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Document 62020CC0704

Conclusões do advogado-geral Richard de la Tour apresentadas em 21 de junho de 2022.
Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid contra C e B e X contra Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Raad van State et le Rechtbank Den Haag, zittingsplaats 's-Hertogenbosch.
Reenvio prejudicial – Espaço de liberdade, segurança e justiça – Detenção de nacionais de países terceiros – Direito fundamental à liberdade – Artigo 6.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Requisitos de legalidade da detenção – Diretiva 2008/115/CE – Artigo 15.° – Diretiva 2013/33/UE – Artigo 9.° – Regulamento (UE) n.° 604/2013 – Artigo 28.° – Fiscalização da legalidade da detenção e da manutenção de uma medida de detenção – Exame oficioso – Direito fundamental a um recurso jurisdicional efetivo – Artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais.
Processos apensos C-704/20 e C-39/21.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:489

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 21 de junho de 2022 ( 1 )

Processos apensos C‑704/20 e C‑39/21

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid

contra

C,

B(C‑704/20)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos)]

E

X

contra

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (C‑39/21)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Detenção de nacionais de países terceiros — Direito fundamental à liberdade — Artigo 6.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Requisitos de legalidade da detenção — Diretiva 2008/115/CE — Artigo 15.o — Diretiva 2013/33/UE — Artigo 9.o — Regulamento (UE) n.o 604/2013 — Artigo 28.o — Fiscalização jurisdicional das condições da colocação em detenção e da sua manutenção — Exame oficioso pelo juiz dos requisitos de legalidade da detenção — Fundamentação das sentenças — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípios da equivalência e da efetividade — Direito fundamental a um recurso judicial efetivo — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais»

I. Introdução

1.

A problemática relativa ao exame oficioso, por um órgão jurisdicional nacional, de um fundamento relativo à violação do direito da União foi várias vezes apreciada pelo Tribunal de Justiça nos diferentes domínios do direito da União. Abordar essa problemática no contexto da detenção de nacionais de países terceiros, em que está em causa a proteção do direito à liberdade ( 2 ), permite, em larga medida, renovar a abordagem seguida até agora. Com efeito, a importância desse direito e o papel essencial que o juiz desempenha na proteção deste último levam a que se encare com alguma desconfiança as normas processuais que restringem o papel do juiz nesse domínio.

2.

Os presentes pedidos de decisão prejudicial versam, em substância, sobre a interpretação do artigo 15.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular ( 3 ), do artigo 9.o da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional ( 4 ), e do artigo 28.o do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de país terceiro ou por um apátrida ( 5 ), em conjugação com os artigos 6.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

3.

Estes pedidos foram apresentados no contexto de litígios que opõem B, C e X, nacionais de países terceiros, ao Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos; a seguir «Secretário de Estado») a propósito da legalidade de medidas de colocação em detenção ou da sua manutenção.

4.

A principal questão que o presente reenvio prejudicial suscita é a de saber se um órgão jurisdicional nacional pode ser limitado, no exercício da fiscalização da legalidade da colocação em detenção ou da sua manutenção que lhe incumbe, por uma norma processual nacional que o impede de ter em conta fundamentos ou argumentos não invocados pelo recorrente. Trata‑se, assim, de determinar se, nos termos do direito da União, esse órgão jurisdicional pode, ou mesmo deve, examinar oficiosamente os requisitos da legalidade de uma detenção.

5.

Face à diversidade de modelos adotados pelos Estados‑Membros para controlar a legalidade da detenção de nacionais de países terceiros, o papel do Tribunal de Justiça não é o de dizer se um modelo é melhor do que outro. A sua função é verificar se as normas processuais nacionais são vetores aceitáveis para o cumprimento das obrigações que decorrem do direito derivado da União ou se, pelo contrário, põem em causa a efetividade do direito da União e, não devem, consequentemente, ser aplicadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

6.

Nas presentes conclusões, proporei ao Tribunal de Justiça que, em resposta à questão prejudicial relativa ao exame oficioso dos requisitos da legalidade de uma detenção, declare que o artigo 15.o da Diretiva 2008/115, o artigo 9.o da Diretiva 2013/33 e o artigo 28.o do Regulamento n.o 604/2013, conjugados com os artigos 6.o e 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que o órgão jurisdicional nacional que é chamado a controlar a legalidade da colocação ou da manutenção em detenção de um nacional de país terceiro deve verificar, com base nos elementos de facto e de direito que considera pertinentes, o respeito das normas gerais e abstratas que fixam os requisitos e modalidades, independentemente dos fundamentos e argumentos invocados por essa pessoa em apoio do seu recurso. Essas mesmas disposições opõem‑se a uma norma processual nacional que tem por efeito impedir esse órgão jurisdicional de proceder oficiosamente a essa verificação e de pôr em liberdade um nacional de país terceiro, ainda que tenha constatado que essa detenção é contrária ao direito da União.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

7.

