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Document 62020CJ0006

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 20 de maio de 2021.
    Sotsiaalministeerium contra Riigi Tugiteenuste Keskus.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tallinna Ringkonnakohus.
    Reenvio prejudicial — Contratos públicos de fornecimento — Diretiva 2004/18/CE — Artigos 2.o e 46.o — Projeto financiado pelo Fundo Europeu de Apoio aos mais desfavorecidos — Critérios de seleção dos proponentes — Regulamento (CE) n.o 852/2004 — Artigo 6.o — Exigência de registo ou autorização emitida pela autoridade nacional de segurança alimentar do Estado de execução do contrato.
    Processo C-6/20.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:402

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    20 de maio de 2021 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Contratos públicos de fornecimento — Diretiva 2004/18/CE — Artigos 2.o e 46.o — Projeto financiado pelo Fundo Europeu de Apoio aos mais desfavorecidos — Critérios de seleção dos proponentes — Regulamento (CE) n.o 852/2004 — Artigo 6.o — Exigência de registo ou autorização emitida pela autoridade nacional de segurança alimentar do Estado de execução do contrato»

    No processo C‑6/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Taline, Estónia), por Decisão de 19 de dezembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de janeiro de 2020, no processo

    Sotsiaalministeerium

    contra

    Riigi Tugiteenuste Keskus, anteriormente Innove SA,

    sendo interveniente:

    Rahandusministeerium,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: M. Vilaras, presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby (relator), S. Rodin e K. Jürimäe, juízes,

    advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    considerando as observações apresentadas:

    em representação do Governo estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por P. Ondrůšek, W. Farrell, L. Haasbeek e E. Randvere, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de janeiro de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.o e 46.o da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114; retificação no JO 2004, L 351, p. 44), bem como o princípio da proteção da confiança legítima.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Sotsiaalministeerium (Ministério dos Assuntos Sociais, Estónia) à Riigi Tugiteenuste Keskus (Centro de Serviços Partilhados do Estado, Estónia), anteriormente Innove SA, a propósito da decisão de correção financeira pela qual esta última indeferiu alguns pedidos de pagamento apresentados por este ministério no âmbito de um projeto de compra e de distribuição de ajuda alimentar às pessoas mais carenciadas.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 2004/18

    3

    O considerando 42 da Diretiva 2004/18 enuncia:

    «As regras comunitárias em matéria de reconhecimento mútuo de diplomas, certificados ou outros títulos de qualificação formal são aplicáveis sempre que for necessário fazer prova de uma determinada qualificação para poder participar num processo de adjudicação ou num concurso para trabalhos de conceção.»

    4

    Sob a epígrafe «Princípios de adjudicação dos contratos», o artigo 2.o desta diretiva dispõe:

    «As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

    5

    Sob a epígrafe «Condições de execução do contrato», o artigo 26.o da referida diretiva prevê:

    «As entidades adjudicantes podem fixar condições especiais de execução do contrato desde que as mesmas sejam compatíveis com o direito comunitário e sejam indicadas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos. [As condições] de execução de um contrato podem, designadamente, visar considerações de índole social e ambiental.»

    6

    O capítulo VII do título II da Diretiva 2004/18, intitulado «Evolução do processo», contém uma secção 1, intitulada «Disposições gerais». Esta é constituída apenas pelo artigo 44.o desta diretiva, sob a epígrafe «Verificação da aptidão, seleção dos participantes e adjudicação dos contratos», e que tem a seguinte redação:

    «1.   Os contratos são adjudicados com base nos critérios estabelecidos nos artigos 53.o e 55.o, tendo em conta o artigo 24.o, após verificada a aptidão dos operadores económicos não excluídos ao abrigo dos artigos 45.o e 46.o, pelas entidades adjudicantes de acordo com os critérios relativos à capacidade económica e financeira, aos conhecimentos ou capacidades profissionais e técnicos referidos nos artigos 47.o a 52.o e, eventualmente, com as regras e critérios não discriminatórios referidos no n.o 3.

    2.   As entidades adjudicantes poderão exigir níveis mínimos de capacidade que os candidatos e proponentes devem satisfazer nos termos dos artigos 47.o e 48.o

    O âmbito das informações referidas nos artigos 47.o e 48.o, bem como os níveis mínimos de capacidades exigidos para um determinado concurso, devem estar ligados e ser proporcionais ao objeto do contrato.

    Tais níveis mínimos serão indicados no anúncio do concurso.

    […]»

    7

    A secção 2 deste capítulo, intitulada «Critérios de seleção qualitativa», inclui os artigos 45.o a 52.o da referida diretiva.

    8

    Nos termos do artigo 46.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Habilitação para o exercício da atividade profissional»:

    «A qualquer operador económico que pretenda participar num procedimento de contratação pública pode ser solicitada, nos termos previstos no Estado‑Membro onde se encontre estabelecido, prova da sua inscrição num registo profissional ou comercial, ou a apresentação de uma declaração, feita sob juramento, ou de um certificado, tal como enumerados no anexo IX A para os contratos de empreitada de obras públicas, no anexo IX B para os contratos públicos de fornecimento e no anexo IX C para os contratos públicos de serviços.

    Nos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, se, para poderem executar o serviço em causa no seu país de origem, os candidatos ou os proponentes tiverem de possuir uma autorização especial ou ser membros de uma organização específica, a entidade adjudicante pode exigir‑lhes prova da posse dessa autorização ou da sua qualidade de membros da referida organização.»

    9

    Sob a epígrafe «Capacidade técnica e/ou profissional», o artigo 48.o da Diretiva 2004/18 prevê:

    «1.   A capacidade técnica e/ou profissional dos operadores económicos será avaliada e verificada de acordo com os n.os 2 e 3.

    2.   A capacidade técnica dos operadores económicos pode ser comprovada por um ou mais dos meios a seguir indicados, de acordo com a natureza, a quantidade ou a importância e a finalidade das obras, dos produtos ou dos serviços:

    […]

    d)

    Se os produtos a fornecer ou os serviços a prestar forem complexos ou se, a título excecional, se destinarem a um fim específico, um controlo efetuado pela entidade adjudicante ou, em seu nome, por um organismo oficial competente do país onde o fornecedor ou o prestador de serviços estiver estabelecido, sob reserva do acordo desse organismo; este controlo incidirá sobre a capacidade de produção do fornecedor ou sobre a capacidade técnica do prestador de serviços e, se necessário, sobre os meios de estudo e de investigação de que dispõe, bem como sobre as medidas que adota para controlar a qualidade;

    […]

    j)

    Relativamente aos produtos a fornecer:

    […]

    ii)

    certificados emitidos por institutos ou serviços oficiais de controlo da qualidade com competência reconhecida, que atestem a conformidade dos produtos, claramente identificada por referência a especificações ou normas.

