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Document 62020CJ0237

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 28 de abril de 2022.
    Federatie Nederlandse Vakbeweging contra Heiploeg Seafood International BV e Heitrans International BV.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden.
    Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/23/CE — Artigos 3.o a 5.o — Transferências de empresas — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Exceções — Processo de insolvência — “Pre‑pack” — Sobrevivência de uma empresa — Transferência de uma (parte de) empresa na sequência de uma declaração de insolvência precedida de um pre‑pack.
    Processo C-237/20.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:321

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    28 de abril de 2022 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/23/CE — Artigos 3.o a 5.o — Transferências de empresas — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Exceções — Processo de insolvência — “Pre‑pack” — Sobrevivência de uma empresa — Transferência de uma (parte de) empresa na sequência de uma declaração de insolvência precedida de um pre‑pack»

    No processo C‑237/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal, Países Baixos), por Decisão de 29 de maio de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de junho de 2020, no processo

    Federatie Nederlandse Vakbeweging

    contra

    Heiploeg Seafood International BV,

    Heitrans International BV,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: A. Prechal, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Passer, F. Biltgen (relator), L.S. Rossi e N. Wahl, juízes,

    advogado‑geral: G. Pitruzzella,

    secretária: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 30 de setembro de 2021,

    considerando as observações apresentadas:

    em representação da Federatie Nederlandse Vakbeweging, por F. M. Dekker, advocaat,

    em representação da Heitrans International BV e da Heiploeg Seafood International BV, por B. Kraaipoel, J. F. Fliek e I. Spinath, advocaten,

    em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por A. Nijenhuis e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de dezembro de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 3.o a 5.o da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO 2001, L 82, p. 16).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Federatie Nederlandse Vakbeweging (Federação dos Sindicatos Neerlandeses; a seguir «FNV»), uma organização sindical neerlandesa, à Heiploeg Seafood International BV e à Heitrans International BV (a seguir, em conjunto, «nova Heiploeg»), sociedades neerlandesas, a respeito da manutenção dos direitos dos trabalhadores afetos a estas sociedades na sequência de uma transferência de empresa quando o cedente foi objeto de um processo de insolvência.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    A Diretiva 2001/23 procedeu à codificação da Diretiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO 1977, L 61, p. 26), conforme alterada pela Diretiva 98/50/CE do Conselho, de 29 de junho de 1998 (JO 1998, L 201, p. 88).

    4

    O considerando 3 da Diretiva 2001/23 tem a seguinte redação:

    «É necessário adotar disposições para proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos.»

    5

    O artigo 1.o desta diretiva dispõe, no seu n.o 1, alíneas a) e b):

    «a)

    A presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.

    b)

    Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória.»

    6

    O artigo 3.o da referida diretiva enuncia, no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

    «Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.»

    7

    O artigo 4.o da Diretiva 2001/23 prevê, no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

    «A transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efetuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho.»

    8

    Nos termos do artigo 5.o desta diretiva:

    «1.   Salvo determinação em contrário dos Estados‑Membros, os artigos 3.o e 4.o não se aplicam a uma transferência de empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento quando o cedente for objeto de um processo de falência ou de um processo análogo por insolvência promovido com vista à liquidação do seu património e que esteja sob o controlo de uma entidade oficial competente (que pode ser um administrador de falências, autorizado por uma entidade competente).

    2.   Quando os artigos 3.o e 4.o se aplicarem a uma transferência no decurso de um processo de insolvência que tenha sido instaurado em relação a um cedente (independentemente do facto de tal processo ter ou não sido instaurado com o objetivo de proceder à liquidação do seu património), e desde que esse processo esteja sob o controlo de uma entidade oficial competente (que pode ser um administrador de falências, se determinado pela legislação nacional), o Estado‑Membro pode determinar que:

    a)

    Sem prejuízo do n.o 1 do artigo 3.o, as dívidas do cedente decorrentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho pagáveis antes da data da transferência ou antes da abertura do processo de falência não sejam transferidas para o cessionário, desde que esse processo dê lugar, por força da legislação em vigor nesse Estado‑Membro, a uma proteção pelo menos equivalente à prevista para situações abrangidas pela Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador [JO 1980, L 283, p. 23],

    e/ou, alternativamente, que:

    b)

    O cessionário, o cedente, ou a pessoa ou pessoas que exercem as funções do cedente, por um lado, e os representantes dos trabalhadores, por outro lado, possam acordar em certas alterações das condições de trabalho, na medida em que a legislação ou a prática em vigor o permitam, com o objetivo de salvaguardar as oportunidades de emprego através da garantia de sobrevivência da empresa, do estabelecimento ou da parte de empresa ou estabelecimento em questão.

    […]

    4.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar o recurso abusivo a processos de insolvência de uma forma que retire aos trabalhadores os direitos previstos na presente diretiva.»

    Direito neerlandês

    BW

    9

    Nos termos do artigo 7:663 do Burgerlijk Wetboek (Código Civil, a seguir «BW»), devido à transferência de uma empresa, os direitos e obrigações que emergem para o empregador, no momento da transferência, de um contrato de trabalho celebrado entre este último e o assalariado que aí trabalha são transferidos de pleno direito para o cessionário.

    10

    O artigo 7:666, proémio e alínea a), do BW prevê que este artigo 7:663 não se aplica à transferência de uma empresa quando o empregador tenha sido declarado insolvente e a empresa faça parte da massa insolvente.