O artigo 15.o da Diretiva 2008/115, os artigos 8.o e 9.o da Diretiva 2013/33, o artigo 28.o do Regulamento n.o 604/2013 e os artigos 6.o e 47.o da Carta são as disposições que estão o centro dos presentes processos.

B.   Direito neerlandês

1. Lei dos Estrangeiros

8.

O artigo 59.o, n.o 1, proémio e alínea a), da Vreemdelingenwet 2000 (Lei dos Estrangeiros de 2000) ( 6 ), de 23 de novembro de 2000, conforme alterada com efeitos a partir de 31 de dezembro de 2011 para efeitos da transposição da Diretiva 2008/115 para o direito neerlandês, estabelece que o cidadão estrangeiro em situação de residência irregular pode, se o interesse de ordem pública ou da segurança nacional o exigir, ser colocado em detenção pelo Secretário de Estado com vista ao seu afastamento.

9.

Segundo o artigo 59.o, n.o 5, da Vw 2000, a detenção a que se refere o n.o 1 desse artigo não pode, em princípio, exceder seis meses. Todavia, por força do artigo 59.o, n.o 6 da Vw 2000, o prazo indicado no n.o 5 pode ser prorrogado por um período adicional de 12 meses, nos casos em que, independentemente de todos os esforços razoáveis que tenham envidado, se preveja que o afastamento dure mais tempo, porque o estrangeiro não coopera ou porque falta a documentação proveniente de países terceiros necessária para o efeito.

10.

O artigo 59.oa da Vw 2000 dispõe que os cidadãos estrangeiros aos quais se aplica o [Regulamento n.o 604/2013] podem, no respeito do artigo 28.o desse diploma, ser detidos com vista à sua transferência para o Estado‑Membro responsável.

11.

O artigo 59.ob da Vw 2000 prevê que alguns cidadãos estrangeiros que requereram uma autorização de residência podem ser detidos se tal for necessário para verificar a identidade ou a nacionalidade do requerente ou para obter outros elementos necessários para a apreciação do pedido, especialmente se houver risco de fuga.

12.

O artigo 91.o da Vw 2000 enuncia, no n.o 2:

«Se [a Afdeling bestuursrechtspraak van de Raad van State (Secção do Contencioso Administrativo do Conselho de Estado, Países Baixos)] considerar que uma acusação invocada não conduz à anulação, poderá limitar‑se a essa apreciação na fundamentação da sua decisão.»

13.

O artigo 94.o da Vw 2000 tem a seguinte redação:

«1.   Após ter tomado uma decisão que aplica uma medida privativa de liberdade prevista nos artigos […] 59.o, 59.oa e 59.ob, o [Secretário de Estado] disso informará o [tribunal competente] o mais tardar vinte e oito dias após a notificação dessa decisão, exceto se o próprio nacional estrangeiro já tiver interposto recurso. Assim que o [tribunal for informado], presume‑se que o cidadão estrangeiro interpôs recurso da decisão que lhe impôs uma medida privativa de liberdade. O recurso visa igualmente a obtenção de uma indemnização.

[…]

4.   O tribunal fixa imediatamente a data da audiência. A audiência ocorrerá o mais tardar catorze dias a contar da receção do pedido ou da notificação. […]

5.   […] A sentença será reduzida a escrito e proferida no prazo de sete dias após o encerramento da discussão. […]

6.   Se considerar que a aplicação ou a execução da medida é contrária à presente lei ou se considerar, após ter ponderado todos os interesses em presença, que a medida não é justificada, o tribunal dará provimento ao recurso. Nesse caso, ordena o levantamento da medida ou a alteração das suas modalidades de execução.

[…]»

14.

