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Document 62020CJ0033

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 9 de setembro de 2021.
UK e o. contra Volkswagen Bank GmbH e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Landgericht Ravensburg.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 2008/48/CE — Crédito aos consumidores — Artigo 10.o, n.o 2 — Menções obrigatórias do contrato — Obrigação de mencionar o tipo de crédito, a duração do contrato de crédito a taxa de juros de mora e o mecanismo de adaptação da taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração do contrato — Taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração do contrato de crédito — Alteração da taxa de juros de mora em função da alteração da taxa de juros de mora determinada pelo banco central de um Estado‑Membro — Indemnização devida em caso de reembolso antecipado do empréstimo — Obrigação de especificar o método de cálculo da alteração da taxa de juros de mora e da indemnização — Não obrigação de mencionar as possibilidades de rescisão do contrato de crédito previstas pela regulamentação nacional, mas não previstas na Diretiva 2008/48 — Artigo 14.o, n.o 1 — Direito de retratação exercido pelo consumidor com base na falta de uma menção obrigatória por força do artigo 10.o, n.o 2 — Exercício fora do prazo — Proibição de o mutuante se opor a uma exceção de caducidade ou de abuso de direito.
Processos apensos C-33/20, C-155/20 e C-187/20.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:736

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

9 de setembro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 2008/48/CE — Crédito aos consumidores — Artigo 10.o, n.o 2 — Menções obrigatórias do contrato — Obrigação de mencionar o tipo de crédito, a duração do contrato de crédito a taxa de juros de mora e o mecanismo de adaptação da taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração do contrato — Taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração do contrato de crédito — Alteração da taxa de juros de mora em função da alteração da taxa de juros de mora determinada pelo banco central de um Estado‑Membro — Indemnização devida em caso de reembolso antecipado do empréstimo — Obrigação de especificar o método de cálculo da alteração da taxa de juros de mora e da indemnização — Não obrigação de mencionar as possibilidades de rescisão do contrato de crédito previstas pela regulamentação nacional, mas não previstas na Diretiva 2008/48 — Artigo 14.o, n.o 1 — Direito de retratação exercido pelo consumidor com base na falta de uma menção obrigatória por força do artigo 10.o, n.o 2 — Exercício fora do prazo — Proibição de o mutuante se opor a uma exceção de caducidade ou de abuso de direito»

Nos processos apensos C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg, Alemanha), por Decisões de 7 de janeiro de 2020, de 5 de março e de 31 de março de 2020, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 23 de janeiro, 31 de março e 28 de abril de 2020, nos processos

UK

contra

Volkswagen Bank GmbH (C‑33/20),

e

RT,

SV,

BC

contra

Volkswagen Bank GmbH,

Skoda Bank, sucursal do Volkswagen Bank GmbH (C‑155/20),

e

JL,

DT

contra

BMW Bank GmbH,

Volkswagen Bank GmbH (C‑187/20),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, M. Safjan (relator) e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de UK, por C. Kress, Rechtsanwalt,

em representação de RT, por T. Röske, Rechtsanwalt,

em representação de JL, por M. Basun, Rechtsanwalt,

em representação do Volkswagen Bank GmbH, por I. Heigl e T. Winter, Rechtsanwälte,

em representação do BMW Bank, por R. Hall, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann, U. Bartl e E. Lankenau, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e S. Šindelková, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Goddin e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de julho de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 10.o, n.o 2, e do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, no processo C‑33/20, UK ao Volkswagen Bank GmbH, no processo C‑155/20, RT, SV e BC ao Volkswagen Bank e ao Skoda Bank, sucursal do Volkswagen Bank (a seguir «Skoda Bank»), e, no processo C‑187/20, JL e DT ao BMW Bank GmbH e ao Volkswagen Bank, a respeito da validade da retratação, por UK, RT, SV, BC, JL e DT, dos contratos de crédito celebrados com estes bancos.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2008/48

3

Os considerandos 30 e 31 da Diretiva 2008/48 enunciam:

«(30)

A presente diretiva não regula as questões de direito dos contratos relacionadas com a validade dos contratos de crédito. Por conseguinte, nesse domínio, os Estados‑Membros podem manter ou introduzir disposições nacionais conformes com o direito comunitário. […]

(31)

Para que o consumidor possa conhecer os seus direitos e obrigações decorrentes do contrato de crédito, este deverá conter toda a informação necessária, apresentada de forma clara e concisa.»

4

O artigo 3.o desta diretiva, com a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

i)

“Taxa anual de encargos efetiva global”: o custo total do crédito para o consumidor expresso em percentagem anual do montante total do crédito e, sendo caso disso, acrescido dos custos previstos no n.o 2 do artigo 19.o;

j)

“Taxa devedora”: a taxa de juros expressa numa percentagem fixa ou variável aplicada numa base anual ao montante do crédito levantado;

k)

“Taxa devedora fixa”: uma taxa devedora prevista no contrato de crédito mediante a qual o mutuante e o consumidor acordam numa taxa devedora para toda a duração do contrato de crédito ou em várias taxas devedoras para períodos parciais utilizando exclusivamente uma percentagem fixa específica. Se não forem determinadas no contrato de crédito todas as taxas devedoras, considera‑se que a taxa devedora é fixada apenas para os períodos parciais relativamente aos quais as taxas devedoras são determinadas exclusivamente através de uma percentagem fixa específica na celebração do contrato de crédito;

[…]

n)

“Contrato de crédito ligado”: um contrato de crédito nos termos do qual:

i)

o crédito em questão serve exclusivamente para financiar um contrato de fornecimento de bens ou de prestação de um serviço específico e

ii)

estes dois contratos constituem uma unidade comercial de um ponto de vista objetivo; considera‑se que existe uma unidade comercial quando o crédito ao consumidor for financiado pelo próprio fornecedor ou prestador de serviços ou, no caso de financiamento por terceiros, quando o mutuante recorrer aos serviços do fornecedor ou prestador de serviços para preparar ou celebrar o contrato de crédito ou caso os bens específicos ou a prestação de um serviço específico estejam expressamente previstos no contrato de crédito.»

5

O artigo 10.o da referida diretiva, com a epígrafe «Informação a mencionar nos contratos de crédito», prevê:

«1.   Os contratos de crédito são estabelecidos em papel ou noutro suporte duradouro.

Todas as partes contratantes devem receber um exemplar do contrato de crédito. O presente artigo não prejudica as normas nacionais relativas à validade da celebração dos contratos, que sejam conformes com o direito comunitário.

2.   O contrato de crédito deve especificar de forma clara e concisa:

a)

O tipo de crédito;

[…]

c)

A duração do contrato de crédito;

d)

O montante total do crédito e as condições de levantamento;

e)

No caso de um crédito sob a forma de pagamento diferido para um bem ou serviço específicos ou dos contratos de crédito ligados, o bem ou serviço em causa, bem como o respetivo preço a pronto;

[…]

l)

A taxa de juros de mora aplicável à data da celebração do contrato de crédito, bem como as regras para a respetiva adaptação e, se for caso disso, os custos devidos em caso de incumprimento;

[…]

r)

O direito de reembolso antecipado, o procedimento a seguir em caso de reembolso antecipado e, se for caso disso, informações sobre o direito do mutuante a uma indemnização e a forma de determinar essa indemnização;

s)

O procedimento a seguir para exercer o direito de resolução do contrato de crédito;

t)

A existência ou inexistência de processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis ao consumidor e, quando existam, o respetivo modo de acesso;

u)

Se for caso disso, outros termos e condições contratuais;

[…]»

6

O artigo 13.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Contratos de crédito por período indeterminado», prevê as condições em que o consumidor e o mutuante podem rescindir o contrato de crédito por período indeterminado.

7

O artigo 14.o da Diretiva 2008/48, com a epígrafe «Direito de retratação», dispõe, no seu n.o 1:

«O consumidor dispõe de um prazo de 14 dias de calendário para exercer o direito de retratação do contrato de crédito sem indicar qualquer motivo.

O prazo para o exercício do direito de retratação começa a correr:

a)

A contar da data da celebração do contrato de crédito; ou

b)

A contar da data de receção, pelo consumidor, dos termos do contrato e das informações a que se refere o artigo 10.o, se essa data for posterior à data referida na alínea a) do presente parágrafo.»

8

O artigo 22.o desta diretiva, com a epígrafe «Harmonização e caráter imperativo da presente diretiva», prevê, no seu n.o 1:

«Na medida em que a presente diretiva prevê disposições harmonizadas, os Estados‑Membros não podem manter ou introduzir no respetivo direito interno disposições divergentes daquelas que vêm previstas na presente diretiva para além das nela estabelecidas.»

9

O artigo 23.o da referida diretiva, com a epígrafe «Sanções», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem determinar o regime das sanções aplicáveis à violação das disposições nacionais aprovadas em aplicação da presente diretiva e tomar todas as medidas necessárias para assegurar a aplicação das referidas disposições. As sanções assim previstas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

Direito alemão

10

O § 247, com a epígrafe «Requisitos de informação para contratos de crédito ao consumo, de contribuições financeiras remuneradas e de contratos de intermediação de crédito», da Einführungsgesetz zum Bürgerlichen Gesetzbuche (Lei Introdutória do Código Civil) de 21 de setembro de 1994 (BGBl. 1994 I, p. 2494, e retificação BGBl. 1997 I, p. 1061), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «EGBGB»), dispõe:

«[…]

§3   Conteúdo das informações pré‑contratuais

(1)

As informações prestadas antes da celebração do contrato devem mencionar:

[…]

11.

a taxa de juros de mora e as modalidades de adaptação da mesma, bem como, se necessário, os custos em caso de incumprimento,

[…]

§ 6   Conteúdo do contrato

(1)

O contrato de crédito ao consumo deve conter as seguintes informações, apresentadas de forma clara e inteligível:

1.

as informações referidas no artigo 3.o, n.o 1, pontos 1 a 14, e n.o 4,

[…]

5.

