EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62020CJ0241

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 15 de julho de 2021.
BJ contra État belge.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal de première instance du Luxembourg.
Reenvio prejudicial — Livre circulação dos trabalhadores — Livre circulação de capitais — Imposto sobre o rendimento — Legislação destinada a evitar a dupla tributação — Rendimentos auferidos num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro de residência — Métodos de cálculo da isenção no Estado‑Membro de residência — Perda parcial de determinados benefícios fiscais.
Processo C-241/20.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:605

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

15 de julho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Livre circulação dos trabalhadores — Livre circulação de capitais — Imposto sobre o rendimento — Legislação destinada a evitar a dupla tributação — Rendimentos auferidos num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro de residência — Métodos de cálculo da isenção no Estado‑Membro de residência — Perda parcial de determinados benefícios fiscais»

No processo C‑241/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo tribunal de première instance du Luxembourg (Tribunal de Primeira Instância do Luxemburgo, Bélgica), por Decisão de 1 de abril de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de junho de 2020, no processo

BJ

contra

État belge,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, C. Toader, M. Safjan e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de BJ, por N. Lequeux, avocate,

em representação do Governo belga, por C. Pochet, P. Cottin e S. Baeyens, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e A. M. de Ree, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e V. Uher, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.o, do artigo 63.o, n.o 1, e do artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe BJ ao Estado belga a respeito da perda parcial dos benefícios fiscais a que teria direito se tivesse auferido a totalidade dos seus rendimentos na Bélgica.

Quadro jurídico

Convenção Fiscal Belgo‑Luxemburguesa

3

O artigo 6.o da Convenção entre o Reino da Bélgica e o Grão‑Ducado do Luxemburgo destinada a evitar a dupla tributação e a regular outras questões em matéria de Imposto sobre o Rendimento e sobre o Património, assinada no Luxemburgo em 17 de setembro de 1970, na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Convenção Fiscal Belgo‑Luxemburguesa»), sob a epígrafe «Rendimentos de bens imóveis», estabelece, no seu n.o 1:

«Os rendimentos provenientes de bens imóveis são tributáveis no Estado Contratante em cujo território se encontrem situados.»

4

O artigo 15.o desta convenção, sob a epígrafe «Profissões dependentes», prevê, no seu n.o 1:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 16.o, 18.o, 19.o e 20.o, os salários, vencimentos e outras remunerações similares auferidos por um residente de um Estado Contratante pela prestação de trabalho dependente só são tributáveis nesse Estado, a menos que o trabalho seja prestado no outro Estado Contratante. Se o trabalho for prestado neste outro Estado, as remunerações recebidas a esse título são nele tributáveis.»

5

O artigo 23.o da referida convenção, sob a epígrafe «Disposições destinadas a evitar a dupla tributação», dispõe, no seu n.o 2, ponto 1:

«No que respeita aos residentes na Bélgica, a dupla tributação é evitada da seguinte forma:

1.o

Os rendimentos obtidos no Luxemburgo — com exceção dos rendimentos referidos nos pontos 2.o e 3.o — e os elementos do património situados no Luxemburgo que sejam tributáveis nesse Estado por força dos artigos anteriores, estão isentos de impostos na Bélgica. Esta isenção não limita o direito de a Bélgica ter em conta, na determinação da taxa dos seus impostos, rendimentos e elementos do património isentos nos termos expostos.»

6

O artigo 24.o da mesma Convenção, sob a epígrafe «Não discriminação», estabelece, no seu n.o 4, alínea a):

«Uma pessoa singular, residente na Bélgica, que, em conformidade com os artigos 7.o e 14.o a 19.o, esteja sujeita a tributação no Luxemburgo em relação a mais de 50 % dos seus rendimentos profissionais é, a seu pedido, tributada no Luxemburgo no que respeita aos seus rendimentos aí tributáveis, em conformidade com os artigos 6.o, 7.o e 13.o a 19.o da Convenção, à taxa média de imposto que, tendo em conta a situação e os seus encargos familiares e a totalidade dos seus rendimentos profissionais, lhe seria aplicável se fosse residente no Luxemburgo.»

Direito belga

7

O artigo 131.o do code des impôts sur les revenus 1992 (Código do Imposto sobre o Rendimento de 1992; a seguir «CIR 1992»), na versão aplicável aos factos do processo principal, regula as quotas‑partes do rendimento que estão isentas de imposto.

8

As reduções fiscais concedidas sobre a poupança a longo prazo e as despesas efetuadas para a poupança de energia em habitações são regidas, respetivamente, pelo artigo 145.o, n.o 1, e pelo artigo 145.o, n.o 24, deste código.

9

O artigo 155.o, primeiro parágrafo, do referido código tem a seguinte redação:

«Os rendimentos isentos nos termos de convenções internacionais destinadas a evitar a dupla tributação são tidos em conta na determinação do imposto, mas este é reduzido proporcionalmente à parte dos rendimentos isentos na totalidade dos rendimentos.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Durante os exercícios fiscais de 2006 a 2011, BJ, residente fiscal belga, exercia uma atividade profissional enquanto trabalhador dependente no Luxemburgo.