    11

    O artigo 7:663 e o artigo 7:666, proémio e alínea a), do BW destinam‑se a transpor, respetivamente, o artigo 3.o, n.o 1, e o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

    FW

    12

    O artigo 1.o, n.o 1, da Faillissementswet (Lei da Insolvência, a seguir «FW») prevê que o devedor é declarado insolvente pelo juiz, mediante a sua própria declaração ou a pedido dos seus credores ou de um deles, quando estiver em situação de cessação de pagamentos e tenha mais do que um credor.

    13

    O artigo 10.o da FW dispõe que terceiros têm o direito de se opor à declaração de insolvência durante um período de oito dias a contar da data da prolação da sentença que declara a insolvência do devedor.

    14

    A sentença declarativa de insolvência inclui igualmente o nome do administrador da insolvência e do juiz da insolvência.

    15

    O artigo 68.o da FW prevê que o administrador da insolvência é responsável pela gestão e liquidação da massa insolvente. Em conformidade com a jurisprudência nacional, deve ter em conta os interesses de todos os credores, mas igualmente os interesses sociais, incluindo o relativo à manutenção do emprego.

    16

    Em conformidade com o artigo 40.o da FW, o administrador da insolvência pode denunciar os contratos de trabalho dos trabalhadores empregados pelo devedor insolvente, respeitando um aviso prévio de, no máximo, seis semanas.

    17

    Em virtude do artigo 64.o da FW, o juiz da insolvência fiscaliza o administrador da insolvência e verifica se este não ultrapassa as suas competências, se atua no interesse de todos os credores e se cumpre corretamente a sua tarefa.

    Procedimento de pre‑pack

    18

    O órgão jurisdicional de reenvio descreve o pre‑pack como uma prática nacional de origem jurisprudencial que permite, no âmbito da liquidação do património de um devedor, preparar a venda da totalidade ou de parte de uma empresa, pertencente ao património deste, a fim de aumentar as hipóteses de os credores serem integralmente reembolsados.

    19

    Os preparativos de venda consistem, nomeadamente, em negociar com um ou mais candidatos um acordo com base no qual a totalidade ou parte da empresa em questão lhes será cedida após a declaração de insolvência do devedor. O pre‑pack distingue‑se das outras transações de venda anteriores a uma declaração de insolvência, no sentido de que as transações de venda realizadas no âmbito desta são preparadas por um administrador da insolvência, denominado «administrador da insolvência indigitado», colocado sob a fiscalização de um juiz da insolvência, denominado «juiz da insolvência indigitado». Estes são designados pelo órgão jurisdicional competente e os seus estatutos e as suas funções são fixados pela jurisprudência do Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal, Países Baixos).

    20

    Resulta da decisão de reenvio que, segundo esta jurisprudência, a missão do «administrador da insolvência indigitado» é determinada pelo órgão jurisdicional que o designa e pelas indicações fornecidas por esse órgão jurisdicional ou pelo «juiz da insolvência indigitado» designado para esse efeito. Um «administrador da insolvência indigitado» deve, à semelhança do administrador da insolvência, ter em conta, na fase prévia à declaração de insolvência, os interesses de todos os credores mas igualmente os interesses sociais, incluindo o relativo à manutenção do emprego. O «administrador da insolvência indigitado» pode, do mesmo modo que o administrador da insolvência, ser responsabilizado por um erro cometido no exercício das suas funções.

    21

    O órgão jurisdicional de reenvio especifica que a implicação do «administrador da insolvência indigitado» e do «juiz da insolvência indigitado» num pre‑pack é essencial, porque estes são, em geral, no momento da declaração subsequente de insolvência, designados administrador e juiz da insolvência do processo de insolvência. Assim, quando exercem as suas funções durante o pre‑pack, têm em conta a competência legal que exercerão após a declaração de insolvência.

    22

    Incumbe assim ao «administrador da insolvência indigitado» e ao «juiz da insolvência indigitado» preparar a transferência da totalidade ou de parte da empresa, antes da declaração de insolvência da pessoa coletiva a cujo património essa empresa pertence, tendo em conta o interesse de todos os credores e os interesses sociais. Após a declaração de insolvência, independentemente do seu grau de envolvimento antes da declaração de insolvência, devem, enquanto administrador da insolvência e juiz da insolvência do processo de insolvência, apreciar se essa transferência satisfaz esses interesses e, em caso negativo, não proceder à referida transferência.

    23

    Um acordo de transferência da empresa preparado no âmbito de um processo de pre‑pack só é celebrado e executado após a declaração de insolvência, quando o administrador da insolvência e o juiz da insolvência designados pelo órgão jurisdicional disponham das suas competências legais. Estes últimos podem, em geral, agir rapidamente, porque é habitual designar para estas funções os antigos administrador da insolvência e juiz da insolvência indigitados.

    24

    Este processo permite assim evitar que, após a declaração de insolvência, a totalidade ou parte da empresa em causa seja encerrada, ainda que brevemente, e obtenha, através da transferência da totalidade ou de parte de uma empresa cuja exploração tenha sido mantida («going concern»), um melhor preço de cessão desta última, a fim de ressarcir o melhor possível os credores.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    25

    O grupo Heiploeg (a seguir «antigo grupo Heiploeg») era constituído por várias sociedades que exerciam uma atividade de comércio grossista de peixes e de marisco e atividades conexas a esta. No decurso dos anos de 2011 e 2012, o antigo grupo Heiploeg acumulou perdas financeiras significativas. Por outro lado, em novembro de 2013, a Comissão Europeia aplicou a quatro sociedades desse grupo uma coima de 27 milhões de euros por terem participado num cartel.