O procedimento a seguir para rescindir o contrato,

[…]

§ 7   Outras informações constantes do contrato

(1)

O contrato de crédito ao consumo deve conter, de forma clara e inteligível, as seguintes informações, na medida em que sejam relevantes para o contrato:

[…]

3.

O método de cálculo do direito a compensação pelo reembolso antecipado, caso o mutuante pretenda invocar esse direito se o mutuário pagar antecipadamente o mútuo,

[…]»

11

O § 247, com a epígrafe «Taxa de juro de base», do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «BGB»), prevê:

«(1)   A taxa de juros de base é de 3,62 %. Esta taxa é adaptada, em 1 de janeiro e 1 de julho de cada ano, em função da percentagem de aumento ou redução do valor de referência desde a última adaptação registada. O valor de referência corresponde à taxa de juro fixada pelo Banco Central Europeu aplicada à mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do primeiro dia de calendário do semestre em causa.

(2)   O Deutsche Bundesbank [(Banco Federal Alemão)] publica a taxa de juro de base no Bundesanzeiger imediatamente após as datas previstas no segundo período do n.o 1.»

12

O artigo 288.o do BGB, com a epígrafe «Juros de mora e outras indemnizações», dispõe, no seu n.o 1:

«As dívidas pecuniárias vencerão juros durante o período de mora. A taxa anual dos juros de mora corresponde à taxa de juros de base acrescida de cinco pontos percentuais.»

13

O § 314 do BGB, com a epígrafe «Rescisão de contratos de execução sucessiva por justa causa», prevê, no seu n.o 1:

«Os contratos de execução sucessiva podem ser rescindidos com justa causa por cada uma das partes sem que tenha de cumprir um prazo de aviso prévio. Existe justa causa quando a continuação da relação contratual até ao termo acordado ou até ao termo de um prazo de aviso prévio não possa ser imposta à parte que rescinde, tendo em conta todos os factos do caso concreto e os respetivos interesses de ambas as partes.»

14

O § 355 do BGB, com a epígrafe «Direito de retratação nos contratos celebrados com consumidores», tem a seguinte redação:

«(1)   O consumidor e o comerciante deixam de estar vinculados pela declaração de vontade referente à celebração do contrato se, nos casos em que a lei atribua ao consumidor o direito de retratação do contrato nos termos da presente disposição, este tiver retratado a sua declaração nesse sentido no prazo previsto.

(2)   O prazo de retratação é de 14 dias. Salvo disposição em contrário, o prazo começa a contar a partir do momento da celebração do contrato.»

15

O § 356b do BGB, com a epígrafe «Direito de retratação nos contratos de crédito ao consumo», prevê, no seu n.o 2:

«Se o documento entregue ao mutuário nos termos do n.o 1 não contiver as informações obrigatórias previstas no § 492, n.o 2, o prazo não começa a correr até que esta irregularidade seja sanada em conformidade com o § 492, n.o 6 […]»

16

O § 357 do BGB, com a epígrafe «Efeitos jurídicos da retratação de contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais e à distância que não sejam contratos de serviços financeiros», dispõe, no seu n.o 1:

«As prestações recebidas devem ser restituídas num prazo máximo de 14 dias».

17

O § 357a do BGB tem como epígrafe «Efeitos jurídicos da retratação de contratos de serviços financeiros». O seu n.o 1 tem a seguinte redação:

«As prestações recebidas devem ser restituídas num prazo máximo de 30 dias.»

18

O § 358 do BGB, com a epígrafe «Contrato conexo com o contrato retratado», tem a seguinte redação:

«[…]

(2)

Se o consumidor tiver retratado eficazmente a sua declaração de vontade destinada à celebração de um contrato de crédito ao consumo com base no § 495, n.o 1, ou no § 514, n.o 2, primeiro período, deixa igualmente de estar vinculado pela sua declaração de vontade referente à intenção de celebrar o contrato de fornecimento de bens ou de outras prestações de serviços conexo com esse contrato de crédito ao consumo.

(3)

O contrato que tenha por objeto o fornecimento de bens ou outras prestações de serviços é conjugado com o contrato de crédito nos termos dos n.os 1 e 2 se o crédito se destinar a financiar o outro contrato, no todo ou em parte, e se ambos formarem uma unidade económica. Esta unidade deve ser assumida, nomeadamente, se o próprio profissional financiar a contraprestação do consumidor ou, em caso de financiamento por terceiro, se o mutuante recorrer à cooperação do profissional para a preparação ou celebração do contrato de crédito.

(4)

O § 355, n.o 3, e, em função do tipo de contrato conexo, os §§ 357 a 357b, aplicam‑se mutatis mutandis à resolução do contrato conexo, independentemente do modo de comercialização […]

[…] O mutuante assume, nas relações com o consumidor, os direitos e obrigações do comerciante decorrentes do contrato conexo no que diz respeito aos efeitos jurídicos da retratação se o montante do crédito já tiver sido pago ao comerciante à data de entrada em vigor da retratação.»

19

O § 491a do BGB, com a epígrafe «Obrigações de informações pré‑contratuais no âmbito de contratos de crédito celebrados com consumidores», prevê, no seu n.o 1:

«No âmbito de um contrato de crédito celebrado com um consumidor, o mutuante deve informar o mutuário dos factos decorrentes do § 247 [da EGBGB] na forma aí prevista.»

20

Nos termos do § 492 do BGB, com a epígrafe «Forma escrita, conteúdo do contrato», dispõe:

«(1)   Os contratos de crédito ao consumidor devem ser celebrados por escrito, salvo se for estipulada uma forma mais rigorosa. […]

(2)   Os contratos de crédito celebrados com consumidores deverão conter as informações previstas no § 247, n.os 6 a 13 [da EGBGB].

[…]

(5)   As informações que o mutuante deve prestar ao mutuário após a celebração do contrato são apresentadas em suporte duradouro.»

21

O § 495 do BGB, com a epígrafe «Direito de retratação», dispõe no seu n.o 1:

«No âmbito de um contrato de crédito celebrado com um consumidor, o mutuário tem o direito de retratação em conformidade com o § 355 do BGB.»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processo C‑33/20

22

Em 19 de dezembro de 2015, UK, enquanto consumidor, celebrou com o Volkswagen Bank um contrato de crédito no montante de 10671,63 euros, para compra de um veículo da marca Volkswagen destinado a uso privado (a seguir «contrato em causa no processo C‑33/20»). O vendedor deste veículo foi a Hahn Automobile GmbH & Co. KG (a seguir «vendedor A»). Uma vez que o preço de venda ascendia a 15200 euros, UK pagou um adiantamento de 5,000 euros ao vendedor A e financiou um montante de 10200 euros, bem como uma contribuição única para um seguro de dívida residual no montante de 471,63 euros, ou seja, no montante total de 10671,63 euros.

23

O contrato em causa no processo C‑33/20 continha a seguinte menção:

«Em caso de rescisão do contrato, serão devidos juros de mora à taxa legal. A taxa anual dos juros de mora corresponde à taxa de juros de base acrescida de cinco pontos percentuais.»

24

Além disso, tinha sido entregue a UK um documento intitulado «Informação Normalizada Europeia em matéria de Crédito aos Consumidores». Este documento precisava:

«A taxa de juros de mora anual é de cinco pontos percentuais acima da taxa de juros de base respetiva. A taxa de juros de base é determinada pelo Banco Federal Alemão e fixada, respetivamente, em 1 de janeiro e 1 de julho de cada ano.»

25

O órgão jurisdicional de reenvio especifica que o contrato em causa no processo C‑33/20 não indicava sob a forma quantificada a taxa de juros de mora aplicável ou, pelo menos, a taxa de juro de referência aplicável, ou seja, a taxa de juros de base prevista no § 247 do BGB. Além disso, este órgão jurisdicional observa que esse contrato também não indicava o mecanismo de adaptação da taxa de juros de mora, uma vez que o documento fornecido a UK, referido no número anterior, não fazia parte do contrato em causa no processo C‑33/20 devido ao incumprimento do requisito de forma escrita, previsto no § 492, n.o 1, do BGB.

26

O contrato em causa no processo C‑33/20 previa:

«O banco pode exigir uma indemnização de reembolso antecipado adequada pelas perdas diretamente relacionadas com o reembolso antecipado. O banco calculará a perda em conformidade com o quadro aritmético financeiro previsto pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal), que tem nomeadamente em conta:

o nível da taxa de juro que entretanto variou,

os fluxos de tesouraria inicialmente acordados para o empréstimo,

os lucros cessantes do banco,

os custos administrativos relativos ao reembolso antecipado (despesas de gestão), bem como

os custos do risco e os custos administrativos economizados através do reembolso antecipado.»

27

No que diz respeito às condições de rescisão do contrato em causa no processo C‑33/20 pelo mutuante por justa causa, esse contrato não previa a forma como essa rescisão devia ocorrer, não sendo também especificado o prazo fixado ao mutuante para rescindir o referido contrato. Como resulta da decisão de reenvio, o contrato não continha nenhuma menção relativa ao direito do mutuário de rescindir este contrato nos termos do § 314 do BGB.

28

O Volkswagen Bank recorreu aos serviços do vendedor A para a preparação e celebração do contrato em causa no processo C‑33/20. Em especial, este último vendedor atuou na qualidade de intermediário de crédito para o Volkswagen Bank e utilizou os contratos‑tipo fornecidos por este. Este contrato previa que UK devia, a partir de 15 de fevereiro de 2016, reembolsar o montante do crédito no montante de 11545,26 euros (correspondente ao capital líquido mutuado no montante de 10671,63 euros, acrescido de juros no montante de 873,63 euros) em 48 mensalidades no mesmo montante de 150,08 euros e através de um último pagamento no montante de 4341,42 a efetuar em 16 de janeiro de 2020.