O artigo 96.o da Vw 2000 enuncia:

«1.   Se o recurso a que se refere o artigo 94.o for julgado improcedente e o nacional estrangeiro interpuser um recurso da prorrogação da privação de liberdade, o tribunal encerrará a instrução prévia no prazo de uma semana a contar da receção do requerimento. […]

[…]

3.   Se considerar que a aplicação ou a execução da medida é contrária à presente lei ou se considerar, após ter ponderado todos os interesses em presença, que a medida não é razoavelmente justificada, o tribunal dará provimento ao recurso. Nesse caso, ordena o levantamento da medida ou a alteração das suas modalidades de execução.»

2. Código administrativo

15.

O artigo 8:69 do Algemene wet bestuursrecht (Código de Direito Administrativo) ( 7 ), de 4 de junho de 1992, dispõe:

«1.   O órgão jurisdicional decide com base no recurso, na documentação apresentada, na instrução prévia e no exame do processo na audiência.

2.   O órgão jurisdicional completa oficiosamente os fundamentos de direito.

3.   O órgão jurisdicional pode completar oficiosamente dos factos.»

16.

Nos termos do artigo 8:77 do Awb:

«1.   A decisão escrita indica:

[…]

b.

os fundamentos da decisão,

[…]»

III. Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

A.   Litígios relativos a B e C (C‑704/20)

17.

B, de nacionalidade argelina, manifestou a intenção de apresentar um pedido de asilo aos Países Baixos. Por Decisão de 3 de junho de 2019, o Secretário de Estado ordenou a sua detenção ao abrigo do artigo 59.ob da Vw 2000, para, nomeadamente, obter os elementos necessários para a apreciação do pedido.

18.

B interpôs recurso dessa decisão no rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch, Países Baixos).

19.

Por Sentença de 18 de junho de 2019, esse tribunal, sem se pronunciar sobre os fundamentos do recurso, deu‑lhe provimento com base no facto, não invocado por B, de o Secretário de Estado não ter atuado com toda a diligência requerida. O referido tribunal ordenou, portanto, o levantamento da medida de detenção e atribuiu uma indemnização a B.

20.

C é nacional da Serra Leoa. Por Decisão de 5 de junho de 2019, o Secretário de Estado, com base no artigo 59.oa da Vw 2000, colocou‑o em detenção a fim de garantir a sua transferência para Itália ao abrigo do Regulamento n.o 604/2013.

21.

C interpôs recurso dessa decisão no rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch).

22.

Por Sentença de 19 de junho de 2019, esse tribunal julgou improcedentes os fundamentos invocados por C, embora tenha dado provimento ao recurso com base no facto de o Secretário de Estado não ter organizado a transferência para Itália com a diligência requerida. O referido tribunal ordenou, portanto, o levantamento da medida de detenção e atribuiu uma indemnização a C.

23.

O Secretário de Estado interpôs recurso dessas duas sentenças no Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos). Este último pretende que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a tese defendida por B e C, bem como por alguns órgãos jurisdicionais neerlandeses, segundo a qual o direito da União obriga os tribunais a examinar oficiosamente todos os requisitos que uma medida de retenção deve cumprir para ser legal.

24.

O órgão jurisdicional de reenvio observa que B e C residiam regularmente nos Países Baixos quando foram colocados em detenção. Reconhecendo, em consequência, que as normas pertinentes em matéria de detenção são, nos presentes casos, as contidas na Diretiva 2013/33 e no Regulamento n.o 604/2013, o referido órgão jurisdicional pretende que a Diretiva 2008/115 também seja tida em conta no exame da questão submetida, na medida em que essa diretiva regula um número importante de aspetos da detenção.

25.

O referido órgão jurisdicional indica que, nos Países Baixos, as detenções previstas nesses instrumentos do direito da União são reguladas pelo direito processual administrativo, que não permite que os tribunais neerlandeses examinem oficiosamente se os requisitos de legalidade não invocados pelo interessado foram respeitados. A única exceção a esse princípio tem que ver com o controlo do respeito das normas de ordem pública, como as relativas ao acesso aos tribunais, à competência e à admissibilidade.

26.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, entre os requisitos da legalidade da detenção de nacionais de países terceiros encontram‑se, nomeadamente, os relativos à interpelação, à verificação da identidade, da nacionalidade e do direito de residência, à transferência para o lugar onde se processará a audição, à utilização de algemas, ao direito à assistência consular, bem como à presença de um advogado e de um intérprete durante a audição, ao direito de defesa, à existência de um risco de fuga ou de evasão, à perspetiva de um afastamento ou de uma transferência, à diligência demonstrada pelo Secretário de Estado, aos aspetos processuais, como a assinatura e o momento da adoção da medida de detenção, e à questão de saber se a detenção é conforme com o princípio da proporcionalidade.