    26

    Tendo em conta as graves dificuldades financeiras do antigo grupo Heiploeg, nenhum banco aceitou financiar esta coima. Assim, desde a aplicação da coima, considerou‑se a possibilidade de recorrer a um pre‑pack. Para esse efeito, várias sociedades independentes relativamente ao grupo Heiploeg foram convidadas a apresentar uma proposta quanto aos ativos do antigo grupo Heiploeg. Uma vez que a proposta apresentada pela Parlevliet en Van der Plas Beheer BV foi considerada a mais promissora, as negociações prosseguiram com esta sociedade.

    27

    Em resposta a um pedido do antigo grupo Heiploeg, o rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal de Primeira Instância de Noord‑Nederland, Países Baixos) designou, em 16 de janeiro de 2014, dois «administradores da insolvência indigitados» e um «juiz da insolvência indigitado». Resulta da carta de designação que o objetivo da medida era obter um rendimento tão elevado quanto possível para todos os credores e oferecer a possibilidade de preparar uma venda ou uma reorganização a partir de uma situação de insolvência. O órgão jurisdicional recordou que os «administradores da insolvência indigitados» e o «juiz da insolvência indigitado» não dispunham, no âmbito do processo de pre‑pack, de nenhuma competência ou missão legal, mas eram encarregados de observar, se informar e serem informados, bem como dar o seu parecer e, eventualmente, conselhos. Precisou que estes se deviam inspirar nos interesses de todos os credores, como se a insolvência já tivesse sido decretada e, em caso de processo de insolvência subsequente, apresentar o processo de pre‑pack em relatórios públicos. O antigo grupo Heiploeg estava obrigado a cooperar plenamente com os «administradores da insolvência indigitados» e o «juiz da insolvência indigitado».

    28

    Em 27 de janeiro de 2014, o antigo grupo Heiploeg pediu ao rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal de Primeira Instância de Noord‑Nederland) que fosse declarado insolvente. No dia seguinte, esse órgão jurisdicional deferiu este pedido e designou, na qualidade de administrador da insolvência e de juiz da insolvência, as pessoas que tinham anteriormente exercido as funções de «administrador da insolvência indigitado» e de «juiz da insolvência indigitado».

    29

    As duas sociedades que compõem a nova Heiploeg, inscritas no registo comercial em 21 de janeiro de 2014, assumiram a maior parte das atividades comerciais do antigo grupo Heiploeg. O acordo de cessão de ativos, nos termos do qual as atividades do antigo grupo Heiploeg são transferidas para a nova Heiploeg, foi celebrado em 29 de janeiro de 2014.

    30

    Em conformidade com este acordo, a nova Heiploeg retomou os contratos de trabalho de cerca de dois terços dos trabalhadores assalariados do antigo grupo Heiploeg para exercerem, no mesmo local de trabalho, as atividades que exerciam anteriormente, sujeitando‑os a condições de trabalho menos favoráveis. A nova Heiploeg adquiriu as instalações do antigo grupo Heiploeg, que utiliza, e manteve praticamente a mesma clientela que a do antigo grupo Heiploeg.

    31

    A FNV interpôs recurso da sentença de primeira instância que declarou a insolvência do antigo grupo Heiploeg. No seu acórdão, o Tribunal de Recurso negou provimento ao recurso, considerando que a nova Heiploeg tinha alegado, sem ser contestada, que as perdas financeiras sofridas pelo antigo grupo Heiploeg e o facto de os bancos não estarem dispostos a financiar o montante da coima que tinha sido aplicada a quatro sociedades desse grupo tinham tido por efeito tornar inevitável a insolvência deste último. Este órgão jurisdicional deduziu daí que os três requisitos de aplicação do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 estavam preenchidos e que, por conseguinte, a nova Heiploeg não estava vinculada às condições de trabalho e de emprego aplicáveis aos seus trabalhadores antes da transferência. Com efeito, o referido órgão jurisdicional considerou que, aquando da aquisição do antigo grupo Heiploeg pela nova Heiploeg, em primeiro lugar, o antigo grupo Heiploeg era objeto de um processo de insolvência, em segundo lugar, esse processo visava a liquidação do património do cedente e, em terceiro lugar, o referido processo tinha sido colocado sob o controlo de uma autoridade pública.

    32

    A FNV interpôs recurso de cassação desse acórdão no Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal), alegando que os dois últimos requisitos previstos nesta disposição não estavam preenchidos no caso de um processo de pre‑pack e que, por esse facto, a transferência do antigo grupo Heiploeg para a nova Heiploeg estava sujeita às disposições da Diretiva 2001/23, pelo que se devia considerar que os trabalhadores do antigo grupo Heiploeg tinham entrado ao serviço da nova Heiploeg mantendo as suas condições de trabalho.

    33

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, por força do artigo 7:663 do BW, devido à transferência de uma empresa, os direitos e obrigações que resultam para a entidade patronal, no momento da transferência, de um contrato de trabalho celebrado entre esta última e o assalariado que aí trabalha são transferidos para o cessionário. Indica que esta disposição não se aplica, todavia, a uma transferência de empresa, em conformidade com o artigo 7:666, proémio e alínea a), do BW, quando a entidade patronal tenha sido declarada insolvente e a empresa pertencer à massa insolvente. Esse órgão jurisdicional acrescenta que as referidas disposições do direito nacional, que constituem a transposição da Diretiva 2001/23, devem ser objeto de uma interpretação conforme com esta diretiva.