11

Além disso, BJ é proprietário de um apartamento situado no Luxemburgo, que se encontra arrendado para habitação a uma pessoa singular, e de dois imóveis situados na Bélgica.

12

Por força do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 15.o, n.o 1, da Convenção Fiscal Belgo‑Luxemburguesa, os rendimentos imobiliários e profissionais de origem luxemburguesa de BJ eram tributáveis no Luxemburgo e foram aí tributados nos termos do artigo 24.o, n.o 4, alínea a), desta convenção.

13

Em conformidade com o artigo 23.o, n.o 2, ponto 1, da referida convenção e com o artigo 155.o do CIR 1992, esses rendimentos, isentos de impostos na Bélgica, foram, em primeiro lugar, tomados em consideração para determinar o imposto nesse Estado‑Membro. Em segundo lugar, as reduções fiscais relativas às quotas‑partes do rendimento isentas, à poupança a longo prazo e às despesas efetuadas para a poupança de energia em habitações, previstas, respetivamente, no artigo 131.o, no artigo 145.o, n.o 1, e no artigo 145.o, n.o 24, do CIR 1992, foram aplicadas ao imposto assim determinado. Em terceiro lugar, este imposto, em aplicação do artigo 155.o do CIR 1992, foi reduzido proporcionalmente à parte que os rendimentos luxemburgueses isentos representavam no total dos rendimentos de BJ.

14

Através de reclamações apresentadas à administração fiscal belga, BJ contestou a ordem de imputação destas duas categorias de reduções fiscais, alegando que a aplicação da redução fiscal pelos rendimentos isentos por força de convenções internacionais destinadas a evitar a dupla tributação não antes, mas depois das reduções fiscais relativas às quotas‑partes do rendimento isentas, da poupança a longo prazo e das despesas efetuadas para a poupança de energia em habitações não lhe permitia usufruir plenamente desses benefícios fiscais e implicava a perda, na proporção dos seus rendimentos luxemburgueses isentos, do benefício relativamente a uma parte destes, aos quais tinha direito ao abrigo da legislação belga.

15

Na sequência do indeferimento dessas reclamações, BJ intentou uma ação no tribunal de première instance du Luxembourg (Tribunal de Primeira Instância do Luxemburgo, Bélgica), com vista a poder usufruir plenamente dos benefícios fiscais em causa. Segundo esse órgão jurisdicional, a maior parte destes últimos foi perdida, uma vez que as referidas reduções diminuíram muito pouco o imposto sobre os rendimentos de origem belga de BJ.

16

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a questão de saber se o artigo 45.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação fiscal nacional como a legislação em causa no processo principal. Se for esse o caso, pretende, em seguida, saber se determinadas características do caso no processo principal são suscetíveis de ter incidência nessa interpretação. Por último, esse órgão jurisdicional interroga‑se igualmente sobre a questão de saber se, tendo em conta o facto de BJ auferir rendimentos provenientes do arrendamento do apartamento que possui no Luxemburgo, os artigos 63.o e 65.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a essa legislação.

17

Nestas circunstâncias, o tribunal de première instance du Luxembourg (Tribunal de Primeira Instância do Luxemburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 45.o TFUE opõe‑se a uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, [reproduzida] ou não numa convenção destinada a evitar a dupla tributação, por força da qual um contribuinte perde, no cálculo do seu imposto sobre o rendimento no Estado de residência, uma parte do benefício da quota‑parte do mesmo rendimento isenta de imposto e dos seus outros benefícios fiscais pessoais (tais como uma dedução do imposto por poupança a longo prazo, a saber prémios pagos em cumprimento de um contrato individual de seguro de vida, e uma dedução do imposto sobre as despesas efetuadas [para a poupança de] energia), devido ao facto de ter igualmente auferido, durante o ano considerado, remunerações noutro Estado‑Membro que aí foram tributadas?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a resposta continua a ser afirmativa se o contribuinte não auferir um rendimento significativo — quantitativa ou proporcionalmente — no seu Estado de residência, mas este estiver, contudo, em condições de lhe conceder esses benefícios fiscais?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, a resposta continua a ser afirmativa se, por força de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação entre o Estado de residência e o outro Estado, o contribuinte tiver beneficiado nesse outro Estado, relativamente aos rendimentos tributáveis nesse outro Estado, dos benefícios fiscais pessoais previstos na legislação fiscal desse outro Estado, mas esses benefícios fiscais não inclu[írem] alguns benefícios fiscais a que o contribuinte tem, em princípio, direito no Estado de residência?

4)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão, a resposta continua a ser afirmativa se, não obstante esta última diferença, o contribuinte obtiver assim nesse outro Estado um montante de redução do imposto pelo menos equivalente ao que perdeu no seu Estado de residência?

