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Document 62020CJ0302

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 15 de março de 2022.
    A contra Autorité des marchés financiers (AMF).
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d'appel de Paris.
    Reenvio prejudicial — Mercado único para os serviços financeiros — Abuso de mercado — Diretivas 2003/6/CE e 2003/124/CE — “Informação privilegiada” — Conceito — Informação “com caráter preciso” — Informação sobre a publicação iminente de um artigo de imprensa que dá conta de um rumor de mercado relativo a um emitente de instrumentos financeiros — Caráter ilícito da divulgação de uma informação privilegiada — Exceções — Regulamento (UE) n.o 596/2014 — Artigo 10.o — Transmissão de uma informação privilegiada no exercício normal de uma profissão — Artigo 21.o — Divulgação de uma informação privilegiada para fins jornalísticos — Liberdade de imprensa e liberdade de expressão — Divulgação, por um jornalista, a uma fonte habitual, de uma informação relativa à publicação iminente de um artigo de imprensa.
    Processo C-302/20.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:190

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    15 de março de 2022 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Mercado único para os serviços financeiros — Abuso de mercado — Diretivas 2003/6/CE e 2003/124/CE — “Informação privilegiada” — Conceito — Informação “com caráter preciso” — Informação sobre a publicação iminente de um artigo de imprensa que dá conta de um rumor de mercado relativo a um emitente de instrumentos financeiros — Caráter ilícito da divulgação de uma informação privilegiada — Exceções — Regulamento (UE) n.o 596/2014 — Artigo 10.o — Transmissão de uma informação privilegiada no exercício normal de uma profissão — Artigo 21.o — Divulgação de uma informação privilegiada para fins jornalísticos — Liberdade de imprensa e liberdade de expressão — Divulgação, por um jornalista, a uma fonte habitual, de uma informação relativa à publicação iminente de um artigo de imprensa»

    No processo C‑302/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França), por Decisão de 9 de julho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, no processo

    A

    contra

    Autorité des marchés financiers (AMF),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos, N. Jääskinen, I. Ziemele, J. Passer, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, T. von Danwitz, M. Safjan, F. Biltgen (relator), A. Kumin e N. Wahl, juízes,

    advogado‑geral: J. Kokott,

    secretário: V. Giacobbo, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 22 de junho de 2021,

    considerando as observações apresentadas:

    em representação de A, por G. Roch e S. Poisson, avocates,

    em representação da Autorité des marchés financiers (AMF), por M. Delorme e A. du Passage, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo francês, por E. de Moustier, A.‑L. Desjonquères e E. Leclerc, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo espanhol, por L. Aguilera Ruiz e J. Rodríguez de la Rúa Puig, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo sueco, por O. Simonsson, J. Lundberg, C. Meyer‑Seitz, A. Runeskjöld, M. Salborn Hodgson, H. Shev, H. Eklinder e R. Shahsavan Eriksson, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por D. Tryantafyllou, T. Scharf e J. Rius, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo norueguês, por T. M. Tobiassen, K. K. Næss, P. Wennerås e T. H. Aarthun, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de setembro de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, ponto 1, da Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (JO 2003, L 96, p. 16), do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124/CE da Comissão, de 22 de dezembro de 2003, que estabelece as modalidades de aplicação da Diretiva 2003/6 no que diz respeito à definição e divulgação pública de informação privilegiada e à definição de manipulação de mercado (JO 2003, L 339, p. 70), bem como dos artigos 10.o e 21.o do Regulamento (UE) n.o 596/2014 do Parlamento e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo ao abuso de mercado (regulamento abuso de mercado) e que revoga a Diretiva 2003/6 e as Diretivas 2003/124/CE, 2003/125/CE e 2004/72/CE da Comissão (JO 2014, L 173, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A à Autorité des marchés financiers (AMF) (Autoridade dos Mercados Financeiros, França) a respeito da decisão desta última de aplicar a A uma sanção pecuniária pela comunicação de uma informação relativa à publicação iminente de artigos de imprensa que dá conta de rumores de mercado relativos ao lançamento de ofertas públicas de aquisição sobre sociedades cotadas em bolsa.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 2003/6

    3

    Os considerandos 1, 2 e 12 da Diretiva 2003/6 enunciavam:

    «(1)

    Um verdadeiro mercado único para os serviços financeiros é fundamental para o crescimento económico e a criação de emprego na [União Europeia].

    (2)

    A criação de um mercado financeiro integrado e eficiente pressupõe que seja garantida a integridade do mercado. O bom funcionamento dos mercados dos valores mobiliários e a confiança do público nos mesmos mercados são uma condição essencial do crescimento económico e da prosperidade. As situações de abuso de mercado prejudicam a integridade dos mercados financeiros e a confiança do público nos valores mobiliários e instrumentos derivados.

    […]

    (12)

    O abuso de mercado abrange o abuso de informação privilegiada e a manipulação de mercado. O objetivo da legislação contra o abuso de informação privilegiada é o mesmo da legislação contra a manipulação de mercado: garantir a integridade dos mercados financeiros [da União] e promover a confiança dos investidores nos mesmos. […]»

    4

    Nos termos do artigo 1.o, ponto 1, primeiro parágrafo, desta diretiva:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

    1)

    “informação privilegiada”: toda a informação com caráter preciso, que não tenha sido tornada pública e diga respeito, direta ou indiretamente, a um ou mais emitentes de instrumentos financeiros ou a um ou mais instrumentos financeiros e que, caso fosse tornada pública, seria suscetível de influenciar de maneira sensível o preço desses instrumentos financeiros ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados.»

    5

    O artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva dispunha:

    «Os Estados‑Membros proíbem qualquer pessoa referida no segundo parágrafo que detenha informação privilegiada de utilizar essa informação ao adquirir ou alienar, tentar adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de terceiro, direta ou indiretamente, os instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito.

    O disposto no primeiro parágrafo aplica‑se a qualquer pessoa que detenha a informação em questão:

    […]

    c)

    Em virtude do acesso a essa informação privilegiada por força do exercício da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções […]

    […]»

    6

    O artigo 3.o desta mesma diretiva previa:

    «Os Estados‑Membros proíbem qualquer pessoa sujeita à proibição estabelecida no artigo 2.o de:

    a)

    Comunicar informação privilegiada a outra pessoa, exceto se essa comunicação ocorrer no âmbito do exercício normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções;

    […]»

    Diretiva 2003/124

    7

    Os considerandos 1 a 3 da Diretiva 2003/124 tinham a seguinte redação:

    «(1)

    Os investidores razoáveis baseiam as suas decisões de investimento nas informações postas à sua disposição, isto é, informações disponíveis ex ante. Por conseguinte, a questão de saber se um investidor razoável, ao tomar a sua decisão de investimento é suscetível de ter em conta uma dada informação, deve ser apreciada com base na informação disponível ex ante. Esta avaliação deve ter em conta o impacto previsível das informações, à luz do conjunto das atividades do emitente com elas relacionadas, a fiabilidade da fonte de informação e quaisquer outras variáveis do mercado que possam afetar o instrumento financeiro relevante ou o instrumento financeiro derivado com ele relacionado, nas circunstâncias em causa.