    34

    O órgão jurisdicional de reenvio recorda igualmente que o objetivo principal de um processo de pre‑pack é alcançar, aquando da liquidação do património do devedor, o reembolso mais elevado possível de todos os credores, e que, acessoriamente, uma operação de pre‑pack contribui para manter uma parte do emprego. Especifica, por outro lado, que o escrutínio público no processo de insolvência não fica comprometido pela existência de um processo de pre‑pack anterior ao processo de insolvência.

    35

    No que respeita ao processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que é facto assente que o antigo grupo Heiploeg foi objeto de um processo de insolvência na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23. Todavia, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à questão de saber se o processo de pre‑pack em causa no processo principal respeita os outros dois requisitos previstos no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, a saber, se esse processo, por um lado, pode ser considerado como tendo em vista a liquidação do património do antigo grupo Heiploeg e, por outro, se se encontra sob o controlo de uma entidade oficial.

    36

    Nestas circunstâncias, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 […] ser interpretado no sentido de que a condição de o “processo de falência ou [um] processo análogo por insolvência [ser] promovido com vista à liquidação do […] património [do cedente]”, está preenchida quando:

    a)

    a insolvência do cedente é inevitável e, portanto, o cedente está efetivamente insolvente,

    b)

    segundo o direito neerlandês, o objetivo do processo de insolvência consiste na maximização das receitas para todos os credores, mediante a liquidação do património do devedor, e

    c)

    a transferência (de uma parte) da empresa é preparada no contexto de um denominado pre‑pack antes da declaração de insolvência, e só é executada a seguir a esta, sendo que:

    d)

    o “administrador da insolvência indigitado”, designado pelo tribunal, deve, antes da declaração de insolvência, orientar‑se pelos interesses de todos os credores e por interesses sociais, como a manutenção do emprego, o que também deve ser fiscalizado pelo “juiz da insolvência indigitado”, igualmente designado pelo tribunal,

    e)

    o objetivo do pre‑pack consiste em permitir, no processo de insolvência subsequente, uma espécie de liquidação em que é vendida (uma parte da) empresa em atividade (going concern) pertencente ao património do cedente com vista à maximização das receitas para todos os credores e à manutenção, tanto quanto possível, do emprego, e

    f)

    a organização do processo garante que este seja efetivamente o objetivo orientador?

    2)

    Deve o artigo 5.o, n.o 1, [desta] diretiva ser interpretado no sentido de que a condição de um “processo de falência ou de um processo análogo por insolvência […] que esteja sob o controlo de uma entidade oficial competente”, está preenchida quando a transferência (de uma parte) da empresa é preparada num pre‑pack antes da declaração de insolvência, é concretizada a seguir a esta e:

    a)

    é observada, antes da declaração de insolvência, por um “administrador da insolvência indigitado” e por um “juiz da insolvência indigitado”, que são designados pelo tribunal mas não dispõem de poderes legais,

    b)

    segundo o direito neerlandês, o “administrador da insolvência indigitado” deve, antes da declaração de insolvência, orientar‑se pelos interesses de todos os credores e por outros interesses sociais, como a manutenção do emprego, o que deve ser fiscalizado pelo “juiz da insolvência indigitado”,

    c)

    as funções do “administrador da insolvência [indigitado]” e do “juiz da insolvência indigitado” não são diferentes das funções do administrador da insolvência e do juiz da insolvência nomeados,

    d)

    o contrato por força do qual a empresa é transferida e que foi preparado no âmbito de um pre‑pack só é celebrado e executado depois de a insolvência ter sido decretada,

    e)

    no momento em que decreta a insolvência, o tribunal pode nomear, como administrador da insolvência ou como juiz da insolvência, pessoas diferentes do “administrador da insolvência indigitado” e do “juiz da insolvência indigitado”; e

    f)

    o administrador da insolvência e o juiz da insolvência estão sujeitos às mesmas exigências de objetividade e de independência que o administrador da insolvência e o juiz da insolvência num processo de insolvência que não é antecedido de um pre‑pack e devem, por força das suas atribuições legais e independentemente do seu grau de envolvimento antes da declaração de insolvência, averiguar se a transferência preparada antes da declaração da insolvência (de uma parte) da empresa é do interesse de todos os credores e, na negativa, decidir que essa transferência não terá lugar, e podem sempre tomar a decisão de que a mesma não terá lugar por outros motivos, por exemplo de que a ela se opõem outros interesses sociais, como o emprego?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    37

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que o requisito que prevê, segundo o qual os artigos 3.o e 4.o desta diretiva não se aplicam à transferência de uma empresa quando o cedente for objeto de um processo de falência ou de um processo análogo de insolvência «promovido com vista à liquidação do seu património», está preenchido quando a transferência da totalidade ou parte de uma empresa é preparada, antes da abertura de um processo de insolvência que visa a liquidação do património do cedente e no decurso do qual a referida transferência é realizada, no âmbito de um processo de pre‑pack que tem como objetivo permitir, durante o processo de insolvência, a liquidação da empresa em atividade (going concern) que satisfaça o melhor possível todos os credores e mantenha o emprego na medida do possível.

