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Document 62020CJ0124

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 21 de dezembro de 2021.
Bank Melli Iran contra Telekom Deutschland GmbH.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg.
Reenvio prejudicial — Política comercial — Regulamento (CE) n.o 2271/96 — Proteção contra os efeitos da aplicação extraterritorial de uma legislação adotada por um país terceiro — Medidas restritivas adotadas pelos Estados Unidos da América contra o Irão — Sanções secundárias adotadas por este país terceiro que impedem as pessoas de manterem, fora do seu território, relações comerciais com certas empresas iranianas — Proibição do cumprimento da referida legislação — Exercício de um direito de resolução ordinária.
Processo C-124/20.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:1035

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de dezembro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política comercial — Regulamento (CE) n.o 2271/96 — Proteção contra os efeitos da aplicação extraterritorial de uma legislação adotada por um país terceiro — Medidas restritivas adotadas pelos Estados Unidos da América contra o Irão — Sanções secundárias adotadas por este país terceiro que impedem as pessoas de manterem, fora do seu território, relações comerciais com certas empresas iranianas — Proibição do cumprimento da referida legislação — Exercício de um direito de resolução ordinária»

No processo C‑124/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg (Tribunal Regional Superior Hanseático de Hamburgo, Alemanha), por Decisão de 2 de março de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de março de 2020, no processo

Bank Melli Iran

contra

Telekom Deutschland GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan, S. Rodin (relator), N. Jääskinen, I. Ziemele e J. Passer, presidentes de secção, M. Ilešič, T. von Danwitz e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 23 de fevereiro de 2021,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Bank Melli Iran, por T. Wülfing, P. Plath e U. Schrömbges, Rechtsanwälte,

em representação da Telekom Deutschland GmbH, por T. Fischer e M. Blankenheim, Rechtsanwälte,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e S. Heimerl, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por J. Roberti di Sarsina, A. Biolan e M. Kellerbauer, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de maio de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 2271/96 do Conselho, de 22 de novembro de 1996, relativo à proteção contra os efeitos da aplicação extraterritorial de uma legislação adotada por um país terceiro e das medidas nela baseadas ou dela resultantes (JO 1996, L 309, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 37/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de janeiro de 2014 (JO 2014, L 18, p. 1), bem como pelo Regulamento Delegado (UE) 2018/1100 da Comissão, de 6 de junho de 2018 (JO 2018, L 199 I, p. 1), que altera o anexo do Regulamento n.o 2271/96 (a seguir «Regulamento n.o 2271/96»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Bank Melli Iran (a seguir «BMI») à Telekom Deutschland GmbH (a seguir «Telekom») a respeito da validade da resolução dos contratos de prestação de serviços de telecomunicações pela Telekom celebrados entre estas duas sociedades após a inscrição do BMI numa lista de pessoas visadas por um regime de sanções instituído pelos Estados Unidos da América relacionado com o programa nuclear do Irão, que impede nomeadamente a manutenção de relações comerciais, fora do território dos Estados Unidos, com as referidas pessoas (a seguir «sanções secundárias»).

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 2271/96

3

O primeiro a sexto considerandos do Regulamento n.o 2271/96 enunciam:

«Considerando que entre os objetivos da [União Europeia] se contam a contribuição para o desenvolvimento harmonioso do comércio mundial e para a supressão progressiva das restrições às trocas internacionais;

Considerando que a [União] se esforça por alcançar, em toda a medida do possível, o objetivo da livre circulação de capitais entre Estados‑Membros e países terceiros, incluindo a eliminação de quaisquer restrições ao investimento direto, bem como o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais;

Considerando que um país terceiro adotou determinadas leis, regulamentos e outros atos legislativos com vista a regulamentar as atividades de pessoas singulares e coletivas sob a jurisdição dos Estados‑Membros;

Considerando que, em virtude da sua aplicabilidade extraterritorial, essas leis, regulamentos e outros atos legislativos violam o direito internacional e obstam à realização dos objetivos acima referidos;

Considerando que essas leis, designadamente os regulamentos e outros atos legislativos, e as medidas nelas baseadas ou delas resultantes afetam ou podem afetar a ordem jurídica estabelecida e prejudicar os interesses da [União] e os interesses das pessoas singulares e coletivas que exercem direitos ao abrigo do Tratado [FUE];

Considerando que, face a estas circunstâncias excecionais, importa adotar medidas a nível [da União], para proteger a ordem jurídica existente, os interesses da [União] e os interesses das referidas pessoas singulares e coletivas, designadamente eliminando, neutralizando, opondo‑se ou, de qualquer outra forma, contrariando os efeitos da legislação estrangeira em questão.»

4

O artigo 1.o, primeiro parágrafo, deste regulamento dispõe:

«O presente regulamento prevê a proteção e neutraliza os efeitos da aplicação extraterritorial da legislação indicada no anexo, designadamente os regulamentos e outros atos legislativos, bem como das medidas nela baseadas ou delas resultantes, sempre que essa aplicação afete os interesses das pessoas referidas no artigo 11.o envolvidas no comércio internacional e/ou na circulação de capitais, bem como em atividades comerciais conexas entre a [União] e países terceiros.»

5

O artigo 4.o do referido regulamento prevê:

«As sentenças de órgãos judiciais e as decisões de autoridades administrativas situados fora do território da [União] que apliquem, direta ou indiretamente, a legislação referida no anexo ou as medidas nela baseadas ou dela resultantes, não serão reconhecidas ou executadas.»

6

Nos termos do artigo 5.o do mesmo regulamento:

«Nenhuma das pessoas referidas no artigo 11.o deve cumprir, diretamente ou através de uma filial ou de qualquer outro intermediário, ativamente ou por omissão deliberada, qualquer exigência ou proibição, incluindo pedidos de tribunais estrangeiros, baseados ou resultantes, direta ou indiretamente, da legislação referida no anexo ou das medidas nela baseadas ou dela resultantes.

De acordo com o procedimento previsto nos artigos 7.o e 8.o, pode ser autorizado o cumprimento, total ou parcial, das obrigações ou proibições referidas no parágrafo anterior, na medida em que a sua inobservância possa prejudicar seriamente os interesses das pessoas em causa ou da própria [União]. Os critérios de aplicação desta disposição serão determinados segundo o procedimento estabelecido no artigo 8.o Quando se prove que a inobservância prejudica seriamente uma pessoa singular ou coletiva, a Comissão apresentará rapidamente um projeto das medidas adequadas a tomar nos termos do presente regulamento ao comité referido no artigo 8.o»

7

O artigo 6.o, primeiro e segundo parágrafos, do Regulamento n.o 2271/96 dispõe:

«As pessoas referidas no artigo 11.o envolvidas numa das atividades referidas no artigo 1.o têm o direito à reparação de quaisquer danos, incluindo as custas judiciais, que tenha[m] sofrido em virtude da aplicação das leis referidas no anexo ou de medidas nelas baseadas ou delas resultantes.

A reparação pode ser obtida da pessoa singular ou coletiva ou de qualquer outra entidade responsável pelos danos ou ainda de qualquer pessoa que atue em seu nome ou como seu intermediário.»

