EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62020CJ0228

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7 de abril de 2022.
I GmbH contra Finanzamt H.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Niedersächsisches Finanzgericht.
Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 132.o, n.o 1, alínea b) — Isenções a favor de certas atividades de interesse geral — Isenção da hospitalização e da assistência médica — Estabelecimento hospitalar privado — Estabelecimento devidamente reconhecido — Condições sociais análogas.
Processo C-228/20.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:275

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

7 de abril de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 132.o, n.o 1, alínea b) — Isenções a favor de certas atividades de interesse geral — Isenção da hospitalização e da assistência médica — Estabelecimento hospitalar privado — Estabelecimento devidamente reconhecido — Condições sociais análogas»

No processo C‑228/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Niedersächsisches Finanzgericht (Tribunal Tributário do Land da Baixa Saxónia, Alemanha), por Decisão de 2 de março de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de junho de 2020, no processo

I GmbH

contra

Finanzamt H,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, I. Ziemele (relatora), T. von Danwitz, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação da I GmbH, por W. Franz, Rechtsanwalt,

em representação do Finanzamt H, por K. Hintzelmann, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e S. Heimerl, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e L. Mantl, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de setembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe I GmbH ao Finanzamt H (Repartição de Finanças de H, Alemanha) a respeito da isenção do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) das prestações hospitalares efetuadas por I durante os exercícios fiscais de 2009 a 2012.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 131.o da Diretiva IVA constitui o único artigo que figura no capítulo 1 do título IX desta diretiva, sob a epígrafe, respetivamente, «Disposições gerais» e «Isenções». Este artigo tem a seguinte redação:

«As isenções previstas nos capítulos 2 a 9 aplicam‑se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições que os Estados‑Membros fixam a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer fraude, evasão ou abuso eventuais.»

4

O artigo 132.o, n.o 1, da Diretiva IVA, que figura no capítulo 2, sob a epígrafe «Isenções em benefício de certas atividades de interesse geral» do referido título IX desta diretiva, prevê:

«Os Estados‑Membros isentam as operações seguintes:

[…]

b)

A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

[…]»

5

O artigo 133.o da referida diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros podem fazer depender, caso a caso, a concessão de qualquer das isenções previstas nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.o 1 do artigo 132.o a organismos que não sejam de direito público da observância de uma ou mais das seguintes condições:

a)

Os organismos em causa não devem ter como objetivo a obtenção sistemática de lucro, não devendo os eventuais lucros ser em caso algum distribuídos, mas sim afetados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas;

b)

Esses organismos devem ser geridos e administrados essencialmente a título gratuito por pessoas que não tenham, por si mesmas ou por interposta pessoa, qualquer interesse direto ou indireto nos resultados da exploração;

c)

Esses organismos devem praticar preços homologados pelas autoridades públicas ou que não excedam tais preços ou, no que diz respeito às atividades não suscetíveis de homologação de preços, inferiores aos exigidos para atividades análogas por empresas comerciais sujeitas ao IVA;

d)

As isenções não podem ser suscetíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA.

[…]»

6

O artigo 134.o da Diretiva IVA prevê:

«As entregas de bens e as prestações de serviços ficam excluídas do benefício da isenção prevista nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.o 1 do artigo 132.o, nos casos seguintes:

a)

Quando não forem indispensáveis à realização de operações isentas;

b)

Quando forem, no essencial, destinadas a proporcionar ao organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com as empresas comerciais sujeitas ao IVA.»

Direito alemão

7

Nos termos do § 4, ponto 14, da Umsatzsteuergesetz (Lei Relativa ao Imposto sobre o Volume de Negócios), de 21 de fevereiro de 2005 (BGBl. 2005 I, p. 386), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «UStG»), estão isentas do IVA:

«[…]

b)

A hospitalização e a assistência médica, incluindo diagnóstico, exames médicos, prevenção, reabilitação, assistência no parto e prestações de cuidados especializados, assim como as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público. As receitas referidas na primeira parte estão igualmente isentas quando sejam obtidas por

aa)

hospitais reconhecidos na aceção do § 108 do Fünften Buches Sozialgesetzbuch [Livro V do Código da Segurança Social],

[…]

cc)

organismos que tenham participado na assistência por parte das instituições do seguro legal de acidentes, em conformidade com o § 34 do Siebten Buches Sozialgesetzbuch (Livro VII do Código da Segurança Social).»

8

O § 108, sob a epígrafe «Hospitais reconhecidos», do livro V do Código da Segurança Social (a seguir «SGB V») enuncia:

«As instituições de seguro de doença só podem permitir a hospitalização pelos seguintes hospitais (reconhecidos):

1.   [Hospitais Universitários],

2.   Hospitais integrados no plano hospitalar de um Land (hospital de referência), ou

3.   Hospitais que tenham celebrado um contrato de assistência com as Landesverbände der Krankenkassen (associações das instituições de seguro de doença ao nível dos Länder) e com as Verbände der Ersatzkassen (associações das instituições complementares de seguro de doença).»