5)

As respostas às questões seriam as mesmas à luz dos [artigos 63.o, n.o 1, e 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE], em relação a uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, [reproduzida] ou não numa convenção destinada a evitar a dupla tributação, por força da qual um contribuinte perde, no cálculo do seu imposto sobre o rendimento no Estado de residência, uma parte do benefício da quota‑parte do mesmo rendimento isenta de imposto e dos seus outros benefícios fiscais pessoais (tais como uma dedução do imposto por poupança a longo prazo, a saber prémios pagos em cumprimento de um contrato individual de seguro de vida, e uma dedução do imposto sobre as despesas efetuadas [para a poupança de] energia), devido ao facto de ter igualmente auferido, durante o ano considerado, rendimentos com rendas de um imóvel de que é proprietário [noutro] Estado‑Membro[,] que aí foram tributados?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

18

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 45.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação fiscal de um Estado‑Membro cuja aplicação tem como consequência que um contribuinte residente nesse Estado‑Membro perca, no âmbito do cálculo do seu imposto sobre o rendimento no referido Estado‑Membro, uma parte dos benefícios fiscais concedidos por este pelo facto de esse contribuinte auferir uma remuneração pelo exercício de uma atividade profissional enquanto trabalhador dependente noutro Estado‑Membro, sujeita a tributação neste último Estado e isenta de imposto no Estado‑Membro de residência por força de uma convenção bilateral destinada a evitar a dupla tributação.

19

A título preliminar, há que verificar se o artigo 45.o TFUE é aplicável ao litígio no processo principal.

20

A este respeito, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência constante, qualquer cidadão da União Europeia, independentemente do seu lugar de residência e da sua nacionalidade, que tenha feito uso do direito à livre circulação dos trabalhadores e tenha exercido uma atividade profissional num Estado‑Membro diferente do da sua residência, é abrangido pelo artigo 45.o TFUE (Acórdão de 22 de junho de 2017, Bechtel, C‑20/16, EU:C:2017:488, n.o 32 e jurisprudência referida).

21

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o recorrente no processo principal reside na Bélgica e que, durante os exercícios fiscais em causa no processo principal, exercia uma atividade profissional enquanto trabalhador dependente no Luxemburgo.

22

Por conseguinte, a situação do recorrente no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 45.o TFUE.

23

Feita esta precisão preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, todas as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de pessoas visam facilitar aos cidadãos da União o exercício de atividades profissionais de qualquer natureza no território da União e se opõem às medidas que possam desfavorecer esses cidadãos quando desejem exercer uma atividade económica no território de outro Estado‑Membro (Acórdãos de 12 de dezembro de 2002, de Groot, C‑385/00, EU:C:2002:750, n.o 77 e jurisprudência referida, e de 22 de junho de 2017, Bechtel, C‑20/16, EU:C:2017:488, n.o 37 e jurisprudência referida).

24

Consequentemente, o artigo 45.o TFUE opõe‑se a qualquer medida nacional que seja suscetível de afetar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos cidadãos da União, da liberdade fundamental garantida por este artigo (Acórdão de 10 de outubro de 2019, Krah, C‑703/17, EU:C:2019:850, n.o 41 e jurisprudência referida).

25

Por outro lado, é ao Estado‑Membro de residência que, em princípio, cabe conceder ao contribuinte todos os benefícios fiscais inerentes à sua situação pessoal e familiar, uma vez que esse Estado, salvo exceção, é quem melhor pode apreciar a capacidade contributiva pessoal do referido contribuinte, resultante da tomada em conta do conjunto dos seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar, na medida em que este último dispõe aí do centro dos seus interesses pessoais e patrimoniais (Acórdão de 14 de março de 2019, Jacob e Lennertz, C‑174/18, EU:C:2019:205, n.o 26 e jurisprudência referida).

26

Daqui resulta que, no caso em apreço, é ao Reino da Bélgica, enquanto Estado‑Membro de residência do recorrente no processo principal, que cabe conceder‑lhe todos os benefícios fiscais inerentes à sua situação pessoal e familiar.

27

A este respeito, há que recordar que os benefícios fiscais em causa no processo principal, a saber, as reduções fiscais a título das quotas‑partes do rendimento isentas, da poupança a longo prazo e das despesas efetuadas para a poupança energética em habitações, foram reconhecidas pelo Tribunal de Justiça como estando associadas à situação pessoal e familiar do contribuinte (Acórdão de 14 de março de 2019, Jacob e Lennertz, C‑174/18, EU:C:2019:205, n.os 33, 40 e 41).

28

A legislação fiscal em causa no processo principal prevê que os rendimentos isentos ao abrigo de convenções internacionais destinadas a evitar a dupla tributação sejam, antes de mais, integrados na base tributável que serve para determinar a taxa aplicável aos rendimentos não isentos de origem belga, sendo o imposto de base calculado sobre essa base tributável. As reduções fiscais a título das quotas‑partes do rendimento isentas, da poupança a longo prazo e das despesas efetuadas para a poupança de energia em habitações são seguidamente imputadas no imposto de base. Só depois de efetuadas estas reduções é que a base tributável é reduzida proporcionalmente à parte que os rendimentos isentos ao abrigo de convenções internacionais destinadas a evitar a dupla tributação representam na totalidade dos rendimentos, em conformidade com o artigo 155.o do CIR 1992.