8

O artigo 7.o, alíneas b) e d), deste regulamento prevê:

«Na aplicação do presente regulamento a Comissão:

[…]

b)

Concederá as autorizações nas condições previstas no artigo 5.o e, ao estabelecer os prazos para o parecer do comité, terá plenamente em conta os prazos a cumprir pelas pessoas que têm de ser sujeitas a autorização;

[…]

d)

Publicará no Jornal Oficial [da União Europeia] um anúncio relativo às sentenças e decisões a que são aplicáveis os artigos 4.o e 6.o»

9

Nos termos do artigo 8.o do referido regulamento:

«1.   Para efeitos da aplicação do artigo 7.o, alínea b), a Comissão é assistida pelo Comité “Legislação Extraterritorial”. Os referidos atos de execução são adotados pelo procedimento de exame referido no n.o 2 do presente artigo. Este comité deve ser entendido como comité na aceção do Regulamento (UE) n.o 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece as regras e os princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados‑Membros do exercício das competências de execução pela Comissão (JO 2011, L 55, p. 13)].

2.   Caso se faça referência ao presente número, aplica‑se o artigo 5.o do Regulamento [n.o 182/2011].»

10

O artigo 9.o do Regulamento n.o 2271/96 dispõe:

«Os Estados‑Membros determinarão as sanções aplicáveis à violação de quaisquer disposições pertinentes do presente regulamento. Essas sanções devem ser eficazes, proporcionais e dissuasivas.»

11

Nos termos do artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96:

«O presente regulamento é aplicável a:

1.

Todas as pessoas singulares residentes na [União] e nacionais de um Estado‑Membro;

2.

Todas as pessoas coletivas registadas na [União];

3.

Todas as pessoas singulares ou coletivas referidas no n.o 2 do artigo 1.o do Regulamento (CEE) n.o 4055/86 [do Conselho, de 22 de dezembro de 1986, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados‑Membros e Estados‑Membros para países terceiros (JO 1986, L 378, p. 1)];

4.

Quaisquer outras pessoas singulares residentes na [União], excetuando as que residam no país de que são nacionais;

5.

Quaisquer outras pessoas singulares no território da [União], incluindo as suas águas territoriais e espaço aéreo, bem como aeronaves ou embarcações sob a jurisdição ou o controlo de um Estado‑Membro, no exercício de uma atividade profissional.»

12

Na sua parte relativa aos Estados Unidos, o anexo do Regulamento n.o 2271/96, intitulado «Leis, regulamentos e outros instrumentos legislativos», tem a seguinte redação:

«[…]

4.

“Iran Freedom and Counter‑Proliferation Act of 2012”

Exigência:

Com conhecimento de causa:

i)

não fornecer um apoio significativo, nomeadamente facilitando operações financeiras significativas, ou o fornecimento de bens ou serviços, a ou em nome de determinadas pessoas que operam nos setores portuário, da energia, dos transportes marítimos ou da construção naval no Irão, ou a qualquer cidadão iraniano incluído na lista de pessoas especialmente designadas ou bloqueadas;

ii)

não manter relações comerciais com o Irão no que respeita a bens e serviços significativos utilizados nos setores da energia, dos transportes marítimos e da construção naval do Irão;

iii)

não adquirir petróleo e produtos petrolíferos do Irão e efetuar transações financeiras relacionadas com estes produtos, em circunstâncias específicas;

iv)

não efetuar ou facilitar transações tendo em vista o comércio de gás natural com destino ao Irão ou proveniente deste país (aplicável às instituições financeiras estrangeiras);

v)

não manter relações comerciais com o Irão no que respeita aos metais preciosos, grafite, metais em bruto ou semiacabados ou suportes lógicos suscetíveis de serem utilizados em determinados setores ou envolver determinadas pessoas; nem facilitar transações financeiras significativas no que respeita ao comércio desses produtos;

vi)

não prestar serviços de subscrição de seguros e resseguros relacionados com atividades específicas, incluindo, mas não limitados àquelas a que se referem as subalíneas i) e ii) supra, ou a certas categorias específicas de pessoas;

[…]»

Regulamento Delegado 2018/1100

13

O considerando 4 do Regulamento Delegado 2018/1100 enuncia:

«Em 8 de maio de 2018, os Estados Unidos anunciaram que iriam pôr termo à suspensão da aplicação de medidas restritivas nacionais relativamente ao Irão. Algumas dessas medidas têm aplicação extraterritorial e prejudicam os interesses da União, bem como os interesses das pessoas singulares e coletivas que exercem direitos ao abrigo do Tratado [FUE].»

Regulamento de Execução (UE) 2018/1101

14

O artigo 4.o do Regulamento de Execução (UE) 2018/1101 da Comissão, de 3 de agosto de 2018, relativo aos critérios de aplicação do artigo 5.o, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 (JO 2018, L 199 I, p. 7), prevê:

«Ao avaliar a eventualidade de ocorrer um prejuízo grave para os interesses protegidos, na aceção do artigo 5.o, segundo parágrafo, do Regulamento [n.o 2271/96], a Comissão deve ter em conta, entre outros, os seguintes critérios não cumulativos, se for o caso:

a)

Se o interesse protegido é suscetível de estar especificamente em risco, com base no contexto, na natureza e na origem de um prejuízo para o interesse protegido;

b)

A existência de um inquérito administrativo ou judicial em curso contra [a pessoa referida no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96 que solicitou a autorização prevista no artigo 5.o, segundo parágrafo, deste regulamento], proveniente de país terceiro, ou um acordo prévio de resolução com esse país terceiro que está na origem da legislação extraterritorial enumerada;

c)

A existência de um elo de ligação importante com o país terceiro que está na origem da legislação extraterritorial enumerada ou das medidas subsequentes; por exemplo, se [a pessoa referida no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96 que solicitou a autorização prevista no artigo 5.o, segundo parágrafo, deste regulamento] tem empresas‑mãe ou filiais, ou a participação de pessoas singulares ou coletivas sujeitas à jurisdição principal do país terceiro que está na origem da legislação extraterritorial enumerada ou das medidas subsequentes;

d)

A possibilidade de [a pessoa referida no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96 que solicitou a autorização prevista no artigo 5.o, segundo parágrafo, deste regulamento] tomar medidas razoáveis para evitar ou diminuir o prejuízo;

e)

O efeito adverso sobre a realização de atividade económica, sobretudo se [a pessoa referida no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96 que solicitou a autorização prevista no artigo 5.o, segundo parágrafo, deste regulamento] sofresse perdas económicas significativas que poderiam, por exemplo, ameaçar a sua viabilidade ou constituir um risco grave de falência;

f)

A questão de saber se a atividade [da pessoa referida no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96 que solicitou a autorização prevista no artigo 5.o, segundo parágrafo, deste regulamento] se tornaria excessivamente difícil devido a uma perda de fatores de produção ou recursos essenciais que não possam ser razoavelmente substituídos;

g)

A questão de saber se o exercício dos direitos individuais [da pessoa referida no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96 que solicitou a autorização prevista no artigo 5.o, segundo parágrafo, deste regulamento] seria significativamente prejudicado;

h)

A existência de um perigo para a segurança, a proteção da vida e da saúde das pessoas e a proteção do ambiente;

i)

A probabilidade de uma ameaça à capacidade da União para levar a cabo as suas políticas humanitárias, de desenvolvimento e comerciais, ou os aspetos externos das suas políticas internas;

j)

A segurança do fornecimento de bens ou serviços estratégicos na União ou num Estado‑Membro e o impacto de qualquer escassez ou perturbação no mesmo;

k)

As consequências para o mercado interno em termos de livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais, bem como da estabilidade financeira e económica e das principais infraestruturas da União;

l)

As implicações sistémicas dos danos, em especial no que diz respeito aos efeitos de contágio noutros setores;

m)

O impacto no mercado de trabalho de um ou mais Estados‑Membros e as suas consequências transfronteiras no interior da União;

n)

Quaisquer outros fatores pertinentes.»