    38

    A título preliminar, há que recordar que, em primeiro lugar, como salientou o advogado‑geral nos n.os 44 e 45 das suas conclusões, a introdução da derrogação prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 constitui uma codificação da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Com efeito, apesar de a Diretiva 77/187 não conter nenhuma disposição específica a este respeito, o Tribunal de Justiça, nomeadamente nos Acórdãos de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55), e de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326), tinha reconhecido, tendo em conta a especificidade, à luz do direito social, do direito da insolvência, que se caracteriza por processos especiais que têm por objeto ponderar diversos interesses, nomeadamente os das diferentes categorias de credores, a possibilidade de derrogar a aplicação do sistema de proteção individual dos trabalhadores quando uma empresa ou parte de empresa transferida fosse objeto de um processo que visa a liquidação do património do cedente.

    39

    Assim, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 25 do Acórdão de 7 de dezembro de 1995, Spano e o. (C‑472/93, EU:C:1995:421), que a Diretiva 77/187 não se aplicava às transferências ocorridas no âmbito de processos destinados à liquidação do património do cedente, como o processo de insolvência em causa no Acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55), ou o processo de liquidação administrativa coerciva do direito italiano, em causa no Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326), apesar de esta se aplicar, em contrapartida, à transferência de empresas sujeitas a processos que têm como objetivo prosseguir a atividade da empresa.

    40

    Importa especificar que, no processo que deu origem ao Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326), o Tribunal de Justiça tinha sido chamado a examinar, no que respeita à questão de saber se os trabalhadores assalariados, no momento de uma transferência de empresa, conservavam os direitos decorrentes da antiguidade adquiridos anteriormente à transferência, uma regulamentação nacional que previa um processo de administração extraordinária das empresas que implica dois tipos de efeitos para estas últimas. Este processo caracterizava‑se pelo facto de que, por um lado, a empresa transferida podia ser colocada sob um regime de liquidação administrativa coerciva cujos efeitos eram comparáveis aos da insolvência e, por outro, essa empresa podia, apesar de estar sujeita a esse regime, continuar a sua atividade, sob a direção de um administrador, durante um período cujas modalidades de cálculo eram determinadas por lei. Neste último caso, esse administrador devia estabelecer um programa cuja execução devia ser autorizada pela autoridade de controlo e que devia incluir, na medida do possível e tendo em conta os interesses dos credores, um plano de saneamento, compatível com as grandes linhas da política industrial, com indicação específica das instalações a reativar e daquelas a completar, bem como das instalações e estabelecimentos da empresa a transferir. A referida regulamentação apresentava, por conseguinte, características diferentes, consoante o decreto que ordenava a liquidação administrativa coerciva decidisse ou não a prossecução da atividade da empresa (Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o., C‑362/89, EU:C:1991:326, n.os 27 a 30).

    41

    O Tribunal de Justiça considerou que o primeiro desses efeitos era comparável a uma insolvência, uma vez que visava a liquidação do património do devedor com vista à satisfação coletiva dos credores, pelo que as transferências realizadas nesse âmbito deviam ser excluídas do âmbito de aplicação da Diretiva 77/187 (Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o., C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 31). Em contrapartida, considerou que, quando se pretendia o segundo efeito, o objetivo do processo de administração extraordinária consistia, principalmente, em conferir à empresa um equilíbrio que permitisse assegurar a sua atividade no futuro. Com efeito, o objetivo económico e social assim prosseguido não pode explicar nem justificar que, quando a empresa em causa é objeto de uma transferência total ou parcial, os seus trabalhadores sejam privados dos direitos que esta diretiva lhes reconhece nas condições especificadas nesta (Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o., C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 32).

    42

    Em segundo lugar, importa constatar que a primeira questão contém elementos factuais e processuais que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ou não foram salientados na decisão de reenvio que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489), ou não existiam no processo que deu origem a esse acórdão e, por conseguinte, se opõem a uma transposição para o processo principal da resposta dada pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão.

    43

    O Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, no n.o 47 desse mesmo acórdão, que o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 exige que o processo de falência ou um processo análogo por insolvência seja aberto para efeitos da liquidação do património do cedente e recordou que, em conformidade com a sua jurisprudência, um processo que visa a prossecução da atividade da empresa em causa não preenche este requisito.

    44

    O Tribunal de Justiça acrescentou, quanto às diferenças entre estes dois tipos de processo, que um processo visa a prossecução da atividade quando tem como objetivo salvaguardar o caráter operacional da empresa ou das suas unidades viáveis. Em contrapartida, um processo tendente à liquidação do património visa maximizar a satisfação coletiva dos credores. Ora, embora não se exclua que possa existir uma certa sobreposição entre esses dois objetivos prosseguidos por um determinado processo, o objetivo principal de um processo que visa a prossecução da atividade da empresa continua a ser, de qualquer modo, a salvaguarda da empresa em causa (Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o., C‑126/16, EU:C:2017:489, n.o 48).

    45

    Tendo em conta as características do processo de pre‑pack expostas pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489), especialmente o facto de esse processo se destinar a evitar a cessação abrupta das atividades da empresa em causa no momento da declaração da insolvência, a fim de preservar tanto o valor económico da referida empresa como o emprego, o Tribunal de Justiça considerou, no n.o 50 desse acórdão, que, sem prejuízo da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, o referido processo não visava, em definitivo, a liquidação da empresa em causa, pelo que o objetivo económico e social que prossegue não pode explicar nem justificar que, quando essa empresa é objeto de uma transferência total ou parcial, os seus trabalhadores sejam privados dos direitos que a Diretiva 2001/23 lhes reconhece.