29

Ora, como o Tribunal de Justiça declarou, ao imputar as reduções fiscais a uma base que inclui simultaneamente os rendimentos de origem belga não isentos e os rendimentos isentos ao abrigo de convenções internacionais destinadas a evitar a dupla tributação, só posteriormente deduzindo do imposto a parte representada por estes últimos no montante total dos rendimentos que constituem a base tributável, essa legislação belga pode fazer perder a um contribuinte como o recorrente no processo principal uma parte dos benefícios fiscais que lhe teriam sido integralmente concedidos se o conjunto dos seus rendimentos tivesse sido de origem belga e se as reduções fiscais tivessem sido imputadas apenas a esses rendimentos (Acórdão de 14 de março de 2019, Jacob e Lennertz, C‑174/18, EU:C:2019:205, n.o 31).

30

Por conseguinte, o recorrente no processo principal sofreu uma desvantagem na medida em que não usufruiu plenamente dos benefícios fiscais a que teria direito se tivesse auferido a totalidade dos seus rendimentos na Bélgica (v., por analogia, Acórdão de 14 de março de 2019, Jacob e Lennertz, C‑174/18, EU:C:2019:205, n.o 42).

31

A legislação em causa no processo principal estabelece assim uma diferença de tratamento fiscal entre os cidadãos da União residentes no território do Reino da Bélgica em função da origem dos seus rendimentos, diferença que é suscetível de produzir um efeito dissuasivo sobre o exercício, por estes, das liberdades garantidas pelo Tratado, designadamente a da livre circulação dos trabalhadores garantida pelo artigo 45.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2019, Jacob e Lennertz, C‑174/18, EU:C:2019:205, n.o 43 e jurisprudência referida).

32

Daqui resulta que tal legislação constitui uma restrição à livre circulação dos trabalhadores, proibida, em princípio, por este artigo.

33

Tal restrição só pode ser admitida se prosseguir um objetivo legítimo compatível com o Tratado e se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Em tal caso, é ainda necessário que a sua aplicação seja adequada a garantir a realização do objetivo assim prosseguido e não ultrapasse o que é necessário para o alcançar (Acórdão de 14 de março de 2019, Jacob e Lennertz, C‑174/18, EU:C:2019:205, n.o 44 e jurisprudência referida).

34

Ora, no caso em apreço, não só o Governo belga, como, de resto, o órgão jurisdicional de reenvio, não apresenta nenhuma justificação, como considera que a primeira questão é, no essencial, idêntica à que tinha sido submetida nos processos que deram origem aos Acórdãos de 12 de dezembro de 2002, de Groot (C‑385/00, EU:C:2002:750), e de 14 de março de 2019, Jacob e Lennertz (C‑174/18, EU:C:2019:205), e, por conseguinte, requer uma resposta afirmativa.

35

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 45.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação fiscal de um Estado‑Membro cuja aplicação tem como consequência que um contribuinte residente nesse Estado‑Membro perca, no âmbito do cálculo do seu imposto sobre o rendimento no referido Estado‑Membro, uma parte dos benefícios fiscais concedidos por este pelo facto de esse contribuinte auferir uma remuneração pelo exercício de uma atividade profissional enquanto trabalhador dependente noutro Estado‑Membro, sujeita a tributação neste último Estado e isenta de imposto no Estado‑Membro de residência por força de uma convenção bilateral destinada a evitar a dupla tributação.

Quanto à segunda questão

36

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a circunstância de o contribuinte em causa não auferir rendimentos significativos no Estado‑Membro de residência, mas, no entanto, este Estado estar em condições de lhe conceder os benefícios fiscais em questão, tem incidência na resposta dada à primeira questão.

37

Segundo jurisprudência constante, a obrigação de ter em conta a situação pessoal e familiar só pode incumbir ao Estado‑Membro de emprego quando o contribuinte obtenha de uma atividade exercida nesse Estado a totalidade ou a quase totalidade dos seus rendimentos tributáveis e não aufira rendimentos significativos no Estado‑Membro de residência, pelo que este não está em condições de lhe conceder as vantagens decorrentes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar (Acórdão de 22 de junho de 2017, Bechtel, C‑20/16, EU:C:2017:488, n.o 56 e jurisprudência referida).

38

O Tribunal de Justiça precisou que assim é quando se verifica que o contribuinte em causa não auferiu, no território do seu Estado‑Membro de residência, nenhum rendimento ou auferiu rendimentos tão baixos, que esse Estado não lhe pode conceder os benefícios resultantes da tomada em consideração da totalidade dos seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar (Acórdão de 9 de fevereiro de 2017, X, C‑283/15, EU:C:2017:102, n.o 39).