Direito alemão

15

O § 134 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil) prevê:

«Qualquer ato jurídico que viole uma proibição legal é nulo, salvo disposição legal em contrário.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

O BMI, que tem uma sucursal na Alemanha, é um banco iraniano detido pelo Estado iraniano. Celebrou com a Telekom, que é uma filial da Deutsche Telekom AG com sede na Alemanha e cujo volume de negócios provém em cerca de metade da sua atividade nos Estados Unidos, vários contratos de prestação de serviços de telecomunicações.

17

As partes no litígio no processo principal estão vinculadas por um contrato‑quadro que permite ao BMI agrupar num mesmo contrato todas as ligações telefónicas e Internet relativas à sua empresa nos seus diferentes locais de atividade na Alemanha. No âmbito dos diferentes contratos celebrados entre estas partes, a Telekom prestou ao BMI vários serviços de telecomunicações, que foram sempre pagos atempadamente pelo BMI. Os serviços previstos nestes contratos são essenciais para a comunicação interna e externa do BMI na Alemanha. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, sem estes serviços, não é possível ao BMI participar em transações comerciais através da sua sucursal situada na Alemanha.

18

Em 2018, os Estados Unidos retiraram‑se do Acordo Nuclear com o Irão, assinado em Viena, em 14 de julho de 2015, que tem como objetivo controlar o programa nuclear iraniano e levantar as sanções económicas que afetavam o Irão. Por conseguinte, a partir de 5 de novembro de 2018, os Estados Unidos voltaram a impor, nomeadamente, sanções secundárias ao Irão.

19

Estas sanções dizem respeito às pessoas visadas na «Lista dos cidadãos expressamente identificados e das pessoas cujos ativos estão bloqueados» (Specially Designated Nationals and Blocked Persons List) (a seguir «Lista SDN»), elaborada pelo Office of Foreign Assets Control (OFAC) [Serviço de Controlo dos Ativos Estrangeiros (OFAC), Estados Unidos], na qual figura o BMI. Por força das referidas sanções, é proibido a qualquer pessoa manter, fora do território dos Estados Unidos, relações comerciais com uma pessoa ou entidade que figure na Lista SDN.

20

Em 16 de novembro de 2018, a Telekom comunicou ao BMI a resolução de todos os contratos que os vinculavam, com efeitos imediatos, e procedeu do mesmo modo com pelo menos quatro outras sociedades com ligações ao Irão, que figuravam na Lista SDN e tinham a sua sede na Alemanha.

21

No âmbito de um dos processos de medidas provisórias instaurados pelo BMI nos tribunais alemães, o Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo, Alemanha) condenou a Telekom, por Acórdão de 28 de novembro de 2018, a cumprir os contratos em vigor até ao termo dos prazos de resolução ordinária previstos nos referidos contratos, que expiravam entre 25 de janeiro de 2019 e 7 de janeiro de 2021.

22

Em 11 de dezembro de 2018, a Telekom comunicou novamente ao BMI a resolução de todos esses contratos, «o mais rapidamente possível». Esta resolução não estava acompanhada de qualquer fundamentação.

23

Por conseguinte, o BMI intentou uma ação no Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo) para que a Telekom fosse condenada a manter ativas todas as ligações telefónicas e Internet contratualmente acordadas.

24

O referido órgão jurisdicional condenou a Telekom a cumprir os contratos em causa no processo principal até ao termo dos prazos de resolução ordinários e julgou a ação improcedente quanto ao restante. Declarou que a resolução ordinária dos referidos contratos pela Telekom era conforme com o artigo 5.o do Regulamento n.o 2271/96.

25

O BMI interpôs recurso da sentença do Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo) no órgão jurisdicional de reenvio, alegando que a resolução dos contratos em causa no processo principal não era conforme com o artigo 5.o do Regulamento n.o 2271/96. O BMI alega que esta resolução é exclusivamente motivada pela vontade da Telekom de respeitar as sanções adotadas pelos Estados Unidos.

26

O órgão jurisdicional de reenvio precisa, em primeiro lugar, que o BMI não alegou que a resolução dos contratos em causa no processo principal por parte da Telekom teve lugar na sequência de instruções, diretas ou indiretas, das autoridades administrativas ou judiciais dos Estados Unidos. Ora, por Acórdão de 7 de fevereiro de 2020, o Oberlandesgericht Köln (Tribunal Regional Superior de Colónia, Alemanha) declarou que, nesse caso, o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 não era aplicável.

27

Todavia, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a mera existência das referidas sanções secundárias é suficiente para determinar a aplicabilidade do artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, dado que nenhuma medida permite aplicar eficazmente a proibição prevista nesta disposição.

28

Em segundo lugar, resulta da decisão de reenvio que a Telekom sustenta, com base no n.o 5 da Nota de Orientação da Comissão, intitulada «Perguntas e respostas: adoção da atualização do Estatuto de Bloqueio», de 7 de agosto de 2018 (JO 2018, C 277 I, p. 4), que o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 lhe dá a liberdade empresarial de pôr termo a qualquer momento aos contratos celebrados com o BMI independentemente do motivo, conforme declararam alguns órgãos jurisdicionais alemães, em particular o Oberlandesgericht Köln (Tribunal Regional Superior de Colónia), que, por Despacho de 1 de outubro de 2019, afirmou que era possível pôr termo a um contrato por «motivos relacionados com a política externa dos Estados Unidos».

29

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a resolução dos contratos não viola o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, uma vez que é motivada por razões puramente económicas, sem relação concreta com as sanções impostas por países terceiros. Consequentemente, a Telekom deveria excecionalmente justificar os motivos da resolução dos contratos em causa no processo principal e, em qualquer caso, expor ou, se necessário, demonstrar que a decisão de pôr termo a esses contratos não foi tomada por receio de possíveis repercussões negativas para a Telekom no mercado americano.

30

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que decorre do § 134 do Código Civil que uma resolução contratual que viole o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 não produz efeitos jurídicos. Além disso, por força do direito alemão, qualquer violação deste artigo 5.o, primeiro parágrafo, constitui uma contraordenação e é suscetível de ser punida com uma multa até 500000 euros.