9

O § 109, sob a epígrafe «Celebração de contratos de assistência com hospitais», do SGB V, prevê, nos seus n.os 2 e 3:

«[…]

(2)   Não existe direito à celebração de um contrato de assistência nos termos do § 108, n.o 3, do SGB V […]

(3)   Um contrato de assistência na aceção do § 108, n.o 3, do SGB V não pode ser celebrado quando o hospital

1.

Não garantir um tratamento hospitalar eficiente e económico.

2.

[…] [não cumprir certos requisitos de qualidade] ou

3.

Não for necessário para que os segurados sejam hospitalizados de acordo com as suas necessidades.

[…]»

10

O § 1, sob a epígrafe «Princípio», da Gesetz zur wirtschaftlichen Sicherung der Krankenhäuser und zur Regelung der Krankenhauspflegesätze (Krankenhausfinanzierungsgesetz) (Lei de Financiamento dos Hospitais), de 10 de abril de 1991 (BGBl. 1991 I, p. 886; a seguir «KHG»), prevê:

«(1)   O objetivo da presente lei é garantir a segurança económica dos hospitais, a fim de assegurar à população um serviço de alta qualidade, orientado para os pacientes e adaptado às suas necessidades, prestado por hospitais eficientes, de alta qualidade e que operam sob a sua própria responsabilidade, contribuindo para taxas de assistência socialmente sustentáveis.»

11

O § 6 da KHG, sob a epígrafe «Plano hospitalar e programas de investimento», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Länder adotarão planos hospitalares e programas de investimento com vista à realização dos objetivos referidos no § 1; os custos subsequentes, nomeadamente a incidência na taxa de assistência, devem ser tomados em consideração.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

A demandante no processo principal é uma sociedade cujo objeto é o planeamento, a construção e a exploração de um estabelecimento hospitalar onde estejam representados todos os domínios da neurologia.

13

A demandante no processo principal efetua prestações hospitalares na aceção do direito alemão e a sua exploração é autorizada pelo Estado. No entanto, não está integrada no plano das necessidades hospitalares do Land da Baixa Saxónia e, portanto, não é um estabelecimento abrangido pelo plano hospitalar na aceção do § 108, n.o 2, do SGB V. A demandante no processo principal não é um estabelecimento de cuidados convencionado, visto que não celebrou contratos de assistência com as instituições de seguro de doença ou complementares de seguro de doença legais na aceção do § 108, n.o 3, do SGB V.

14

Os pacientes da demandante no processo principal são constituídos por pacientes privados que pagam os seus próprios tratamentos, aos quais acedem mediante o pagamento de um adiantamento; por pacientes inscritos num regime de seguro de doença privado e/ou que têm direito à Beihilfe (ajuda paga aos funcionários em caso de doença); por pacientes ditos «consulares», para os quais a Embaixada de um Estado estrangeiro emite uma confirmação de tomada a cargo das despesas; por pacientes membros das Forças Armadas alemãs; por pacientes tomados a cargo por um organismo de previdência profissional; e por pacientes inscritos no regime de seguro de doença legal. Os pacientes inscritos em regimes de seguro de doença privados ou legais eram tratados, caso a caso, após confirmação da tomada a cargo das despesas pelos serviços da ajuda paga aos funcionários em caso de doença, das instituições de seguro de doença, das instituições complementares de seguro de doença ou dos seguros privados. Quanto aos pacientes consulares, os custos eram tomados a cargo por organismos sociais estrangeiros, por intermédio das embaixadas em questão.

15

Inicialmente, a demandante no processo principal faturava as prestações hospitalares, a assistência médica, bem como as operações com estas estreitamente relacionadas, com base em tarifas fixas diárias de cuidados, como é habitual para os estabelecimentos hospitalares referidos no § 108 do SGB V, às quais acresciam os eventuais suplementos, quando os pacientes estavam hospitalizados em quartos individuais ou duplos. As prestações médicas opcionais eram faturadas em separado. Posteriormente, a demandante no processo principal faturou progressivamente as suas diversas prestações com base em tarifas fixas por grupos de casos, segundo um sistema designado «Diagnosis Related Group» (grupo homogéneo de diagnóstico). Em 2011, 15 % a 20 % dos dias de hospitalização foram faturados segundo este sistema.

16

Em 28 de junho de 2012, a demandante no processo principal celebrou uma convenção‑quadro na aceção do § 4, ponto 14, alínea b), cc), da UStG, com uma instituição de seguros de acidentes, agindo enquanto organismo do regime legal de seguros de acidentes, com efeitos a 1 de julho de 2012,

17

Nas suas declarações fiscais do imposto sobre o volume de negócios relativas aos exercícios de 2009 a 2012, a demandante no processo principal processou as prestações hospitalares faturadas com base nas tarifas fixas de cuidados, bem como as taxas faturadas aos médicos que dispõem de camas num serviço hospitalar, como operações isentas do imposto sobre o volume de negócios.