    (2)

    A informação ex post pode ser utilizada para verificar a presunção de que os preços são sensíveis à informação ex ante, não devendo, no entanto, ser utilizadas contra alguém que tenha retirado conclusões razoáveis das informações ex ante postas à sua disposição.

    (3)

    A segurança jurídica deve ser reforçada para os participantes do mercado, através de uma definição mais estreita de dois dos elementos essenciais para a definição da noção de informação privilegiada, isto é, o caráter preciso dessa informação e o alcance do seu impacto potencial na cotação dos instrumentos financeiros ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados.»

    8

    O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Informação privilegiada», previa:

    «1.   Para efeitos de aplicação no disposto no n.o 1 do artigo 1.o da Diretiva [2003/6], considera‑se que uma informação possui um caráter preciso se fizer referência a um conjunto de circunstâncias existentes ou razoavelmente previsíveis ou a um acontecimento já ocorrido ou razoavelmente previsível e se essa informação for suficientemente precisa para permitir retirar uma conclusão quanto ao eventual efeito desse conjunto de circunstâncias ou acontecimentos a nível dos preços dos instrumentos financeiros ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados.

    2.   Para efeitos de aplicação do n.o 1 do artigo 1.o da Diretiva [2003/6], entende‑se por “informação que, caso fosse tornada pública, seria suscetível de influenciar de maneira sensível o preço dos instrumentos financeiros ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados”, a informação que um investidor razoável utilizaria normalmente para basear em parte as suas decisões de investimento.»

    Regulamento n.o 596/2014

    9

    As Diretivas 2003/6 e 2003/124 foram revogadas pelo Regulamento n.o 596/2014, com efeitos a partir de 3 de julho de 2016.

    10

    Nos termos dos considerandos 2, 7 e 77 do Regulamento n.o 596/2014:

    «(2)

    Um mercado financeiro eficiente, integrado e transparente exige a integridade do mercado. O bom funcionamento dos mercados de valores mobiliários e a confiança do público nesses mercados são uma condição essencial do crescimento económico e da prosperidade. As situações de abuso de mercado prejudicam a integridade dos mercados financeiros e a confiança do público nos valores mobiliários e instrumentos derivados.

    […]

    (7)

    O abuso de mercado é o conceito que abrange condutas ilícitas nos mercados financeiros e, para efeitos do presente regulamento, deve ser entendido como consistindo no abuso de informação privilegiada, na transmissão ilícita de informação privilegiada e na manipulação de mercado. Estas condutas impedem uma transparência plena e adequada do mercado, indispensável às operações de todos os agentes económicos num mercado financeiro integrado.

    […]

    (77)

    O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia […]. Assim, o presente regulamento deverá ser interpretado e aplicado no respeito por esses direitos e princípios. Em particular, quando o presente regulamento referir as regras relativas à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão noutros meios de comunicação social e as regras ou os códigos que regulam a profissão jornalística, estas liberdades deverão ser tidas em conta, tal como garantidas na União e nos Estados‑Membros e reconhecidas nos termos do artigo 11.o da Carta [dos Direitos Fundamentais da União Europeia] e outras disposições pertinentes.»

    11

    O artigo 8.o deste regulamento, sob a epígrafe «Abuso de informação privilegiada», enuncia, no seu n.o 4:

    «O presente artigo aplica‑se a qualquer pessoa que disponha de informação privilegiada em virtude de:

    […]

    c)

    Ter acesso à informação por força do exercício da sua atividade, profissão ou funções […]

    […]»

    12

    O artigo 10.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Transmissão ilícita de informação privilegiada», dispõe, no seu n.o 1:

    «Para efeitos do presente regulamento, existe transmissão ilícita de informação privilegiada quando uma pessoa dispõe de informação privilegiada e a transmite a qualquer outra pessoa, exceto se essa transmissão ocorrer no exercício normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções.

    O presente número aplica‑se a qualquer pessoa singular ou coletiva nas situações ou circunstâncias a que se refere o artigo 8.o, n.o 4.»

    13

    O artigo 14.o, alínea c), deste mesmo regulamento prevê que é proibida a transmissão ilícita de informação privilegiada.

    14

    O artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014, sob a epígrafe «Divulgação ou difusão de informação nos meios de comunicação social», tem a seguinte redação:

    «Para efeitos do disposto nos artigos 10.o, 12.o, n.o 1, alínea c), e 20.o, no caso de ser divulgada ou difundida informação e de serem elaboradas ou difundidas recomendações para fins jornalísticos ou outra forma de expressão nos meios de comunicação social, essa divulgação ou difusão de informação é avaliada tendo em conta as regras relativas à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão em outros meios de comunicação social e as regras ou os códigos que regulam a profissão jornalística, a menos que:

    a)

    As pessoas em causa ou pessoas estreitamente relacionadas com elas obtenham, de forma direta ou indireta, uma vantagem ou benefício resultante da transmissão ou difusão da informação em causa; ou

    b)

    A divulgação ou difusão seja feita com a intenção de induzir o mercado em erro no que respeita à oferta, à procura ou ao preço dos instrumentos financeiros.»

    Direito francês

    15

    O artigo 621‑1 do règlement général de l’Autorité des marchés financiers (Regulamento Geral da Autoridade dos Mercados Financeiros), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «RGAMF»), prevê:

    «Uma informação privilegiada é uma informação precisa que não foi tornada pública, que, direta ou indiretamente, diz respeito a um ou mais emitentes de instrumentos financeiros, ou a um ou mais instrumentos financeiros, e que, se fosse tornada pública, seria suscetível de ter uma influência significativa nos preços dos instrumentos financeiros em causa ou nos preços dos instrumentos financeiros com eles relacionados.

    As informações devem ser consideradas precisas se se referirem a um conjunto de circunstâncias ou a um evento que tenha ocorrido ou seja suscetível de ocorrer e se for possível retirar delas uma conclusão quanto ao possível efeito dessas circunstâncias ou desse evento nos preços dos instrumentos financeiros em causa ou dos instrumentos financeiros com eles relacionados.

    Uma informação que, se tornada pública, poderia ter uma influência significativa nos preços dos instrumentos financeiros em questão ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados é uma informação que um investidor razoável poderia utilizar como uma das bases para as suas decisões de investimento.»

    16

    O artigo 622‑1 do RGAMF tem a seguinte redação:

    «Qualquer pessoa mencionada no artigo 622‑2 deve abster‑se de utilizar informações privilegiadas em seu poder […]

    Deve igualmente abster‑se de:

    1o Comunicar essa informação a qualquer outra pessoa fora do âmbito normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções, ou para fins diferentes daqueles pelos quais lhe foi comunicada;

    […]»

    17

    O artigo 622‑2 do RGAMF dispõe:

    «As obrigações de abstenção previstas no artigo 622‑1 aplicam‑se a qualquer pessoa que detenha uma informação privilegiada em razão de:

    […]

    3o Ter tido acesso à informação em virtude da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções, bem como da sua participação na preparação e execução de uma operação financeira;

    […]

    Estas obrigações de abstenção também se aplicam a qualquer outra pessoa que detenha uma informação privilegiada e que saiba ou devesse saber que se trata de informação privilegiada.