31

Tendo em conta o risco de danos económicos para a Telekom, que pertence a um grupo cujo volume de negócios provém aproximadamente em metade da sua atividade nos Estados Unidos, pode considerar‑se contrário ao princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 9.o do Regulamento n.o 2271/96, aplicar uma multa a esta sociedade e, além disso, exigir‑lhe que continue a cumprir os contratos celebrados com o BMI, sobretudo quando este regulamento não tem diretamente por objeto proteger os interesses deste último.

32

Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, segundo o seu preâmbulo, o Regulamento n.o 2271/96 visa proteger os operadores económicos da União.

33

No entanto, considera que o risco de danos económicos não é suficientemente compensado nem pelo direito à reparação previsto no artigo 6.o deste regulamento nem pela eventual concessão da autorização de cumprimento das sanções prevista no artigo 5.o, segundo parágrafo, do referido regulamento. Com efeito, atendendo ao objetivo prosseguido por este regulamento, que é o de prevenir a aplicação de sanções secundárias aos operadores económicos da União, esta autorização é concedida de forma bastante restritiva. Por conseguinte, o mero risco de perdas económicas não é suficiente para obter a referida autorização. Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade, em caso de risco de perdas económicas significativas no mercado dos Estados Unidos, da proibição geral prevista pelo Regulamento n.o 2271/96 de se desvincular de um parceiro comercial com a liberdade de empresa protegida pelo artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e com o princípio da proporcionalidade consagrado no seu artigo 52.o

34

Nestas condições, o Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg (Tribunal Regional Superior Hanseático de Hamburgo, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 só é aplicável quando o operador [económico] da União, na aceção do artigo 11.o do referido regulamento, tenha sido objeto, direta ou indiretamente, por parte dos Estados Unidos […], de instruções administrativas ou judiciais, ou para a sua aplicação basta que a ação do operador [económico] da União mesmo na falta de tais instruções se destine a cumprir sanções secundárias?

2)

Caso o Tribunal de Justiça responda à primeira questão no sentido da segunda alternativa[, o] artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 opõe‑se a que o direito nacional seja interpretado no sentido de que a pessoa que procede à resolução pode declarar igualmente que resolve um contrato a longo prazo com uma parte contratante que foi incluída na [Lista SDN] pelo [Serviço de Controlo dos Ativos Estrangeiros] americano — procedendo, assim, a uma resolução destinada a cumprir as sanções impostas pelos Estados Unidos — sem que seja necessário um motivo para a resolução e, portanto, sem ter de apresentar e provar num processo civil que o motivo para a resolução não foi, em todo o caso, cumprir [essas] sanções?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão[,] uma resolução ordinária, em violação do artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, deve necessariamente ser considerada nula, ou, para alcançar o objetivo do regulamento, é suficiente a aplicação de outras sanções, como a imposição de uma multa?

4)

Caso o Tribunal de Justiça responda à terceira questão no sentido da primeira alternativa[,] o mesmo acontece, tendo em consideração, por um lado, o artigo 16.o e o artigo 52.o da [Carta] e, por outro, a possibilidade de concessão de autorizações excecionais ao abrigo do artigo 5.o, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, mesmo quando, com a manutenção da relação comercial com a parte contratante designada, o operador da União corre o risco de sofrer perdas económicas significativas no mercado americano (neste caso, 50 % do volume de negócios do grupo)?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

35

Importa salientar que o Regulamento n.o 2271/96 tem por objeto, como resulta do seu sexto considerando, proteger a ordem jurídica existente, os interesses da União e os interesses das pessoas singulares ou coletivas que exercem direitos ao abrigo do Tratado FUE, designadamente eliminando, neutralizando, opondo‑se ou, de qualquer outra forma, contrariando os efeitos das leis, regulamentos e outros atos legislativos mencionados no anexo do referido regulamento (a seguir «legislação indicada no anexo»).

36

O artigo 1.o do Regulamento n.o 2271/96 precisa, a este respeito, que o legislador da União visa, através das medidas previstas no referido regulamento, proteger e neutralizar os efeitos da aplicação extraterritorial da legislação indicada no anexo, bem como das medidas nela baseadas ou delas resultantes, sempre que essa aplicação afete os interesses das pessoas referidas no artigo 11.o envolvidas no comércio internacional e/ou na circulação de capitais, bem como em atividades comerciais conexas entre a União e países terceiros.

37

Como decorre do primeiro a quinto considerandos do Regulamento n.o 2271/96, a legislação indicada no anexo deste regulamento visa regulamentar as atividades de pessoas singulares e coletivas sob a jurisdição dos Estados‑Membros e tem uma aplicabilidade extraterritorial. Deste modo, prejudica a ordem jurídica estabelecida e prejudica os interesses da União e os interesses das referidas pessoas, violando o direito internacional e comprometendo a realização dos objetivos da União. Esta última visa, com efeito, contribuir para o desenvolvimento harmonioso do comércio mundial e para a supressão progressiva das restrições às trocas internacionais promovendo, em toda a medida possível, a livre circulação de capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros, bem como a eliminação de quaisquer restrições ao investimento direto, bem como o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais.

38

Entre a legislação indicada no anexo figura o «Iran Freedom and Counter‑Proliferation Act of 2012» (Lei de 2012 sobre a Liberdade e a Luta contra a Proliferação no Irão), que os Estados Unidos, como resulta do considerando 4 do Regulamento Delegado 2018/1100, decidiram voltar a aplicar, na sequência da sua retirada do Acordo Nuclear com o Irão, tal como anunciaram em 8 de maio de 2018.

39

Para alcançar os objetivos recordados nos n.os 35 a 37 do presente acórdão, o Regulamento n.o 2271/96 prevê regras de diversa natureza. Assim, com o objetivo de proteger a ordem jurídica estabelecida e os interesses da União, o artigo 4.o deste regulamento prevê, em substância, que as sentenças e as decisões adotadas fora do território da União que apliquem a legislação indicada no anexo, ou as medidas nela baseadas ou dela resultantes, não serão reconhecidas ou executadas. Com o mesmo objetivo, o primeiro parágrafo do artigo 5.o do referido regulamento proíbe, em substância, qualquer pessoa referida no seu artigo 11.o de cumprir a legislação indicada no anexo, ou as medidas nela baseadas ou dela resultantes, prevendo, contudo, o segundo parágrafo deste artigo 5.o a possibilidade de autorização do cumprimento, total ou parcial, dessa legislação, na medida em que a sua inobservância possa prejudicar seriamente os interesses das pessoas em causa ou da própria União. Por outro lado, com o objetivo de proteger os interesses das pessoas referidas no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96, o artigo 6.o deste prevê que as pessoas envolvidas numa das atividades referidas no artigo 1.o deste regulamento têm o direito à reparação de quaisquer danos que tenham sofrido em virtude da aplicação das referidas leis ou dessas medidas.

40

Quanto ao artigo 9.o do Regulamento n.o 2271/96, este assegura que essas regras são aplicadas de modo eficaz, exigindo aos Estados‑Membros que determinem as sanções aplicáveis em caso de violação das referidas regras, devendo tais sanções ser eficazes, proporcionadas e dissuasivas. Assim, estas sanções devem estar previstas, em particular, quando uma pessoa referida no artigo 11.o deste regulamento viola a proibição estabelecida no seu artigo 5.o, primeiro parágrafo.