39

Com efeito, o critério determinante continua a ser o da impossibilidade de um Estado‑Membro tomar em consideração a situação pessoal e familiar de um contribuinte para efeitos fiscais, por falta de rendimentos tributáveis suficientes, ao passo que essa tomada em consideração é possível noutro Estado por nele existirem rendimentos suficientes (Acórdão de 9 de fevereiro de 2017, X, C‑283/15, EU:C:2017:102, n.o 42).

40

Ora, não é manifestamente esse o caso no processo principal, uma vez que resulta da decisão de reenvio que, independentemente do montante dos rendimentos auferidos pelo recorrente no processo principal no Estado‑Membro de residência e da sua proporção no seu rendimento total, esses rendimentos são suficientes para que esse Estado‑Membro possa tributá‑los e conceder‑lhe os benefícios, como as reduções fiscais em causa no processo principal, resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar.

41

Assim, embora o recorrente no processo principal aufira a maior parte dos seus rendimentos no Luxemburgo, resulta da decisão de reenvio que aufere rendimentos suficientes na Bélgica para que a sua situação pessoal e familiar possa ser tida em conta neste último Estado‑Membro para que lhe sejam concedidos os benefícios fiscais.

42

Neste contexto, há que responder à segunda questão que a circunstância de o contribuinte em causa não auferir rendimentos significativos no Estado‑Membro de residência não tem incidência sobre a resposta dada à primeira questão, uma vez que este Estado‑Membro está em condições de lhe conceder os benefícios fiscais em causa.

Quanto à terceira questão

43

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a circunstância de, em virtude de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação entre o Estado‑Membro de residência e o Estado‑Membro de emprego, o contribuinte em causa ter usufruído, no âmbito da tributação dos rendimentos que auferiu no segundo Estado‑Membro, dos benefícios fiscais previstos pela sua legislação fiscal, mas de esses benefícios fiscais não incluírem alguns daqueles a que tem, em princípio, direito no primeiro Estado‑Membro, tem incidência sobre a resposta dada à primeira questão.

44

A este respeito, há que recordar que, na falta de medidas de unificação ou de harmonização ao nível da União, os Estados‑Membros podem alterar a correlação entre a tomada em consideração pelo Estado‑Membro de residência, por um lado, do conjunto dos rendimentos dos seus residentes e, por outro, da respetiva situação pessoal e familiar global por meio de convenções, bilaterais ou multilaterais, destinadas a evitar a dupla tributação. O Estado‑Membro de residência pode, assim, ser convencionalmente desvinculado da sua obrigação de assegurar na íntegra a tomada em consideração da situação pessoal e familiar dos contribuintes residentes no seu território e que exercem parcialmente a sua atividade económica noutro Estado‑Membro (Acórdão de 12 de dezembro de 2002, de Groot, C‑385/00, EU:C:2002:750, n.o 99).

45

Por outro lado, o Estado‑Membro de residência pode também desvincular‑se do cumprimento desta obrigação na medida em que verifique que, mesmo abstraindo de qualquer convenção, um ou vários Estados‑Membros de emprego concedem, em relação aos rendimentos que tributam, benefícios ligados à tomada em consideração da situação pessoal e familiar dos contribuintes que não residem no território destes Estados‑Membros mas aí auferem rendimentos tributáveis (Acórdão de 12 de dezembro de 2002, de Groot, C‑385/00, EU:C:2002:750, n.o 100).

46

No entanto, os mecanismos utilizados para eliminar a dupla tributação ou os sistemas fiscais nacionais que têm por efeito eliminá‑la ou atenuá‑la devem assegurar aos contribuintes dos Estados‑Membros em causa que, no conjunto, toda a sua situação pessoal e familiar seja devidamente tida em conta, seja qual for o modo como os Estados‑Membros em causa repartiram entre si essa obrigação, sob pena de se criar uma desigualdade de tratamento incompatível com as disposições do Tratado sobre a livre circulação dos trabalhadores, que de modo algum resulta das disparidades existentes entre as legislações fiscais nacionais (Acórdãos de 12 de dezembro de 2002, de Groot, C‑385/00, EU:C:2002:750, n.o 101, e de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet, C‑303/12, EU:C:2013:822, n.o 70).

47

Ora, no caso em apreço, importa, por um lado, salientar que não resulta das disposições da Convenção Fiscal Belgo‑Luxemburguesa que, em virtude desta última, o Reino da Bélgica esteja desvinculado da sua obrigação de assegurar a integralidade da tomada em consideração da situação pessoal e familiar dos contribuintes residentes no seu território e que exercem parcialmente a sua atividade económica no Luxemburgo.

48

De facto, o artigo 24.o, n.o 4, alínea a), desta convenção prevê a tomada em consideração da situação pessoal e familiar do contribuinte em causa unicamente para efeitos da determinação da taxa média de tributação dos seus rendimentos tributáveis no Luxemburgo, sem dispensar o Reino da Bélgica dessa obrigação.