    […]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    Durante muitos anos, A exerceu a profissão de jornalista em diversos jornais diários britânicos, o último dos quais o Daily Mail. No âmbito da sua atividade para este jornal, escrevia artigos sob uma rubrica intitulada «Relatório de mercado», que dava conta de rumores de mercado. A foi, nomeadamente, o autor de dois artigos relativos a títulos admitidos a negociação na Euronext, os quais foram publicados no Mail Online, a página da Internet do referido jornal diário.

    19

    O primeiro destes artigos, publicado em 8 de junho de 2011, evocava uma possível oferta pública de aquisição, pela sociedade LVMH, dos títulos da sociedade Hermès a um preço de 350 euros por ação, o que correspondia a um prémio de 86 % relativamente à cotação de fecho desses títulos no dia da publicação do referido artigo. No dia seguinte a esta publicação, essa cotação sofreu um aumento de 0,64 % na abertura da sessão bolsista e, posteriormente, de 4,55 % nessa sessão.

    20

    O segundo dos referidos artigos, publicado em 12 de junho de 2012, indicava que os títulos da sociedade Maurel & Prom poderiam ser objeto de uma oferta pública de aquisição, com um preço de compra proposto de cerca de 19 euros por ação, o que correspondia a um prémio de 80 % em relação à última cotação de fecho desses títulos. Nessa sequência ocorreu, no dia seguinte ao da publicação deste artigo, um aumento da cotação dessas ações de 17,69 % no fecho da bolsa. Em 14 de junho de 2012, a sociedade Maurel & Prom desmentiu esse rumor.

    21

    No âmbito de uma investigação conduzida pela AMF, verificou‑se que, pouco antes da publicação desses dois artigos, foram emitidas ordens de compra, respetivamente, sobre os títulos das sociedades Hermès e Maurel & Prom por residentes britânicos, que demarcaram as suas posições após a referida publicação.

    22

    Por carta de 23 de fevereiro de 2016, a Direction des enquêtes et des contrôles (Direção de Investigação e Fiscalização) da AMF informou todas as pessoas em causa, entre as quais A, dos factos suscetíveis de lhes serem imputados à luz do que os investigadores do referido órgão verificaram. Tendo em conta o relatório do inquérito elaborado por esse mesmo órgão, foi decidido, em 19 de julho de 2016, notificá‑las das acusações que lhes eram imputadas.

    23

    Assim, por carta de 7 de dezembro de 2016, a AMF notificou A das acusações que lhe são imputadas, segundo as quais o mesmo, em violação dos artigos 622‑1 e 622‑2 do RGAMF, comunicou a duas pessoas, B e C, uma informação privilegiada sobre a publicação iminente de dois artigos que davam conta de rumores de lançamento de ofertas públicas sobre os títulos Hermès e Maurel & Prom.

    24

    Por Decisão de 24 de outubro de 2018, a comission de sanctions (Comissão Sancionatória) da AMF considerou provadas algumas das acusações imputadas a A e aplicou‑lhe uma sanção pecuniária no montante de 40000 euros. Considerou, nomeadamente, que as informações em causa no processo principal, relativas à publicação iminente de artigos de imprensa que reproduziam rumores sobre operações relativas a títulos cotados na bolsa, preenchiam os requisitos para serem qualificadas de «informações privilegiadas» e declarou que A tinha comunicado essas informações privilegiadas relativas aos títulos da sociedade Hermès a B e C, bem como as relativas aos títulos da sociedade Maurel & Prom a C.

    25

    No recurso nele interposto dessa decisão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em primeiro lugar, se uma informação relativa à publicação iminente de um artigo de imprensa que dá conta de um rumor de mercado relativo a um emitente de instrumentos financeiros constitui uma «informação privilegiada», na aceção do artigo 1.o, ponto 1, da Diretiva 2003/6, em especial se, no caso em apreço, a informação em causa no processo principal apresentar um «caráter preciso», na aceção da definição de «informação privilegiada».

    26

    Referindo‑se à definição de informação com «um caráter preciso», prevista no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a informação em causa no processo principal é suficientemente precisa para que dela se possa retirar uma conclusão quanto ao seu efeito possível sobre o preço dos instrumentos financeiros em causa, na aceção desta disposição.

    27

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, para que a informação relativa à publicação iminente de um artigo de imprensa seja considerada «suficientemente precisa», o conteúdo do próprio artigo deve sê‑lo e, sendo caso disso, se, como sustenta A, a própria natureza de rumor de mercado exclui que este tenha a precisão exigida.

    28

    À luz das circunstâncias específicas do processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre a incidência, quanto à apreciação do caráter preciso da informação em causa, primeiro, da menção do preço proposto no âmbito de uma eventual oferta pública de aquisição relativa aos títulos dos emitentes de instrumentos financeiros em causa, segundo, da notoriedade do jornalista que assinou os artigos de imprensa que dão conta dos rumores, bem como da reputação do órgão de comunicação social que efetuou a publicação desses artigos e, terceiro, do facto de os referidos artigos terem efetivamente tido, ex post, um efeito sensível sobre o preço dos títulos que foram objeto dos referidos rumores.

    29

    Em segundo lugar, no caso de a informação em causa no processo principal ser qualificada de informação privilegiada, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se se pode considerar que a divulgação dessa informação por um jornalista a uma das suas fontes de informação habituais foi realizada «para fins jornalísticos», na aceção do artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014. Uma vez que esta disposição não tem equivalente na Diretiva 2003/6, o órgão jurisdicional de reenvio considera que pode ser aplicada retroativamente aos factos do processo principal enquanto disposição mais favorável do que as desta diretiva.

    30

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a articulação entre o artigo 21.o e o artigo 10.o do Regulamento n.o 596/2014, para que remete o referido artigo 21.o e em virtude do qual a transmissão de uma informação privilegiada é ilícita exceto se ocorrer no exercício normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções. Na hipótese de o referido artigo 10.o ser aplicável à divulgação da informação em causa no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, em conformidade com o Acórdão de 22 de novembro de 2005, Grøngaard e Bang (C‑384/02, EU:C:2005:708), essa divulgação só é justificada se for estritamente necessária ao exercício da profissão de jornalista e respeitar o princípio da proporcionalidade.

    31

    Foi nestas circunstâncias que a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    a)

    Deve o artigo 1.o, n.o 1, [primeiro parágrafo,] da [Diretiva 2003/06], conjugado com o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva [2003/124], ser interpretado no sentido de que uma informação sobre a [publicação iminente] de um artigo de imprensa que [dá conta de] um rumor de mercado relativo a um emitente de instrumento financeiro é suscetível de corresponder à exigência de precisão exigida por esses artigos para a qualificação de uma informação privilegiada?

    b)

    O facto de o artigo de imprensa, cuja [publicação iminente] constitui a informação em questão, mencionar, como rumor de mercado, o preço de uma oferta pública de aquisição, tem alguma influência na avaliação da exatidão da informação em causa?

    c)

    A notoriedade do jornalista que assinou o artigo, a reputação do órgão de comunicação social que o publicou e a influência realmente significativa (“ex post”) dessa publicação no preço dos títulos a que se refere são pertinentes para efeitos de avaliação da natureza exata da informação em causa?

