadamente com essas autoridades, em conformidade com o disposto no artigo 35.o do Regulamento 2018/1971. |
114 |
Por outro lado, resulta destas disposições que, no contexto da adoção dos acordos, a Comissão é chamada a exercer apenas um poder de fiscalização. A este respeito, o considerando 20 deste regulamento enuncia que a Comissão «deverá assegurar que os acordos necessários sejam coerentes com a política e com as prioridades da União, e que o ORECE aja no âmbito do seu mandato e do quadro institucional existente». |
115 |
Além disso, no que respeita especificamente à cooperação com países terceiros, o artigo 35.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1971 prevê que o ORECE e o Gabinete do ORECE celebram acordos, mediante aprovação prévia da Comissão. |
116 |
Ora, ao contrário do que o Tribunal Geral declarou nos n.os 77 e 78 do acórdão recorrido, o facto de o artigo 35.o, n.o 2, deste regulamento não conter semelhante precisão não significa, à luz das disposições do referido regulamento, que a competência para celebrar os acordos aplicáveis à participação das ARN dos países terceiros, nomeadamente da ARN do Kosovo, pertença à Comissão. |
117 |
Com efeito, como a advogada‑geral salientou nos n.os 130 a 132 das suas conclusões, o facto de apenas o artigo 35.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1971 atribuir expressamente ao ORECE e ao Gabinete do ORECE poder para celebrar acordos, mediante aprovação prévia da Comissão, não implica que esse poder seja distribuído de maneira distinta no âmbito do artigo 35.o, n.o 2, deste regulamento, que visa o caso específico da cooperação com os países terceiros sob a forma de uma participação das ARN dos países em causa no Conselho de Reguladores e no conselho de administração, respetivamente do ORECE e do Gabinete do ORECE. Pelo contrário, a regra estabelecida no artigo 35.o, n.o 1, do referido regulamento, segundo a qual o ORECE e o Gabinete do ORECE podem celebrar acordos, mediante aprovação prévia da Comissão, deve ser interpretada como uma regra geral que também se aplica no âmbito específico do artigo 35.o, n.o 2, do mesmo regulamento, uma vez que este não prevê uma derrogação ao princípio enunciado no artigo 35.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1971. |
118 |
Como a advogada‑geral salientou no n.o 133 das suas conclusões, a circunstância de a participação nos trabalhos do ORECE e do Gabinete do ORECE prevista no artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 constituir uma forma mais estreita de cooperação com as ARN dos países terceiros do que a prevista ao abrigo do artigo 35.o, n.o 1, deste regulamento, não é suscetível de pôr em causa estas apreciações. Com efeito, a participação das ARN dos países terceiros no ORECE já foi confirmada pelo acordo celebrado para esse efeito, previsto no artigo 35.o, n.o 2, do referido regulamento, concretamente, no caso em apreço, o artigo 111.o do AEA Kosovo. |
119 |
Esta interpretação está em conformidade com o sistema previsto no Regulamento n.o 2018/1971. Com efeito, nos termos do artigo 3.o, n.o 3, e do artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento, lidos à luz dos seus considerandos 5 e 13, o ORECE tem vocação para prestar aconselhamento especializado e agir com total independência. De acordo com o considerando 22 do referido regulamento, o ORECE deve poder atuar no interesse da União, independentemente de qualquer intervenção externa, incluindo pressões políticas ou interferências comerciais. De igual modo, como resulta do considerando 32 do mesmo regulamento, o Gabinete do ORECE dispõe de um orçamento próprio para garantir a sua autonomia e a sua independência. Neste contexto, também são impostas exigências de independência às pessoas com assento no ORECE, nomeadamente aos membros do Conselho de Reguladores, bem como aos membros do conselho de administração e ao diretor do Gabinete do ORECE, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, do artigo 16.o, n.o 1, alínea m), do artigo 20.o, n.o 3, bem como com o artigo 42.o do Regulamento 2018/1971, lidos à luz dos seus considerandos 22, 25 e 29. |
120 |
Ora, o facto de a Comissão poder decidir unilateralmente a respeito de determinados acordos relativos à participação nos trabalhos do ORECE e do Gabinete do ORECE, sem o acordo destes últimos, não é conciliável com a independência do ORECE e excede a função de fiscalização que, neste âmbito, o mesmo regulamento atribui à Comissão. |
121 |
Por conseguinte, quando declarou, no n.o 77 do acórdão recorrido, que, uma vez que o Regulamento 2018/1971 não atribuiu expressamente ao Gabinete do ORECE nem a outro organismo competência para celebrar acordos aplicáveis à participação das ARN dos países terceiros, nomeadamente da ANR do Kosovo, essa competência pertence à Comissão, pelo que o Tribunal Geral violou tanto a repartição de competências entre, por um lado, a Comissão e, por outro, o ORECE e o Gabinete do ORECE, como as normas que garantem a independência do ORECE, previstas no Regulamento 2018/1971. |
122 |