49

Por outro lado, a legislação fiscal em causa no processo principal não estabelece nenhuma correlação entre os benefícios fiscais que atribui aos contribuintes residentes no Estado‑Membro em questão e aqueles que lhes podem ser atribuídos no quadro da sua tributação noutro Estado‑Membro (Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet, C‑303/12, EU:C:2013:822, n.o 73), uma vez que a perda parcial dos primeiros benefícios não resulta dos benefícios fiscais equivalentes no Luxemburgo, mas tem caráter automático em caso de cobrança de rendimentos isentos por força de convenções internacionais destinadas a evitar a dupla tributação.

50

Além disso, afigura‑se que, no Estado‑Membro de emprego do recorrente no processo principal, a tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar é apenas parcial, uma vez que, como resulta da própria redação da terceira questão, os benefícios fiscais que lhe foram atribuídos no âmbito da tributação, nesse Estado‑Membro, dos rendimentos que nele auferiu não incluem alguns dos benefícios a que, em princípio, tem direito no Estado‑Membro de residência, a saber, o Reino da Bélgica, perdendo uma parte dos benefícios por força da aplicação da referida legislação.

51

Nestas circunstâncias, nem os mecanismos utilizados na Convenção Fiscal Belgo‑Luxemburguesa para eliminar a dupla tributação nem o sistema fiscal nacional em causa no processo principal permitem garantir aos residentes fiscais belgas que, no conjunto, toda a sua situação pessoal e familiar seja devidamente tida em conta no Estado‑Membro de emprego.

52

Por conseguinte, há que responder à terceira questão que a circunstância de, em virtude de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação entre o Estado‑Membro de residência e o Estado‑Membro de emprego, o contribuinte em causa ter usufruído, no âmbito da tributação dos rendimentos que auferiu no segundo Estado‑Membro, dos benefícios fiscais previstos pela sua legislação fiscal não tem incidência sobre a resposta dada à primeira questão, uma vez que nem essa convenção nem a legislação do Estado‑Membro de residência preveem a tomada em consideração desses benefícios e estes não incluem alguns daqueles a que o contribuinte tem, em princípio, direito no Estado‑Membro de residência.

Quanto à quarta questão

53

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a circunstância de, no Estado‑Membro de emprego, o contribuinte em causa ter obtido uma redução fiscal de um montante pelo menos equivalente ao dos benefícios fiscais que perdeu no Estado‑Membro de residência tem incidência sobre a resposta dada à primeira questão.

54

A este respeito, deve recordar‑se que um Estado‑Membro não pode invocar a existência de um benefício concedido unilateralmente por outro Estado‑Membro, no caso vertente o Estado‑Membro em que o contribuinte trabalha e aufere a quase totalidade dos seus rendimentos, a fim de se eximir às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet, C‑303/12, EU:C:2013:822, n.o 61 e jurisprudência referida).

55

Ora, a aplicação da legislação fiscal em causa no processo principal tem como consequência que um contribuinte como BJ, residente na Bélgica e que aí aufere rendimentos tributáveis, perde automaticamente uma parte dos benefícios fiscais a que tem, em princípio, direito em virtude dessa legislação quando aufere rendimentos noutro Estado‑Membro, os quais estão isentos na Bélgica por força de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação. Independentemente do tratamento fiscal reservado a esse contribuinte no outro Estado‑Membro, é o caráter automático dessa perda que viola a livre circulação dos trabalhadores (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet, C‑303/12, EU:C:2013:822, n.o 62).

56

Por conseguinte, a circunstância de a situação pessoal e familiar do recorrente no processo principal, no âmbito da tributação dos rendimentos que auferiu no Luxemburgo, ter sido parcialmente tida em conta nesse Estado‑Membro e de, por isso, ter podido beneficiar de um benefício fiscal não pode, seja qual for o montante desse benefício, ser invocada pelo Estado‑Membro de residência para escapar às obrigações que lhe incumbem por força do artigo 45.o TFUE.

57

Além disso, importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência relembrada nos n.os 25, 37 e 46 do presente acórdão, incumbe ao Estado‑Membro de residência e, se for caso disso, ao Estado‑Membro de emprego assegurar aos seus contribuintes que a totalidade da sua situação pessoal e familiar será devidamente tida em conta.

58

Ora, não se pode deduzir da circunstância de, no Luxemburgo, o recorrente no processo principal ter obtido uma redução fiscal de um montante pelo menos equivalente ao dos benefícios fiscais que perdeu na Bélgica que a sua situação pessoal e familiar foi integralmente tida em conta, tanto mais que se afigura que a tomada em conta dessa situação é apenas parcial, uma vez que esta redução fiscal não inclui alguns dos benefícios fiscais aos quais tem, em princípio, direito na Bélgica.