    2)

    [Caso a] informação […] em causa [satisfaça] a exigência de precisão exigida:

    a)

    Deve o artigo 21.o do [Regulamento n.o 596/2014] ser interpretado no sentido de que a divulgação por um jornalista, a uma das suas fontes [de informação] habituais, de uma informação sobre a [publicação iminente] de um artigo da sua autoria que [dá conta de] um rumor de mercado é feita “[para] fins jornalísticos”?

    b)

    A resposta a esta questão depende, especialmente, da questão de saber se o jornalista foi ou não informado do rumor de mercado por essa fonte ou se a divulgação de informações sobre a [publicação iminente] do artigo era ou não útil para obter esclarecimentos dessa fonte sobre a credibilidade do rumor?

    3)

    […] [D]evem os artigos 10.o e 21.o do [Regulamento n.o 596/2014] ser interpretados no sentido de que, mesmo quando uma informação privilegiada é divulgada por um jornalista «para fins jornalísticos», na aceção [desse] artigo 21.o, o caráter lícito ou ilícito da divulgação exige que se aprecie se foi feita “no âmbito normal do exercício [da profissão de jornalista]”, na aceção [desse] artigo 10.o?

    4)

    […] [D]eve o artigo 10.o do [Regulamento n.o 596/2014] ser interpretado no sentido de que, para que ocorra no exercício normal da profissão de jornalista, a divulgação de informação privilegiada deve ser estritamente necessária para o exercício dessa profissão e deve respeitar o princípio da proporcionalidade?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    32

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, ponto 1, da Diretiva 2003/6 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da qualificação de uma informação privilegiada, é suscetível de constituir uma informação «com caráter preciso», na aceção desta disposição e da do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124, uma informação sobre a publicação iminente de um artigo de imprensa que dá conta de um rumor de mercado relativo a um emitente de instrumentos financeiros e se são pertinentes, para efeitos da apreciação desse caráter preciso, a menção nesse artigo de imprensa do preço a que seriam adquiridos os títulos desse emitente no âmbito de uma eventual oferta pública de aquisição, a identidade do jornalista que assinou esse artigo e do órgão de comunicação social que efetuou a sua publicação, bem como a influência efetiva dessa publicação no preço dos referidos títulos.

    33

    Importa recordar que a definição do conceito de «informação privilegiada» que figura no artigo 1.o, ponto 1, da Diretiva 2003/6 compreende quatro elementos essenciais. Em primeiro lugar, trata‑se de uma informação com caráter preciso. Em segundo lugar, essa informação não foi tornada pública. Em terceiro lugar, diz respeito, direta ou indiretamente, a um ou mais instrumentos financeiros ou aos seus emitentes. Em quarto lugar, caso fosse tornada pública, seria suscetível de influenciar de maneira sensível o preço desses instrumentos financeiros ou o preço dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados (Acórdão de 11 de março de 2015, Lafonta, C‑628/13, EU:C:2015:162, n.o 24 e jurisprudência referida).

    34

    No caso em apreço, a informação em causa no processo principal, que versa sobre a publicação iminente de artigos de imprensa que dão conta de rumores de mercado relativos ao lançamento de ofertas públicas de aquisição sobre títulos de sociedades cotadas na bolsa, foi divulgada pelo autor dos referidos artigos a duas das suas fontes de informação habituais. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta informação preenche os elementos segundo a quarto da definição do conceito de «informação privilegiada», conforme referidos no número anterior. Quanto ao quarto elemento, baseia esta conclusão, por um lado, na consideração de que, na medida em que alimentava as especulações existentes relativas aos valores mobiliários em causa, a referida informação era suscetível de ser utilizada por um investidor razoável como parte dos fundamentos da sua decisão de investimento sobre estes e, por outro, nas flutuações das cotações desses valores mobiliários, ocorridas após a publicação dos artigos em causa. Em contrapartida, tem dúvidas quanto à questão de saber se o primeiro elemento desta definição, relativo ao caráter preciso dessa informação, está preenchido no caso em apreço.

    35

    Há que observar que, a fim de reforçar a segurança jurídica dos participantes nos mercados financeiros, a Diretiva 2003/124 entendeu, como se reflete no seu considerando 3, precisar, nomeadamente, este primeiro elemento.

    36

    Assim, segundo o artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva, considera‑se que uma informação possui um «caráter preciso» se preencher dois requisitos: por um lado, deve fazer referência a um conjunto de circunstâncias existentes ou razoavelmente previsíveis ou a um acontecimento já ocorrido ou razoavelmente previsível e, por outro, deve ser suficientemente precisa para permitir retirar uma conclusão quanto ao eventual efeito desse conjunto de circunstâncias ou acontecimentos nos preços dos instrumentos financeiros ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados.

    37

    No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o primeiro requisito referido no número anterior está preenchido, na medida em que a informação em causa no processo principal menciona um acontecimento, a saber, a publicação iminente de artigos de imprensa, que se pode razoavelmente esperar que ocorra. Em contrapartida, tem dúvidas sobre a questão de saber se o segundo requisito mencionado no número anterior está preenchido no caso em apreço. Em especial, pergunta‑se se, para que a informação relativa à publicação iminente de um artigo de imprensa e que retome os seus principais elementos seja considerada «suficientemente precisa», na aceção do segundo requisito referido, o conteúdo deste artigo deve igualmente sê‑lo.

    38

    Quanto a este segundo requisito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, segundo o sentido geralmente atribuído aos termos utilizados no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124, basta que a informação seja suficientemente concreta ou específica para poder constituir uma base que permita avaliar se o conjunto das circunstâncias ou o acontecimento em causa mencionado nessa informação, conforme descrito no n.o 36 do presente acórdão, é suscetível de influenciar os preços dos instrumentos financeiros referidos nessa informação. Por conseguinte, segundo o Tribunal de Justiça, esta disposição apenas exclui do conceito de «informação privilegiada» as «informações vagas ou gerais, que não permitem tirar nenhuma conclusão sobre o seu possível efeito nos preços dos instrumentos financeiros em causa» (Acórdão de 11 de março de 2015, Lafonta, C‑628/13, EU:C:2015:162, n.o 31).

    39

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, por natureza, um rumor é abrangido pela categoria das «informações vagas ou gerais» na aceção da referida jurisprudência, de modo que uma informação sobre a publicação iminente de um artigo de imprensa que dá conta de um rumor não pode ser qualificada de «informação privilegiada».

    40

    Importa começar por salientar que a informação em causa no processo principal, respeitante à publicação de artigos relativos a rumores de mercado sobre alegadas ofertas públicas de aquisição, visa dois tipos de acontecimentos futuros distintos, a saber, em primeiro lugar, a publicação dos artigos e, em segundo lugar, a apresentação das propostas a que esses artigos fazem referência. Ora, como resulta do n.o 37 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio baseia‑se na forte probabilidade de os acontecimentos do primeiro tipo se produzirem para considerar que o primeiro requisito referido no n.o 36 do presente acórdão para que uma informação tenha um caráter preciso, na aceção do artigo 1.o, ponto 1, da Diretiva 2003/6 e do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124, está preenchido. Em contrapartida, no que respeita ao segundo requisito mencionado no referido n.o 36, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se a precisão suficiente a que se refere o primeiro requisito a propósito da publicação iminente de artigos de imprensa permite, em si mesma, demonstrar que esta circunstância é suscetível de ter efeito nos preços dos instrumentos financeiros a que se refere essa informação, o que preencheria igualmente este segundo requisito, ou se o conteúdo dos artigos em causa deve também cumprir essa exigência de precisão, no caso em apreço, no que respeita aos rumores de mercado relativos à eventual ocorrência de acontecimentos do segundo tipo, ou seja, o lançamento das alegadas ofertas.