29

UK pagou regularmente as prestações mensais previstas. No entanto, este rescindiu o referido contrato por carta de 22 de janeiro de 2019. O Volkswagen Bank rejeitou essa retratação.

30

UK considera que, devido à sua retratação de 22 de janeiro de 2019, o contrato em causa no processo C‑33/20 se transformou numa obrigação de restituição. No seu recurso no órgão jurisdicional de reenvio, pede que seja declarado que está desvinculado da sua obrigação de pagar as prestações mensais ao Volkswagen Bank a partir de 22 de janeiro de 2019. Além disso, reclama ao Volkswagen Bank o reembolso das prestações mensais já pagas e do adiantamento pago ao vendedor A, ambos em troca da restituição do veículo adquirido.

31

O Volkswagen Bank considera que a declaração de rescisão de UK é extemporânea e que, por conseguinte, a rescisão é inválida.

32

Nestas condições, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito,

a)

a taxa de juros de mora em vigor à data da celebração do contrato de crédito deve ser comunicada como número absoluto, ou deve, pelo menos, ser indicada como número absoluto a taxa de referência em vigor [no presente caso, a taxa de juros de base nos termos do § 247, do BGB (Código Civil alemão)], com base na qual se define a taxa de juros de mora aplicável mediante uma majoração (no presente caso, de cinco pontos percentuais em conformidade com o § 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

b)

o mecanismo de cálculo da taxa de juros de mora deve ser explicado em concreto, ou deve, pelo menos, ser feita referência para as normas nacionais das quais resulta o cálculo da taxa de juros de mora (§§ 247 e 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

2)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito, se deve indicar um método, concreto e compreensível para o consumidor, de cálculo da compensação em caso de pagamento antecipado do crédito, de modo a que o consumidor consiga calcular, pelo menos, aproximadamente, o montante da compensação devida em caso de rescisão antecipada?

3)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito,

a)

também devem ser indicados os direitos de rescisão das partes no contrato de crédito, previstos no direito nacional e, em especial, também o direito de rescisão do mutuário por justa causa, ao abrigo do § 314 do BGB, no caso de contratos de mútuo por tempo determinado?

b)

devem ser indicados o prazo e a forma pela qual deve ser feita a declaração de rescisão de todos os direitos de rescisão das partes no contrato de crédito?»

Processo C‑155/20

33

Em 3 de janeiro de 2015, RT celebrou com o Volkswagen Bank um contrato de crédito no montante de 11257,14 euros. Em 23 de maio de 2015, SV celebrou um contrato do mesmo tipo com o mesmo banco no montante de 16400 euros. Em 24 de julho de 2014, BC celebrou um contrato de crédito no montante de 7332,34 euros com o Skoda Bank (a seguir «contratos em causa no processo C‑155/20»). Estes contratos de crédito tinham por objeto financiar a compra de um veículo para uso privado da marca Volkswagen, no que diz respeito a RT e a SV, e da marca Skoda, relativamente a BC. Os vendedores desses veículos eram, respetivamente, a Autohaus Kilgus GmbH & Co. KG (a seguir «vendedor B»), a Autohaus Humm GmbH e a Held & Ströhle GmbH & Co. KG (a seguir «vendedor D»). O preço de venda do veículo adquirido por RT era de 15750 euros, por SV de 23900 euros e por BC de 15940 euros. Estes consumidores pagaram um adiantamento de, respetivamente, 5000 euros, 7500 euros e 8900 euros aos vendedores B, C e D e financiaram, através dos contratos em causa no processo C‑155/20, os montantes de, respetivamente, 10750 euros, 16400 euros e 7040 euros, bem como, nos casos de RT e BC, uma contribuição única para um seguro da dívida residual no montante de, respetivamente, 507,14 euros e de 292,34 euros, ou seja, de 11257,14 euros e 7332,34 euros no total.

34

Os contratos em causa no processo C‑155/20 continham a mesma menção que a reproduzida no n.o 23 do presente acórdão.

35

Da mesma forma, o documento referido no n.o 24 do presente acórdão, intitulado «Informação Normalizada Europeia em matéria de Crédito aos Consumidores» foi entregue a RT, SV e BC.

36

O órgão jurisdicional de reenvio especifica que os contratos em causa no processo C‑155/20 não indicavam, de forma quantificada, a taxa de juros de mora aplicável ou, pelo menos, a taxa de juro de referência aplicável, ou seja, a taxa de juro de base prevista no § 247 do BGB. Além disso, este órgão jurisdicional constata que esses contratos também não indicavam o mecanismo de adaptação da taxa de juros de mora, uma vez que o documento referido no número anterior não faz parte dos referidos contratos devido ao incumprimento do requisito de forma escrita, previsto no § 492, n.o 1, do BGB.

37

Os contratos em causa no processo C‑155/20 previam igualmente uma cláusula idêntica à reproduzida no n.o 26 do presente acórdão.

38

No que se refere às condições de rescisão desses contratos pelo mutuante por justa causa, à semelhança do contrato em causa no processo C‑33/20, os contratos em causa no processo C‑155/20, não previam a forma como essa rescisão devia ocorrer nem o prazo fixado ao mutuante para rescindir o contrato, nem uma menção ao direito do mutuário de rescindir o contrato nos termos do § 314 do BGB.

39

O Volkswagen Bank e o Skoda Bank recorreram aos serviços dos vendedores B, C e D para a preparação e celebração dos contratos em causa no processo C‑155/20. Esses vendedores, em especial, aturam na qualidade de intermediário de crédito para o Volkswagen Bank e o Skoda Bank e usaram os contratos‑tipo fornecidos por estes. Esses contratos previam que RT, SV e BC deviam, a partir, respetivamente, de 15 de fevereiro de 2015, 1 de junho de 2015 e 3 de setembro de 2014, reembolsar o montante do crédito acrescido de juros, cujo montante acumulado era de 669,90 euros no caso de RT, de 1241,97 euros no caso de SV e de 225,87 euros no caso de BC. Os respetivos reembolsos deviam ser realizados em 48, 36 e 24 prestações mensais iguais no mesmo montante de 248,48 euros, de 146,87 euros e de 150 euros, sendo, no entanto, SV e BC obrigados a efetuar um último pagamento no montante de, respetivamente, 12354,65 euros em 1 de maio de 2018 e de 3958,21 euros em 3 de agosto de 2016.

40

RT pagou regularmente as prestações mensais previstas. No entanto, pouco tempo antes da execução completa das suas obrigações de pagamento, prevista para 15 de dezembro de 2018, RT, por carta de 22 de novembro de 2018, retratou‑se do contrato de crédito celebrado com o Volkswagen Bank em 3 de janeiro de 2015.

41

SV pagou regularmente as prestações mensais acordadas e reembolsou o crédito, tendo pago a última prestação mensal devida em 1 de maio de 2018. Em 4 de junho de 2018, cedeu o veículo ao vendedor C, pelo qual tinha celebrado esse financiamento no montante de 8031,46 euros. Por carta de 5 de janeiro de 2019, SV revogou a sua declaração de vontade no sentido da celebração do contrato de crédito celebrado com o Volkswagen Bank em 23 de maio de 2015.

42

BC pagou regularmente as prestações mensais acordadas e restituiu integralmente o crédito, tendo pago a última prestação mensal na data acordada de 3 de agosto de 2018. Por carta de 25 de abril de 2019, rescindiu o contrato de crédito celebrado com o Skoda Bank em 24 de julho de 2014.

43

RT considera que a retratação é válida uma vez que o prazo de retratação não começou a correr devido a informações erradas no contrato de crédito celebrado com o Volkswagen Bank em 3 de janeiro de 2015. Por conseguinte, exige ao Volkswagen Bank o reembolso das prestações mensais já pagas no montante de 11997,04 euros e do adiantamento de 5000 euros pago ao vendedor B, ou seja, um montante total de 16927,04 euros, menos os juros acumulados até à data da retratação, no montante de 668,41 euros. Assim, RT pede o reembolso do montante remanescente de 16258,63 euros contra a restituição do veículo adquirido. Além disso, RT pede que seja declarado que o Volkswagen Bank recusa aceitar esse veículo.

44

SV considera que, devido à sua retratação, o contrato de crédito celebrado com o Volkswagen Bank em 23 de maio de 2015 se transformou numa obrigação de restituição. SV reclama, assim, ao Volkswagen Bank o reembolso das prestações mensais do empréstimo que lhe pagou, ou seja, o montante de 17641,97 euros, bem como o adiantamento de 7500 euros pago ao vendedor C, ou seja, um montante total de 25141,97 euros, após dedução do preço de venda obtido pelo veículo no montante de 8031,46 euros, ou seja, um montante total de 17770,51 euros.

45

BC considera que, devido à sua retratação, o contrato de crédito celebrado com o Skoda Bank em 24 de julho de 2014 se transformou numa obrigação de restituição. Reclama, assim, ao Skoda Bank o reembolso das prestações de amortização do crédito que lhe foram pagas, no montante de 7332,34 euros, bem como do adiantamento de 8900 euros pago ao vendedor D após a entrega do veículo adquirido. Além disso, BC pede que seja declarado que o Skoda Bank recusa aceitar esse veículo.

46

Nestas condições, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 […] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito,

a)

a taxa de juros de mora em vigor à data da celebração do contrato de crédito deve ser comunicada como número absoluto, ou deve, pelo menos, ser indicada como número absoluto a taxa de referência em vigor [no presente caso, a taxa de juros de base nos termos do § 247, do BGB (Código Civil alemão)], com base na qual é definida a taxa de juros de mora aplicável mediante uma majoração (no presente caso, de cinco pontos percentuais em conformidade com o § 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

b)

o mecanismo de cálculo da taxa de juros de mora deve ser explicado em concreto, ou deve, pelo menos, ser feita referência para as normas nacionais das quais resulta o cálculo da taxa de juros de mora (§§ 247 e 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

2)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito, se deve indicar um método, concreto e compreensível para o consumidor, de cálculo da compensação em caso de pagamento antecipado do crédito, de modo a que o consumidor consiga calcular, pelo menos, aproximadamente, o montante da compensação devida em caso de rescisão antecipada?