    […]»

    10

    Nos termos do artigo 49.o desta diretiva, sob a epígrafe «Normas de garantia de qualidade»:

    «Caso exijam a apresentação de certificados emitidos por organismos independentes que atestem que o operador económico satisfaz determinadas normas de garantia de qualidade, as entidades adjudicantes devem remeter para sistemas de garantia de qualidade baseados em séries de normas europeias pertinentes e certificados por organismos que estejam em conformidade com as séries de normas europeias em matéria de certificação. As entidades adjudicantes reconhecerão os certificados equivalentes de organismos reconhecidos estabelecidos noutros Estados‑Membros e aceitarão ainda outras provas de medidas equivalentes de garantia da qualidade apresentadas pelos operadores económicos.»

    11

    O artigo 50.o da referida diretiva, que se refere às «[n]ormas de gestão ambiental», enuncia:

    «Caso as entidades adjudicantes, nos casos previstos na alínea f) do n.o 2 do artigo 48.o, exijam a apresentação de certificados emitidos por organismos independentes, que atestem que o operador económico respeita determinadas normas de gestão ambiental, essas entidades reportar‑se‑ão ao sistema comunitário de gestão ambiental e auditoria (EMAS) ou às normas de gestão ambiental baseadas nas normas europeias ou internacionais pertinentes certificadas por organismos conformes à legislação comunitária ou às normas europeias ou internacionais pertinentes respeitantes à certificação. As entidades adjudicantes deverão reconhecer certificados equivalentes de organismos estabelecidos noutros Estados‑Membros. Aceitarão igualmente outras provas de medidas de gestão ambiental equivalentes apresentadas pelos operadores económicos.»

    12

    O artigo 52.o da Diretiva 2004/18, sob a epígrafe «Listas oficiais de operadores económicos aprovados e certificação por organismos de direito público ou privado», dispõe:

    «1.   Os Estados‑Membros podem instituir listas oficiais de empreiteiros, fornecedores ou prestadores de serviços aprovados ou uma certificação por organismos de certificação públicos ou privados.

    Os Estados‑Membros devem adaptar as condições de inscrição nestas listas, assim como as condições para a emissão de certificados pelos organismos de certificação, ao n.o 1 e às alíneas a) a d) e g) do n.o 2 do artigo 45.o, ao artigo 46.o, aos n.os 1, 4 e 5 do artigo 47.o, aos n.os 1, 2, 5 e 6 do artigo 48.o, ao artigo 49.o e, eventualmente, ao artigo 50.o

    […]

    2.   Os operadores económicos que estejam inscritos nas listas oficiais ou que disponham de um certificado podem apresentar à entidade adjudicante, para cada contrato, um certificado de inscrição passado pela entidade competente ou o certificado emitido pelo organismo competente de certificação. Estes certificados indicarão as referências que permitiram a sua inscrição na lista/certificação e a classificação que nesta lhes é atribuída.

    3.   A inscrição em listas oficiais comprovada pelas entidades competentes ou o certificado emitido por um organismo de certificação não constituirão uma presunção de aptidão para as entidades adjudicantes dos outros Estados‑Membros, a não ser relativamente ao n.o 1 e às alíneas a) a d) e g) do n.o 2 do artigo 45.o, ao artigo 46.o, às alíneas b) e c) do n.o 1 do artigo 47.o e ao artigo 48.o, n.o 2, alínea a), subalínea i), e alíneas b), e), g) e h), para os empreiteiros, ao artigo 48.o, n.o 2, alínea a), subalínea ii), e alíneas b), c), d) e j), para os fornecedores, e ao artigo 48.o, n.o 2, alínea a), subalínea ii), e alíneas c) a i), para os prestadores de serviços.

    4.   As informações suscetíveis de ser retiradas da inscrição em lista oficial ou da certificação não podem ser contestadas sem justificação. No que diz respeito ao pagamento das contribuições para a segurança social e ao pagamento de contribuições e impostos, pode ser exigido um certificado suplementar a cada operador económico inscrito para cada contrato.

    As entidades adjudicantes de outros Estados‑Membros aplicarão o n.o 3 e no primeiro parágrafo do presente número apenas em favor dos operadores económicos estabelecidos no Estado‑Membro que elaborou a lista oficial.

    5.   Para a inscrição de operadores económicos de outros Estados‑Membros numa lista oficial ou para a sua certificação pelos organismos referidos no n.o 1 não pode ser exigida nenhuma prova ou declaração para além das exigidas aos operadores económicos nacionais e em caso algum poderá ser exigido qualquer elemento para além dos previstos nos artigos 45.o a 49.o e, eventualmente, no artigo 50.o

    Contudo, essa inscrição ou certificação não pode ser imposta aos operadores dos outros Estados‑Membros com vista à sua participação num concurso público. As entidades adjudicantes reconhecem os certificados equivalentes dos organismos estabelecidos noutros Estados‑Membros. Aceitam igualmente outros meios de prova equivalentes.

    6.   Os operadores podem solicitar a qualquer momento a sua inscrição numa lista oficial ou a emissão do certificado. Devem ser informados, num prazo razoavelmente curto, da decisão da autoridade que elabora a lista ou do organismo de certificação competente.

    […]»

    13

    Intitulado «Informações que devem constar dos anúncios de concurso», o anexo VII A da referida diretiva precisa, sob o título «Anúncios de concurso», no ponto 17, que o anúncio de concurso deve mencionar, nomeadamente no âmbito dos concursos públicos, «[o]s critérios de seleção relativos à situação pessoal dos operadores económicos que podem levar à sua exclusão, as informações necessárias que provem que não estão abrangidos pelos casos que justificam a exclusão [, os c]ritérios de seleção e [as] informações relativas à situação pessoal do operador económico, […] as informações e [as] formalidades necessárias para a avaliação das condições mínimas de caráter económico e técnico que o operador económico deve preencher [, bem como o(s) n]ível(eis) mínimo(s) específico(s) de condições eventualmente exigido(s)».