    41

    Ora, há que considerar que o caráter preciso, na aceção das referidas disposições, de uma informação relativa à publicação iminente de um artigo de imprensa está estreitamente ligado ao da informação que é objeto desse artigo. Com efeito, na falta de indicações precisas quanto à informação que será publicada, a informação a que se refere essa publicação não permite retirar conclusões quanto ao possível efeito desta no preço dos instrumentos financeiros em causa, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124.

    42

    Feita esta especificação, resulta, em primeiro lugar, dos próprios termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124, segundo os quais uma informação possui «um caráter preciso» se, nomeadamente, fizer referência a um acontecimento razoavelmente previsível e se for suficientemente precisa para permitir retirar uma conclusão quanto ao eventual efeito desse acontecimento a nível dos preços dos instrumentos financeiros em causa, que se impõe uma análise caso a caso. Assim, o caráter preciso de uma informação não pode, por hipótese, ser excluído pelo simples facto de pertencer a uma categoria de informações específicas como são as informações relativas à publicação iminente de artigos que dão conta de rumores de mercado relativos ao eventual lançamento de uma oferta pública de aquisição.

    43

    Semelhante exclusão seria, aliás, contrária ao objetivo da Diretiva 2003/6 que consiste, como resulta dos seus considerandos 2 e 12, em garantir a integridade dos mercados financeiros da União Europeia e promover a confiança dos investidores nesses mercados, confiança essa que assenta, nomeadamente, no facto de os investidores serem postos em situação de igualdade e serem protegidos contra a utilização ilícita de informações privilegiadas (Acórdão de 11 de março de 2015, Lafonta, C‑628/13, EU:C:2015:162, n.o 21 e jurisprudência referida). A proibição do abuso de informação privilegiada enunciada no artigo 2.o, n.o 1, dessa diretiva visa garantir a igualdade entre os contraentes numa transação bolsista, evitando que um deles, que possui uma informação privilegiada e se encontra, por esse facto, numa posição vantajosa relativamente aos outros investidores, daí tire proveito em prejuízo dos que a desconhecem (Acórdão de 23 de dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdonck, C‑45/08, EU:C:2009:806, n.o 48 e jurisprudência referida).

    44

    Ora, como salientou a advogada‑geral, em substância, no n.o 49 das suas conclusões, o facto de um investidor ter conhecimento da publicação iminente de um rumor pode, em determinadas circunstâncias, bastar para lhe conferir uma vantagem relativamente aos outros investidores.

    45

    Por conseguinte, se se devesse considerar que uma informação não deve ser qualificada de «informação privilegiada», na aceção do artigo 1.o, ponto 1, da Diretiva 2003/6, pelo simples facto de ser relativa à publicação de um rumor, um número considerável de informações suscetíveis de ter efeito nos preços dos instrumentos financeiros em causa escapariam ao âmbito de aplicação desta diretiva e poderiam, portanto, ser utilizadas pelos participantes nos mercados financeiros que as detêm e que delas tirariam proveito em detrimento dos que as ignorassem (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2012, Geltl, C‑19/11, EU:C:2012:397, n.o 36 e jurisprudência referida).

    46

    Decorre destas considerações que não se pode excluir o caráter preciso de uma informação, na aceção do artigo 1.o, ponto 1, da Diretiva 2003/6 e do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124, pelo simples facto de dizer respeito à publicação iminente de um artigo relativo a um rumor de mercado.

    47

    Dito isto, importa, em segundo lugar, examinar o grau de precisão do rumor relativo ao eventual lançamento de uma oferta pública de aquisição para apreciar se a informação respeitante à publicação de um artigo que dá conta desse rumor preenche efetivamente o segundo requisito previsto no referido número, no que se refere ao possível efeito da publicação em questão no preço dos instrumentos financeiros em causa ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados. Todavia, esta apreciação não deve abstrair do facto de o caráter preciso dos rumores ser tido em conta não para determinar se as informações são suficientemente precisas enquanto tais para que se possa retirar uma conclusão quanto ao efeito sobre o preço dos instrumentos em causa, mas para determinar se uma informação relativa à publicação iminente de um artigo relativo a esses rumores é suficientemente precisa para que daí se possa retirar uma conclusão quanto ao efeito sobre os preços que essa publicação é suscetível de produzir.

    48

    É certo que, como salienta A, um rumor se caracteriza por um certo grau de incerteza. No entanto, a fiabilidade é um fator que deve ser determinado caso a caso. Uma vez que a credibilidade de um rumor é pertinente para determinar se uma informação relativa à publicação iminente de um artigo sobre esse rumor é suficientemente precisa para que se possa retirar uma conclusão quanto ao efeito sobre os preços que essa publicação é suscetível de produzir, há nomeadamente que ter em conta, para esse efeito, o grau de precisão do conteúdo do referido rumor, bem como a fiabilidade da fonte que dele dá conta.

    49

    A este respeito, uma informação que reproduz elementos como os constantes dos rumores mencionados nos artigos de imprensa em causa no processo principal, que indicam tanto o nome do emitente dos instrumentos financeiros em causa como as condições da oferta pública de aquisição esperada, não pode ser qualificada de «informações vagas ou gerais, que não permitem tirar nenhuma conclusão sobre o seu possível efeito nos preços dos instrumentos financeiros em causa», na aceção da jurisprudência referida no n.o 38 do presente acórdão.

    50

    Neste contexto, a menção, enquanto componente de um rumor relativo a uma oferta pública de aquisição de títulos de um emitente de instrumentos financeiros, do preço proposto para a aquisição desses títulos é suscetível de ter incidência na apreciação do referido caráter preciso da informação em causa. No entanto, essa menção não é indispensável para efeitos da qualificação de uma informação relativa a esse rumor de «precisa», uma vez que a mesma inclui outros elementos relativos à mencionada oferta pública de aquisição. Com efeito, como salientou a advogada‑geral no n.o 51 das suas conclusões, tal proposta inclui, regra geral, um prémio de retoma a acrescer ao preço da ação, que permite ao mercado avaliar o possível efeito sobre esse preço.

    51

    Além do conteúdo do artigo de jornal em causa, há outros elementos suscetíveis de contribuir para o caráter preciso de uma informação relativa à publicação iminente do mesmo, a fim de apreciar o possível efeito nos preços dos instrumentos financeiros em causa ou de instrumentos financeiros derivados com eles relacionados. A este respeito, a notoriedade do jornalista que assinou os artigos de imprensa e a do órgão de comunicação social que efetuou a publicação desses artigos podem ser considerados determinantes, segundo as circunstâncias do caso em apreço, uma vez que esses elementos permitem apreciar a credibilidade dos rumores em causa, o que, se for caso disso, pode levar os investidores a presumir que são provenientes de fontes consideradas fiáveis por esse jornalista e por este órgão de comunicação social.