18

No âmbito de uma ação inspetiva realizada pelo Finanzamt für Grossbetriebsprüfung H (Repartição de Finanças encarregada do controlo das grandes empresas de H), a inspetora considerou que a maioria das prestações da demandante no processo principal, efetuadas antes de 1 de julho de 2012, não deviam estar isentas de IVA, uma vez que, antes dessa data, aquela não era um estabelecimento hospitalar autorizado. Esta posição foi confirmada pela Repartição de Finanças através de uma decisão de 6 de setembro de 2017.

19

A demandante no processo principal considera que essas prestações estão isentas de IVA por força do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA. Afirma que explora um estabelecimento hospitalar autorizado e que efetua prestações hospitalares e terapias de maneira análoga a um organismo de direito público. A sua atividade reveste caráter de interesse geral. Com efeito, por um lado, propõe uma gama de prestações comparável à dos estabelecimentos hospitalares públicos ou integrados no plano hospitalar. Por outro lado, fornece as suas prestações a qualquer pessoa, quer esta esteja inscrita num regime de seguro legal ou privado quer não esteja segurada. As despesas relativas às terapias são em grande parte tomadas a cargo por organismos de segurança social, entre os quais se contam não apenas as instituições de seguro de doença legais mas igualmente as Forças Armadas, os organismos de previdência profissional, os serviços de concessão da ajuda paga aos funcionários em caso de doença e as embaixadas. Os doentes cujas despesas são assim tomadas a cargo por organismos de segurança social representaram, respetivamente, 33,08 %, em 2009, 34,31 %, em 2010, 38,15 %, em 201, e 40,30 %, em 2012, dos dias de hospitalização.

20

O órgão jurisdicional de reenvio observa que a demandante no processo principal não preenche as condições de isenção previstas no § 4, ponto 14, alínea b), aa), da UStG e que só pode invocar a isenção prevista no § 4, ponto 14, alínea b), cc), da UStG a partir de 1 de julho de 2012, data da entrada em vigor da convenção‑quadro celebrada com a instituição de seguro de acidentes.

21

Este órgão jurisdicional salienta que, relativamente aos estabelecimentos hospitalares que não são organismos de direito público, o § 4, ponto 14, alínea b), aa), da UStG reserva a isenção de IVA aos estabelecimentos hospitalares que tenham sido os primeiros a ser integrados no plano hospitalar e cujos serviços respondam a necessidades definidas à luz do direito da segurança social. Em conformidade com o § 108 e com o § 109, n.o 3, ponto 3, do SGB V, as instituições de seguro de doença ou complementares de seguro de doença legais só podem celebrar um contrato de assistência com um estabelecimento hospitalar se tal for necessário a uma hospitalização adaptada às necessidades dos segurados. Mesmo quando um estabelecimento hospitalar esteja integrado num plano hospitalar, os aspetos económicos continuam a ser pertinentes, uma vez que, por força do § 1 da KHG, o objetivo desta última lei é contribuir para taxas de assistência razoáveis. Por conseguinte, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, nenhum estabelecimento hospitalar suplementar pode ser integrado no plano hospitalar do seu Land nem, consequentemente, celebrar contratos de assistência com as instituições do regime legal de seguro de doença, quando, nesse Land, haja, para uma dada especialidade médica, camas de hospital disponíveis em número suficiente.

22

Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o regime do imposto sobre o volume de negócios leva a tratar de maneira diferente prestações análogas. A vantagem concedida a determinados estabelecimentos hospitalares em relação a outros assenta unicamente no facto de esses estabelecimentos hospitalares serem mais antigos e terem podido ser os primeiros a ser integrados no plano hospitalar ou a celebrar contratos de assistência.

23

Além disso, esse órgão jurisdicional precisa que, na jurisprudência do Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal, Alemanha), surgiu uma tendência jurisprudencial que consiste em considerar que o § 4, ponto 14, da UStG não cumpre as exigências estabelecidas no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, pelo facto de a isenção fiscal das prestações oferecidas nos estabelecimentos hospitalares que não são organismos de direito público só ser possível se essas prestações responderem a necessidades definidas à luz do direito da segurança social.

24

Para determinar se as prestações de hospitalização oferecidas pela demandante no processo principal e as operações com elas estreitamente relacionadas foram efetuadas em condições sociais análogas às dos organismos de direito público na aceção do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, o órgão jurisdicional de reenvio duvida da pertinência de critérios relativos à gestão, às estruturas de custos e ao desempenho económico do estabelecimento em questão, como estabelecidos pelo Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal). Entende que o melhor seria colocar‑se na perspetiva do paciente.

25

Em especial, as condições sociais seriam análogas quando as despesas da maioria dos pacientes fossem tomadas a cargo por organismos de segurança social. O montante dos preços de custo de um hospital privado não é um critério adequado para determinar se um estabelecimento hospitalar privado propõe as suas prestações em condições sociais análogas às de um estabelecimento hospitalar público, dado que as tarifas propostas por um estabelecimento hospitalar privado especializado são necessariamente mais elevadas do que as de um estabelecimento hospitalar público que dispensa igualmente numerosos tratamentos médicos simples que não necessitam de equipamentos dispendiosos.