3)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que,

a)

no contrato de crédito também devem ser indicados os direitos de rescisão das partes no contrato, previstos no direito nacional, em especial o direito de rescisão do mutuário por justa causa, ao abrigo do § 314 do BGB, no caso de contratos de mútuo por tempo determinado?

b)

[em caso de resposta negativa à questão a) anterior], o mesmo não se opõe a uma legislação nacional que considera informação obrigatória, na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da [Diretiva 2008/48], a referência a um direito especial de rescisão?

c)

no contrato de crédito devem ser indicados o prazo e a forma como deve ser feita a declaração de rescisão de todos os direitos de rescisão das partes no contrato de crédito?

4)

Está excluída a possibilidade de o mutuante invocar, no âmbito de um contrato de crédito aos consumidores, a caducidade do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da [Diretiva 2008/48].

a)

quando uma das informações a mencionar nos termos do artigo 10.o, n.o 2, da [Diretiva 2008/48] não foi devidamente incluída no contrato nem foi prestada posteriormente de forma adequada e, por conseguinte, o prazo para a retratação ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da [Diretiva 2008/48] ainda não começou a correr?

b)

[em caso de resposta negativa à questão a) anterior] quando a caducidade se baseie essencialmente no tempo decorrido desde a celebração do contrato e/ou no cumprimento integral do contrato por ambas as partes e/ou na disposição do mutuante sobre o valor do empréstimo recuperado ou na restituição de seguros de crédito e/ou (no caso de um contrato de compra e venda associado ao contrato de crédito) na utilização ou na alienação do bem objeto do financiamento por parte do consumidor, mas o consumidor, no período em questão e quando ocorreram circunstâncias relevantes, ignora que o seu direito de retratação se mantém e esta falta de conhecimento não lhe é imputável, e o mutuante também não pode presumir que o consumidor tem conhecimento de tal facto?

5)

Está excluída a possibilidade de o mutuante invocar, no âmbito de um contrato de crédito aos consumidores, a exceção de abuso de direito no exercício do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da [Diretiva 2008/48]

a)

quando uma das informações a mencionar nos termos do artigo 10.o, n.o 2, da [Diretiva 2008/48] não está devidamente incluída no contrato de crédito nem foi prestada posteriormente de forma adequada e, por conseguinte, o prazo para a retratação ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da [Diretiva 2008/48] ainda não começou a correr?

b)

[em caso de resposta negativa,] quando o exercício abusivo do direito se baseie essencialmente no tempo decorrido desde a celebração do contrato e/ou no cumprimento integral do contrato por ambas as partes e/ou na disposição do mutuante sobre o valor do empréstimo recuperado ou na restituição de seguros de crédito e/ou (no caso de um contrato de compra e venda associado ao contrato de crédito) na utilização ou na alienação do bem objeto do financiamento por parte do consumidor, mas o consumidor, no período em questão e quando ocorreram as circunstâncias relevantes, ignora que o seu direito de retratação se mantém e esta falta de conhecimento não lhe é imputável, e o mutuante também não pode presumir que o consumidor tem conhecimento de tal facto?»

Processo C‑187/20

47

Em 4 de maio de 2017, JL celebrou com o BMW Bank um contrato de crédito no montante de 24401,84 euros, e, em 23 de março de 2016, DT celebrou um contrato do mesmo tipo com o Audi Bank, sucursal do Volkswagen Bank (a seguir «Audi Bank»), no montante de 37710 euros (a seguir «contratos em causa no processo C‑187/20»). Estes contratos destinavam‑se a financiar a aquisição de um veículo, para uso privado, da marca BMW, em relação a JL, e da marca Audi, em relação a DT. Os vendedores desses veículos eram, respetivamente, a Auer Gruppe GmbH (a seguir «vendedor E») e a Autohaus Locher (a seguir «vendedor F»). Sendo o preço de venda do seu veículo no montante de 23500 euros, JL pagou um adiantamento de 1000 euros ao vendedor E e financiou o montante remanescente de 22500 euros, bem como o correspondente ao prémio do seguro no montante de 1901,84 euros, enquanto DT, cujo preço de aquisição do veículo era no montante de 37710 euros, financiou a totalidade desse montante através do crédito obtido.

48

O BMW Bank e o Audi Bank recorreram aos serviços, respetivamente, dos vendedores E e F para a preparação e celebração dos contratos em causa no processo C‑187/20. Esses contratos previam que JL e DT deviam, a partir, respetivamente, de 5 de maio de 2017 e de 1 de maio de 2016, reembolsar o montante do crédito acrescido de juros, cujo montante acumulado era de 1413,14 euros no caso de JL e 1737,40 euros no caso de DT. Os respetivos reembolsos deviam ser realizados em 47 e 48 prestações mensais no mesmo montante de 309,25 euros e 395,65 euros, sendo, no entanto, JL e DT obrigados a efetuar um último pagamento no montante, respetivamente, de 11280 euros em 5 de abril de 2021 e de 20456,20 euros em 1 de abril de 2020.

49

Por cartas de 13 de junho de 2019 e de 12 de janeiro de 2019, JL e DT rescindiram os contratos em causa no processo C‑187/20.

50

JL e DT consideram que a retratação é válida uma vez que o prazo de retratação não começou a correr devido a informações erradas nesses contratos. Por conseguinte, JL pede ao órgão jurisdicional de reenvio que seja declarado que os juros e o pagamento da amortização do capital não são devidos a partir de 13 de junho de 2019. DT reclama ao Audi Bank o reembolso, após restituição do veículo adquirido, das 43 prestações mensais pagas, ou seja, no montante total de 17012,95 euros. Além disso, DT pede que seja declarado que não é devedor nem de juros nem da amortização do capital e que o Audi Bank recusa aceitar o veículo em causa.

51

Como resulta da decisão de reenvio, os contratos em causa no processo C‑187/20 não continham uma definição do tipo de crédito concedido. No entanto, o documento intitulado «Informação Normalizada Europeia em matéria de Crédito aos Consumidores», anexo ao contrato celebrado por JL e que tornado parte integrante deste último, continha a seguinte menção: «Crédito a prestações mensais iguais e a uma taxa de juro fixa». DT recebeu um documento análogo, com o mesmo título e contendo as menções seguintes: «Empréstimo a prestações com direito de retratação confirmado» e «Prestações mensais iguais e pagamento final mais elevado».

52

O órgão jurisdicional de reenvio observa que os contratos em causa no processo C‑187/20 não contêm nenhuma informação segundo a qual, uma vez pagos os fundos, a obrigação de pagar o preço de venda desaparece até ao limite desse montante em relação ao vendedor, e o comprador pode exigir ao vendedor, após pagamento integral do preço de venda, a entrega do veículo adquirido.

53

Quanto à informação sobre a taxa de juros de mora, o contrato celebrado por JL com o BMW Bank em 4 de maio de 2017 precisava:

«Se o mutuário/comutuário estiver em atraso no pagamento, serão devidos juros de mora a uma taxa de cinco pontos percentuais por ano acima da respetiva taxa de juro base. A taxa de juro base é fixada, respetivamente, em 1 de janeiro e 1 de julho de cada ano e o Banco Federal Alemão publica‑a no Bundesanzeiger.»

54

Quanto ao contrato celebrado por DT com o Audi Bank em 23 de março de 2016, este continha a seguinte menção:

«Em caso de rescisão do contrato, serão devidos juros de mora à taxa legal. A taxa anual dos juros de mora corresponde à respetiva taxa de juros de base acrescida de cinco pontos percentuais.»

55

Além disso, o documento recebido por DT, referido no n.o 51 do presente acórdão, estipulava:

«A taxa de juros de mora anual é de cinco pontos percentuais sobre a respetiva taxa de juros de base. A taxa de juro base é determinada pelo Banco Federal Alemão e fixada, respetivamente, em 1 de janeiro e 1 de julho de cada ano.»

56

Contudo, este documento não se tornou parte integrante do contrato celebrado por DT com o Audi Bank em 23 de março de 2016 devido ao incumprimento do requisito de forma escrita, previsto no § 492, n.o 1, do BGB.

57

O órgão jurisdicional de reenvio observa que o mecanismo de adaptação da taxa de juros de mora não é completamente explicado nos contratos em causa no processo C‑187/20. Com efeito, embora as condições do contrato celebrado por JL com o BMW Bank em 4 de maio de 2017 façam referência à fixação operada pelo Banco Federal Alemão, duas vezes por ano, da taxa de juro base, este contrato não esclarecia se essa taxa corresponde à taxa de juro para a operação de refinanciamento principal mais recente efetuada pelo Banco Central Europeu, uma vez que o referido contrato também não remete para o § 247, n.o 1, do BGB relevante a este respeito.

58

Do mesmo modo, nem o contrato celebrado por DT com o Audi Bank em 23 de março de 2016, nem o documento intitulado «Informação Normalizada Europeia» indicavam em que se baseava a taxa de juro base visada por esse contrato.

59

Os contratos em causa no processo C‑187/20 previam igualmente uma cláusula idêntica à reproduzida no n.o 26 do presente acórdão.

60

Quanto ao direito do mutuário de rescindir o contrato por justa causa, o contrato celebrado por JL com o BMW Bank em 4 de maio de 2017 não continha uma remissão para o § 314 do BGB e não indicava que uma rescisão ao abrigo desta disposição devia ocorrer num prazo razoável. O contrato celebrado por DT com o Audi Bank em 23 de março de 2016 não tinha nenhuma referência ao direito de rescisão pelo mutuário por justa causa, em conformidade com o § 314 do BGB. É certo que este previa o direito de rescisão pelo mutuante por justa causa, sem, contudo, precisar a forma dessa rescisão nem o prazo para a efetuar. Em especial, o referido contrato não continha nenhuma menção de que essa rescisão deve ser efetuada num suporte duradouro, em conformidade com o § 492, n.o 5, do BGB.