    52

    Daqui resulta que, quando certas pessoas são informadas de que um artigo de imprensa, na iminência de ser publicado, conterá a informação mencionada no n.o 50 do presente acórdão, bem como, se for caso disso, da identidade do autor desse artigo e do órgão de comunicação social que irá efetuar a sua publicação, tais indicações, uma vez que tendem a reforçar a credibilidade do rumor evocado no artigo de imprensa, são pertinentes para apreciar se a informação relativa à publicação iminente de tal artigo é suficientemente precisa para que se possa retirar uma conclusão quanto ao efeito a nível dos preços que essa publicação é suscetível de produzir.

    53

    Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a influência efetivamente sensível (ex post) de uma publicação no preço dos títulos a que se refere constitui um elemento pertinente para apreciar o caráter preciso da informação relativa a essa publicação.

    54

    A este respeito, importa recordar que, no que se refere ao quarto elemento da definição de «informação privilegiada», como figura no artigo 1.o, ponto 1, da Diretiva 2003/6, a saber, que a informação, caso fosse tornada pública, seria suscetível de influenciar de maneira sensível o preço dos instrumentos financeiros em causa, o considerando 2 da Diretiva 2003/124 enuncia que as informações ex post podem ser utilizadas para verificar a presunção de que os preços são sensíveis à informação ex ante, não devendo, no entanto, ser utilizadas contra alguém que tenha retirado conclusões razoáveis das informações ex ante postas à sua disposição.

    55

    Ora, deve considerar‑se que uma informação que, caso fosse tornada pública, seria suscetível de influenciar de modo sensível o preço dos títulos em causa preenche, regra geral, o primeiro elemento da referida definição, a saber, que a informação possui um caráter preciso, uma vez que, em princípio, a publicação de uma informação não pode exercer tal influência se a própria informação não apresentar esse caráter.

    56

    Por conseguinte, a influência efetiva de uma publicação no preço dos títulos visados nessa publicação pode constituir uma prova ex post do caráter preciso da informação que é objeto da referida publicação. Em contrapartida, não basta, por si só, para demonstrar esse caráter preciso sem a análise de outros elementos conhecidos ou divulgados antes da referida publicação.

    57

    Resulta das considerações que precedem que importa responder à primeira questão que o artigo 1.o, ponto 1, da Diretiva 2003/6 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da qualificação de uma informação privilegiada, é suscetível de constituir uma informação «com caráter preciso», na aceção desta disposição e do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124, uma informação sobre a publicação iminente de um artigo de imprensa que dá conta de um rumor de mercado relativo a um emitente de instrumentos financeiros, e que são pertinentes, para efeitos da apreciação do referido caráter preciso, desde que tenham sido comunicados antes dessa publicação, a menção nesse artigo de imprensa do preço de aquisição dos títulos desse emitente no âmbito de uma eventual oferta pública de aquisição, bem como a identidade do jornalista que assinou o artigo e do órgão de comunicação social que efetuou a sua publicação. Quanto à influência efetiva da referida publicação no preço dos títulos a que se refere, embora possa constituir uma prova ex post do caráter preciso da referida informação, não basta, por si só, para demonstrar esse caráter preciso sem a análise de outros elementos conhecidos ou divulgados antes da referida publicação.

    Quanto à segunda a quarta questões

    Observações preliminares

    58

    A segunda a quarta questões têm por objeto a interpretação dos artigos 10.o e 21.o do Regulamento n.o 596/2014, adotado em data ulterior aos factos em causa no processo principal. O órgão jurisdicional de reenvio é de opinião que este artigo 21.o contém, no entanto, disposições mais favoráveis do que as da Diretiva 2003/6, em vigor à data desses factos, e que, por conseguinte, deveriam aplicar‑se retroativamente aos referidos factos. Segundo esse órgão jurisdicional, o mencionado artigo introduz um regime específico, não previsto na Diretiva 2003/6, destinado a, nomeadamente, restringir a caracterização da infração constituída pela divulgação ilícita de informações privilegiadas quando a divulgação em causa ocorra para fins jornalísticos.

    59

    A este respeito, como salientou a advogada‑geral no n.o 68 das conclusões, a questão de saber se o disposto no artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014 é mais favorável, no domínio visado, do que as disposições previstas na Diretiva 2003/6, pelo que são efetivamente aplicáveis no litígio no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Delvigne, C‑650/13, EU:C:2015:648, n.o 53), depende do modo como este artigo deve ser interpretado. Além disso, embora o artigo 10.o deste regulamento corresponda ao artigo 3.o, alínea a), da Diretiva 2003/6 e não se possa, portanto, considerar, por si só, que o mesmo prevê um regime mais favorável do que o previsto nesta última disposição, resulta da remissão para este artigo 10.o, operada pelo referido artigo 21.o, que as disposições destes artigos estão estreitamente ligadas e não podem ser aplicadas separadamente. Por conseguinte, não é possível constatar desde logo que o artigo 10.o do referido regulamento e o artigo 3.o da referida diretiva têm exatamente o mesmo sentido e alcance no que respeita à divulgação de informações privilegiadas por um jornalista.

    60

    Nestas circunstâncias, a questão da aplicabilidade dos artigos 10.o e 21.o do Regulamento n.o 596/2014 ao processo principal enquadra‑se na apreciação de mérito da segunda a quarta questões (v., por analogia, Acórdão de 28 de outubro de 2021, Komisia za protivodeystvie na koruptsiyata i za otnemane na nezakonno pridobitoto imushtestvo, C‑319/19, EU:C:2021:883, n.o 25 e jurisprudência referida).

    Quanto ao mérito

    – Quanto à segunda questão

    61

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014 deve ser interpretado no sentido de que se considera realizada «para fins jornalísticos», na aceção deste artigo, a divulgação, por um jornalista, a uma das suas fontes de informação habituais, de uma informação relativa à publicação iminente de um artigo, assinado por si, que dá conta de um rumor de mercado.

    62

    Resulta do artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014 que, para efeitos, nomeadamente, do artigo 10.o deste regulamento, que tem por objeto a transmissão ilícita de informações privilegiadas, no caso de ser divulgada informação para fins jornalísticos ou outro modo de expressão nos meios de comunicação social, essa divulgação é avaliada tendo em conta as regras relativas à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão em outros meios de comunicação social e as regras ou os códigos que regulam a profissão jornalística, a menos que a pessoa que está na origem da divulgação ou as pessoas estreitamente relacionadas com ela obtenham, de maneira direta ou indireta, um benefício ou essa pessoa tenha a intenção de, através da referida divulgação, induzir o mercado em erro.

    63

    Para determinar se uma divulgação «para fins jornalísticos», na aceção deste artigo 21.o, visa a hipótese da divulgação, por um jornalista, de uma informação a uma das suas fontes de informação habituais ou diz apenas respeito a uma comunicação ao público, quer na imprensa quer noutros meios de comunicação social, há que recordar que a interpretação de uma disposição do direito da União exige que se tenha em conta não só os seus termos mas também o contexto em que se insere e os objetivos e a finalidade prosseguidos pelo ato de que faz parte.