27.

Esse órgão jurisdicional considera que a obrigação de examinar oficiosamente todos esses requisitos de legalidade não decorre do direito da União. Refere‑se, a este propósito, o Acórdão de 7 de junho de 2007, van der Weerd e o. ( 8 ). Resultava desse acórdão que o direito da União não obriga o juiz a verificar oficiosamente, no âmbito de um processo relativo à legalidade de um ato administrativo, se foram respeitadas as normas do direito da União, a menos que estas ocupem, no ordenamento jurídico da União, um lugar comparável às normas de ordem pública ou que seja impossível às partes apresentar um fundamento relativo à violação do direito da União no processo em causa. Ora, os requisitos em matéria de detenção não ocupam, segundo o referido órgão jurisdicional, a mesma posição hierárquica que as disposições nacionais de ordem pública e, nos Países Baixos, era possível a um cidadão estrangeiro apresentar fundamentos relativos à violação dos requisitos da detenção.

28.

No seu recurso, o Secretário de Estado baseou‑se na jurisprudência do órgão jurisdicional de reenvio que aplica o referido acórdão do Tribunal de Justiça em matéria de detenção. Esse órgão jurisdicional sublinha, a esse respeito, que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a questão de saber se os ensinamentos que se retiram do referido acórdão também se aplicam em matéria de detenção.

29.

A fim de explicar as razões da sua interrogação acerca deste ponto, o referido órgão jurisdicional expõe determinadas características da fiscalização jurisdicional no direito neerlandês relativo ao processo administrativo. Assim, por força do disposto no artigo 8:69, n.o 1, do Awb, é o recurso interposto que determina o âmbito do litígio dado que o juiz apenas está obrigado a suscitar oficiosamente a violação de normas de ordem pública. De acordo com o artigo 8:69, n.o 2, do Awb, o juiz deve completar oficiosamente os fundamento de direito, o que significa que o recorrente deve apenas expor os seus fundamento de recurso nos seus próprios termos, devendo em seguida o juiz traduzir esses fundamentos em termos jurídicos. Além disso, por força do artigo 8:69, n.o 3, do Awb, o juiz pode completar oficiosamente a matéria de facto. Espera‑se assim das partes que apresentem elementos de prova, que o juiz poderá em seguida completar, por exemplo, fazendo perguntas ou ouvindo testemunhas.

30.

O órgão jurisdicional de reenvio faz igualmente referência à existência de regras e garantias adicionais aplicáveis no âmbito da fiscalização jurisdicional em matéria de detenção, como a submissão oficiosa de uma medida de detenção ao controlo do juiz, a obrigação de ouvir pessoalmente o nacional de país terceiro, uma decisão judicial rápida sobre a legalidade da detenção e o direito de ser assistido gratuitamente por um advogado.

31.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros podia militar a favor da possibilidade de proibir os tribunais de suscitarem oficiosamente factos ou fundamentos quando da fiscalização jurisdicional de medidas de detenção. A este propósito, esse órgão jurisdicional indica que não detetou, nessa fase, qualquer razão para se afastar da sua jurisprudência atual, segundo a qual os princípios da equivalência e da efetividade não se opõem necessariamente à aplicação das normas processuais neerlandesas em matéria de detenção.

32.

No que respeita ao princípio da equivalência, o referido órgão jurisdicional sublinha que as medidas de detenção estão submetidas a um procedimento de direito administrativo e que o princípio aplicável a todos os processos desta natureza é o de que o juiz não procede a uma fiscalização oficiosa, a não ser que esteja em causa uma disposição de ordem pública. Ora, os requisitos em matéria de detenção não ocupam, na ordem jurídica da União, um lugar comparável ao das normas nacionais de ordem pública.

33.

No que se refere a outros procedimentos nacionais comparáveis à detenção de cidadãos de países terceiros, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o artigo 8:69 do Awb se aplica a outras medidas reguladas pelo direito administrativo e relativas à detenção desses nacionais, nomeadamente para efeitos da verificação da respetiva identidade e do seu direito de residência ou no contexto da manutenção da ordem pública.

34.