61

No que diz respeito às informações relativas a um eventual processo extrajudicial de reclamação, o contrato celebrado por JL com o BMW Bank em 4 de maio de 2017 não enumerava as condições de acesso a esse processo, tais como o requisito da descrição do litígio, a apresentação de um pedido concreto e o envio de uma cópia dos documentos necessários. Este contrato limitava‑se, a este respeito, a indicar uma remissão para o «Regulamento de Processo para o tratamento das reclamações dos clientes no setor bancário alemão», disponível a pedido ou consultável no sítio Internet do Bundesverband der Deutschen Banken e.V. [(Associação Federal dos Bancos alemães)] www.bdb.de». O contrato celebrado por DT com o Audi Bank em 23 de março de 2016 continha as mesmas indicações, mas especificava, além disso, que «[a] reclamação deve ser enviada por escrito (por exemplo, por carta, fax, correio eletrónico) ao Bureau des réclamations des clients auprès du Bundesverband deutscher Banken e.V., Postfach 040307, 10062 Berlim, fax: 030 16633169, email: ombudsmann@bdb.de».

62

Nestas condições, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva [2008/48], ser interpretado no sentido de que, ao especificar o tipo de crédito, o contrato deve eventualmente referir que está em causa um contrato de crédito ligado e/ou um contrato de crédito por tempo determinado?

2)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que, no que respeita às condições de levantamento do crédito, os contratos de crédito ligados destinados ao financiamento de um bem de consumo devem especificar que o mutuário fica exonerado da sua obrigação de pagamento do preço da compra e venda até ao valor do levantamento efetuado, e que, com o pagamento integral desse preço, o vendedor lhe deve entregar o bem comprado?

3)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que:

a)

a taxa de juros de mora em vigor à data da celebração do contrato de crédito deve ser comunicada como número absoluto, ou deve, pelo menos, ser indicada como número absoluto a taxa de referência em vigor [no presente caso, a taxa de juros de base nos termos do § 247 do BGB (Código Civil alemão)], com base na qual se define a taxa de juros de mora aplicável mediante uma majoração (no presente caso, de cinco pontos percentuais, em conformidade com o § 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

b)

o mecanismo de cálculo da taxa de juros de mora deve ser explicado em concreto, ou deve, pelo menos, ser feita referência para as normas nacionais das quais resulta o cálculo da taxa de juros de mora (§ § 247 e 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

4)

a)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito, se deve indicar um método, concreto e compreensível para o consumidor, de cálculo da compensação em caso de pagamento antecipado do crédito, de modo a que o consumidor consiga calcular, pelo menos, aproximadamente, o montante da compensação devida em caso de rescisão antecipada?

b)

[em caso de resposta afirmativa à questão a) anterior]:

Os artigos 10.o, n.o 2, alínea r), e 14.o, n.o 1, segundo período, da Diretiva [2008/48] opõem‑se a uma legislação nacional nos termos da qual, no caso de ser prestada informação incompleta na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva [2008/48], o prazo para o exercício do direito de retratação começa a correr a partir da data da celebração do contrato e o direito do mutuante a indemnização apenas se extingue pelo reembolso antecipado do crédito?

5)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que,

a)

também devem ser especificados os direitos de rescisão das partes no contrato de crédito, previstos no direito nacional e, em especial, o direito de rescisão do mutuário por justa causa, ao abrigo do § 314 do BGB, no caso de contratos de mútuo por tempo determinado, e que o parágrafo que regula este direito de rescisão deve ser referido expressamente?

b)

[em caso de resposta negativa à questão a) anterior]:

não se opõe a uma legislação nacional que considera que a existência de um direito especial de resolução é uma informação a mencionar na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da Diretiva [2008/48]?

c)

no contrato de crédito, devem ser indicados o prazo e a forma segundo os quais devem exercidos todos os direitos de resolução das partes no contrato de crédito?

6)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito, devem ser comunicados os requisitos formais essenciais da reclamação e/ou do recurso no âmbito do processo extrajudicial de reclamação e/ou de recurso? Não basta fazer referência, a este respeito, à possibilidade de consulta na Internet das normas processuais aplicáveis ao processo extrajudicial de reclamação e/ou de recurso?

7)

Está excluída a possibilidade de o mutuante invocar, no âmbito de um contrato de crédito aos consumidores, a caducidade do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva [2008/48],

a)

quando uma das informações a mencionar nos termos do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48] não tiver sido devidamente incluída no contrato de crédito nem tiver sido prestada posteriormente de forma adequada e, por conseguinte, o prazo para a retratação ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2008/48] ainda não tiver começado a correr?

b)

[em caso de resposta negativa à questão a) anterior]:

quando a caducidade se baseia essencialmente no tempo decorrido desde a celebração do contrato e/ou no cumprimento integral do contrato por ambas as partes e/ou na disposição do mutuante sobre o valor do empréstimo recuperado ou na restituição de seguros de crédito e/ou (no caso de um contrato de compra e venda ligado ao contrato de crédito) na utilização ou na alienação do bem objeto do financiamento por parte do consumidor, mas o consumidor, no período em questão e quando ocorreram as circunstâncias relevantes, ignorava que o seu direito de retratação se mantinha e esta falta de conhecimento não lhe é imputável e o mutuante também não podia presumir que o consumidor tinha conhecimento de tal facto?

8)

Está excluída a possibilidade de o mutuante invocar, no âmbito de um contrato de crédito aos consumidores, o abuso de direito no exercício do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 2008/48/CE

a)

quando uma das informações a mencionar nos termos do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48] não foi devidamente incluída no contrato de crédito nem foi prestada posteriormente de forma adequada e, por conseguinte, o prazo para a retratação ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2008/48] ainda não começou a correr?

b)

[em caso de resposta negativa à questão a) anterior]:

quando o exercício abusivo do direito se baseia essencialmente no tempo decorrido desde a celebração do contrato e/ou no cumprimento integral do contrato por ambas as partes e/ou na disposição do mutuante sobre o valor do empréstimo recuperado ou na restituição de seguros de crédito e/ou (no caso de um contrato de compra e venda associado ao contrato de crédito) na utilização ou na alienação do bem objeto do financiamento por parte do consumidor, mas o consumidor, no período em questão e quando ocorreram as circunstâncias relevantes, ignorava que o seu direito de retratação se mantinha e esta falta de conhecimento não lhe é imputável e o mutuante também não podia presumir que o consumidor tinha conhecimento de tal facto?»

63

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de dezembro de 2020, os processos C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20 foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

64

Na medida em que certas questões nos processos C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20 são semelhantes ou idênticas, devem ser analisadas em conjunto.

Quanto à primeira questão no processo C‑187/20

65

Com a sua primeira questão no processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, alíneas a), c) e e), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que, quando for o caso, o contrato de crédito deve indicar de forma clara e concisa que se trata de um «contrato de crédito ligado», na aceção do artigo 3.o, alínea n), desta diretiva, e que esse contrato é celebrado por tempo determinado.

66

A este respeito, importa recordar que o artigo 3.o, alínea n), da Diretiva 2008/48 define o conceito de «contratos de crédito ligado» da seguinte forma: «o crédito em questão serve exclusivamente para financiar um contrato de fornecimento de bens ou de prestação de um serviço específico e; […] estes dois contratos constituem uma unidade comercial de um ponto de vista objetivo; considera‑se que existe uma unidade comercial […] quando o mutuante recorrer aos serviços do fornecedor ou prestador de serviços para preparar ou celebrar o contrato de crédito ou caso os bens específicos ou a prestação de um serviço específico estejam expressamente previstos no contrato de crédito».

67

No processo C‑187/20, resulta da decisão de reenvio que os mutuantes recorreram aos serviços dos vendedores E e F para a preparação e celebração dos contratos em causa neste processo e que o crédito concedido nos termos desses contratos se destinava exclusivamente a financiar o fornecimento de veículos para uso privado. Por conseguinte, esses contratos devem ser considerados «contratos de crédito ligados», na aceção do artigo 3.o, alínea n), da Diretiva 2008/48.

68

Além disso, como resulta da decisão de reenvio, os contratos em causa no processo C‑187/20 foram celebrados por tempo determinado.

69

A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, alíneas a), c) e e), da Diretiva 2008/48, o tipo de crédito deve mencionar, de forma clara e concisa, o tipo de contrato, a duração do contrato de crédito e se o crédito é concedido sob a forma de um prazo de pagamento para um bem ou serviço específico ou, no caso dos contratos de crédito ligados, o respetivo preço a pronto.

70

Como resulta do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, lido à luz do seu considerando 31, o requisito que consiste em especificar, num contrato de crédito estabelecido em papel ou noutro suporte duradouro, toda a informação referida por esta disposição, de forma clara e concisa, é necessário para que o consumidor possa conhecer os seus direitos e as suas obrigações (Acórdão de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis, C‑66/19, EU:C:2020:242, n.o 35 e jurisprudência referida).

71

O conhecimento e uma boa compreensão, por parte do consumidor, dos elementos que o contrato de crédito deve obrigatoriamente conter, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, são necessários para a boa execução desse contrato (Acórdão de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis, C‑66/19, EU:C:2020:242, n.o 45).

72

Este requisito contribui para a realização do objetivo prosseguido pela Diretiva 2008/48, que consiste em prever, em matéria de crédito aos consumidores, uma harmonização plena e imperativa em determinados domínios‑chave, a qual é considerada necessária para assegurar a todos os consumidores da União um nível elevado e equivalente de proteção dos seus interesses e para facilitar a emergência de um mercado interno eficaz em matéria de crédito ao consumo (Acórdão de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis, C‑66/19, EU:C:2020:242, n.o 36 e jurisprudência referida).