    64

    No que diz respeito à redação do artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014, há que observar que a expressão «para fins jornalísticos» se refere às divulgações de informações que têm como finalidade a atividade de jornalismo e, portanto, não necessariamente apenas as divulgações que consistem na publicação de informações enquanto tais mas também as que se inserem no processo que conduz a essa publicação.

    65

    Quanto ao contexto e aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 596/2014, decorre do seu considerando 2 que este regulamento visa garantir a integridade dos mercados financeiros através da proibição de abusos de mercado, como o abuso de informação privilegiada e a transmissão ilícita de informações privilegiadas. Resulta ainda do considerando 77 do referido regulamento que esta finalidade deve ser prosseguida no respeito dos direitos fundamentais e na observância dos princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), em especial a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão noutros meios de comunicação social, como garantidas na União e nos Estados‑Membros, reconhecidas nos termos do artigo 11.o da Carta e mencionadas, por outro lado, no artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014.

    66

    Para ter em conta a importância dessas liberdades fundamentais na sociedade democrática, importa interpretar os conceitos relativos a essas liberdades, como o de «fins jornalísticos», de modo amplo (v., por analogia, Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Buivids, C‑345/17, EU:C:2019:122, n.o 51 e jurisprudência referida).

    67

    Por outro lado, com vista a interpretação do artigo 11.o da Carta, há que tomar em consideração, nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da mesma, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 10.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Buivids, C‑345/17, EU:C:2019:122, n.o 65 e jurisprudência referida).

    68

    Ora, resulta dessa jurisprudência que não só as publicações mas também os atos preparatórios de uma publicação, como a recolha de informações e as atividades de investigação de um jornalista, são inerentes à liberdade de imprensa, conforme consagrada no artigo 10.o da referida convenção, e estão, a esse título, protegidos (v., neste sentido, TEDH, 25 de abril de 2006, Dammann c. Suíça, CE:ECHR:2006:0425JUD007755101, n.o 52, e TEDH, 27 de junho de 2017, Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy c. Finlândia, CE:ECHR:2017:0627JUD000093113, n.o 128).

    69

    Por conseguinte, embora o objetivo último da atividade jornalística consista em comunicar informações ao público, há que considerar que pode constituir uma divulgação de informações para fins jornalísticos, na aceção do artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014, uma divulgação destinada a realizar essa atividade, incluindo a efetuada no âmbito dos trabalhos de investigação preparatórios da publicação, realizados por um jornalista.

    70

    No que respeita ao processo principal, poderia, nomeadamente, ser esse o caso na hipótese, apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio, em que a divulgação da informação sobre a publicação iminente de um artigo visa verificar ou obter esclarecimentos sobre o rumor que é objeto desse artigo, independentemente de o destinatário dessa divulgação ser ou não a fonte do referido rumor. Cabe ao referido órgão jurisdicional apreciar se foi efetivamente isso que aconteceu no caso em apreço.

    71

    Tendo em conta o que precede, importa responder à segunda questão que o artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014 deve ser interpretado no sentido de que se considera realizada «para fins jornalísticos», na aceção deste artigo, a divulgação, por um jornalista, a uma das suas fontes de informação habituais, de uma informação relativa à publicação iminente de um artigo, assinado por si, que dá conta de um rumor de mercado, quando essa divulgação seja necessária ao bom desempenho da atividade jornalística, a qual inclui os trabalhos de investigação preparatórios das publicações.

    – Quanto à terceira e quarta questões

    72

    Com a terceira e quarta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 10.o e 21.o do Regulamento n.o 596/2014 devem ser interpretados no sentido de que o caráter lícito ou ilícito da divulgação de uma informação privilegiada por um jornalista para fins jornalísticos depende da questão de saber se foi feita no âmbito normal do exercício da profissão de jornalista.

    73

    O artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 596/2014 prevê que há uma transmissão ilícita de informação privilegiada, proibida pelo artigo 14.o, alínea c), deste mesmo regulamento, quando a pessoa que dispõe de informação privilegiada a transmite a outra pessoa, exceto se essa transmissão ocorrer no exercício normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções.

    74

    Estando esta definição de transmissão ilícita de informações privilegiadas prevista no referido artigo 10.o«para efeitos do […] Regulamento [n.o 596/2014]», deve ser considerada aplicável às situações previstas no artigo 21.o deste regulamento. Tal é corroborado pela redação desta última disposição, que diz respeito à apreciação da divulgação de uma informação privilegiada para fins jornalísticos para efeitos, nomeadamente, do artigo 10.o deste regulamento.

    75

    Daqui resulta que o artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014 não constitui uma base autónoma, que derrogue o artigo 10.o deste regulamento, para determinar o caráter lícito ou ilícito de uma divulgação de informações privilegiadas para fins jornalísticos. Semelhante determinação deve basear‑se nesse artigo 10.o, tendo simultaneamente em conta as especificações que figuram no referido artigo 21.o

    76

    A este respeito, importa observar que o artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 596/2014, conjugado com o artigo 14.o, alínea c), deste mesmo regulamento, corresponde essencialmente ao artigo 3.o, alínea a), da Diretiva 89/592/CEE do Conselho, de 13 de novembro de 1989, relativa à coordenação das regulamentações respeitantes às operações de iniciados (JO 1989, L 334, p. 30), bem como ao artigo 3.o, alínea a), da Diretiva 2003/6, disposições essas que obrigavam os Estados‑Membros a proibir a comunicação de informações privilegiadas. Concretamente, ao prever que a divulgação de uma informação privilegiada não é ilícita quando ocorre no exercício normal de uma atividade, de uma profissão ou de funções, o artigo 10.o do Regulamento n.o 596/2014 contém a mesma exceção à proibição da comunicação de informações privilegiadas que as referidas disposições destas diretivas.

    77

    Além disso, como decorre, em especial, do seu considerando 2, o Regulamento n.o 596/2014 visa, nomeadamente, como as referidas diretivas que o precederam, proteger a integridade dos mercados financeiros e reforçar a confiança dos investidores, a qual assenta, nomeadamente, no facto de os mesmos serem postos em pé de igualdade e protegidos contra a utilização ilícita da informação privilegiada (v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdonck, C‑45/08, EU:C:2009:806, n.o 47 e jurisprudência referida).

    78

    Por conseguinte, a exceção que figura no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 596/2014, à semelhança da prevista no artigo 3.o, alínea a), da Diretiva 89/592, estabelece o requisito da existência de uma ligação estreita entre a divulgação de uma informação privilegiada e o exercício de uma atividade, de uma profissão ou de uma função para justificar essa divulgação. Este requisito deve, em princípio, ser objeto de interpretação estrita, uma vez que a divulgação de uma informação privilegiada só é lícita se for estritamente necessária a esse exercício e respeitar o princípio da proporcionalidade, como o Tribunal de Justiça tinha referido no Acórdão de 22 de novembro de 2005, Grøngaard e Bang (C‑384/02, EU:C:2005:708, n.os 31 e 34).