Em contrapartida, nem o artigo 8:69 do Awb nem qualquer outra disposição semelhante se aplicam no contexto de um processo penal em matéria de prisão preventiva. Por conseguinte, o juiz penal não estava obrigado a cingir‑se aos fundamentos ou aos argumentos invocados pelo suspeito ou pelo officier van justitie (Ministério Público, Países Baixos) no que toca à privação de liberdade. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, no âmbito do processo penal, é o próprio juiz penal que impõe a medida privativa de liberdade, o que constitui uma grande diferença em relação às medidas de direito administrativo, que, de resto, não têm um escopo punitivo. O único ponto de comparação possível com a fiscalização oficiosa exercida pelo juiz em relação a uma medida de detenção podia ser, na perspetiva desse órgão jurisdicional, a fiscalização pelo juiz penal da legalidade de uma prisão preventiva, relativamente à qual esse juiz não estava obrigado a cingir‑se aos fundamentos suscitados pelo suspeito. Todavia, também nesse caso, as diferenças entre os dois tipos de processo impedem de concluir que as normas processuais aplicáveis em matéria de detenção são incompatíveis com o princípio da equivalência.

35.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 8:69 do Awb também não põe em causa o princípio da efetividade, dado que os nacionais de países terceiros colocados em detenção têm um acesso rápido e gratuito à justiça e podem apresentar todos os fundamentos que entenderem. Esta conclusão não é contrariada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. É verdade que o Tribunal de Justiça declarou, no seu Acórdão de 4 de outubro de 2012, Byankov ( 9 ), que a impossibilidade de reexaminar um ato administrativo que limita a livre circulação de um cidadão da União é incompatível com o princípio da efetividade. Todavia, as medidas de detenção tinham um alcance diferente e a possibilidade de as reexaminar era garantida tanto pelo direito da União como pelo direito neerlandês.

36.

Esse órgão jurisdicional observa igualmente que B e C sustentam que o poder oficioso dos juízes que fiscalizam as medidas de detenção deve ser deduzido, por um lado, dos Acórdãos de 5 de junho de 2014, Mahdi ( 10 ), e de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság ( 11 ), dos quais decorre que os requisitos de legalidade devem ser apreciados independentemente dos fundamentos apresentados, e, por outro, nomeadamente, dos Acórdãos de 17 de dezembro de 2009, Martín Martín ( 12 ), e de 17 de maio de 2018, Karel de Grote — Hogeschool Katholieke Hogeschool Antwerpen ( 13 ), que, segundo eles, seriam pertinentes por analogia, na medida em que o Tribunal de Justiça impôs que se procedesse a uma fiscalização oficiosa em matéria de direitos dos consumidores para compensar a situação de desigualdade existente entre os consumidores e os profissionais.

37.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os Acórdãos de 5 de junho de 2014, Mahdi ( 14 ), e de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság ( 15 ), não esclarecem se existe ou não uma obrigação de apreciar oficiosamente todos os requisitos que, por força do direito da União, devem ser cumpridos para que a detenção seja legal.

38.

No que respeita à jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de direitos dos consumidores, o órgão jurisdicional de reenvio, embora reconheça que as pessoas colocadas em detenção constituem de algum modo, à semelhança de determinados consumidores, um grupo vulnerável em relação ao Secretário de Estado e que, portanto, existe uma situação de desigualdade, destaca a diferença entre os processos em matéria de consumidores, em que as duas partes que se opõem são pessoas de direito privado, e os processos em matéria de detenção, em que uma pessoa singular se opõe a uma autoridade administrativa. Uma vez que esta última deve atuar no interesse geral e respeitar os princípios gerais de boa administração, a situação de desigualdade entre as partes no litígio é menos pronunciada, já que o direito processual administrativo foi exatamente concebido para atenuar essa desigualdade. Pelo contrário, o direito processual civil partia, em princípio, da ideia de que as partes se encontram em pé de igualdade, o que tornava necessário, em matéria de direito dos consumidores, corrigir a situação de desigualdade existente, na medida em que, nesse domínio, o particular opõe‑se normalmente a uma grande sociedade.

39.

No que respeita, por último, ao artigo 5.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ( 16 ), cujo n.o 4 enuncia que «[q]ualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal», o órgão jurisdicional de reenvio observa que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nunca declarou que os tribunais tinham de examinar oficiosamente os requisitos de legalidade de uma privação de liberdade. Pelo contrário, declarou que a legalidade de uma detenção não deve ser apreciada automaticamente pelo juiz ( 17 ). Da jurisprudência do TEDH também não decorre a existência de uma presunção da ilegalidade da detenção e que, portanto, esta seria ilegal enquanto o juiz não declarasse expressamente a sua legalidade. Em contrapartida, esse tribunal tinha enfatizado a importância do direito de o detido intentar uma ação judicial e de pedir assim a um juiz que se pronuncie, num curto prazo, sobre a legalidade da sua detenção ( 18 ).