59

Acresce ainda, como foi salientado no n.o 48 do presente acórdão, que o artigo 24.o, n.o 4, alínea a), da Convenção Fiscal Belgo‑Luxemburguesa prevê a tomada em consideração da situação pessoal e familiar do contribuinte em causa unicamente para efeitos da determinação da taxa média de tributação dos seus rendimentos tributáveis no Luxemburgo.

60

Por conseguinte, há que responder à quarta questão que a circunstância de, no Estado‑Membro de emprego, o contribuinte em causa ter obtido uma redução fiscal de um montante pelo menos equivalente ao dos benefícios fiscais que perdeu no Estado‑Membro de residência não tem incidência sobre a resposta dada à primeira questão.

Quanto à quinta questão

61

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 63.o, n.o 1, e o artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação fiscal de um Estado‑Membro cuja aplicação tem como consequência que um contribuinte residente nesse Estado‑Membro perca uma parte dos benefícios fiscais concedidos por este pelo facto de auferir rendimentos provenientes de um apartamento de que é proprietário noutro Estado‑Membro, tributáveis neste último e isentos de tributação no primeiro Estado‑Membro por força de uma convenção bilateral destinada a evitar a dupla tributação.

62

Em conformidade com o artigo 63.o, n.o 1, TFUE, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros.

63

A este respeito, importa recordar que as medidas proibidas pelo artigo 63.o, n.o 1, TFUE, enquanto restrições ao movimento de capitais, compreendem as medidas suscetíveis de dissuadir os residentes de um Estado‑Membro de fazerem investimentos imobiliários noutros Estados‑Membros (Acórdão de 12 de abril de 2018, Comissão/Bélgica, C‑110/17, EU:C:2018:250, n.o 40 e jurisprudência referida).

64

Resulta da decisão de reenvio que, durante os exercícios fiscais em causa no processo principal, BJ recebeu rendimentos provenientes do arrendamento, para habitação, de um apartamento situado no Luxemburgo.

65

Por conseguinte, o artigo 63.o TFUE é aplicável ao litígio no processo principal.

66

Neste contexto, há que observar que a legislação fiscal em causa no processo principal, tal como foi exposta, nomeadamente, no n.o 28 do presente acórdão, se aplica a todos os rendimentos isentos por força de uma convenção internacional destinada a evitar a dupla tributação.

67

Quanto aos rendimentos provenientes de bens imóveis situados no Luxemburgo, estes são, por força da Convenção Fiscal Belgo‑Luxemburguesa, tributáveis neste Estado‑Membro e isentos de imposto na Bélgica.

68

No entanto, da mesma forma que, no que respeita aos rendimentos auferidos pelo recorrente no processo principal pelo exercício da sua atividade profissional no Luxemburgo, ao imputar as reduções fiscais numa base que inclui simultaneamente os rendimentos de origem belga não isentos e os rendimentos isentos por força de convenções internacionais destinadas a evitar a dupla tributação e ao deduzir apenas posteriormente do imposto a parte representada por estes últimos no montante total dos rendimentos que constituem a base tributável, a aplicação da legislação fiscal em causa no processo principal também gera uma desvantagem para o recorrente nesse processo, uma vez que tem por efeito privá‑lo de uma parte dos benefícios fiscais a que teria direito se todos os seus rendimentos imobiliários fossem provenientes de bens imóveis situados na Bélgica.

69

Assim, esta legislação estabelece uma diferença de tratamento entre os contribuintes residentes na Bélgica consoante aufiram rendimentos provenientes de um bem imóvel situado na Bélgica ou noutro Estado‑Membro, a qual é suscetível de os dissuadir de fazerem investimentos imobiliários em Estados‑Membros diferentes do Reino da Bélgica.

70

Por conseguinte, a referida legislação constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.o, n.o 1, TFUE.

71

Em conformidade com o artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.o TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes da sua legislação fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

72

Esta disposição, na medida em que constitui uma derrogação à livre circulação de capitais, deve ser objeto de uma interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais será automaticamente compatível com o Tratado (Acórdão de 11 de setembro de 2014, Verest e Gerards, C‑489/13, EU:C:2014:2210, n.o 26 e jurisprudência referida).

73

Com efeito, a derrogação prevista pela dita disposição é, ela própria, limitada pelo artigo 65.o, n.o 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais referidas no n.o 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e de pagamentos, tal como definida no artigo 63.o» (Acórdão de 11 de setembro de 2014, Verest e Gerards, C‑489/13, EU:C:2014:2210, n.o 27 e jurisprudência referida).

74

Segundo jurisprudência constante, há que distinguir as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.o, n.o 3, TFUE. Para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que essa diferença de tratamento diga respeito a situações não objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 12 de abril de 2018, Comissão/Bélgica, C‑110/17, EU:C:2018:250, n.o 55 e jurisprudência referida).