26

Nestas condições, o Niedersächsisches Finanzgericht (Tribunal Tributário do Land da Baixa Saxónia, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O § 4, [ponto] 14, alínea b), da [UStG] é compatível com o artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da [Diretiva IVA], na medida em que, relativamente aos hospitais que não sejam organismos de direito público, prevê que a isenção do imposto depende da condição de terem sido reconhecidos ao abrigo do § 108 do [SGB V]?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão: em que circunstâncias a hospitalização assegurada por hospitais de direito privado se realiza “em condições sociais análogas” à hospitalização realizada por organismos de direito público, na aceção do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

27

Resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que as disposições de direito alemão pertinentes para a resolução do litígio no processo principal preveem que um estabelecimento hospitalar que não seja um organismo de direito público pode beneficiar da isenção de IVA, em conformidade com o § 4, ponto 14, alínea b), aa), da UStG, se este estabelecimento dispuser de uma autorização na aceção do § 108 do SGB V, em razão quer da sua integração no plano hospitalar de um Land quer da celebração de contratos de assistência com as instituições de seguro de doença ou complementares de seguro de doença legais.

28

O Governo alemão menciona, porém, um elemento complementar relativo ao direito nacional. Precisa que resulta de uma circular administrativa, aplicável desde 1 de janeiro de 2009, que mesmo os estabelecimentos hospitalares privados que não são autorizados nos termos do § 108 do SGB V podem beneficiar da isenção de IVA quando as suas prestações correspondam às efetuadas por estabelecimentos hospitalares geridos por organismos públicos ou por estabelecimentos hospitalares autorizados na aceção do § 108 do SGB V e os custos dessas prestações sejam, em grande parte, tomados a cargo pelas instituições de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social.

29

A este respeito, há que recordar que, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça apenas está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade do direito da União à luz da situação de facto e de direito tal como descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, a fim de fornecer a este último os elementos úteis à resolução do litígio que lhe foi submetido (Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Onofrei, C‑218/19, EU:C:2020:1034, n.o 18 e jurisprudência referida).

30

Assim, incumbe ao Tribunal de Justiça responder às questões do órgão jurisdicional nacional tal como foram submetidas e dentro dos limites definidos por este último.

31

Importa, por conseguinte, examinar a primeira questão tendo em conta os elementos de direito descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a submete à luz das condições previstas no § 108 do SGB V. Ora, a circular administrativa invocada pelo Governo alemão não pode pôr em causa a pertinência desta questão, tanto mais que este governo não contesta a aplicabilidade das condições assim indicadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, mas refere, quando muito, condições alternativas suplementares que não foram mencionadas por esse órgão jurisdicional.

32

Nestas condições, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê que as prestações de assistência médica efetuadas por um estabelecimento hospitalar privado estão isentas de IVA se esse estabelecimento estiver autorizado em conformidade com as disposições nacionais relativas ao regime geral de seguro de doença, na sequência da sua integração no plano hospitalar de um Land ou da celebração de contratos de assistência com as instituições de seguro de doença ou complementares de seguro de doença legais.

33

Segundo jurisprudência constante, para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [Acórdão de 28 de outubro de 2021, Magistrat der Stadt Wien (Grand Hamster — II), C‑357/20, EU:C:2021:881, n.o 20].

34

A este respeito, importa recordar que os termos usados para designar as isenções previstas no artigo 132.o da Diretiva IVA são de interpretação estrita, dado que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo. Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.o devam ser interpretados de maneira a privá‑las dos seus efeitos (Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C‑846/19, EU:C:2021:277, n.o 57).

35

Estas regras de interpretação são aplicáveis às condições específicas exigidas para se beneficiar das isenções previstas no artigo 132.o da Diretiva IVA e, em particular, às relativas à qualidade ou à identidade do operador económico que efetua prestações abrangidas por uma isenção (Acórdão de 10 de junho de 2010, CopyGene, C‑262/08, EU:C:2010:328, n.o 57).

36

Resulta da redação do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA que os Estados‑Membros isentam a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, «em condições sociais análogas» às que vigoram para estes últimos, por «estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos».

37

Em conformidade com a redação desta disposição, duas condições cumulativas são exigidas para que as prestações de hospitalização, de assistência médica e as operações com elas estreitamente relacionadas, propostas por uma entidade que não seja um organismo de direito público, possam ser isentas de IVA. A primeira condição diz respeito às prestações efetuadas e exige que estas sejam asseguradas em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2020, Idealmed III, C‑211/18, EU:C:2020:168, n.os 20 e 21).

38

A segunda condição diz respeito à qualidade do estabelecimento que efetua essas prestações e exige que o operador seja um estabelecimento hospitalar, um centro de assistência médica e de diagnóstico ou outro estabelecimento da mesma natureza devidamente reconhecido.

39

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade, com esta segunda condição, das disposições do direito alemão que reservam a isenção do IVA aos estabelecimentos hospitalares autorizados com fundamento nas disposições nacionais relativas ao regime geral de seguro de doença.