73

Ora, a informação segundo a qual, por um lado, o contrato em causa constitui um «contrato de crédito ligado», na aceção do artigo 3.o, alínea n), da Diretiva 2008/48, e, por outro, esse contrato é celebrado por tempo determinado reveste, para o consumidor, uma importância fundamental que lhe permite conhecer realmente os seus direitos e obrigações.

74

Por conseguinte, há que responder à primeira questão no processo C‑187/20, que o artigo 10.o, n.o 2, alíneas a), c) e e), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que, quando for o caso, o contrato de crédito deve indicar de forma clara e concisa que se trata de um «contrato de crédito ligado», na aceção do artigo 3.o, alínea n), desta diretiva, e que esse contrato é celebrado por tempo determinado.

Quanto à segunda questão no processo C‑187/20

75

Com a sua segunda questão no processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que exige que um «contrato de crédito ligado», na aceção do artigo 3.o, alínea n), desta diretiva, que serve exclusivamente para financiar um contrato relativo à entrega de um bem e que prevê que o montante do crédito é pago ao vendedor desse bem, mencione que o consumidor fica exonerado da sua obrigação de pagar o preço de venda até ao limite do montante pago e que o vendedor, na medida em que o preço de venda tenha sido integralmente pago, lhe deve entregar o bem comprado.

76

A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, o contrato de crédito deve especificar, de forma clara e concisa, o montante total do crédito e as condições de levantamento e se o crédito é concedido sob a forma de pagamento diferido para um bem ou serviço específicos ou dos contratos de crédito ligados, o bem ou serviço em causa, bem como o respetivo preço a pronto.

77

Quanto aos requisitos formais relativos aos «contratos de crédito ligados» na aceção do artigo 3.o, alínea n), da Diretiva 2008/48, o artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva exige apenas que o contrato de crédito mencione o bem ou o serviço em causa e o seu preço a pronto.

78

Embora o artigo 10.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2008/48 preveja que o montante total do crédito e as condições de levantamento devem imperativamente ser mencionados no contrato de crédito, nenhuma disposição desta exige que esse contrato mencione as consequências desse levantamento no que se refere à relação contratual entre o consumidor e o vendedor do bem ou do serviço financiado pelo crédito.

79

No entanto, o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 não se opõe a que, por comum acordo, as partes no contrato de crédito especifiquem as consequências no contrato.

80

Nestas condições, há que responder à segunda questão no processo C‑187/20, que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que não exige que um «contrato de crédito ligado», na aceção do artigo 3.o, alínea n), desta diretiva, que serve exclusivamente para financiar um contrato relativo ao fornecimento de um bem e que prevê que o montante do crédito é pago ao vendedor desse bem, mencione que o consumidor fica exonerado da sua obrigação de pagamento do preço de venda até ao limite do montante pago e que o vendedor, na medida em que o preço de venda tenha sido integralmente pago, lhe deve entregar o bem comprado.

Quanto à primeira questão nos processos C‑33/20 e C‑155/20 e à terceira questão no processo C‑187/20

81

Com a sua primeira questão nos processos C‑33/20 e C‑155/20 e a sua terceira questão no processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve mencionar, sob a forma de percentagem concreta, a taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração do contrato de crédito e deve descrever concretamente o mecanismo de adaptação da taxa de juros de mora.

82

Importa recordar que, nos termos do artigo 10.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, o contrato de crédito deve ser estabelecido em papel ou noutro suporte duradouro. O artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da referida diretiva dispõe que o contrato de crédito deve especificar, de forma clara e concisa, a taxa de juro aplicável em caso de atraso de pagamento no momento da celebração do contrato de crédito e as regras para a respetiva adaptação dessa taxa, bem como, se for caso disso, os custos de incumprimento.

83

Resulta das decisões de reenvio que os contratos em causa em cada um dos litígios nos processos principais especificavam que a taxa anual dos juros de mora era de «cinco pontos percentuais sobre a respetiva taxa de juro base». Resulta igualmente dessas decisões de reenvio que o documento intitulado «Informação Normalizada Europeia em matéria de Crédito aos Consumidores», que foi fornecido aos consumidores nesses processos, especificava que «a taxa anual dos juros de mora é de cinco pontos percentuais sobre a respetiva taxa de juro base. A taxa de juro de base é determinada pelo Banco Federal Alemão e fixada, respetivamente, em 1 de janeiro e 1 de julho de cada ano». No entanto, como resulta das referidas decisões, o referido documento não fazia parte integrante desses contratos. Apenas o contrato em causa no processo C‑187/20, celebrado entre JL e BMW Bank previa expressamente que «a taxa de juro de base é fixada, respetivamente, em 1 de janeiro e 1 de julho de cada ano e o Banco Federal Alemão publica‑o no Bundesanzeiger».

84

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora o contrato de crédito não tenha necessariamente de ser elaborado num único documento, não é menos verdade que toda a informação mencionada no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 deve ser estabelecida em papel ou noutro suporte duradouro (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 45 e dispositivo).

85

Na medida em que a informação referida no artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva deve ser especificada de forma clara e concisa, é necessário que o contrato de crédito contenha uma remissão clara e precisa para os restantes suportes em papel ou para os outros suportes duradouros que contenham essa informação, efetivamente disponibilizados ao consumidor antes da celebração do contrato, de maneira a permitir‑lhe conhecer realmente todos os seus direitos e as suas obrigações (Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 34).

86

Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se é esse o caso nos processos principais.

87

No que diz respeito à interpretação do artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48, há que observar que a redação desta disposição exige a menção, no contrato de crédito, da taxa de juro aplicável em caso de atraso de pagamento num dado momento, a saber, o da celebração desse contrato. Além disso, no que se refere à alteração dessa taxa após a celebração do referido contrato, esta disposição prevê a obrigação de mencionar as regras de adaptação da referida taxa.

88

Como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 57 a 60 das suas conclusões, resulta da redação do artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48, que o contrato de crédito deve mencionar a taxa de juro aplicável em caso de atraso de pagamento, aplicável no momento da celebração do contrato, de forma concreta, sob a forma de percentagem, e não apenas a definição dessa taxa ou a fórmula de cálculo utilizada para esse efeito.

89

No que se refere à economia geral desta diretiva, resulta da definição da taxa anual de encargos efetiva global, da taxa devedora e da taxa devedora fixa, que figuram no artigo 3.o da referida diretiva, que estes diferentes tipos de taxa devem ser expressos em percentagem.

90

No que diz respeito aos objetivos da mesma diretiva e, mais concretamente, do seu artigo 10.o, como foi recordado no n.o 70 do presente acórdão, o requisito que consiste em mencionar, num contrato de crédito, de forma clara e concisa, a informação visada por esta disposição é necessário para que o consumidor possa conhecer os seus direitos e obrigações.

91

Ora, quando um contrato celebrado por um consumidor remeta para certas disposições de direito nacional no que se refere à informação cuja menção é exigida ao abrigo do artigo 10.o da Diretiva 2008/48, o consumidor não está em condições, com base no contrato, de determinar a extensão do seu compromisso contratual (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis, C‑66/19, EU:C:2020:242, n.o 44).

92

Como salientou o advogado‑geral no n.o 64 das suas conclusões, a obrigação de indicar, no contrato de crédito, a taxa de juros de mora concreta, expressa em percentagem, permite ao consumidor conhecer as consequências do seu eventual atraso de pagamento.

93

Uma vez que a taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração do contrato de crédito é uma informação numérica, o que não será o caso quando se trata de uma taxa de juro variável, esta primeira taxa deve ser indicada de forma concreta no contrato de crédito, sob a forma de percentagem.

94

No que diz respeito à obrigação — prevista no artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48, de indicar no contrato de crédito, de forma clara e concisa, as regras de adaptação da taxa de juro aplicável em caso de atraso no pagamento, no caso de, como nos processos principais, as partes no contrato de crédito em questão terem acordado que a taxa de juros de mora será alterada em função da alteração da taxa de juros de base determinada pelo banco central de um Estado‑Membro e publicada no jornal oficial deste Estado‑Membro que é facilmente consultável —, uma referência, feita nesse contrato, à referida taxa de juros de base pode permitir ao consumidor médio razoavelmente atento e bem informado conhecer e compreender o mecanismo de alteração dessa taxa de juros de mora, desde que o método de cálculo desta última seja apresentado no referido contrato. A este respeito, devem ser cumpridos dois pressupostos. Primeiro, a apresentação deste método de cálculo deve ser facilmente compreensível para um consumidor médio que não disponha de conhecimentos especializados no domínio das finanças e essa apresentação deve permitir‑lhe calcular a taxa de juros de mora com base nas informações fornecidas no contrato de crédito. Segundo, a frequência da alteração dessa taxa de juros de base, que é determinada pelas disposições nacionais, também deve ser estabelecida nesse contrato (v., por analogia, Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 53).

95

Por conseguinte, há que responder à primeira questão nos processos C‑33/20 e C‑155/20 e à terceira questão no processo C‑187/20 que o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve mencionar, sob a forma de percentagem concreta, a taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração desse contrato e deve descrever de forma concreta o mecanismo de adaptação da taxa de juros de mora. No caso de as partes no contrato do crédito em questão terem acordado que a taxa de juros de mora será alterada em função da alteração da taxa de juros de base determinada pelo banco central de um Estado‑Membro e publicada num jornal oficial facilmente consultável, uma remissão feita nesse contrato para a referida taxa de juros de base é suficiente, desde que o método de cálculo da taxa de juros de mora em função da taxa de juros de base seja apresentado no referido contrato. A este respeito, devem ser cumpridos dois pressupostos. Em primeiro lugar, a apresentação deste método de cálculo deve ser facilmente compreensível para um consumidor médio que não disponha de conhecimentos especializados no domínio das finanças e deve permitir‑lhe calcular a taxa de juros de mora com base nas informações fornecidas no mesmo contrato. Em segundo lugar, a frequência da alteração da referida taxa de juros de base, que é determinada pelas disposições nacionais, deve ser igualmente apresentada no contrato de crédito em questão.