40.

Simultaneamente, o órgão jurisdicional de reenvio considera que dos elementos que precedem não se pode necessariamente inferir que o artigo 6.o da Carta, que garante o direito a um recurso efetivo, não obriga o juiz a controlar oficiosamente a legalidade da detenção. O direito da União pode, com efeito, conferir uma proteção mais ampla do que os direitos garantidos pela CEDH.

41.

Nestas condições, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O direito da União, em especial o artigo 15.o, n.o 2, da [Diretiva 2008/115] e o artigo 9.o da [Diretiva 2013/33], lidos em conjugação com o artigo 6.o da [Carta], obriga [o juiz a proceder a um controlo oficioso], no sentido de que […] é obrigado a apreciar por sua própria iniciativa (ex officio), se todas as condições de detenção foram cumpridas, incluindo as condições cujo cumprimento não foi contestado pelo [nacional] estrangeiro, embora tivesse tido a possibilidade de o fazer?»

B.   Litígio relativo a X (C‑39/21)

42.

X é um cidadão marroquino, nascido em 1973. Por Decisão de 1 de novembro de 2020, o Secretário de Estado colocou‑o em detenção com fundamento no artigo 59.o, n.o 1, proémio e alínea a), da Vw 2000, que faz parte das disposições pelas quais os Países Baixos transpuseram a Diretiva 2008/115. Essa colocação em detenção era justificada pela proteção da ordem pública, pois existia o risco de X se subtrair aos controlos e entravar o seu afastamento.

43.

Por Sentença de 14 de dezembro de 2020, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch), negou provimento ao recurso que X interpôs dessa medida de detenção. X interpôs recurso dessa sentença. Por Sentença de 2 de junho de 2021, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) negou provimento ao recurso de X ( 19 ).

44.

Em 8 de janeiro de 2021, X interpôs recurso no rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch) contra a manutenção da medida de detenção. É no contexto desse recurso que se inscreve o pedido de decisão prejudicial apresentado por esse órgão jurisdicional.

45.

O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que só apreciará a legalidade da manutenção da detenção de X a partir de 8 de dezembro de 2020. Com efeito, a legalidade da detenção até 7 de dezembro de 2020 foi apreciada na sua Sentença de 14 de dezembro de 2020.

46.

Em apoio do seu recurso, X invoca a inexistência de uma perspetiva de afastamento num prazo razoável. Em resposta, o Secretário de Estado observa que o procedimento de solicitação de um documento de viagem ainda está a decorrer e que as autoridades marroquinas não informaram que esse documento não seria fornecido.

47.

O órgão jurisdicional de reenvio considera que é necessário obter esclarecimentos sobre as exigências que decorrem do direito da União no que respeita à intensidade da fiscalização jurisdicional em processos de detenção de nacionais de países terceiros.

48.

Reconhecendo a importância do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, o referido órgão jurisdicional não exclui que tanto as exigências de equivalência e de efetividade que acompanham esse princípio como os direitos fundamentais consagrados nos artigos 6.o, 24.o e 47.o da Carta se opõem às restrições impostas aos tribunais neerlandeses em sede do exame da legalidade da detenção de nacionais de países terceiros nas situações visadas na Diretiva 2008/115, Diretiva 2013/33 e Regulamento n.o 604/2013.

49.

Após ter recordado a norma processual neerlandesa que proíbe o juiz, quando procede à análise de mérito da legalidade de uma detenção, de suscitar oficiosamente elementos de facto ou de direito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que essa proibição se aplica igualmente quando o interessado é uma «pessoa vulnerável», na aceção do direito da União, como um menor.

50.

Esse órgão jurisdicional sublinha que, os casos em que um juiz chamado a pronunciar‑se sobre um recurso de uma medida de detenção suscita oficiosamente elementos de facto ou de direito, o Secretário de Estado interpõe sistematicamente recurso para o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) e obtém sempre, aí, ganho de causa.

51.