40

A este propósito, o Tribunal de Justiça já declarou que cabe, em princípio, ao direito nacional de cada Estado‑Membro estabelecer as regras segundo as quais o reconhecimento de um estabelecimento para efeitos da concessão da isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA pode ser concedido aos estabelecimentos que o solicitem. Os Estados‑Membros dispõem de poder de apreciação a este respeito (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2010, CopyGene, C‑262/08, EU:C:2010:328, n.o 63 e jurisprudência referida).

41

Tal reconhecimento não pressupõe um procedimento formal e não deve necessariamente decorrer de disposições nacionais com caráter fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2010, CopyGene, C‑262/08, EU:C:2010:328, n.o 61).

42

Quando um sujeito passivo pede para beneficiar da qualidade de estabelecimento devidamente reconhecido na aceção do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, incumbe às autoridades competentes respeitar os limites do poder de apreciação que lhes é atribuído por esta última disposição aplicando os princípios de direito da União, em especial, o princípio da igualdade de tratamento, que se traduz, em matéria de IVA, no princípio da neutralidade fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2010, CopyGene, C‑262/08, EU:C:2010:328, n.o 64 e jurisprudência referida).

43

É à luz destes princípios que há que determinar os limites do poder de apreciação conferido pela Diretiva IVA a um Estado‑Membro e examinar se o artigo 132.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que o facto de sujeitar um estabelecimento hospitalar privado à condição de ser autorizado em conformidade com as disposições nacionais relativas ao regime geral de seguro de doença, o que implica que o referido estabelecimento hospitalar esteja integrado no plano hospitalar local ou tenha celebrado contratos de assistência com as instituições de seguro de doença ou complementares de seguro de doença legais, está abrangido por esses limites.

44

Assim, importa verificar, em primeiro lugar, se a exigência de ser «devidamente reconhecido» se refere a todas as entidades referidas no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA ou apenas aos «outros estabelecimentos da mesma natureza» na aceção desta disposição.

45

A este respeito, importa desde já constatar que, nas versões em língua espanhola, francesa, italiana, portuguesa e romena do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, a expressão «devidamente reconhecidos» vem inserida depois da referência aos «outros estabelecimentos da mesma natureza», ao passo que, noutras versões linguísticas, designadamente as versões em língua alemã, inglesa e letã, a expressão «devidamente reconhecidos» aparece colocada entre os termos «outros» e «estabelecimentos da mesma natureza». Por conseguinte, certas versões linguísticas do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA sugerem que só os «outros estabelecimentos da mesma natureza» estão sujeitos à exigência de ser «devidamente reconhecidos», ao passo que outras versões admitem que esta exigência se aplica a todas as categorias de estabelecimentos privados referidos nesta disposição.

46

Ora, segundo jurisprudência constante, as disposições do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de modo uniforme à luz das versões redigidas em todas as línguas da União Europeia (Acórdão de 26 de julho de 2017, Mengesteab, C‑670/16, EU:C:2017:587, n.o 82 e jurisprudência referida).

47

Constitui igualmente jurisprudência constante que a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas (v., neste sentido, Acórdão de 28 de outubro de 2021, KAHL e Roeper, C‑197/20 e C‑216/20, EU:C:2021:892, n.o 33 e jurisprudência referida).

48

No caso em apreço, na medida em que, para poderem beneficiar da isenção, os «outros estabelecimentos» devem ter a «mesma natureza» que «os estabelecimentos hospitalares [e os] centros de assistência médica e de diagnóstico», a condição do reconhecimento de um estabelecimento deve ser entendida no sentido de que visa todos os estabelecimentos mencionados no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA.

49

Tal interpretação é corroborada pelo contexto e o objetivo do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA.

50

A este respeito, há que salientar, antes de mais, quanto ao contexto em que se inscreve a referida disposição, que esta figura no capítulo 2, sob a epígrafe «Isenções em benefício de certas atividades de interesse geral», do título IX desta diretiva. Esta isenção visa, assim, os estabelecimentos que prosseguem finalidades de interesse geral.

51

Em seguida, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas podem beneficiar da isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA (v. Acórdão de 21 de março de 2013, PCF Clinic, C‑91/12, EU:C:2013:198, n.o 27 e jurisprudência referida).

52

Daqui resulta que, no contexto da isenção enunciada no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, a finalidade das prestações é pertinente para apreciar se essas prestações estão isentas de IVA e se o estabelecimento em questão é abrangido pelo artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA. Com efeito, esta isenção destina‑se a ser aplicada às prestações que têm como finalidade diagnosticar, tratar ou curar as doenças ou as anomalias de saúde ou proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas, mas não inclui as prestações que respondem aos fins puramente estéticos (Acórdão de 21 de março de 2013, PFC Clinic, C‑91/12, EU:C:2013:198, n.os 28 e 29).

53

Por último, importa recordar que o artigo 133.o, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros subordinar a concessão da isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva ao respeito de uma ou mais das condições aí mencionadas. Essas condições referem‑se às finalidades dos referidos organismos, à sua gestão e aos preços praticados por estes e dizem respeito a todos os organismos privados visados por esta última disposição.