    46

    Contrariamente aos factos em causa no referido processo, no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, quando o processo de pre‑pack em causa foi iniciado, a insolvência do cedente era inevitável e que tanto o processo de insolvência como o processo de pre‑pack que o precedeu visavam a liquidação do património do cedente, tendo a insolvência, aliás, sido decretada. Este órgão jurisdicional salienta que o objetivo principal de todos estes processos que conduziram a essa liquidação consistia em obter receitas tão elevadas quanto possível para todos os credores.

    47

    É igualmente facto assente que, no caso em apreço, a transferência da empresa em causa ocorreu no decurso de um processo de insolvência destinado a liquidar a totalidade do património do antigo grupo Heiploeg, a saber, da empresa do cedente.

    48

    A este respeito, há que observar que, na medida em que o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 distingue entre «cedente» e «empresa», «estabelecimento» ou «parte de empresa ou estabelecimento» pertencentes ao referido cedente, há que distinguir a atividade económica global do cedente das atividades individuais das diferentes entidades que figuram entre os seus bens a liquidar.

    49

    Resulta da redação do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 que o âmbito de aplicação desta disposição, e em consequência da derrogação que prevê, não se limita às empresas, estabelecimentos ou partes de empresas ou estabelecimentos cuja atividade tenha cessado definitivamente antes da cessão ou posteriormente a esta.

    50

    Com efeito, este artigo 5.o, n.o 1, uma vez que prevê que os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência não são transferidos para o cessionário quando os requisitos fixados nessa disposição estiverem preenchidos, implica que uma empresa ou uma parte de empresa ainda em atividade deve poder ser cedida beneficiando da derrogação prevista na referida disposição. Ao proceder deste modo, a Diretiva 2001/23 previne o risco de que a empresa, o estabelecimento ou a parte de empresa ou estabelecimento em causa se depreciem antes de o cessionário retomar, no âmbito de um processo de insolvência iniciado com vista à liquidação do património do cedente, uma parte dos ativos e/ou das atividades do cedente consideradas viáveis. Esta derrogação visa assim afastar o risco sério de uma deterioração, no plano global, do valor da empresa cedida ou das condições de vida e de trabalho da mão de obra que seria contrária aos objetivos do Tratado (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o., C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 31 e jurisprudência referida).

    51

    Esta interpretação do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 não é posta em causa pelo facto de a transferência de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, realizada no decurso de um processo de falência ou de um processo análogo por insolvência promovido com vista à liquidação do património do cedente, ter sido preparada antes da abertura desse processo, uma vez que esta disposição não visa o período anterior à abertura dos processos de falência ou de insolvência em causa. Esta conclusão é corroborada pelo n.o 2 deste artigo 5.o, do qual resulta claramente que as exceções que prevê visam os casos em que os artigos 3.o e 4.o desta diretiva se aplicam a uma transferência realizada «no decurso» de um processo de insolvência instaurado em relação a um cedente.

    52

    Assim, quando o objetivo principal de um processo de pre‑pack seguido de um processo de insolvência consiste em obter, na sequência da declaração de insolvência do cedente e da sua liquidação, o reembolso mais elevado possível para todos os seus credores, estes processos, considerados em conjunto, preenchem, em princípio, o segundo requisito previsto no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

    53

    A este respeito, há que verificar, em cada situação, se o processo de pre‑pack e o processo de insolvência em causa visam a liquidação da empresa devido à insolvência declarada do cedente e não uma simples reorganização deste. Além disso, deverá demonstrar‑se não só que esses processos têm por objetivo principal ressarcir o melhor possível todos os credores, mas também que a execução da liquidação através de uma cessão da empresa em atividade (going concern) ou de uma parte desta, conforme preparada no processo de pre‑pack e realizada na sequência do processo de insolvência, permite alcançar esse objetivo principal. Assim, a finalidade do recurso a um processo de pre‑pack, para efeitos da liquidação de uma sociedade, é permitir ao administrador da insolvência e ao juiz de insolvência, designados pelo juiz após a declaração de insolvência da mesma, aumentar as possibilidades de ressarcimento dos credores.

    54

    No entanto, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o processo de pre‑pack em causa é regulado unicamente por regras jurisprudenciais e que a sua aplicação pelos diferentes órgãos jurisdicionais nacionais não é uniforme, pelo que é uma fonte, como salientou o advogado‑geral no n.o 83 das suas conclusões, de insegurança jurídica. Ora, nestas circunstâncias, o processo de pre‑pack fixado pela jurisprudência do órgão jurisdicional de reenvio não pode ser considerado no sentido de que enquadra a aplicação da exceção que figura no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 e não responde à exigência de segurança jurídica.

    55

    Daqui resulta que, não obstante as considerações que figuram nos n.os 47 a 53 do presente acórdão, há que responder à primeira questão que o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que o requisito que prevê, segundo o qual os artigos 3.o e 4.o desta diretiva não se aplicam à transferência de uma empresa quando o cedente for objeto de um processo de falência ou de um processo análogo de insolvência «promovido com vista à liquidação do seu património», está preenchido quando a transferência da totalidade ou parte de uma empresa é preparada, antes da abertura de um processo de insolvência que visa a liquidação do património do cedente e no decurso do qual a referida transferência é realizada, no âmbito de um processo de pre‑pack que tem como objetivo permitir, durante o processo de insolvência, a liquidação da empresa em atividade que satisfaça o melhor possível todos os credores e mantenha o emprego na medida do possível, desde que esse processo de pre‑pack seja enquadrado pelas disposições legislativas ou regulamentares.