Quanto à segunda questão nos processos C‑33/20 e C‑155/20 e à quarta questão no processo C‑187/20

96

Com a sua segunda questão nos processos C‑33/20 e C‑155/20 e a sua quarta questão no processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve, para o cálculo da indemnização devida em caso de reembolso antecipado do empréstimo, indicar uma fórmula aritmética concreta e compreensível para o consumidor, de modo a que este possa calcular o montante da indemnização devida em caso de reembolso antecipado.

97

Para responder a estas questões, importa recordar que, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48, o contrato de crédito deve mencionar, de forma clara e concisa, «o direito de reembolso antecipado, o procedimento a seguir em caso de reembolso antecipado e, se for caso disso, informações sobre o direito do mutuante a uma indemnização e a forma de determinar essa indemnização».

98

No caso em apreço, resulta das decisões de reenvio que os contratos de crédito em causa no processo principal preveem que «o banco calculará a perda em conformidade com o quadro aritmético financeiro previsto pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal)».

99

A este respeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, no caso de a Diretiva 2008/48 prever a obrigação de o profissional dar a conhecer ao consumidor o conteúdo do compromisso contratual que lhe é proposto de que certos elementos são determinados pelas disposições legislativas ou regulamentares imperativas de um Estado‑Membro, esse profissional deve informar de forma clara e concisa esse consumidor do conteúdo das referidas disposições para que este possa conhecer os seus direitos e obrigações (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis, C‑66/19, EU:C:2020:242, n.o 46 e jurisprudência referida).

100

Embora não seja necessário, para esse efeito, no que se refere à indemnização devida em caso de reembolso antecipado prevista no artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48, que o contrato de crédito precise uma fórmula aritmética para cálculo dessa indemnização, deve, não obstante, indicar o método de cálculo desta última de forma concreta e facilmente compreensível para um consumidor médio, de modo a que este possa determinar o montante da indemnização devida em caso de reembolso antecipado com base nas informações fornecidas no contrato de crédito.

101

Ora, uma simples remissão, para efeitos do cálculo da indemnização devida em caso de reembolso antecipado do empréstimo, para o quadro aritmético financeiro previsto por um órgão jurisdicional nacional, no presente processo pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal), não corresponde à exigência, recordada no n.o 99 do presente acórdão, de levar ao conhecimento do consumidor o conteúdo do seu compromisso contratual.

102

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão nos processos C‑33/20 e C‑155/20 e à quarta questão no processo C‑187/20 que o artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve, para o cálculo da indemnização devida em caso de reembolso antecipado do empréstimo, indicar o método de cálculo dessa indemnização de forma concreta e facilmente compreensível para um consumidor médio, de modo a que este possa determinar o montante da indemnização devida em caso de reembolso antecipado com base nas informações fornecidas neste contrato.

Quanto à terceira questão nos processos C‑33/20 e C‑155/20 e à quinta questão no processo C‑187/20

103

Com a sua terceira questão nos processos C‑33/20 e C‑155/20 e a sua quinta questão no processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve mencionar todas as situações em que é reconhecido um direito de rescisão às partes no contrato de crédito pela regulamentação nacional, como o direito de rescisão por justa causa do mutuário, e se esse contrato deve mencionar o prazo e a forma da declaração de rescisão em cada uma dessas situações.

104

A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da Diretiva 2008/48, o contrato de crédito deve especificar, de forma clara e concisa, «o procedimento a seguir para exercer o direito de resolução do contrato de crédito».

105

Além disso, o artigo 13.o desta diretiva prevê as condições em que o consumidor e o mutuante podem rescindir o contrato de crédito celebrado por tempo indeterminado, especificando‑se que a referida diretiva não concede nenhum direito de rescisão no que respeita aos contratos celebrados por tempo determinado. Nestas condições, a referência ao «direito de resolução», que figura no artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da Diretiva 2008/48, deve ser interpretada no sentido de que visa o direito de resolução previsto no artigo 13.o desta diretiva.

106

Daqui resulta que a Diretiva 2008/48 não prevê nenhuma obrigação de incluir no contrato de crédito qualquer informação sobre o direito de rescisão dos contratos de crédito celebrados por tempo determinado.

107

Como resulta das decisões de reenvio nos litígios no processo principal, os contratos em causa nestes últimos foram celebrados por tempo determinado.

108

A este respeito, importa recordar que, em matéria de contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48, os Estados‑Membros não podem impor às partes no contrato obrigações que não estejam previstas por esta diretiva quando esta contenha disposições harmonizadas na matéria visada por essas obrigações (Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 55).

109

Ora, o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 procede a essa harmonização no que diz respeito à informação que deve obrigatoriamente constar do contrato de crédito (Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 56).

110

É certo que um Estado‑Membro pode prever, na sua legislação nacional, a possibilidade de rescindir os contratos de crédito celebrados por tempo determinado. No entanto, o artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da Diretiva 2008/48 e o seu artigo 13.o, lidos em conjugação com o artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva, opõem‑se a que a legislação de um Estado‑Membro preveja a obrigação de mencionar, nesse contrato de crédito, uma informação relativa ao direito de resolução previsto, não pela Diretiva 2008/48, mas apenas por essa legislação nacional.

111

No entanto, a Diretiva 2008/48 não se opõe a que as partes no contrato de crédito, que tenham decidido, por acordo, prever um direito de resolução desse contrato fora dos casos referidos no seu artigo 13.o, mencionem esse direito no referido contrato (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.os 57 e 58).

112

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à terceira questão nos processos C‑33/20 e C‑155/20 e à quinta questão no processo C‑187/20 que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que não exige que o contrato de crédito mencione todas as situações em que um direito de resolução é reconhecido às partes no contrato de crédito, não por esta diretiva, mas apenas pela legislação nacional.

Quanto à quarta questão no processo C‑155/20 e à sétima questão no processo C‑187/20

113

Com a sua quarta questão no processo C‑155/20 e a sua sétima questão no processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2008/48 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que o mutuante invoque a caducidade do direito quando o consumidor exerce o seu direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, no caso de uma das menções obrigatórias previstas no artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva não figurar no contrato de crédito nem tiver sido devidamente comunicada numa fase posterior, e de o consumidor não ter conhecimento da existência do seu direito de retratação, sem ser responsável por esse desconhecimento.

114

Para responder a estas questões, importa recordar que, conforme resulta do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48, o prazo de retratação de 14 dias só começa a contar quando as informações a que se refere o artigo 10.o desta diretiva tiverem sido transmitidas ao consumidor, se essa data for posterior à data da celebração do contrato de crédito. O referido artigo 10.o enumera as informações que devem ser mencionadas nos contratos de crédito.

115

Como resulta do n.o 108 do presente acórdão, no que diz respeito aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48, os Estados‑Membros não podem impor às partes no contrato obrigações que não estejam previstas nesta diretiva sempre que esta contenha disposições harmonizadas na matéria visada por essas obrigações.

116

Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 101 das suas conclusões, os requisitos temporais relativos ao exercício, pelo consumidor, do seu direito de retratação, estão abrangidos pela harmonização operada pelo artigo 14.o da Diretiva 2008/48.

117

Por conseguinte, uma vez que a Diretiva 2008/48 não prevê nenhuma limitação temporal do exercício, pelo consumidor, do seu direito de retratação no caso de as referidas informações não lhe tiverem sido transmitidas, essa limitação não pode ser imposta pela legislação nacional de um Estado‑Membro.

118

Por conseguinte, há que responder à quarta questão no processo C‑155/20 e à sétima questão no processo C‑187/20 que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o mutuante invoque a caducidade do direito quando o consumidor exerce o seu direito de retratação nos termos desta disposição, no caso de uma das menções obrigatórias previstas no artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva não figurar no contrato de crédito nem tiver sido devidamente comunicada numa fase posterior, independentemente da questão de saber se o consumidor não tinha conhecimento da existência do seu direito de retratação, sem ser responsável por esse desconhecimento.

Quanto à quinta questão no processo C‑155/20 e à oitava questão no processo C‑187/20

119

Com a sua quinta questão no processo C‑155/20 e a oitava questão no processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2008/48 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que o mutuante possa validamente considerar que o consumidor cometeu um abuso do seu direito de retratação, previsto no artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, quando, por um lado, uma das menções obrigatórias previstas no artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva não figurar no contrato de crédito nem ter sido devidamente comunicada numa fase posterior, e, por outro, o consumidor não tiver tido conhecimento da existência do seu direito de retratação, não sendo responsável por esse desconhecimento.

120

Para responder a estas questões, há que declarar que a Diretiva 2008/48 não contém disposições que regulem a questão do abuso, pelo consumidor, dos seus direitos que esta diretiva lhe confere.

121

Contudo, há que verificar se o exercício, pelo consumidor, do seu direito de retratação, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, não está limitado em consequência da aplicação, no caso em apreço, do princípio geral do direito da União segundo o qual os particulares não podem invocar de forma fraudulenta ou abusiva as normas deste direito.

122

Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a prova de uma prática abusiva requer, por um lado, um conjunto de circunstâncias objetivas das quais resulte que, apesar do preenchimento formal dos requisitos previstos na regulamentação da União, o objetivo prosseguido por essa regulamentação não foi alcançado e, por outro, um elemento subjetivo que consiste na vontade de obter uma vantagem resultante da regulamentação da União, através da criação artificial dos requisitos exigidos para a sua obtenção (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark, C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.o 97 e jurisprudência referida).

123

Quanto ao objetivo prosseguido pelo artigo 14.o da Diretiva 2008/48, importa observar, por um lado, que consiste em permitir ao consumidor escolher o contrato que melhor se adapta às suas necessidades e, por conseguinte, renunciar aos efeitos de um contrato que, após a sua celebração, se demonstre, no período de reflexão previsto para o exercício do direito de retratação, inadequado a esse consumidor (v., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Rust‑Hackner e o., C‑355/18 a C‑357/18 e C‑479/18, EU:C:2019:1123, n.o 101).