54

Tendo em conta o poder de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem neste contexto, como recordado no n.o 40 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a existência da faculdade prevista no artigo 133.o, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA corrobora a interpretação segundo a qual cabe ao direito nacional de cada Estado‑Membro fixar as regras segundo as quais esse reconhecimento pode ser concedido aos estabelecimentos que o solicitem, mesmo que a circunstância de um Estado‑Membro não ter exercido essa faculdade não afete a possibilidade de reconhecer um estabelecimento para efeitos da concessão da isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2003, Dornier, C‑45/01, EU:C:2003:595, n.os 64 a 66).

55

Contudo, sob pena de privar as autoridades nacionais do poder de apreciação que esta disposição lhes confere, o reconhecimento de um estabelecimento na aceção do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA não pode ser equiparado à autorização de efetuar certas operações em conformidade com a legislação nacional (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2010, CopyGene, C‑262/08, EU:C:2010:328, n.o 75).

56

Daqui resulta que o reconhecimento de um estabelecimento que pode ser isento de IVA ao abrigo do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, por um lado, assegurar que só os estabelecimentos que prosseguem as atividades que correspondam às finalidades desta disposição beneficiam de tal isenção e, por outro, sujeitar o benefício da referida isenção ao respeito das condições previstas no artigo 133.o da Diretiva IVA e não pode, por conseguinte, ser limitado apenas aos «outros estabelecimentos» visados pela primeira disposição.

57

Quanto ao objetivo prosseguido pelo artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, importa recordar que esta disposição visa, em especial, reduzir o custo da assistência médica e torná‑la mais acessível aos particulares (Acórdão de 6 de novembro de 2003, Dornier, C‑45/01, EU:C:2003:595, n.o 43), o que implica igualmente a acessibilidade a uma assistência médica de boa qualidade.

58

O objetivo de interesse geral prosseguido por esta disposição confirma a interpretação segundo a qual o poder de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 40 do presente acórdão, diz respeito a todos os estabelecimentos mencionados nessa disposição.

59

Tal interpretação é, além disso, conforme com o princípio da neutralidade fiscal, que se opõe, designadamente, como este é evocado no n.o 42 do presente acórdão, a que operadores que efetuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (Acórdão de 6 de novembro de 2003, Dornier, C‑45/01, EU:C:2003:595, n.o 44).

60

Daqui resulta que um Estado‑Membro pode, no exercício do seu poder de apreciação, sujeitar um estabelecimento hospitalar privado à condição de ser «devidamente reconhecido», para que as prestações de assistência médica efetuadas por este em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público possam ser isentas em conformidade com o artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA.

61

No que diz respeito, em segundo lugar, aos elementos a ter em conta para efeitos do reconhecimento dos estabelecimentos que podem beneficiar da isenção de IVA, na aceção do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, cabe às autoridades nacionais, em conformidade com o direito da União e sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, tomar em consideração vários elementos, entre os quais figuram o caráter de interesse geral das atividades do sujeito passivo em questão, o facto de outros sujeitos passivos que têm as mesmas atividades beneficiarem já de um reconhecimento semelhante, bem como o facto de os custos das prestações em questão serem eventualmente assumidos em grande parte por instituições de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social (Acórdão de 10 de junho de 2010, CopyGene, C‑262/08, EU:C:2010:328, n.o 65 e jurisprudência referida).

62

Além disso, como foi salientado no n.o 42 do presente acórdão, o poder de apreciação admitido pelo artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA está limitado pelas exigências decorrentes do princípio da neutralidade fiscal.

63

Com efeito, no âmbito da aplicação da isenção enunciada no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, o respeito da neutralidade fiscal exige, nomeadamente, que todos os organismos que não são de direito público sejam postos em pé de igualdade para fins do seu reconhecimento com vista ao fornecimento de prestações similares (v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2006, L.u.P., C‑106/05, EU:C:2006:380, n.o 50).

64

No caso em apreço, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, em direito alemão, a autorização de um estabelecimento hospitalar privado, em conformidade com as disposições nacionais relativas ao regime geral de seguro de doença, implica que esse estabelecimento tenha sido integrado no plano hospitalar de um Land ou celebrado contratos de assistência com as instituições de seguro de doença ou complementares de seguro de doença legais.

65

Em especial, em conformidade com as explicações do Governo alemão, os Länder elaboram planos hospitalares para alcançar os objetivos referidos no § 1 da KHG, que consistem em garantir a segurança económica dos estabelecimentos hospitalares, a fim de assegurar à população um serviço de alta qualidade, orientado para os pacientes e adaptado às suas necessidades, prestado por hospitais eficientes, de alta qualidade e que operam sob a sua própria responsabilidade, contribuindo para taxas de assistência socialmente sustentáveis.