    Quanto à segunda questão

    56

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que o requisito que prevê, segundo o qual os artigos 3.o e 4.o desta diretiva não se aplicam à transferência de uma empresa, de um estabelecimento ou de uma parte de empresa ou estabelecimento quando o processo de falência ou o processo de insolvência análogo de que é objeto o cedente «[está] sob o controlo de uma entidade oficial competente», está preenchido quando a transferência da totalidade ou parte de uma empresa é preparada no âmbito de um processo de pre‑pack anterior à declaração de insolvência por um «administrador da insolvência indigitado», colocado sob a fiscalização de um «juiz da insolvência indigitado» e que o acordo sobre essa transferência é celebrado e executado após a declaração de insolvência que visa a liquidação do património do cedente.

    57

    Para responder a esta questão, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça salientou no seu Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489, n.o 53), e como confirmou o órgão jurisdicional de reenvio, o processo de pre‑pack que antecede a declaração de insolvência que visa a liquidação do património do cedente é de origem jurisprudencial e não tem fundamento na legislação ou regulamentação neerlandesas.

    58

    No que respeita, mais precisamente, ao processo de pre‑pack em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489), o Tribunal de Justiça, com base nos autos que lhe foram submetidos, declarou, no n.o 54 desse acórdão, que esse processo não estava sob a fiscalização do órgão jurisdicional competente, mas era gerido pela direção da empresa que dirigia as negociações e adotava as decisões que preparam a venda da empresa em insolvência. No n.o 55 do referido acórdão, considerou que o «administrador da insolvência indigitado» e o «juiz da insolvência indigitado» não dispunham formalmente de nenhum poder e que não estavam sujeitos a nenhuma fiscalização exercida por uma entidade oficial. Além disso, considerou que, na medida em que, imediatamente após a abertura do processo de insolvência, o juiz da insolvência concedeu a autorização para a transferência preparada no decurso do processo de pre‑pack, este último devia, antes da abertura desse processo, ter sido informado e ter consentido na transferência. O Tribunal de Justiça deduziu daí, no n.o 57 do mesmo acórdão, que, tendo em conta estas características, o processo de pre‑pack em causa nesse processo era suscetível de esvaziar quase totalmente de conteúdo qualquer eventual controlo por parte de uma entidade oficial competente sobre o processo de insolvência e não preenchia, por conseguinte, o requisito do controlo por parte dessa entidade enunciado no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

    59

    No caso em apreço, há que constatar que o órgão jurisdicional de reenvio, que recorda que o «administrador da insolvência indigitado» e o «juiz da insolvência indigitado», apesar de nomeados por um órgão jurisdicional, não dispõem de nenhuma competência legal quando exercem as suas funções num processo de pre‑pack, expõe, na decisão de reenvio, diversos elementos suscetíveis de pôr em causa a apreciação feita pelo Tribunal de Justiça no n.o 57 do Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489), de modo que essa apreciação não possa ser aplicada no âmbito do processo principal.

    60

    Importa, mais especificamente, salientar que, segundo esse órgão jurisdicional, o estatuto e as funções do «administrador da insolvência indigitado», definidos pelo órgão jurisdicional que o nomeia ou pelas indicações do «juiz da insolvência indigitado» designado para esse efeito, não diferem de modo substancial do estatuto e das funções do administrador da insolvência no processo de insolvência. O «administrador da insolvência indigitado» poderia, do mesmo modo que o administrador da insolvência, ser considerado responsável por um erro no exercício das suas funções e a sua responsabilidade pessoal seria apreciada com base nos mesmos critérios que os aplicáveis ao administrador da insolvência. O «juiz da insolvência indigitado» — à semelhança do juiz da insolvência no processo de insolvência — assegura a fiscalização, no decurso do processo de pre‑pack antes da declaração de insolvência, do «administrador da insolvência indigitado» para que este último não exceda as suas competências e aja no interesse de todos os credores. O órgão jurisdicional que nomeou o «administrador da insolvência indigitado» e o«juiz da insolvência indigitado» fiscalizaria, em caso de processo de insolvência subsequente, se essas pessoas seguiram todas as indicações que lhes foram dadas e, em caso negativo, nomeia outras pessoas como administradores e juiz da insolvência no momento da declaração da insolvência.

    61

    O referido órgão jurisdicional especifica que, no processo principal, embora o acordo com base no qual a empresa foi transferida tenha sido preparado durante o processo de pre‑pack, este acordo ainda não tinha sido celebrado no momento em que foi decretada a insolvência do antigo grupo Heiploeg. Ora, desde a declaração de abertura do processo de insolvência, os administradores da insolvência e o juiz da insolvência que eram responsáveis por seguir o processo de insolvência e foram nomeados pelo órgão jurisdicional para esse efeito, dispunham de competências legais neste sentido e estavam sujeitos às mesmas exigências de objetividade e de independência que as que vigoram para um administrador da insolvência e um juiz da insolvência designados num processo de insolvência que não é antecedido de um processo de pre‑pack. Estavam, portanto, obrigados a apreciar se a transferência das unidades viáveis da empresa do antigo grupo Heiploeg preparada antes da insolvência foi realizada no interesse de todos os credores. Por conseguinte, a execução de um processo de pre‑pack, como o que está em causa no processo principal, não tem incidência na fiscalização que será realizada subsequentemente num processo de insolvência por uma entidade oficial competente, a saber, pelo administrador da insolvência e pelo juiz da insolvência, conforme previsto pela FW.