75

No caso em apreço, há que salientar, por um lado, que, por força das disposições conjugadas do artigo 6.o e do artigo 23.o, n.o 2, ponto 1, da Convenção Fiscal Belgo‑Luxemburguesa, bem como do artigo 155.o do CIR 1992, o Reino da Bélgica previu, relativamente aos residentes fiscais belgas, um método de isenção com «reserva de progressividade», nos termos do qual, se os rendimentos provenientes de bens imóveis situados no Luxemburgo forem tributáveis nesse Estado‑Membro e isentos de imposto na Bélgica, são tidos em conta esses rendimentos para a determinação da taxa de imposto aplicável aos rendimentos tributáveis na Bélgica.

76

Este método permite assegurar que os rendimentos de um contribuinte que são isentos no Estado‑Membro de residência podem, no entanto, ser tomados em consideração por este último a fim de aplicar a regra da progressividade ao calcular o montante do imposto sobre o restante dos rendimentos do contribuinte (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, Verest e Gerards, C‑489/13, EU:C:2014:2210, n.o 30 e jurisprudência referida).

77

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o objetivo da tal legislação é evitar que, no Estado‑Membro de residência, os rendimentos tributáveis de um contribuinte proprietário de um bem imóvel situado noutro Estado‑Membro sejam tributados a uma taxa de imposto inferior à aplicável aos rendimentos dos contribuintes proprietários de bens comparáveis no Estado‑Membro de residência (Acórdão de 11 de setembro de 2014, Verest e Gerards, C‑489/13, EU:C:2014:2210, n.o 31).

78

Por conseguinte, à luz deste objetivo, a situação dos contribuintes que tiverem adquirido um bem imóvel no Estado‑Membro de residência é comparável à dos contribuintes que adquiriram esse bem noutro Estado‑Membro (Acórdão de 11 de setembro de 2014, Verest e Gerards, C‑489/13, EU:C:2014:2210, n.o 32).

79

Por outro lado, o Governo belga, tal como, aliás, o órgão jurisdicional de reenvio, não invocou nenhuma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar a diferença de tratamento estabelecida pela legislação em causa no processo principal entre estas duas categorias de contribuintes.

80

Nestas circunstâncias, uma legislação fiscal nacional como a que está em causa no processo principal não pode ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, nomeadamente o artigo 63.o, n.o 1, e o artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

81

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à quinta questão que o artigo 63.o, n.o 1, e o artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação fiscal de um Estado‑Membro cuja aplicação tem como consequência que um contribuinte residente nesse Estado‑Membro perca uma parte dos benefícios fiscais concedidos por este pelo facto de auferir rendimentos provenientes de um apartamento de que é proprietário noutro Estado‑Membro, tributáveis neste último e isentos de tributação no primeiro Estado‑Membro por força de uma convenção bilateral destinada a evitar a dupla tributação.

Quanto às despesas

82

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 45.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação fiscal de um Estado‑Membro cuja aplicação tem como consequência que um contribuinte residente nesse Estado‑Membro perca, no âmbito do cálculo do seu imposto sobre o rendimento no referido Estado‑Membro, uma parte dos benefícios fiscais concedidos por este pelo facto de esse contribuinte auferir uma remuneração pelo exercício de uma atividade profissional enquanto trabalhador dependente noutro Estado‑Membro, sujeita a tributação neste último Estado e isenta de imposto no Estado‑Membro de residência por força de uma convenção bilateral destinada a evitar a dupla tributação.

 

2)

A circunstância de o contribuinte em causa não auferir rendimentos significativos no Estado‑Membro de residência não tem incidência sobre a resposta dada à primeira questão prejudicial, uma vez que este Estado‑Membro está em condições de lhe conceder os benefícios fiscais em causa.

 

3)

A circunstância de, em virtude de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação entre o Estado‑Membro de residência e o Estado‑Membro de emprego, o contribuinte em causa ter beneficiado, no âmbito da tributação dos rendimentos que auferiu no segundo Estado‑Membro, dos benefícios fiscais previstos pela sua legislação fiscal não tem incidência sobre a resposta dada à primeira questão prejudicial, uma vez que nem essa convenção nem a legislação fiscal do Estado‑Membro de residência preveem a tomada em consideração desses benefícios e estes não incluem alguns daqueles a que o contribuinte tem, em princípio, direito no Estado‑Membro de residência.

 

4)

A circunstância de, no Estado‑Membro de emprego, o contribuinte em causa ter obtido uma redução fiscal de um montante pelo menos equivalente ao dos benefícios fiscais que perdeu no Estado‑Membro de residência não tem incidência sobre a resposta dada à primeira questão prejudicial.

 

5)

O artigo 63.o, n.o 1, e o artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação fiscal de um Estado‑Membro cuja aplicação tem como consequência que um contribuinte residente nesse Estado‑Membro perca uma parte dos benefícios fiscais concedidos por este pelo facto de auferir rendimentos provenientes de um apartamento de que é proprietário noutro Estado‑Membro, tributáveis neste último e isentos de tributação no primeiro Estado‑Membro por força de uma convenção bilateral destinada a evitar a dupla tributação.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

Top