    Regulamento n.o 852/2004

    14

    Os considerandos 1 e 8 do Regulamento (CE) n.o 852/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à higiene dos géneros alimentícios (JO 2004, L 139, p. 1; retificação no JO 2013, L 160, p. 16), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 219/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2009 (JO 2009, L 87, p. 109) (a seguir «Regulamento n.o 852/2004»), enunciam:

    «(1)

    A procura de um elevado nível de proteção da vida e da saúde humanas é um dos objetivos fundamentais da legislação alimentar, tal como se encontra estabelecida no Regulamento (CE) n.o 178/2002 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1)]. Este regulamento estabelece igualmente os princípios e definições comuns para a legislação alimentar nacional e comunitária, incluindo o objetivo de alcançar a livre circulação dos alimentos na Comunidade.

    […]

    (8)

    É necessária uma abordagem integrada para garantir a segurança alimentar desde o local da produção primária até à colocação no mercado ou à exportação, inclusive. Todos os operadores de empresas do setor alimentar ao longo da cadeia de produção devem garantir que a segurança dos géneros alimentícios não seja comprometida.»

    15

    Sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», o artigo 1.o do Regulamento n.o 852/2004 dispõe, no n.o 1:

    «O presente regulamento estabelece as regras gerais destinadas aos operadores das empresas do setor alimentar no que se refere à higiene dos géneros alimentícios, tendo em particular consideração os seguintes princípios:

    a)

    Os operadores do setor alimentar são os principais responsáveis pela segurança dos géneros alimentícios;

    b)

    A necessidade de garantir a segurança dos géneros alimentícios ao longo da cadeia alimentar, com início na produção primária;

    […]

    O presente regulamento aplica‑se em todas as fases da produção, transformação e distribuição de alimentos, sem prejuízo de requisitos mais específicos em matéria de higiene dos géneros alimentícios.»

    16

    Sob a epígrafe «Obrigação geral», o artigo 3.o do referido regulamento prevê:

    «Os operadores das empresas do setor alimentar asseguram que todas as fases da produção, transformação e distribuição de géneros alimentícios sob o seu controlo satisfaçam os requisitos pertinentes em matéria de higiene estabelecidos no presente regulamento.»

    17

    Sob a epígrafe «Controlos oficiais, registo e aprovação dos estabelecimentos», o artigo 6.o do Regulamento n.o 852/2004 dispõe:

    «1.   Os operadores das empresas do setor alimentar cooperam com as autoridades competentes em conformidade com a demais legislação comunitária aplicável ou, caso esta não exista, com a legislação nacional.

    2.   Em particular, os operadores das empresas do setor alimentar notificam a autoridade competente, sob a forma por esta requerida, de todos os estabelecimentos sob o seu controlo que se dedicam a qualquer das fases de produção, transformação e distribuição de géneros alimentícios, tendo em vista o registo de cada estabelecimento.

    Os operadores das empresas do setor alimentar asseguram igualmente que a autoridade competente disponha em permanência de informações atualizadas sobre os estabelecimentos, incluindo mediante a notificação de qualquer alteração significativa das atividades e do eventual encerramento de um estabelecimento existente.

    3.   Todavia, os operadores das empresas do setor alimentar asseguram que os estabelecimentos são aprovados pela autoridade competente, na sequência de pelo menos uma visita in loco, sempre que a aprovação seja exigida:

    a)

    Pela legislação nacional dos Estados‑Membros em que o estabelecimento está situado;

    b)

    Pelo Regulamento (CE) n.o 853/2004 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece regras específicas de higiene aplicáveis aos géneros alimentícios de origem animal (JO 2004, L 139, p. 55)];

    ou

    c)

    Por uma decisão da Comissão; essa medida, que tem por objeto alterar elementos não essenciais do presente regulamento, é aprovada pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 3 do artigo 14.o

    Os Estados‑Membros que, nos termos da sua legislação nacional, obrigarem à aprovação de determinados estabelecimentos situados no seu território, como previsto na alínea a), informam a Comissão e os restantes Estados‑Membros das regras nacionais relevantes.»

    Direito estónio

    Lei dos Contratos Públicos

    18

    Sob a epígrafe «Princípios gerais que regem a adjudicação dos contratos públicos», o § 3 da Riigihangete seadus (Lei dos Contratos Públicos), na versão aplicável ao litígio no processo principal (RT I 2016, 20; a seguir «Lei dos Contratos Públicos»), dispõe:

    «Na adjudicação de contratos públicos, a entidade adjudicante deve respeitar os seguintes princípios:

    1)

    A entidade adjudicante deve utilizar os meios financeiros de forma económica e conforme ao objetivo prosseguido e realizar o objetivo do contrato público em questão a um preço razoável, garantindo, em caso de concorrência, o melhor preço e a melhor qualidade possíveis através de uma comparação das diferentes propostas;

    2)

    A entidade adjudicante deve garantir a transparência do contrato público e a possibilidade de o controlar;

    3)

    Todas as pessoas que tenham o seu domicílio ou sede na Estónia, noutro Estado‑Membro da União Europeia, noutro Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu ou num Estado que tenha aderido ao [Acordo sobre os Contratos Públicos (JO 1996, C 256, p. 2), que figura no anexo 4 do Acordo que Institui a Organização Mundial do Comércio (OMC) (JO 1994, L 336, p. 3)], devem ser tratadas da mesma forma e sem discriminação pela entidade adjudicante e esta deve assegurar que todas as limitações e critérios impostos às pessoas sejam proporcionais, pertinentes e fundamentados à luz do objetivo do contrato público;

    4)

    Na adjudicação de contratos públicos, a entidade adjudicante deve assegurar o uso efetivo da concorrência existente e, neste contexto, a participação de uma pessoa coletiva de direito público ou de uma pessoa de direito privado que utilize meios públicos no processo de adjudicação do contrato público não deve falsear a concorrência devido à utilização de meios públicos;

    5)

    A entidade adjudicante deve prevenir os conflitos de interesses que prejudiquem a concorrência;

    6)

    A entidade adjudicante deve, se possível, dar prioridade às soluções que respeitem o ambiente.»