41

É à luz destas considerações que se deve responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Quanto à primeira questão

42

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 deve ser interpretado no sentido de que proíbe as pessoas referidas no artigo 11.o deste regulamento de cumprirem as exigências ou proibições previstas pela legislação indicada no anexo, mesmo na falta de instruções das autoridades administrativas ou judiciais dos países terceiros que adotaram essa legislação e destinadas a assegurar o seu cumprimento.

43

A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, estando em causa a interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [Acórdão de 12 de maio de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Alerta vermelho da Interpol), C‑505/19, EU:C:2021:376, n.o 77 e jurisprudência referida].

44

No que respeita à redação do artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, importa recordar que esta disposição proíbe as pessoas referidas no artigo 11.o deste regulamento de cumprirem «qualquer exigência ou proibição, incluindo pedidos de tribunais estrangeiros, baseados ou resultantes, direta ou indiretamente, [da legislação indicada no anexo] ou das medidas nela baseadas ou dela resultantes».

45

Resulta desta redação, nomeadamente da expressão «qualquer exigência ou proibição […] resultantes» e do termo «incluindo», que esta disposição, formulada em termos amplos, se aplica mesmo na falta de notificações ou de instruções de uma autoridade administrativa ou judicial.

46

Com efeito, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 55 das suas conclusões, uma exigência ou uma proibição pode, segundo o sentido corrente destes termos, decorrer não só de um ato de caráter individual ou de um conjunto de decisões individuais mas também de um ato de caráter geral e abstrato.

47

Esta interpretação dos termos «exigência» e «proibição» deduz‑se igualmente do contexto do artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96. Como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 57 das suas conclusões, no artigo 4.o e no artigo 7.o, alínea d), deste regulamento, a expressão «sentenças e decisões» é utilizada para referir os atos judiciais ou administrativos, no sentido de «instruções», o que corrobora a constatação de que os termos «exigência» e «proibição» utilizados no artigo 5.o, primeiro parágrafo, deste regulamento têm um alcance mais amplo.

48

A referida interpretação é igualmente sustentada pelos objetivos do Regulamento n.o 2271/96 que visam, nomeadamente, como resulta dos seus segundo e sexto considerandos, proteger a ordem jurídica estabelecida, bem como os interesses da União e os das pessoas singulares e coletivas que exercem direitos ao abrigo do Tratado FUE, com vista a alcançar, em toda a medida do possível, o objetivo da livre circulação de capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros.

49

Com efeito, no que se refere ao objetivo do Regulamento n.o 2271/96 de proteção da ordem jurídica estabelecida e dos interesses da União em geral, há que observar que a legislação indicada no anexo é suscetível, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 63 e 64 das suas conclusões, de produzir os seus efeitos, nomeadamente pela simples ameaça de consequências jurídicas suscetíveis de serem aplicadas em caso de violação dessa legislação pelas pessoas referidas no artigo 11.o deste regulamento. Daqui resulta que o Regulamento n.o 2271/96 não seria adequado para combater os efeitos da referida legislação e assim para prosseguir eficazmente o objetivo acima referido se a proibição enunciada no artigo 5.o, primeiro parágrafo, deste regulamento estivesse subordinada à adoção de instruções pelas autoridades administrativas e judiciais dos países terceiros que adotaram essa legislação.

50

A interpretação do artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 exposta no n.o 45 do presente acórdão não é, de resto, incompatível com o objetivo complementar do Regulamento n.o 2271/96, que consiste em proteger os interesses das pessoas referidas no artigo 11.o deste regulamento, incluindo a sua liberdade de empresa, que é uma liberdade fundamental consagrada no artigo 16.o da Carta e que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, inclui a liberdade de exercer uma atividade económica ou comercial, a liberdade contratual e a livre concorrência (Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 82). Com efeito, há que realçar que estes interesses, que são suscetíveis de ser ameaçados pelas medidas a que se expõem as referidas pessoas nos países terceiros em causa se não respeitarem a legislação indicada no anexo, estão devidamente protegidos ao abrigo do artigo 5.o, segundo parágrafo, do referido regulamento, que deve ser interpretado à luz deste objetivo.

51

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 deve ser interpretado no sentido de que proíbe as pessoas referidas no artigo 11.o deste regulamento de cumprirem as exigências ou proibições previstas pela legislação indicada no anexo, mesmo na falta de instruções das autoridades administrativas ou judiciais dos países terceiros que adotaram essa legislação e destinadas a assegurar o seu cumprimento.

Quanto à segunda questão

52

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma pessoa referida no artigo 11.o deste regulamento que não dispõe de uma autorização, na aceção do artigo 5.o, segundo parágrafo, do referido regulamento, possa resolver os contratos celebrados com uma pessoa que figura na Lista SDN, sem que tal resolução seja acompanhada de fundamentação.

53

Esta questão surge no contexto de um litígio cível no âmbito do qual o BMI impugna, perante o órgão jurisdicional de reenvio, o exercício pela Telekom do seu direito de resolução ordinária dos contratos celebrados entre ambos sem ter de explicar os motivos, sustentando que esta resolução viola o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96.

54

A título preliminar, importa precisar se o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 pode ser invocado num processo cível como o litígio no processo principal.

55

Segundo jurisprudência constante, cabe aos tribunais nacionais encarregados de aplicar, no quadro das suas competências, as disposições do direito da União, como as constantes do Regulamento n.o 2271/96, garantir a sua plena eficácia (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2002, Muñoz e Superior Fruiticola, C‑253/00, EU:C:2002:497, n.o 28).

56

Além disso, há que recordar que, nos termos do artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE, o regulamento tem caráter geral e é diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros (Acórdão de 17 de setembro de 2002, Muñoz e Superior Fruiticola, C‑253/00, EU:C:2002:497, n.o 27).

57

Ora, impõe‑se observar que o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 prevê que nenhuma das pessoas referidas no artigo 11.o deve cumprir, diretamente ou através de uma filial ou de qualquer outro intermediário, ativamente ou por omissão deliberada, qualquer exigência ou proibição, baseadas ou resultantes, direta ou indiretamente, da legislação indicada no anexo. Esta proibição, formulada em termos claros, precisos e incondicionais, explica‑se pelo facto de as pessoas referidas no referido artigo 11.o, no exercício das suas atividades nomeadamente comerciais, incluindo pelas suas eventuais decisões de resolver contratos, serem suscetíveis de materializar efeitos extraterritoriais da legislação indicada no anexo, que o referido regulamento visa precisamente combater.

58

Além disso, a única derrogação à referida proibição está prevista no segundo parágrafo do artigo 5.o do Regulamento n.o 2271/96, que permite às pessoas referidas no artigo 11.o deste regulamento pedirem uma autorização para não a cumprirem.

59

Uma vez que, como resulta do n.o 55 do presente acórdão, cabe aos tribunais nacionais garantir a plena eficácia do Regulamento n.o 2271/96, o respeito da proibição estabelecida no artigo 5.o, primeiro parágrafo, deste regulamento deve poder ser garantido no âmbito de um processo cível, como o do processo principal, intentado por uma pessoa contra uma pessoa à qual se dirige essa proibição (v., por analogia, Acórdão de 17 de setembro de 2002, Muñoz e Superior Fruiticola, C‑253/00, EU:C:2002:497, n.o 30).