66

Esse governo expõe, em substância, que, para celebrar contratos de assistência com as instituições de seguro de doença ou complementares de seguro de doença legais, um estabelecimento hospitalar privado deve oferecer a garantia de uma hospitalização eficiente e económica, preencher as exigências de qualidade mais precisamente descritas na lei e ser necessário para efeitos de uma hospitalização adaptada às necessidades do segurado. Quando vários estabelecimentos hospitalares adequados se candidatam com vista à celebração de um contrato de assistência e seja necessário fazer uma escolha, a decisão é tomada tendo em conta o interesse público e a diversidade das instituições gestoras dos estabelecimentos hospitalares, depois de se ter devidamente avaliado qual dos estabelecimentos hospitalares responde melhor às exigências de uma hospitalização de elevada qualidade, orientada para os pacientes e para as necessidades, com bom desempenho e eficiente.

67

O órgão jurisdicional de reenvio precisa, a este respeito, como mencionado no n.o 21 do presente acórdão, que a aplicação da legislação nacional em causa tem por consequência que a isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA só é possível se os serviços prestados pelo estabelecimento hospitalar privado em questão responderem a necessidades definidas à luz do direito da segurança social. Assim, na prática, um estabelecimento hospitalar privado não teria a possibilidade de ser integrado no plano hospitalar do Land nem de celebrar contratos de assistência com as instituições do regime legal de seguro de doença, quando, nesse Land, houver já disponíveis camas de hospital suficientes para uma especialidade concreta.

68

Como salientou o advogado‑geral nos n.os 111 e 112 das suas conclusões, decorre dessas indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que as instituições de seguro legal de acidentes, as associações de instituições de seguro de doença ao nível do Land e as associações de instituições complementares de seguro de doença gozam de uma certa margem de apreciação na celebração de contratos com estabelecimentos hospitalares e que os Länder não são obrigados a integrar no seu plano hospitalar os estabelecimentos hospitalares não universitários de direito privado que realizam operações em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público.

69

O exercício de tal poder de apreciação em função das necessidades definidas à luz do direito da segurança social pode ter por consequência, em violação do princípio da neutralidade fiscal, que estabelecimentos hospitalares privados análogos sejam tratados de maneira diferente quanto à isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA no que se refere às prestações similares, efetuadas em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público.

70

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, ao prever que as prestações de assistência médica efetuadas por um estabelecimento hospitalar privado estão isentas do IVA se esse estabelecimento estiver autorizado em conformidade com as disposições nacionais relativas ao regime geral de seguro de doença, na sequência da integração no plano hospitalar de um Land ou da celebração de contratos de assistência com as instituições de seguro de doença ou complementares de seguro de doença legais, leva a que os estabelecimentos hospitalares privados análogos que efetuam prestações semelhantes em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público sejam tratados de maneira diferente no que respeita à isenção prevista nessa disposição.

Quanto à segunda questão

71

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, quais são os elementos que as autoridades competentes de um Estado‑Membro podem tomar em consideração para determinar se as prestações de assistência médica efetuadas por um estabelecimento hospitalar privado são asseguradas em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público, na aceção do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA.

72

O órgão jurisdicional de reenvio procura, em particular, saber se o desempenho do hospital em matéria de pessoal, de instalações e de equipamentos, bem como a eficiência económica da sua gestão, podem ser tidos em conta para esse fim, ou se há que se colocar na perspetiva do paciente e considerar que as condições sociais são análogas quando as despesas da maioria dos pacientes são tomadas a cargo por organismos de segurança social.

73

A este respeito, importa recordar que o artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA não define com precisão os aspetos das prestações de assistência médica em causa que devem ser comparados para efeitos de apreciar se estas são asseguradas em condições sociais análogas e, por conseguinte, se a referida disposição é aplicável (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2020, Idealmed III, C‑211/18, EU:C:2020:168, n.o 24).

74

Nestas condições, o Tribunal considerou que podem ser tidos em conta elementos como o caráter de interesse geral das prestações, o facto de as prestações serem tomadas a cargo pelo regime de segurança social ou efetuadas no âmbito de convenções celebradas com autoridades públicas de um Estado‑Membro, a preços fixados nessas convenções e cujos custos são parcialmente assumidos por instituições de segurança social do referido Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de junho de 2010, CopyGene, C‑262/08, EU:C:2010:328, n.os 69 e 70, e de 5 de março de 2020, Idealmed III, C‑211/18, EU:C:2020:168, n.o 32).

75

No que respeita, em primeiro lugar, ao alcance do conceito de «condições sociais análogas», há que precisar, como salientou o advogado‑geral no n.o 89 das suas conclusões, que decorre da própria redação do artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA que a referida condição se refere às prestações efetuadas pelo estabelecimento em questão.

76

Decorre igualmente da redação desta disposição que, por um lado, as condições em que as prestações são efetuadas num estabelecimento hospitalar devem ser não idênticas mas análogas àquelas em que as prestações são efetuadas num estabelecimento de direito público e, por outro, essas condições devem revestir caráter social.

77

Em segundo lugar, como salientou o advogado‑geral no n.o 86 das suas conclusões, o requisito relativo às «condições sociais análogas» tem por objetivo evitar que as prestações oferecidas pelos estabelecimentos privados estejam isentas quando os referidos estabelecimentos não estão sujeitos a obrigações que respondem a uma finalidade social análogas às que incumbem aos estabelecimentos de direito público.