    19

    Sob a epígrafe «Verificação da qualificação do proponente ou do candidato», o § 39 da Lei dos Contratos Públicos prevê, no n.o 1:

    «A entidade adjudicante deve verificar se a situação económica e financeira, bem como as competências técnicas e profissionais do proponente ou do candidato estão em conformidade com as condições fixadas no anúncio de concurso, em matéria de qualificação. As condições em matéria de qualificação devem ser suficientes para provar a aptidão do proponente ou do candidato para executar o contrato público, sendo pertinentes e proporcionadas à luz da natureza, da quantidade e do objetivo dos bens, dos serviços ou das empreitadas que constituem o objeto do contrato público.»

    20

    O § 41 da referida lei, que é consagrado à «[c]ompetência técnica e profissional dos proponentes ou dos candidatos», enuncia, no n.o 3:

    «Quando o legislador prevê requisitos específicos para uma atividade que deve ser exercida ao abrigo do contrato público, a entidade adjudicante deve indicar no anúncio de concurso os requisitos específicos que devem ser preenchidos, bem como as autorizações de exploração e os registos necessários à qualificação do proponente ou do candidato. A fim de poder verificar se os requisitos específicos previstos pelas disposições legais estão preenchidos, a entidade adjudicante exige, no anúncio de concurso, que o proponente ou o candidato apresente provas de que dispõe de uma autorização de exploração ou de registo ou de que preenche outro requisito específico, ou a prova de que é membro de uma organização pertinente na aceção da legislação do Estado em que está estabelecido, a menos que a entidade adjudicante possa, sem custos significativos, obter essas provas recorrendo aos dados públicos de uma base de dados. Se o proponente ou o candidato não dispuser da autorização de exploração ou do registo em causa, ou não for membro da organização pertinente na aceção da legislação do Estado em que está estabelecido, a entidade adjudicante declara a sua exclusão.»

    Lei dos Géneros Alimentícios

    21

    Sob a epígrafe «Obrigação de possuir uma autorização», o § 8 da Toiduseadus (Lei dos Géneros Alimentícios), na versão aplicável ao litígio no processo principal (RT I 1999, 30, 415; a seguir «Lei dos Géneros Alimentícios»), dispõe:

    «(1)   O operador económico deve ser titular de uma autorização de exploração de atividades no setor alimentar nos seguintes estabelecimentos:

    1)

    Um estabelecimento na aceção do artigo 6.o, n.o 3, alíneas b) e c), do Regulamento [n.o 852/2004];

    2)

    Um estabelecimento em que as operações relativas aos produtos primários de origem animal não impliquem qualquer alteração da sua forma ou das suas características iniciais, exceto se se tratar de um estabelecimento que tenha por objeto a produção primária desses produtos e no qual o produtor efetue operações conexas na aceção do Regulamento [n.o 852/2004];

    3)

    Um estabelecimento em que as operações relativas aos produtos primários de origem não animal impliquem a alteração da sua forma e das suas características iniciais, exceto se se tratar de um estabelecimento referido no capítulo III do anexo II do Regulamento [n.o 852/2004];

    4)

    Um estabelecimento em que se proceda à transformação de géneros alimentícios, nomeadamente à sua preparação ou acondicionamento, exceto se se tratar do acondicionamento de produtos primários de origem não animal ou de um estabelecimento referido no capítulo III do anexo II do Regulamento [n.o 852/2004];

    5)

    Um estabelecimento cujas operações tenham por objeto géneros alimentícios de origem animal, que os distribui a outro operador e que esteja previsto no capítulo III do Anexo II do Regulamento [n.o 852/2004];

    6)

    Um estabelecimento em que são armazenados géneros alimentícios que, para garantir a segurança alimentar, devem ser armazenados a uma temperatura diferente da temperatura ambiente;

    7)

    Um estabelecimento de venda a retalho, nomeadamente de géneros alimentícios a armazenar a uma temperatura diferente da temperatura ambiente, a fim de garantir a segurança alimentar, salvo se se tratar de um estabelecimento referido no capítulo III do anexo II do Regulamento [n.o 852/2004];

    […]

    (2)   A autorização de exploração confere ao operador económico o direito de iniciar o exercício e o desenvolvimento de uma atividade económica no estabelecimento ou na parte do estabelecimento que conste da autorização de exploração.

    (3)   O ministro responsável nesta matéria estabelece, através de regulamento, uma lista pormenorizada dos domínios de exploração e das categorias de géneros alimentícios em relação aos quais o operador deve possuir uma autorização de exploração.»

    22

    Nos termos do artigo 10.o da Lei dos Géneros Alimentícios, sob a epígrafe «Objeto do controlo da autorização de exploração»:

    «A autorização de exploração é concedida ao operador económico se o seu estabelecimento ou o estabelecimento que utiliza para a sua atividade de operador do setor alimentar satisfizerem os requisitos previstos pelos [Regulamentos n.o 852/2004 e n.o 853/2004], bem como por outras disposições pertinentes em matéria de géneros alimentícios.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    23

    O Ministério dos Assuntos Sociais organizou dois concursos públicos para a adjudicação de contratos destinados à compra de ajuda alimentar às pessoas mais carenciadas, um em 2015 e outro em 2017, cujo valor estimado era, em cada caso, de 4 milhões de euros.

    24

    No âmbito do primeiro contrato, foi inicialmente exigido que os proponentes dispusessem da autorização do Veterinaar‑ ja Toiduamet (Serviço Alimentar e Veterinário, Estónia), considerando‑se esta autorização necessária para a execução deste contrato. No entanto, durante o processo de adjudicação deste, o procedimento de concurso foi alterado a fim de substituir essa exigência pela obrigação de apresentar um certificado relativo ao cumprimento das obrigações em matéria de informação e de autorização previstas pela Lei dos Géneros Alimentícios e que eram necessárias à execução do referido contrato.

    25

    No âmbito do segundo contrato, a entidade adjudicante exigiu desde logo o certificado mencionado no número anterior.

    26

    No âmbito de cada um destes dois contratos públicos, foram celebrados acordos‑quadro com os três proponentes selecionados.

    27

    Por decisão de correção financeira de 30 de outubro de 2018, a Riigi Tugiteenuste Keskus indeferiu pedidos de pagamento de cerca de 463000 euros. Estes pedidos tinham sido apresentados no âmbito do projeto «Compra e transporte de géneros alimentícios até ao local de armazenamento», que se inscreve num programa de ajuda alimentar do Ministério dos Assuntos Sociais destinado às pessoas mais carenciadas.