60

É verdade que o artigo 9.o do Regulamento n.o 2271/96 deixa aos Estados‑Membros a tarefa de determinarem as sanções aplicáveis à violação do referido regulamento, que devem ser eficazes, proporcionais e dissuasivas. Todavia, esta competência não pode ter por efeito alterar o alcance de outras disposições do Regulamento n.o 2271/96, que preveem obrigações ou proibições claras, precisas e incondicionais, cuja plena eficácia, conforme salientado no n.o 55 do presente acórdão, deve ser garantida pelos tribunais nacionais nos litígios que lhes são submetidos.

61

Contrariamente ao que alega a Telekom, a referida interpretação do artigo 5.o do Regulamento n.o 2271/96 não pode ser posta em causa pela Nota de Orientação da Comissão, mencionada no n.o 28 do presente acórdão. Com efeito, esta nota não estabelece regras nem interpretações juridicamente vinculativas. Apenas o Regulamento n.o 2271/96 é vinculativo, conforme indicado no n.o 5 do preâmbulo da referida nota, e apenas o Tribunal de Justiça pode proferir interpretações juridicamente vinculativas dos atos das instituições da União, como resulta do n.o 6 do preâmbulo da mesma nota.

62

Feitas estas precisões, há que salientar que não resulta nem do artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 nem de qualquer outra disposição deste regulamento que uma pessoa referida no artigo 11.o deste deva acompanhar de fundamentação a resolução de um contrato comercial celebrado com uma pessoa que figura na Lista SDN.

63

Nestas condições, há que considerar que o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 não se opõe a uma legislação nacional por força da qual uma pessoa referida no artigo 11.o deste regulamento e que não dispõe de uma autorização na aceção do segundo parágrafo deste artigo 5.o possa resolver os contratos que celebrou com uma pessoa que figura na Lista SDN, sem ter de acompanhar de fundamentação a referida resolução.

64

No caso em apreço, decorre dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, o § 134 do Código Civil é aplicável ao litígio no processo principal. O referido órgão jurisdicional refere a este respeito que, se a resolução em causa violar o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, não produz efeitos, por força desse § 134. Além disso, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, o Governo alemão precisou as regras pertinentes em matéria de ónus da prova para demonstrar, no âmbito de um processo cível, a violação de uma proibição legal na aceção do referido § 134. Assim, a parte que sustenta que um ato jurídico, incluindo a resolução de um contrato, é nulo, por violação de uma proibição legal, como a prevista no artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, pode invocar essa nulidade em juízo. Para o efeito, deve expor os factos que demonstram a alegada violação. Se a outra parte no processo contestar a materialidade destes factos, a parte que invoca a nulidade do ato jurídico suporta o ónus de provar que os requisitos de tal violação estão preenchidos. Assim, no caso em apreço, o ónus da prova recai na íntegra sobre a pessoa que alega a violação do artigo 5.o do Regulamento n.o 2271/96.

65

Todavia, há que observar, a este respeito, que a aplicação desta regra geral relativa ao ónus da prova é suscetível de tornar impossível ou excessivamente difícil, para o órgão jurisdicional de reenvio, declarar uma violação da proibição prevista no artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, e de comprometer assim a eficácia dessa proibição.

66

Com efeito, os elementos de prova suscetíveis de demonstrar que um comportamento de uma pessoa referida no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96 é motivado pela vontade dessa pessoa de cumprir a legislação indicada no anexo não estão normalmente ao alcance de outro particular, especialmente na medida em que, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 95 das suas conclusões, tais elementos podem estar abrangidos por segredo comercial.

67

Por conseguinte, para assegurar a plena eficácia do artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, há que considerar que, quando, no âmbito de um processo cível relativo à pretensa violação das exigências previstas nessa disposição, todos os elementos de prova de que dispõe um órgão jurisdicional nacional parecem indicar, à primeira vista, que, mediante a resolução dos contratos em causa, uma pessoa referida no artigo 11.o deste regulamento que não dispõe de uma autorização a este respeito, na aceção do segundo parágrafo do artigo 5.o do referido regulamento, cumpriu a legislação indicada no anexo, cabe a este última pessoa produzir prova bastante de que o seu comportamento não se destinava a cumprir a referida legislação.

68

Resulta do exposto que há que responder à segunda questão que o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma pessoa referida no artigo 11.o deste regulamento que não dispõe de uma autorização, na aceção do artigo 5.o, segundo parágrafo, do referido regulamento, possa resolver os contratos celebrados com uma pessoa que figura na Lista SDN, sem que tal resolução seja acompanhada de fundamentação. No entanto, o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento exige que, no âmbito de um processo cível relativo à pretensa violação da proibição imposta por esta disposição, quando todos os elementos de prova de que dispõe o órgão jurisdicional nacional indiquem, à primeira vista, que uma pessoa referida no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96 cumpriu, sem dispor de uma autorização a este respeito, a legislação indicada no anexo, é a esta pessoa que cabe produzir prova bastante de que o seu comportamento não se destinava a cumprir a referida legislação.

Quanto à terceira e quarta questões

69

Com a terceira e quarta questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 2271/96, em particular os seus artigos 5.o e 9.o, lidos à luz dos artigos 16.o e 52.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma resolução contratual efetuada por uma pessoa referida no artigo 11.o deste regulamento com o intuito de cumprir as exigências ou proibições baseadas na legislação indicada no anexo, quando não dispõe de uma autorização, na aceção do artigo 5.o, segundo parágrafo, deste regulamento, seja declarada nula, quando essa pessoa corre o risco de sofrer perdas económicas significativas decorrentes dessa declaração de nulidade.

70

Antes de mais, importa recordar que as disposições do direito da União, como as do Regulamento n.o 2271/96, devem ser interpretadas à luz dos direitos fundamentais que, segundo jurisprudência constante, são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça e que estão atualmente consagrados na Carta (v., neste sentido, Acórdão de 25 de maio de 2016, Meroni, C‑559/14, EU:C:2016:349, n.o 45).

71

O artigo 9.o do Regulamento n.o 2271/96 prevê que as sanções que os Estados‑Membros impõem em caso de violação de quaisquer disposições pertinentes deste regulamento devem ser eficazes, proporcionais e dissuasivas.

72

Por outro lado, na falta de harmonização a nível da União no domínio das sanções aplicáveis, os Estados‑Membros são competentes para escolher as sanções que considerem adequadas. Todavia, os Estados‑Membros são obrigados a exercer a sua competência no respeito do direito da União e dos seus princípios gerais [Acórdão de 11 de fevereiro de 2021, K. M. (Sanções aplicadas ao capitão de navio), C‑77/20, EU:C:2021:112, n.o 36], de que fazem parte os direitos e as liberdades fundamentais.

73

Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que o rigor das sanções deve ser adequado à gravidade das violações que reprimem, designadamente assegurando um efeito realmente dissuasivo, embora no respeito do princípio geral da proporcionalidade (Acórdão de 5 de março de 2020, OPR‑Finance, C‑679/18, EU:C:2020:167, n.o 26).