    79

    Dito isto, importa recordar que, no processo que deu origem a esse acórdão, as pessoas que divulgaram as informações privilegiadas em causa eram, respetivamente, um representante dos trabalhadores no conselho de administração de uma sociedade, igualmente membro do comité de ligação de um grupo de empresas, bem como o presidente de um sindicato profissional.

    80

    Ora, quando um jornalista divulga informações privilegiadas «para fins jornalísticos», na aceção do artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014, a referida exceção deve ser interpretada, como foi salientado, em substância, nos n.os 65 e 66 do presente acórdão, de modo a salvaguardar o efeito útil desta disposição tendo em conta a sua finalidade, como enunciada igualmente no considerando 77 deste regulamento, a saber, o respeito pela liberdade de imprensa e pela liberdade de expressão nos outros meios de comunicação social, garantidas, em especial, pelo artigo 11.o da Carta (v., por analogia, Acórdão de 29 de julho de 2019, Spiegel Online, C‑516/17, EU:C:2019:625, n.o 55).

    81

    Assim, a exigência, decorrente do artigo 10.o do Regulamento n.o 596/2014, de que essa divulgação seja necessária ao exercício da profissão de jornalista, bem como o caráter proporcionado dessa divulgação, devem ser apreciados tendo em conta que esse artigo 10.o, na medida em que constitui uma restrição ao direito fundamental garantido pelo artigo 11.o da Carta, deve ser interpretado em conformidade com as exigências impostas pelo seu artigo 52.o, n.o 1.

    82

    Por conseguinte, no que respeita, em primeiro lugar, à exigência segundo a qual essa divulgação deve ser necessária ao exercício de uma atividade jornalística, a qual inclui, como foi sublinhado no n.o 71 do presente acórdão, os trabalhos de investigação preparatórios das publicações, há que ter em conta, nomeadamente, a necessidade de o jornalista verificar as informações de que tomou conhecimento.

    83

    Por conseguinte, como salientou a advogada‑geral, em substância, no n.o 97 das conclusões, quando uma divulgação como a que está em causa no processo principal tenha sido feita com vista à publicação de um artigo de imprensa, há que examinar se essa divulgação foi além do que era necessário para verificar as informações contidas nesse artigo. Em especial, no que respeita à verificação de uma informação relativa a um rumor de mercado, importa examinar, sendo caso disso, se era necessário que o jornalista divulgasse a terceiros, além do teor do rumor em causa enquanto tal, a informação específica relativa à publicação iminente de um artigo que dá conta desse rumor.

    84

    Em segundo lugar, para determinar se essa divulgação é proporcionada, na aceção do artigo 10.o do Regulamento n.o 596/2014, importa examinar se a restrição à liberdade de imprensa que a proibição de tal divulgação causaria seria excessiva relativamente ao prejuízo que a mesma divulgação poderia causar à integridade dos mercados financeiros.

    85

    Entre os elementos a tomar em consideração para efetuar essa apreciação, deve ser tido em conta, em primeiro lugar, o efeito potencialmente dissuasivo da referida proibição para o exercício da atividade jornalística, incluindo para os trabalhos de investigação preparatórios.

    86

    Em segundo lugar, importa igualmente verificar se, ao efetuar a divulgação em causa, o jornalista agiu no cumprimento das regras e dos códigos que regulam a sua profissão, conforme referidos no artigo 21.o do Regulamento n.o 596/2014. Todavia, como salientou a advogada‑geral no n.o 103 das conclusões, o cumprimento dessas regras e desses códigos não permite, por si só, concluir que a divulgação de uma informação privilegiada era proporcionada, na aceção do artigo 10.o do Regulamento n.o 569/2014.

    87

    Em terceiro lugar, como salientou a advogada‑geral no n.o 100 das conclusões, há igualmente que tomar em consideração os efeitos negativos para a integridade dos mercados financeiros da divulgação das informações privilegiadas em questão. Concretamente, na medida em que houve abuso de informação privilegiada na sequência dessa divulgação, este é suscetível de gerar prejuízos financeiros na esfera de outros investidores e, a médio prazo, a perda de confiança nos mercados financeiros.

    88

    Daqui resulta que a divulgação de informações privilegiadas prejudica não só os interesses privados de certos investidores mas também, de uma maneira geral, o interesse público que consiste em assegurar uma transparência integral e adequada do mercado, a fim de garantir a sua integridade e promover a confiança de todos os investidores, como recordado no n.o 77 do presente acórdão. Por conseguinte, cabe igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta o facto de o interesse público que pode ter sido prosseguido por essa divulgação se opor não só a interesses privados mas também a um interesse da mesma natureza (v., por analogia, TEDH, 10 de dezembro de 2007, Stoll c. Suíça, CE:ECHR:2007:1210JUD 006969801, § 116).

    89

    Tendo em conta as considerações precedentes, no seu conjunto, importa responder à terceira e quarta questões que os artigos 10.o e 21.o do Regulamento n.o 596/2014 devem ser interpretados no sentido de que a divulgação de uma informação privilegiada por um jornalista é lícita quando seja considerada necessária ao exercício da sua profissão e respeite o princípio da proporcionalidade.

    Quanto às despesas

    90

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 1.o, ponto 1, da Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado), deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da qualificação de uma informação privilegiada, é suscetível de constituir uma informação «com caráter preciso», na aceção desta disposição e do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124/CE da Comissão, de 22 de dezembro de 2003, que estabelece as modalidades de aplicação da Diretiva 2003/6 no que diz respeito à definição e divulgação pública de informação privilegiada e à definição de manipulação de mercado, uma informação sobre a publicação iminente de um artigo de imprensa que dá conta de um rumor de mercado relativo a um emitente de instrumentos financeiros, e que são pertinentes, para efeitos da apreciação do referido caráter preciso, desde que tenham sido comunicados antes dessa publicação, a menção nesse artigo de imprensa do preço de aquisição dos títulos desse emitente no âmbito de uma eventual oferta pública de aquisição, bem como a identidade do jornalista que assinou o artigo e do órgão de comunicação social que efetuou a sua publicação. Quanto à influência efetiva da referida publicação no preço dos títulos a que se refere, embora possa constituir uma prova ex post do caráter preciso da referida informação, não basta, por si só, para demonstrar esse caráter preciso sem a análise de outros elementos conhecidos ou divulgados antes da referida publicação.

     

    2)

    O artigo 21.o do Regulamento (UE) n.o 596/2014 do Parlamento e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo ao abuso de mercado (regulamento abuso de mercado) e que revoga a Diretiva 2003/6 e as Diretivas 2003/124/CE, 2003/125/CE e 2004/72/CE da Comissão, deve ser interpretado no sentido de que se considera realizada «para fins jornalísticos», na aceção deste artigo, a divulgação, por um jornalista, a uma das suas fontes de informação habituais, de uma informação relativa à publicação iminente de um artigo, assinado por si, que dá conta de um rumor de mercado, quando essa divulgação seja necessária ao bom desempenho da atividade jornalística, a qual inclui os trabalhos de investigação preparatórios das publicações.

     

    3)

    Os artigos 10.o e 21.o do Regulamento n.o 596/2014 devem ser interpretados no sentido de que a divulgação de uma informação privilegiada por um jornalista é lícita quando seja considerada necessária ao exercício da sua profissão e respeite o princípio da proporcionalidade.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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