    28

    Ao fazê‑lo, o Riigi Tugiteenuste Keskus aderiu à posição expressa pelo Rahandusministeerium (Ministério das Finanças, Estónia) no relatório final da auditoria de 10 de setembro de 2018, que concluía que o requisito de que os proponentes disponham de uma autorização de uma autoridade estónia ou cumpram obrigações em matéria de informação e de autorização na Estónia tinha um caráter restritivo injustificado para os proponentes estabelecidos num Estado‑Membro diferente da República da Estónia.

    29

    Após o indeferimento do recurso gracioso que tinha interposto no Riigi Tugiteenuste Keskus, o Ministério dos Assuntos Sociais interpôs recurso no Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Taline, Estónia) com vista a obter a anulação da decisão de correção financeira de 30 de outubro de 2018.

    30

    O Ministério alegou no recurso, em primeiro lugar, que, para dar cumprimento ao artigo 41.o, n.o 3, da Lei dos Contratos Públicos, devia indicar, no anúncio de concurso, como condição de qualificação dos proponentes, os requisitos específicos que deviam estar preenchidos, bem como as autorizações de exploração e os registos necessários.

    31

    Ora, no caso em apreço, a execução dos contratos públicos em causa exigia a utilização de um entreposto intermédio para armazenar géneros alimentícios ou de um meio de transporte que se encontre na Estónia. Ao preencher essas condições, o proponente torna‑se um operador do setor alimentar e deve, em conformidade nomeadamente com o artigo 8.o da Lei dos Géneros Alimentícios e com o artigo 6.o, n.o 3, do Regulamento n.o 852/2004, cumprir as obrigações em matéria de informação e de autorização na Estónia. Com efeito, a entidade adjudicante não tem a possibilidade de aceitar uma autorização de exploração do Estado‑Membro em que o proponente está estabelecido, na medida em que, em matéria de autorizações de exploração no setor alimentar, não há reconhecimento mútuo entre os Estados‑Membros.

    32

    Segundo o Ministério dos Assuntos Sociais, a fixação de condições de qualificação ligadas aos requisitos específicos impostos pela Lei dos Géneros Alimentícios permitiu à entidade adjudicante reduzir legalmente os riscos de uma má execução dos contratos públicos em causa. A verificação do respeito das obrigações impostas por esta lei, em matéria de informação e de autorização, deveria, portanto, ter ocorrido na fase da qualificação dos proponentes, e não no momento da execução desses contratos. A este respeito, teria bastado que o proponente estabelecido num Estado‑Membro diferente da República da Estónia informasse por carta o Serviço Alimentar e Veterinário de que ia iniciar uma atividade, sem que fosse necessário obter uma resposta desse serviço. Ao mesmo tempo que informava o referido serviço ou posteriormente, esse proponente poderia ter iniciado, se necessário, um procedimento de autorização. Tendo em conta o prazo previsto para a apresentação de propostas no caso de um concurso internacional, que é de, pelo menos, 40 dias, e o prazo do procedimento de autorização previsto na referida lei, que é de 30 dias, o referido proponente dispôs de tempo suficiente para efetuar as diligências relacionadas com o procedimento de autorização.

    33

    Em segundo lugar, o primeiro contrato já tinha sido avaliado e aprovado duas vezes pelos auditores do Ministério das Finanças. Assim, a alteração retroativa da interpretação das regras de adjudicação dos contratos públicos por ocasião de uma terceira auditoria efetuada pelos mesmos auditores não é conforme aos princípios da boa administração e da proteção da confiança legítima.

    34

    No Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Taline), o Riigi Tugiteenuste Keskus, apoiado pelo Ministério das Finanças, pediu que fosse negado provimento ao recurso do Ministério dos Assuntos Sociais. Alegou, nomeadamente, que o artigo 46.o da Diretiva 2004/18 apenas permite exigir ao proponente que apresente provas de que dispõe de uma autorização para prestar serviços emitida pelo Estado‑Membro em que está estabelecido ou uma prova de que pertence a uma organização específica nesse Estado‑Membro. Além disso, não é razoável e é contrário ao princípio da igualdade de tratamento, exigir que o proponente já tenha praticado diversos atos na Estónia no momento da apresentação da proposta, mesmo que estes estejam ligados à execução do contrato. Por último, o Riigi Tugiteenuste Keskus considera que o princípio da proteção da confiança legítima não foi violado.

    35

    Por Decisão de 22 de maio de 2019, o Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Taline) negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério dos Assuntos Sociais com o fundamento de que o requisito de que os proponentes disponham de uma autorização de uma autoridade estónia ou cumpram obrigações em matéria de informação e de autorização na Estónia era desproporcionado e discriminatório relativamente aos proponentes estabelecidos noutros Estados‑Membros. Este órgão jurisdicional rejeitou igualmente o fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima, uma vez que o Ministério dos Assuntos Sociais não podia, à luz de auditorias anteriores, não vinculativas, efetuadas pelos serviços do Ministério das Finanças, ter segurança jurídica quanto à não verificação de violações futuras das regras aplicáveis em matéria de contratos públicos.

    36

    Na sequência da negação de provimento ao seu recurso, o Ministério dos Assuntos Sociais interpôs recurso no Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Taline, Estónia).

    37

    Segundo o Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Taline), uma vez que as condições de emissão do certificado ou da autorização da autoridade competente não estão totalmente harmonizadas pelo Regulamento n.o 852/2004, um operador económico não se pode apoiar, para começar a exercer uma atividade num Estado‑Membro diferente do seu Estado de origem, na autorização concedida neste último, mas deve obter, no primeiro, a emissão da autorização exigida.

    38

    Além disso, o facto de qualificar um proponente para um contrato público apenas à luz da promessa feita por este de requerer uma autorização de atividade ou um registo pode comprometer a execução do contrato em causa se esse proponente não cumprir a referida obrigação ou não estiver em condições de exercer a sua atividade em conformidade com os requisitos de obtenção dessa autorização ou desse registo.

    39

    Salientando que a exigência de uma autorização de atividade ou de registo na Estónia é desproporcionada em relação aos proponentes estabelecidos noutro Estado‑Membro, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a interpretação do artigo 46.o da Diretiva 2004/18 não se impõe de forma evidente, tanto mais que o Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade de interpretar esta disposição. Além disso, os requisitos estabelecidos no interesse da segurança dos géneros alimentícios são justificados como condição para a execução dos contratos públicos em causa, de modo que o litígio no processo principal tem apenas por objeto a questão do momento em que se devem satisfazer esses requisitos, quer quando a proposta é apresentada, quer na fase da execução do contrato.