124

Por outro lado, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 117 e 118 das suas conclusões, o objetivo do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48 é assegurar que o consumidor receba todas as informações necessárias para apreciar o alcance do seu compromisso contratual e penalizar o mutuante que não lhe transmite as informações previstas no artigo 10.o desta diretiva.

125

Com efeito, as sanções previstas nas diretivas da União no domínio da defesa do consumidor destinam‑se a dissuadir o comerciante de infringir as obrigações que lhe incumbem, em conformidade com as disposições das referidas diretivas, em relação ao consumidor (v., por analogia, Acórdãos de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.o 84, e de 25 de novembro de 2020, Banca B., C‑269/19, EU:C:2020:954, n.os 34 e 38).

126

Por conseguinte, quando o profissional não transmitiu ao consumidor as informações referidas no artigo 10.o da Diretiva 2008/48, e este último decide rescindir o contrato de crédito depois dos catorze dias seguintes à celebração deste, esse profissional não pode acusar o referido consumidor de ter cometido um abuso do seu direito de retratação, ainda que o tempo decorrido entre a celebração desse contrato e a retratação pelo consumidor seja considerável.

127

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à quinta questão no processo C‑155/20 e à oitava questão no processo C‑187/20 que a Diretiva 2008/48 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que o mutuante possa validamente considerar que o consumidor cometeu um abuso do seu direito de retratação, previsto no artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, quando uma das menções obrigatórias previstas no artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva não figurar no contrato de crédito nem tiver sido devidamente comunicada numa fase posterior, independentemente da questão de saber se esse consumidor não tinha conhecimento da existência do seu direito de retratação.

Quanto à sexta questão no processo C‑187/20

128

Com a sua sexta questão no processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve indicar os requisitos formais essenciais a que está sujeita a instauração de um processo extrajudicial de reclamação ou de recurso ou se é suficiente que esse contrato remeta, a este respeito, para um regulamento de processo consultável na Internet.

129

A este respeito, o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 dispõe que o contrato de crédito deve especificar, de forma clara e concisa, «a existência ou inexistência de processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis ao consumidor e, quando existam, o respetivo modo de acesso».

130

Segundo jurisprudência constante, para efeitos da interpretação das disposições do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 25 de junho de 2020, Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände, C‑380/19, EU:C:2020:498, n.o 25 e jurisprudência referida).

131

No que diz respeito ao contexto em que o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 se inscreve, importa salientar que o artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva precisa que a informação visada por esta disposição, incluindo as modalidades de acesso aos processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis ao consumidor, deve ser mencionada de forma clara e concisa.

132

Daqui resulta que a informação constante do contrato de crédito a este respeito deve ser suficientemente clara e completa para permitir aos consumidores apresentar essa queixa ou esse recurso, mas não deve reproduzir todas as regras processuais relativas a esses processos.

133

No que se refere ao objetivo do artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48, há que observar que esta disposição visa assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores, assegurando que estes possam, voluntariamente, apresentar queixas ou recursos contra os mutuantes junto de entidades que aplicam procedimentos de resolução alternativa de litígios (v., por analogia, Acórdão de 25 de junho de 2020, Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände, C‑380/19, EU:C:2020:498, n.o 26).

134

A fim de poder utilizar essa possibilidade, os consumidores devem ser informados dos mecanismos de recurso alternativo existentes. A este respeito, quando ocorre um litígio, é necessário que os consumidores sejam capazes de identificar rapidamente as entidades competentes de resolução alternativa de litígios para tratar a sua queixa e de saber se o comerciante em causa participará num procedimento submetido a essa entidade (v., por analogia, Acórdão de 25 de junho de 2020, Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände, C‑380/19, EU:C:2020:498, n.o 27).

135

O artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 visa assim assegurar, por um lado, que o consumidor possa decidir, com pleno conhecimento dos factos, se é oportuno, para ele, recorrer a um dos processos extrajudiciais de reclamação e de recurso e, por outro, que esteja efetivamente em condições de apresentar essa queixa ou esse recurso com base nas informações constantes do contrato de crédito.

136

Como indicou o advogado‑geral no n.o 94 das suas conclusões, para o efeito, é essencial que o consumidor esteja informado, primeiro, sobre todos os processos extrajudiciais de reclamação ou de recurso acessíveis, e, se for caso disso, do custo de cada um destes, do facto de que a reclamação ou o recurso deverem ser apresentados ou interpostos por mensagem de correio ou em suporte eletrónico, terceiro, do endereço físico ou eletrónico para onde a reclamação ou o recurso devem ser remetidos e, quarto, dos requisitos formais que devem ser respeitados.

137

Quanto às informações referidas no número anterior, uma simples remissão, feita no contrato de crédito, para um regulamento de processo consultável na Internet ou para outro ato ou documento relativo às modalidades dos processos extrajudiciais de reclamação e de recurso não é suficiente (v., por analogia, Acórdão de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis, C‑66/19, EU:C:2020:242, n.o 47 e jurisprudência referida).

138

Atendendo ao conjunto das considerações precedentes, há que responder à sexta questão no processo C‑187/20, que o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve mencionar as informações essenciais relativas a todos os processos extrajudiciais de reclamação ou de recurso acessíveis ao consumidor e, se for caso disso, o custo de cada um desses processos, o facto de a reclamação ou o recurso dever ser apresentado por mensagem de correio ou em suporte eletrónico, o endereço físico ou eletrónico para o qual tal reclamação ou recurso devem ser remetidos e outros requisitos formais a que estão sujeitos a reclamação ou o recurso. No que se refere a estas informações, não basta uma simples remissão, feita no contrato de crédito, para um regulamento de processo consultável na Internet ou para outro ato ou documento relativo às regras dos processos extrajudiciais de reclamação e de recurso.

Quanto às despesas

139

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

1)

O artigo 10.o, n.o 2, alíneas a), c) e e), da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que, quando for o caso, o contrato de crédito deve indicar, de forma clara e concisa, que se trata de um «contrato de crédito ligado», na aceção do artigo 3.o, alínea n), desta diretiva, e que esse contrato é celebrado por tempo determinado.

 

2)

O artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que não exige que um «contrato de crédito ligado», na aceção do artigo 3.o, alínea n), desta diretiva, que serve exclusivamente para financiar um contrato relativo ao fornecimento de um bem e que prevê que o montante do crédito é pago ao vendedor desse bem, mencione que o consumidor fica liberado da sua obrigação de pagar o preço de venda até ao limite do montante pago e que o vendedor, na medida em que o preço de venda tenha sido integralmente pago, lhe deve entregar o bem comprado.

 

3)

O artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve mencionar, sob a forma de percentagem concreta, a taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração desse contrato e deve descrever de forma concreta o mecanismo de adaptação da taxa de juros de mora. No caso de as partes no contrato do crédito em questão terem acordado que a taxa de juros de mora será alterada em função da alteração da taxa de juros de base determinada pelo banco central de um Estado‑Membro e publicada num jornal oficial facilmente consultável, uma remissão feita nesse contrato para a referida taxa de juros de base é suficiente, desde que o método de cálculo da taxa de juros de mora em função da taxa de juros de base seja apresentado no referido contrato. A este respeito, devem ser cumpridos dois pressupostos. Em primeiro lugar, a apresentação desse método de cálculo deve ser facilmente compreensível para um consumidor médio que não disponha de conhecimentos especializados no domínio das finanças e deve permitir‑lhe calcular a taxa de juros de mora com base nas informações fornecidas no mesmo contrato. Em segundo lugar, a frequência da alteração da referida taxa de juros de base, que é determinada pelas disposições nacionais, deve ser igualmente apresentada no contrato de crédito em questão.

 

4)

O artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve, para o cálculo da indemnização devida em caso de reembolso antecipado do empréstimo, indicar o método de cálculo dessa indemnização de uma forma concreta e facilmente compreensível para um consumidor médio, de maneira a que este possa determinar o montante da indemnização devida em caso de reembolso antecipado com base nas informações fornecidas nesse contrato.

 

5)

O artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que não exige que o contrato de crédito mencione todas as situações em que é reconhecido um direito de resolução às partes no contrato de crédito, não por esta diretiva, mas apenas pela sua legislação nacional.

 

6)

O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o mutuante invoque a caducidade do direito quando o consumidor exerce o seu direito de retratação nos termos desta disposição, no caso de uma das menções obrigatórias previstas no artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva não figurar no contrato de crédito nem tiver sido devidamente comunicada numa fase posterior, independentemente da questão de saber se esse consumidor não tinha conhecimento da existência do seu direito de retratação, sem ser responsável por esse desconhecimento.

 

7)

A Diretiva 2008/48 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que o mutuante possa validamente considerar que o consumidor cometeu um abuso do seu direito de retratação, previsto no artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, quando uma das menções obrigatórias previstas no artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva não figurar no contrato de crédito nem tiver sido devidamente comunicada numa fase posterior, independentemente da questão de saber se esse consumidor não tinha conhecimento da existência do seu direito de retratação.

 

8)

O artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve mencionar as informações essenciais relativas a todos os processos extrajudiciais de reclamação ou de recurso acessíveis ao consumidor, e, se for caso disso, o custo de cada um desses processos, o facto de a reclamação ou o recurso dever ser apresentado por mensagem de correio ou em suporte eletrónico, o endereço físico ou eletrónico para o qual tal reclamação ou recurso devem ser remetidos e outros requisitos formais a que estão sujeitos a reclamação ou o recurso. No que se refere a estas informações, não basta uma simples remissão, feita no contrato de crédito, para um regulamento de processo consultável na Internet ou para outro ato ou documento relativo às regras dos processos extrajudiciais de reclamação e de recurso.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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