74

Deve acrescentar‑se que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, que têm competência exclusiva para interpretar e aplicar o direito nacional, verificar se, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto, as referidas sanções cumprem esses requisitos e são eficazes, proporcionadas e dissuasivas (Acórdão de 5 de março de 2020, OPR‑Finance, C‑679/18, EU:C:2020:167, n.o 27).

75

Contudo, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode prestar esclarecimentos que permitam orientar os referidos órgãos jurisdicionais na sua apreciação (Acórdão de 5 de março de 2020, OPR‑Finance, C‑679/18, EU:C:2020:167, n.o 28).

76

No caso em apreço, segundo as indicações que figuram no pedido de decisão prejudicial recordadas no n.o 30 do presente acórdão, caso se verificasse que a resolução ordinária pela Telekom dos contratos que celebrou com o BMI foi efetuada em violação do artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, sendo pacífico que não tinha solicitado autorização na aceção deste artigo 5.o, segundo parágrafo, deste regulamento, decorre do § 134 do Código Civil que este ato de resolução é nulo e, por conseguinte, não produz efeitos jurídicos.

77

No entanto, esta declaração de nulidade é suscetível de implicar uma restrição da liberdade de empresa consagrada no artigo 16.o da Carta.

78

Há que recordar que o direito à liberdade de empresa abrange designadamente o direito de qualquer empresa poder livremente dispor, dentro dos limites da responsabilidade em que incorre pelos seus próprios atos, dos recursos económicos, técnicos e financeiros de que dispõe (Acórdão de 30 de junho de 2016, Lidl, C‑134/15, EU:C:2016:498, n.o 27).

79

A proteção conferida pelo artigo 16.o da Carta abrange a liberdade de exercer uma atividade económica ou comercial, a liberdade contratual e a livre concorrência (Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 82 e jurisprudência referida) e visa, nomeadamente, a livre escolha do parceiro económico e a liberdade de determinar o preço pedido por uma prestação [Acórdão de 15 de abril de 2021, Federazione nazionale delle imprese elettrotecniche ed elettroniche (Anie) e o., C‑798/18 e C‑799/18, EU:C:2021:280, n.o 57].

80

Todavia, a liberdade de empresa consagrada no artigo 16.o da Carta não constitui uma prerrogativa absoluta, mas deve, por um lado, ser tomada em consideração relativamente à sua função na sociedade (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Polkomtel, C‑277/16, EU:C:2017:989, n.o 50) e, por outro, deve ser ponderada com os outros interesses protegidos pela ordem jurídica da União (v., neste sentido, Acórdão de 17 de outubro de 2013, Schaible, C‑101/12, EU:C:2013:661, n.o 60), bem como com os direitos e as liberdades de terceiros (v., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 48).

81

Tendo em conta a redação do artigo 16.o da Carta, que prevê que a liberdade de empresa é reconhecida de acordo com o direito da União e as legislações e práticas nacionais, distinguindo‑se assim das restantes liberdades fundamentais consagradas no título II desta, ao mesmo tempo que se aproxima da redação de determinadas disposições do título IV da Carta, essa liberdade pode, assim, ser sujeita a um amplo leque de intervenções do poder público suscetíveis de estabelecer, no interesse geral, limitações ao exercício da atividade económica (v., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 46).

82

Ora, esta circunstância reflete‑se, nomeadamente, no modo como deve ser apreciada a regulamentação da União e a legislação e práticas nacionais a respeito do princípio da proporcionalidade nos termos do artigo 52.o, n.o 1, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 47).

83

Em conformidade com esta última disposição, qualquer limitação do exercício dos direitos e das liberdades consagrados na Carta deve estar prevista na lei, respeitar o seu conteúdo essencial e deve, no respeito do princípio da proporcionalidade, ser necessária e responder efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou, caso seja necessário, de proteção dos direitos e das liberdades de terceiros (Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 48).

84

No caso em apreço, importa recordar que, embora o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 enuncie que nenhuma das pessoas referidas no artigo 11.o deste regulamento deve cumprir a legislação indicada no anexo, este artigo 5.o, segundo parágrafo, prevê, todavia, que pode ser autorizado o cumprimento, total ou parcial, das obrigações ou proibições dessa legislação indicada no anexo, de acordo com o procedimento previsto nos artigos 7.o e 8.o do Regulamento n.o 2271/96, na medida em que a sua inobservância possa prejudicar seriamente os interesses das pessoas em causa ou da própria União. No âmbito deste procedimento, cabe à Comissão conceder estas autorizações, com a assistência do Comité «Legislação Extraterritorial» referido no artigo 8.o deste regulamento. Assim, em conformidade com o sistema harmonizado instituído pelo referido regulamento, a Comissão é, em princípio, responsável por apreciar, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça, se o não cumprimento da legislação indicada no anexo prejudicaria seriamente os interesses das pessoas em causa ou da própria União, devendo esta instituição cumprir a sua obrigação de respeitar os direitos fundamentais entre os quais a liberdade de empresa.

85

Por força do artigo 4.o do Regulamento de Execução 2018/1101, que fixa, segundo o seu artigo 1.o, os critérios de aplicação do disposto no artigo 5.o, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, ao avaliar a eventualidade de ocorrer um prejuízo grave para os interesses protegidos, na aceção desta última disposição, a Comissão deve ter em conta critérios não cumulativos, tais como se o interesse protegido é suscetível de estar especificamente em risco, com base no contexto, na natureza e na origem de um prejuízo para o interesse protegido, a existência de um elo de ligação importante com o país terceiro que está na origem da legislação extraterritorial enumerada ou das medidas subsequentes, o efeito adverso sobre a realização de atividade económica, sobretudo se a pessoa referida no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96 que pediu a autorização prevista no artigo 5.o, segundo parágrafo, deste regulamento, sofresse perdas económicas significativas que poderiam, por exemplo, ameaçar a sua viabilidade ou constituir um risco grave de falência, ou ainda a questão de saber se o exercício dos direitos individuais dessa pessoa seria significativamente prejudicado.

86

Daqui resulta que a restrição à liberdade de empresa resultante da necessidade de respeitar o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 está prevista por lei.

87

Quanto ao requisito relativo ao respeito do conteúdo essencial da liberdade de empresa, há que recordar que a mesma é potencialmente afetada, nomeadamente, quando uma empresa não tiver a faculdade de invocar eficazmente os seus interesses num processo contratual (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, AGET Iraklis, C‑201/15, EU:C:2016:972, n.o 87).

88

Todavia, no caso em apreço, a declaração de nulidade da resolução dos contratos em causa no processo principal por violação do artigo 5.o do Regulamento n.o 2271/96 não tem por efeito privar a Telekom da faculdade de invocar os seus interesses em geral no âmbito de uma relação contratual, mas antes limitar esta faculdade, uma vez que tal declaração de nulidade só se justifica na medida em que a Telekom tenha procedido a essa resolução com o intuito de cumprir a legislação indicada anexo.