    40

    Foi neste contexto que o Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Taline) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Devem os artigos 2.o e 46.o da Diretiva [2004/18], ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições do direito nacional — como o § 41, n.o 3, da [Lei dos Contratos Públicos] — segundo as quais a entidade adjudicante, se forem estabelecidos por lei requisitos especiais para as atividades a realizar com base num contrato público, deve indicar no anúncio de concurso quais os registos ou autorizações de atividade necessários para a qualificação do proponente, deve exigir prova da autorização de atividade ou do registo a fim de verificar o cumprimento dos requisitos especiais estabelecidos por lei no anúncio de concurso, e deve excluir o proponente por falta de qualificação se este não possuir a autorização de atividade ou o registo exigidos?

    2)

    Devem os artigos 2.o e 46.o da Diretiva [2004/18] ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma entidade adjudicante, num contrato para o fornecimento de ajuda alimentar que ultrapasse o limiar internacional, estabeleça um critério de seleção segundo o qual todos os proponentes, independentemente do seu local de atividade anterior, devem possuir uma autorização ou registo de atividade no [Estado‑Membro] em que a ajuda alimentar vai ser fornecida no momento da apresentação da proposta, mesmo que o proponente não tenha operado anteriormente nesse Estado‑Membro?

    3)

    Em caso de resposta afirmativa à questão anterior:

    a)

    Devem os artigos 2.o e 46.o da Diretiva [2004/18] ser considerados disposições de tal modo claras que o princípio da proteção da confiança legítima não pode ser invocado contra elas?

    b)

    Devem os artigos 2.o e 46.o da Diretiva [2004/18] ser interpretados no sentido de que o facto de, num concurso público para o fornecimento de ajuda alimentar, a entidade adjudicante exigir que os proponentes disponham de uma autorização de atividade [concedida em conformidade com a Lei dos Géneros Alimentícios] no momento da apresentação da proposta pode ser considerado uma violação manifesta das disposições em vigor, uma negligência ou uma irregularidade, que exclui a possibilidade de invocar o princípio de proteção da confiança legítima?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira e segunda questões

    41

    Com a primeira e segunda questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 2.o e 46.o da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual a entidade adjudicante deve exigir, num anúncio de concurso e como critério de seleção qualitativa, que os proponentes façam prova, no momento em que apresentam a sua proposta, de que dispõem de um registo ou de uma autorização exigida pela regulamentação aplicável à atividade que é objeto do contrato público em causa e concedida pela autoridade competente do Estado‑Membro de execução desse contrato, mesmo que já possuam um registo ou autorização semelhante no Estado‑Membro em que estão estabelecidos.

    42

    A título preliminar, importa observar que o segundo contrato público em causa no processo principal foi adjudicado em 2017, quando a Diretiva 2004/18 já não estava em vigor, uma vez que tinha sido revogada com efeitos a partir de 18 de abril de 2016 pela Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18 (JO 2014, L 9[4], p. 65), tendo o prazo de transposição das disposições da Diretiva 2014/24 expirado igualmente em 18 de abril de 2016.

    43

    No entanto, na falta de precisão pelo órgão jurisdicional de reenvio da data em que a entidade adjudicante escolheu o tipo de procedimento que entendeu adotar e dirimiu definitivamente a questão de saber se havia, ou não, a obrigação de proceder à abertura prévia de um concurso para a adjudicação do contrato público em questão, não se pode determinar se as disposições da Diretiva 2014/24 são inaplicáveis pelo facto de o prazo de transposição da mesma ter expirado após essa data (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de outubro de 2016, Hörmann Reisen, C‑292/15, EU:C:2016:817, n.os 31 e 32, e de 28 de fevereiro de 2018, MA.T.I. SUD e Duemme SGR, C‑523/16 e C‑536/16, EU:C:2018:122, n.o 36), tendo sido especificado que o conteúdo dos artigos 2.o e 46.o da Diretiva 2004/18 foi retomado na Diretiva 2014/24.

    44

    Além disso, há que salientar que a obrigação de os proponentes disporem de um registo ou de uma autorização exigida pela regulamentação aplicável à atividade objeto do contrato público em causa deve ser entendida como um critério de seleção qualitativa e não como uma condição de execução do contrato, na aceção do artigo 26.o da Diretiva 2004/18.

    45

    Com efeito, por um lado, este requisito corresponde à faculdade conferida à entidade adjudicante no artigo 46.o desta diretiva de solicitar a um operador económico que demonstre a sua habilitação para o exercício da atividade profissional objeto de um processo de adjudicação de um contrato público. O referido requisito enuncia assim um critério de seleção qualitativa dos proponentes, destinado a permitir aos adjudicantes apreciar a aptidão dos referidos proponentes para executar o contrato público em questão.

    46

    Por outro lado, a obrigação de um operador económico se registar no Estado‑Membro de execução do contrato público em causa ou de aí dispor de uma autorização pressupõe, é certo, que o adjudicatário seja obrigado a dispor de um estabelecimento nesse Estado. Em contrapartida, não dá nenhuma informação quanto às modalidades de execução desse contrato. Por conseguinte, o requisito de dispor de um registo ou de uma autorização não pode ser considerado a expressão de uma condição específica relativa à execução do referido contrato.

    47

    Por conseguinte, cumpre determinar se o artigo 46.o da Diretiva 2004/18 se opõe a que uma entidade adjudicante imponha, enquanto critério de seleção qualitativa dos proponentes, a apresentação de um registo e/ou de uma autorização no Estado‑Membro de execução do contrato público em causa, incluindo na hipótese de os proponentes já disporem de um registo e/ou de uma autorização similar no Estado‑Membro em que estão estabelecidos.