78

Em terceiro lugar, como foi recordado no n.o 57 do presente acórdão, o artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA visa, nomeadamente, reduzir o custo da assistência médica e torná‑la mais acessível aos particulares, o que implica igualmente a acessibilidade a uma assistência médica de boa qualidade.

79

Assim, para apreciar se as prestações dos estabelecimentos hospitalares privados são asseguradas em condições sociais análogas às dos estabelecimentos de direito público, caberá, antes de mais, ao órgão jurisdicional de reenvio tomar em consideração as condições, previstas pela legislação aplicável, a que estão sujeitos os estabelecimentos hospitalares de direito público, no que respeita às prestações efetuadas, e que visam alcançar o objetivo de reduzir os custos da assistência médica e tornar mais acessível aos particulares uma assistência médica de boa qualidade, e que são aptas e necessárias a esse fim.

80

Em seguida, decorre do objetivo da isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, como é recordado no n.o 78 do presente acórdão, que há que ter em conta os custos das prestações efetuadas pelos estabelecimentos hospitalares privados que ficam a cargo dos pacientes.

81

A este respeito, como salienta a Comissão Europeia, a questão de saber se as tarifas fixas diárias são calculadas de maneira análoga num estabelecimento hospitalar privado e num estabelecimento hospitalar de direito público pode revelar‑se pertinente. De igual forma, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se as prestações efetuadas pelos estabelecimentos hospitalares privados são tomadas a cargo pelo regime de segurança social ou ao abrigo de convenções celebradas com autoridades públicas de um Estado‑Membro, de modo que os custos que ficam a cargo dos pacientes sejam de nível análogo aos suportados pelos pacientes de estabelecimentos públicos.

82

Por último, o desempenho do estabelecimento hospitalar privado, em matéria de pessoal, de instalações e de equipamentos, bem como a eficiência económica da sua gestão, podem ser tomados em consideração, uma vez que os estabelecimentos hospitalares de direito público estão sujeitos a indicadores de gestão comparáveis e que estes últimos contribuem para alcançar o objetivo de reduzir os custos da assistência médica e tornar mais acessível aos particulares uma assistência médica de boa qualidade, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

83

Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se as prestações de assistência médica efetuadas por um estabelecimento hospitalar privado são asseguradas em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público, as autoridades competentes de um Estado‑Membro podem tomar em consideração, quando visam alcançar o objetivo de reduzir os custos da assistência médica e tornar mais acessível aos particulares uma assistência médica de boa qualidade, as condições regulamentares aplicáveis às prestações efetuadas por estabelecimentos hospitalares de direito público, bem como indicadores do desempenho desse estabelecimento hospitalar privado, em matéria de pessoal, de instalações, de equipamento e também da eficiência económica da sua gestão, desde que esses indicadores sejam igualmente aplicáveis aos estabelecimentos hospitalares de direito público. Podem igualmente ser tidas em conta as modalidades de cálculo das tarifas fixas diárias, bem como a tomada a cargo, ao abrigo do regime de segurança social ou de convenções celebradas com autoridades públicas, das prestações efetuadas pelo referido estabelecimento hospitalar de direito privado, de modo que o custo suportado pelo paciente se aproxime do que é suportado, para prestações semelhantes, pelo paciente de um estabelecimento hospitalar de direito público.

Quanto às despesas

84

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, ao prever que as prestações de assistência médica efetuadas por um estabelecimento hospitalar privado estão isentas do imposto sobre o valor acrescentado se esse estabelecimento estiver autorizado em conformidade com as disposições nacionais relativas ao regime geral de seguro de doença, na sequência da integração no plano hospitalar de um Land ou da celebração de contratos de assistência com as instituições de seguro de doença ou complementares de seguro de doença legais, leva a que os estabelecimentos hospitalares privados análogos que efetuam prestações semelhantes em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público sejam tratados de maneira diferente no que respeita à isenção prevista nessa disposição.

 

2)

O artigo 132.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se as prestações de assistência médica efetuadas por um estabelecimento hospitalar privado são asseguradas em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público, as autoridades competentes de um Estado‑Membro podem tomar em consideração, quando visam alcançar o objetivo de reduzir os custos da assistência médica e tornar mais acessível aos particulares uma assistência médica de boa qualidade, as condições regulamentares aplicáveis às prestações efetuadas por estabelecimentos hospitalares de direito público, bem como indicadores do desempenho desse estabelecimento hospitalar privado, em matéria de pessoal, de instalações, de equipamento e também da eficiência económica da sua gestão, desde que esses indicadores sejam igualmente aplicáveis aos estabelecimentos hospitalares de direito público. Podem igualmente ser tidas em conta as modalidades de cálculo das tarifas fixas diárias, bem como a tomada a cargo, ao abrigo do regime de segurança social ou de convenções celebradas com autoridades públicas, das prestações efetuadas pelo referido estabelecimento hospitalar de direito privado, de modo que o custo suportado pelo paciente se aproxime do que é suportado, para prestações semelhantes, pelo paciente de um estabelecimento hospitalar de direito público.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

Top