89

Ainda no que respeita ao requisito segundo o qual a restrição da liberdade de empresa deve corresponder efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e das liberdades de terceiros, resulta do exposto no n.o 76 do presente acórdão que essa restrição que pode resultar da declaração de nulidade de uma resolução contratual como a que está em causa no processo principal cumpre igualmente este requisito, uma vez que contribui para os objetivos do Regulamento n.o 2271/96, recordados nos n.os 35 a 37 do presente acórdão.

90

Dito isto, e no que se refere, por último, ao requisito relativo à proporcionalidade da restrição, na medida em que a atividade económica da Telekom fora da União está sujeita às sanções previstas pelos Estados Unidos contra pessoas que violem as sanções secundárias adotadas por este país terceiro contra o Irão, o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a apreciar se estas primeiras sanções podem causar efeitos desproporcionados a esta empresa à luz dos objetivos do Regulamento n.o 2271/96 que visam proteger a ordem jurídica estabelecida e os interesses da União em geral, e, deste modo, a realização do objetivo da livre circulação de capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros.

91

A este respeito, a restrição da liberdade de empresa resultante da eventual declaração de nulidade da resolução de um contrato contrária à proibição prevista no artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96 afigura‑se, em princípio, necessária para combater os efeitos da legislação indicada no anexo, protegendo assim a ordem jurídica estabelecida e os interesses da União em geral.

92

No entanto, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, além disso, ponderar, no âmbito desse exame de proporcionalidade, a prossecução destes objetivos do Regulamento n.o 2271/96, mediante a declaração de nulidade de uma resolução que viola a proibição prevista no artigo 5.o, primeiro parágrafo, deste regulamento, e a probabilidade de a Telekom estar sujeita a perdas económicas, bem como a sua amplitude no caso de esta empresa não poder pôr termo às suas relações comerciais com uma pessoa que figura na Lista SDN.

93

É igualmente pertinente no âmbito deste exame de proporcionalidade o facto de a Telekom, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não ter apresentado à Comissão um pedido de derrogação da proibição imposta pelo artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, privando‑se, deste modo, da possibilidade de evitar a restrição da sua liberdade de empresa ditada pela declaração de nulidade dos contratos em causa com o BMI decorrente da sua eventual violação dessa proibição.

94

Quanto à multa prevista no direito alemão, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não a pode ter em conta, uma vez que o montante dessa multa, que por sua vez devia ser proporcional em conformidade com o artigo 9.o do Regulamento n.o 2271/96, deve ser fixado tendo em conta a situação individual do autor da infração e, por conseguinte, a sanção eventualmente constituída pela declaração de nulidade da resolução contratual em causa.

95

Tendo em conta tudo o que precede, há que responder à terceira e quarta questões que o Regulamento n.o 2271/96, em especial os seus artigos 5.o e 9.o, lido à luz do artigo 16.o e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma resolução contratual efetuada por uma pessoa referida no artigo 11.o deste regulamento com o intuito de cumprir as exigências ou proibições baseadas na legislação indicada no anexo quando esta pessoa não dispõe de uma autorização, na aceção do artigo 5.o, segundo parágrafo, do referido regulamento, seja declarada nula, na medida em que esta declaração de nulidade não produza efeitos desproporcionados para essa pessoa tendo em conta os objetivos do mesmo regulamento que consistem na proteção da ordem jurídica estabelecida e dos interesses da União em geral. Neste exame de proporcionalidade, deve ponderar‑se a prossecução destes objetivos, através da declaração de nulidade de uma resolução contratual que viola a proibição prevista no artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, e a probabilidade de a pessoa em causa estar exposta a perdas económicas, bem como a sua amplitude, no caso de não poder pôr termo às suas relações comerciais com uma pessoa que figura na lista das pessoas visadas pelas sanções secundárias em causa decorrentes da legislação indicada no anexo.

Quanto às despesas

96

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE) n.o 2271/96 do Conselho, de 22 de novembro de 1996, relativo à proteção contra os efeitos da aplicação extraterritorial de uma legislação adotada por um país terceiro e das medidas nela baseadas ou dela resultantes, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 37/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de janeiro de 2014, bem como pelo Regulamento Delegado (UE) 2018/1100 da Comissão, de 6 de junho de 2018, que altera o anexo do Regulamento n.o 2271/96, deve ser interpretado no sentido de que proíbe as pessoas referidas no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96, conforme alterado, de cumprirem as exigências ou proibições previstas pela legislação indicada no anexo deste regulamento, mesmo na falta de instruções das autoridades administrativas ou judiciais dos países terceiros que adotaram essa legislação e destinadas a assegurar o seu cumprimento.

 

2)

O artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2271/96, conforme alterado pelo Regulamento n.o 37/2014, bem como pelo Regulamento Delegado 2018/1100, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma pessoa referida no artigo 11.o deste regulamento, conforme alterado, que não dispõe de uma autorização, na aceção do artigo 5.o, segundo parágrafo, do referido regulamento, conforme alterado, possa resolver os contratos celebrados com uma pessoa que figura na «Lista dos cidadãos expressamente identificados e das pessoas cujos ativos estão bloqueados» (Specially Designated Nationals and Blocked Persons List), sem que tal resolução seja acompanhada de fundamentação. No entanto, o artigo 5.o, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, conforme alterado, exige que, no âmbito de um processo cível relativo à pretensa violação da proibição imposta por esta disposição, quando todos os elementos de prova de que dispõe o órgão jurisdicional nacional indiquem, à primeira vista, que uma pessoa referida no artigo 11.o do Regulamento n.o 2271/96, conforme alterado, cumpriu, sem dispor de uma autorização a este respeito, a legislação indicada no anexo deste regulamento, conforme alterado, é a esta mesma pessoa que cabe produzir prova bastante de que o seu comportamento não se destinava a cumprir a referida legislação.

 

3)

O Regulamento n.o 2271/96, conforme alterado pelo Regulamento n.o 37/2014, bem como pelo Regulamento Delegado 2018/1100, em especial os seus artigos 5.o e 9.o, lido à luz do artigo 16.o e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma resolução contratual efetuada por uma pessoa referida no artigo 11.o deste regulamento, conforme alterado, com o intuito de cumprir as exigências ou proibições baseadas na legislação indicada no anexo do referido regulamento, conforme alterado, quando esta pessoa não dispõe de uma autorização, na aceção do artigo 5.o, segundo parágrafo, do mesmo regulamento, conforme alterado, seja declarada nula, na medida em que esta declaração de nulidade não produza efeitos desproporcionados para essa pessoa tendo em conta os objetivos do Regulamento n.o 2271/96, conforme alterado, que consistem na proteção da ordem jurídica estabelecida e dos interesses da União Europeia em geral. Neste exame de proporcionalidade, deve ponderar‑se a prossecução destes objetivos, através da declaração de nulidade de uma resolução contratual que viola a proibição prevista no artigo 5.o, primeiro parágrafo, deste regulamento, conforme alterado, e a probabilidade de a pessoa em causa estar exposta a perdas económicas, bem como a sua amplitude, no caso de não poder pôr termo às suas relações comerciais com uma pessoa que figura na lista das pessoas visadas pelas sanções secundárias em causa decorrentes da legislação indicada no anexo do referido regulamento, conforme alterado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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