    48

    Em primeiro lugar, no que respeita à Diretiva 2004/18, decorre do seu artigo 46.o, lido em conjugação com o considerando 42 da mesma, que o princípio do reconhecimento mútuo das qualificações prevalece na fase da seleção dos proponentes. O artigo 46.o, primeiro parágrafo, desta diretiva prevê assim que, sempre que a um operador económico que pretenda participar num procedimento de contratação pública seja solicitada, prova da sua inscrição num registo profissional ou comercial, ou a apresentação de uma declaração, feita sob juramento, ou de um certificado, pode fazê‑lo em conformidade com as condições previstas no Estado‑Membro onde está estabelecido. O segundo parágrafo desse artigo enuncia, no mesmo sentido, que, nos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, se, para poderem executar o serviço em causa no seu Estado‑Membro de origem, os candidatos ou os proponentes tiverem de possuir uma autorização especial ou ser membros de uma organização específica, a entidade adjudicante pode exigir‑lhes prova da posse dessa autorização ou da sua qualidade de membros da referida organização.

    49

    Daqui resulta que um proponente deve poder provar a sua aptidão para executar um contrato público apoiando‑se em documentos, como um certificado ou uma inscrição no registo profissional ou comercial, emitidos pelas autoridades competentes do Estado‑Membro em que está estabelecido.

    50

    Esta interpretação do artigo 46.o da Diretiva 2004/18 é corroborada por outras disposições desta diretiva. É assim que o artigo 48.o, n.o 2, alíneas d) e j), ii), da referida diretiva menciona diversos casos em que um operador económico pode demonstrar a sua capacidade técnica e/ou profissional ao transmitir à entidade adjudicante do Estado‑Membro de execução de um contrato público documentos emitidos pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro diferente deste. O mesmo se diga do artigo 49.o da mesma diretiva no que diz respeito ao cumprimento das normas de garantia da qualidade.

    51

    Decorre igualmente do artigo 52.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18 que a inscrição em listas oficiais comprovada pelas entidades competentes de um Estado‑Membro ou o certificado emitido por um organismo de certificação desse Estado‑Membro constitui uma presunção de aptidão, para as entidades adjudicantes dos outros Estados‑Membros, relativamente, em particular, ao artigo 46.o desta diretiva. Resulta igualmente do artigo 52.o, n.o 4, da referida diretiva que as informações suscetíveis de ser retiradas da inscrição em listas oficiais ou da certificação não podem ser contestadas sem justificação. Por último, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 5, segundo parágrafo, da mesma diretiva, as entidades adjudicantes de um Estado‑Membro reconhecem os certificados equivalentes dos organismos estabelecidos noutros Estados‑Membros.

    52

    Por outro lado, deve‑se salientar que a violação do artigo 46.o da Diretiva 2004/18 implica necessariamente a violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento dos proponentes, tal como garantidos no artigo 2.o desta diretiva, uma vez que o requisito de que os proponentes disponham de uma autorização de uma autoridade estónia ou que cumpram obrigações em matéria de informação e de autorização na Estónia é discriminatória e não se afigura justificada, relativamente aos proponentes estabelecidos noutros Estados‑Membros.

    53

    No caso em apreço, nada permite supor que os contratos públicos em causa no processo principal não podem ser executados a partir do Estado‑Membro em que o proponente está estabelecido ou de outro Estado‑Membro. Assim, cabe ao proponente decidir, com base num cálculo económico, se pretende dotar‑se de um estabelecimento no Estado‑Membro de execução do contrato em questão.

    54

    Além disso, o Tribunal de Justiça já considerou que o facto de um Estado‑Membro subordinar a execução de prestações de serviços por uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro à posse de uma autorização de estabelecimento no primeiro Estado teria por consequência retirar todo o efeito útil ao artigo 56.o TFUE, cujo objeto é, precisamente, eliminar as restrições à livre prestação de serviços por parte de pessoas não estabelecidas no Estado‑Membro em cujo território a prestação deve ser efetuada (v., por analogia, Acórdão de 10 de fevereiro de 1982, Transporoute et travaux, 76/81, EU:C:1982:49, n.o 14).

    55

    Daqui resulta que o artigo 46.o da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma entidade adjudicante imponha, como critério de seleção qualitativa, a obtenção de um registo e/ou de uma autorização no Estado‑Membro de execução dos contratos públicos no caso de o proponente já beneficiar de uma autorização semelhante no Estado‑Membro em que está estabelecido.

    56

    Em segundo lugar, a decisão de reenvio sugere, no entanto, que a obrigação de os proponentes disporem de um registo ou de uma autorização na Estónia, ainda que já sejam titulares de uma autorização semelhante no Estado‑Membro em que estão estabelecidos, decorre da Lei dos Géneros Alimentícios, que visa concretizar as disposições do Regulamento n.o 852/2004, tendo em conta as numerosas remissões para este regulamento que a mesma contém. Nestas condições, a regulamentação, tanto nacional como da União, sobre os géneros alimentícios é suscetível de constituir uma lei especial e, por isso, de derrogar as regras de adjudicação de contratos públicos.

    57

    Do mesmo modo, deve‑se determinar se a interpretação do artigo 46.o da Diretiva 2004/18 exposta no n.o 55 do presente acórdão não entra em conflito com o Regulamento n.o 852/2004, caso em que o Tribunal de Justiça se deve esforçar por conciliar os requisitos antagónicos decorrentes deste regulamento e desta diretiva.

    58

    A este respeito, afigura‑se, como enuncia o seu considerando 1, que o Regulamento n.o 852/2004 tem efetivamente por objetivo a procura de um elevado nível de proteção da vida e da saúde humanas, mas também alcançar a livre circulação dos géneros alimentícios na União.

    59

    Ora, este objetivo de livre circulação dos géneros alimentícios seria afetado se os operadores das empresas do setor alimentar devessem registar‑se ou obter uma autorização de atividade em cada Estado‑Membro onde transportam ou armazenam os seus géneros alimentícios.

    60

    Como resulta do artigo 3.o do Regulamento n.o 852/2004, lido em conjugação com o seu considerando 8, o legislador da União promove uma abordagem integrada para garantir a segurança alimentar desde o local da produção primária até à colocação no mercado ou à exportação, inclusive, e para esse efeito, todos os operadores de empresas do setor alimentar ao longo da cadeia de produção devem garantir que a segurança dos géneros alimentícios não seja comprometida. Do mesmo modo, o artigo 1.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea a), do referido regulamento evidencia que os operadores do setor alimentar são os principais responsáveis pela segurança dos géneros alimentícios.

    61

    Dito isto, para garantir a segurança dos géneros alimentícios ao longo da cadeia alimentar, com início na produção primária, como exige o artigo 1.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea b), do referido regulamento, o artigo 6.o do mesmo regulamento prevê controlos oficiais, registo e aprovação dos estabelecimentos do setor alimentar.