Por último, o objetivo de reforçar da cooperação com as ARN dos países terceiros no domínio das redes e dos serviços de comunicações eletrónicas, prosseguido, nomeadamente, pelo artigo 35.o do Regulamento 2018/1971, que exige uma concertação com esses países terceiros, corrobora a conclusão segundo a qual a Comissão não pode adotar, unilateralmente, uma decisão que define quais os acordos aplicáveis à participação das referidas ARN de países terceiros, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 82 do acórdão recorrido. |
123 |
Com efeito, mediante aprovação prévia da Comissão, tais acordos devem ser celebrados entre o ORECE e o Gabinete do ORECE, por um lado, e as autoridades competentes desses países terceiros, por outro, e devem ser autorizados conjuntamente, como decorre do artigo 9.o, alínea i), e do artigo 20.o, n.o 6, alínea m), do Regulamento 2018/1971, pelo Conselho dos Reguladores e pelo diretor do Gabinete do ORECE. Por conseguinte, a Comissão não tem competência para celebrar unilateralmente acordos desta natureza. |
124 |
Daqui resulta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou, nos n.os 77 e 82 do acórdão recorrido, que a competência para celebrar os acordos aplicáveis à participação das ARN de países terceiros no ORECE, na aceção do artigo 35.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento 2018/1971, pertence à Comissão, de modo unilateral, ao abrigo do artigo 17.o TUE. |
125 |
No entanto, atendendo às considerações que resultam do n.o 123 do presente acórdão, há que rejeitar a argumentação do Reino de Espanha segundo a qual a competência para decidir da participação da ARN do Kosovo no ORECE cabe ao Conselho, mediante aprovação prévia da Comissão. |
126 |
Atendendo às considerações que precedem, há que julgar a segunda parte do quarto fundamento do recurso improcedente. Em contrapartida, há que julgar procedente o quinto fundamento e, consequentemente, anular o acórdão recorrido. |
Quanto ao recurso no Tribunal Geral
127 |
Em conformidade com o disposto no artigo 61.o, primeiro parágrafo, segunda frase, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se o mesmo estiver em condições de ser julgado. |
128 |
É o que sucede no caso vertente. |
129 |
Como indicado no n.o 22 do presente acórdão, o Reino de Espanha invocou três fundamentos em apoio do seu recurso que correu na primeira instância. |
130 |
No âmbito do terceiro fundamento apresentado na primeira instância, o Reino de Espanha alega que a decisão controvertida viola o artigo 35.o do Regulamento 2018/1971 porque a Comissão se afastou do procedimento estabelecido na referida disposição para efeitos da participação das ARN de países terceiros no ORECE. |
131 |
Pelos motivos enunciados nos n.os 112 a 124 do presente acórdão, a Comissão não era competente para adotar a decisão controvertida. Por conseguinte, este terceiro fundamento deve ser julgado procedente sem que seja necessário examinar os outros fundamentos de recurso apresentados na primeira instância. |
132 |
Atendendo ao que precede, há que julgar procedentes os pedidos do Reino de Espanha e anular a decisão controvertida. |
Quanto à manutenção dos efeitos da decisão controvertida
133 |
Há que recordar que, nos termos do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça pode indicar, quando o considerar necessário, quais os efeitos do ato anulado que se devem considerar subsistentes. |
134 |
Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, tendo atendendo a motivos relacionados com a segurança jurídica, os efeitos desse ato podem ser mantidos, nomeadamente, quando os efeitos imediatos da sua anulação fossem suscetíveis de originar consequências negativas graves para as pessoas em causa e a legalidade do ato impugnado não for contestada devido à sua finalidade ou ao seu conteúdo, mas por falta de competência do seu autor ou por violação das formalidades essenciais (Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 175 e jurisprudência referida). |
135 |
No caso em apreço, a decisão controvertida foi anulada com fundamento na falta de competência do seu autor, concretamente, a Comissão. |
136 |
Atenta a necessidade dos acordos relativos, nomeadamente, às contribuições financeiras e ao pessoal do Gabinete do ORECE, das ARN dos países terceiros referidos no artigo 35.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento 2018/1971, a anulação da decisão controvertida seria suscetível de pôr em perigo a participação da ANR do Kosovo no ORECE se não fosse acompanhada da manutenção dos seus efeitos até à respetiva substituição por um novo ato. |
137 |
Nestas circunstâncias, há que manter os efeitos da decisão controvertida até à entrada em vigor, num prazo razoável que não pode exceder seis meses a contar da data da prolação do presente acórdão, de eventuais novos acordos celebrados ao abrigo do artigo 35.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1971 entre o ORECE, o Gabinete do ORECE e a ARN do Kosovo. |
Quanto às despesas
138 |
Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. |
139 |
Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. |
140 |
No caso em apreço, tendo o Reino de Espanha pedido a condenação da Comissão nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condenar a Comissão nas despesas relativas tanto ao presente recurso como ao processo que correu na primeira instância. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: espanhol.