    62

    A este respeito, há que constatar que, uma vez que o «administrador da insolvência indigitado» e o «juiz da insolvência indigitado» são nomeados pelo órgão jurisdicional competente para o processo de pre‑pack e que esse órgão jurisdicional não só define as suas funções mas procede, no momento da abertura subsequente do processo de insolvência, a uma fiscalização do exercício destas, decidindo nomear ou não, na qualidade de administrador da insolvência e de juiz da insolvência do processo de insolvência, essas mesmas pessoas, já existe, por esse facto, uma fiscalização do «administrador da insolvência indigitado» e do «juiz da insolvência indigitado» por uma entidade oficial competente.

    63

    Esta apreciação é corroborada pelo facto de, por um lado, a transferência preparada no decurso do processo de pre‑pack só ser realizada após a abertura do processo de insolvência, uma vez que o administrador da insolvência e o juiz da insolvência podem recusar proceder a essa cessão se considerarem que a mesma é contrária ao interesse dos credores do cedente cujos bens devem ser liquidados. Por outro lado, como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, o «administrador da insolvência indigitado» não só deve prestar contas da sua gestão da fase preparatória no relatório de insolvência como pode igualmente ser responsabilizado nas mesmas condições que o administrador da insolvência. Além disso, é facto assente que a intervenção do «administrador da insolvência indigitado» durante o processo de pre‑pack é efetuada sob a fiscalização do «juiz da insolvência indigitado» e, por conseguinte, do órgão jurisdicional competente, podendo este último, se considerar que o «administrador da insolvência indigitado» não cumpriu a missão que lhe foi confiada pelo órgão jurisdicional, substituir esse administrador da insolvência por outra pessoa ou opor‑se ao encerramento do processo de pre‑pack.

    64

    Há igualmente que especificar que, para assegurar as funções que lhes são confiadas no âmbito do processo de pre‑pack e no âmbito do processo de insolvência, o «administrador da insolvência indigitado» e o «juiz da insolvência indigitado» são levados, a partir da fase preparatória da insolvência que constitui o processo de pre‑pack, a colaborar, a proceder a uma avaliação das diferentes hipóteses de cessão e a examinar o acordo de transferência que serão eventualmente levados a validar e executar aquando da abertura do processo de insolvência. Por conseguinte, o tempo decorrido entre a abertura do processo de insolvência e a assinatura do acordo preparado no âmbito do processo de pre‑pack não é, enquanto tal, suscetível de ser considerado como critério para avaliar se a entidade oficial competente pôde ou não exercer a fiscalização prevista a este respeito.

    65

    Por conseguinte, deve considerar‑se que o facto de a transferência da totalidade ou de parte de uma empresa ser preparada no âmbito de um processo de pre‑pack anterior à declaração de insolvência por um «administrador da insolvência indigitado», colocado sob a fiscalização de um «juiz da insolvência indigitado», não se opõe a que o terceiro requisito do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 esteja preenchido.

    66

    Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à segunda questão que o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que o requisito que prevê, segundo o qual os artigos 3.o e 4.o desta diretiva não se aplicam à transferência de uma empresa, de um estabelecimento ou de uma parte de empresa ou estabelecimento quando o processo de falência ou o processo de insolvência análogo de que é objeto o cedente «[está] sob o controlo de uma entidade oficial competente», está preenchido quando a transferência da totalidade ou parte de uma empresa é preparada, no âmbito de um processo de pre‑pack anterior à declaração de insolvência, por um «administrador da insolvência indigitado», colocado sob a fiscalização de um «juiz da insolvência indigitado» e que o acordo sobre essa transferência é celebrado e executado após a declaração de insolvência que visa a liquidação do património do cedente, desde que esse processo de pre‑pack seja enquadrado por disposições legislativas ou regulamentares.

    Quanto às despesas

    67

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que o requisito que prevê, segundo o qual os artigos 3.o e 4.o desta diretiva não se aplicam à transferência de uma empresa quando o cedente for objeto de um processo de falência ou de um processo análogo de insolvência «promovido com vista à liquidação do seu património», está preenchido quando a transferência da totalidade ou parte de uma empresa é preparada, antes da abertura de um processo de insolvência que visa a liquidação do património do cedente e no decurso do qual a referida transferência é realizada, no âmbito de um processo de pre‑pack que tem como objetivo permitir, durante o processo de insolvência, a liquidação da empresa em atividade que satisfaça o melhor possível todos os credores e mantenha o emprego na medida do possível, desde que esse processo de pre‑pack seja enquadrado pelas disposições legislativas ou regulamentares.

     

    2)

    O artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que o requisito que prevê, segundo o qual os artigos 3.o e 4.o desta diretiva não se aplicam à transferência de uma empresa, de um estabelecimento ou de uma parte de empresa ou estabelecimento quando o processo de falência ou o processo de insolvência análogo de que é objeto o cedente «[está] sob o controlo de uma entidade oficial competente», está preenchido quando a transferência da totalidade ou parte de uma empresa é preparada, no âmbito de um processo de pre‑pack anterior à declaração de insolvência, por um «administrador da insolvência indigitado», colocado sob a fiscalização de um «juiz da insolvência indigitado» e que o acordo sobre essa transferência é celebrado e executado após a declaração de insolvência que visa a liquidação do património do cedente, desde que esse processo de pre‑pack seja enquadrado por disposições legislativas ou regulamentares.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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