    62

    O artigo 6.o do Regulamento n.o 852/2004 não exclui, porém, uma separação entre, por um lado, a competência para efetuar o registo de um estabelecimento do setor alimentar ou para conceder uma autorização a esse estabelecimento e, por outro, a competência para controlar a atividade assim autorizada. Em conformidade, em circunstâncias como as do processo principal, o registo ou a autorização obtida num Estado‑Membro deve permitir ao seu titular distribuir géneros alimentícios noutro Estado‑Membro cujas autoridades são, no entanto, livres, nesse caso, de controlar essa distribuição e de velar pelo respeito das disposições do referido regulamento.

    63

    Daqui resulta que a circunstância de um operador económico possuir um registo ou uma autorização emitida pelo Estado‑Membro em que está estabelecido constitui, no âmbito de um processo de adjudicação de um contrato que decorre noutro Estado‑Membro, uma presunção da sua aptidão para assegurar neste último Estado uma atividade de fornecimento e de distribuição de géneros alimentícios e, portanto, para executar o contrato em causa.

    64

    Como indicou a Comissão em resposta a uma questão escrita do Tribunal de Justiça, um operador pode, por conseguinte, invocar o registo ou a autorização do Estado‑Membro em que está situado o estabelecimento do setor alimentar a partir do qual expediu os seus géneros alimentícios. Isso acontece porque os Estados‑Membros são obrigados a submeter todos os estabelecimentos a controlos oficiais, a aplicar procedimentos destinados a garantir que os controlos sejam efetuados de modo eficaz e a assegurar uma cooperação entre as autoridades competentes dos diferentes Estados‑Membros. Por conseguinte, numa situação como a que está em causa no processo principal, um operador de uma empresa do setor alimentar cujo estabelecimento situado num Estado‑Membro diferente da República da Estónia está registado ou autorizado nesse Estado‑Membro, pode fornecer géneros alimentícios na Estónia sem ter de obter uma autorização suplementar especial.

    65

    Nestas condições, há que salientar, à semelhança da Comissão, que a obrigação de dispor de um armazém situado no território estónio decorre de um requisito específico do processo de adjudicação do contrato em causa no processo principal e não do próprio Regulamento n.o 852/2004.

    66

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões que os artigos 2.o e 46.o da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual a entidade adjudicante deve exigir, num anúncio de concurso e como critério de seleção qualitativa, que os proponentes façam prova, no momento em que apresentam a sua proposta, de que dispõem de um registo ou de uma autorização exigida pela regulamentação aplicável à atividade objeto do contrato público em causa, emitida pela autoridade competente do Estado‑Membro de execução desse contrato, mesmo que já possuam um registo ou uma autorização semelhante no Estado‑Membro em que estão estabelecidos.

    Quanto à terceira questão

    67

    Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que pode ser invocado por uma entidade adjudicante que, no âmbito de um processo de adjudicação de um contrato público, tenha, para dar cumprimento à regulamentação nacional relativa aos géneros alimentícios, exigido aos proponentes que disponham, no momento em que apresentam a sua proposta, de um registo ou de uma autorização emitida pela autoridade competente do Estado‑Membro de execução do contrato.

    68

    Resulta da decisão de reenvio que, no litígio no processo principal, o Ministério dos Assuntos Sociais considera que, se lhe fosse imputada a violação dos artigos 2.o e 46.o da Diretiva 2004/18, essa violação das regras de adjudicação de contratos públicos da União não deveria produzir efeitos por força do princípio da proteção da confiança legítima, uma vez que, antes da adoção da decisão de correção financeira de 30 de outubro de 2018, os auditores do Ministério das Finanças aprovaram, por duas vezes, o requisito imposto a todos os proponentes, incluindo aos estabelecidos num Estado‑Membro diferente da República da Estónia, de apresentar, aquando da submissão da sua proposta, uma autorização de atividade emitida pelo Serviço Alimentar e Veterinário.

    69

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima só é extensivo a um particular ao qual uma autoridade administrativa nacional tenha suscitado expectativas fundadas devido a garantias precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes autorizadas e fiáveis, que a mesma lhe forneceu (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de agosto de 2018, Ministru kabinets, C‑120/17, EU:C:2018:638, n.o 50 e jurisprudência referida; de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.o 97; e de 19 de dezembro de 2019, GRDF, C‑236/18, EU:C:2019:1120, n.o 46).

    70

    Todavia, a conceção unitária do Estado, que prevalece tanto no direito internacional público como no direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 34), exclui, por princípio, que uma autoridade nacional possa invocar o princípio do direito da União de proteção da confiança legítima num litígio que a coloque em liça com outra entidade estatal.

    71

    Assim, no âmbito do litígio no processo principal, o facto de o Ministério das Finanças já ter aprovado uma prática contrária ao direito da União não pode ser invocado pelo Ministério dos Assuntos Sociais para deixar perdurar essa prática ou, pelo menos, para neutralizar os seus efeitos passados.

    72

    Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que não pode ser invocado por uma entidade adjudicante que, no âmbito de um processo de adjudicação de um contrato público, tenha, para dar cumprimento à regulamentação nacional relativa aos géneros alimentícios, exigido aos proponentes que disponham, no momento em que apresentam a sua proposta, de um registo ou de uma autorização emitida pela autoridade competente do Estado‑Membro de execução do contrato.

    Quanto às despesas

    73

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    1)

    Os artigos 2.o e 46.o da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual a entidade adjudicante deve exigir, num anúncio de concurso e como critério de seleção qualitativa, que os proponentes façam prova, no momento em que apresentam a sua proposta, de que dispõem de um registo ou de uma autorização exigida pela regulamentação aplicável à atividade objeto do contrato público em causa, emitida pela autoridade competente do Estado‑Membro de execução desse contrato, mesmo que já possuam um registo ou uma autorização semelhante no Estado‑Membro em que estão estabelecidos.

     

    2)

    O princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que não pode ser invocado por uma entidade adjudicante que, no âmbito de um processo de adjudicação de um contrato público, tenha, para dar cumprimento à regulamentação nacional relativa aos géneros alimentícios, exigido aos proponentes que disponham, no momento em que apresentam a sua proposta, de um registo ou de uma autorização emitida pela autoridade competente do Estado‑Membro de execução do contrato.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: estónio.

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