No contexto do processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio dispõe, em relação ao período que começa em 8 de dezembro de 2020, de um relatório de audição de cerca de meia página e de um relatório de acompanhamento, datado de 8 de janeiro de 2021, intitulado «Modelo 120 — Informações relativas ao afastamento». Este último relatório, com quatro páginas, mais não é do que um formulário no qual as autoridades indicam as medidas concretas que adotam para proceder ao afastamento. Em substância, resulta desse relatório, por um lado, que as autoridades insistiram por escrito com as autoridades marroquinas para saber se o pedido de documento de viagem estava a ser processado e, por outro, que, na sua entrevista de saída de 6 de janeiro de 2021, X indicou nada ter feito a partir do seu local de detenção para acelerar o seu regresso a Marrocos.

52.

Esse órgão jurisdicional considera ser impossível deduzir desse dossiê sumário todos os factos relevantes para a apreciar a legalidade da manutenção da detenção. No presente caso, pretendia saber porque é que as autoridades neerlandesas consideram, por um lado, que existe uma perspetiva razoável de afastamento, quando foram enviados 21 pedidos escritos a fim de obter um documento de viagem, e, por outro, que a imposição de uma medida menos coerciva do que a detenção não deve ser ponderada. Além disso, mesmo que essas autoridades pudessem justificar de forma bastante não haver outras medidas que permitissem preparar a recondução à fronteira sem que X pudesse impedi‑la como consequência da sua fuga, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber por que razão a situação pessoal de X não implica, no entanto, que as autoridades renunciem à detenção. Relativamente a este último aspeto, dos autos decorre, nomeadamente, que X enfrenta um problema de dependência. Por conseguinte, haveria que saber que serviços específicos existem no centro de detenção para ajudar X a enfrentar esse problema.

53.

Dado que não pode examinar oficiosamente esses elementos, o órgão jurisdicional de reenvio considera ter sido privado da possibilidade de apreciar a legalidade da manutenção da detenção à luz de todos os elementos pertinentes. Essa situação podia ser considerada incompatível com o direito fundamental à ação consagrado no artigo 47.o da Carta, tanto mais que não é possível interpor recurso das sentenças que têm por objeto a manutenção de medidas de detenção.

54.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, para que a proteção jurisdicional seja efetiva nesse tipo de processos, é necessário que o juiz esteja em condições de assegurar plenamente o respeito do direito fundamental à liberdade, consagrado no artigo 6.o da Carta. Tendo em conta o artigo 5.o da CEDH, o artigo 6.o da Carta e o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, seria conveniente que o juiz pudesse assegurar o respeito da regra segundo a qual ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo em certos casos taxativamente enumerados e de acordo com os procedimentos legais. Assim, perante uma detenção ao abrigo do artigo 15.o da Diretiva 2008/115, o juiz deveria estar em condições de verificar, de forma completa e aprofundada, se as exigências enunciadas nessa disposição são respeitadas. O direito neerlandês, conforme interpretado pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), não garante esse exame exaustivo.

55.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, decorre do direito da União que o juiz chamado a pronunciar‑se sobre um recurso de uma detenção, ao abrigo da Diretiva 2008/115, da Diretiva 2013/33 ou do Regulamento n.o 604/2013, deve, atenta a gravidade dessa medida, examinar e apreciar ex officio, ativa e aprofundadamente, todos os factos e elementos pertinentes da legalidade da detenção a fim de poder, em todos os casos em que considere que essa detenção é ilegal, ordenar a libertação imediata da pessoa em causa.

56.

No que toca à jurisprudência do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio observa que se precisou no n.o 49 do Acórdão de 6 de novembro de 2012, Otis e o. ( 20 ), que, para que um tribunal «possa conhecer de um litígio relativo a direitos e obrigações decorrentes do direito da União em conformidade com o artigo 47.o da Carta, é preciso que tenha competência para examinar todas as questões de facto e de direito pertinentes para o litígio que é chamado a decidir». Refere‑se igualmente aos n.os 36 e 40 do Acórdão de 15 de março de 2017, Al Chodor ( 21 ), segundo os quais a colocação em detenção constitui uma ingerência grave no direito fundamental à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta, bem como aos n.os 62 e 63 do Acórdão de 5 de junho de 2014, Mahdi ( 22 ), nos quais o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que, para além dos elementos de facto e das provas apresentados pela autoridade administrativa que ordenou a detenção inicial e das eventuais observações do nacional em causa de um país terceiro, a autoridade judicial que se pronuncia sobre um pedido de prorrogação da detenção deve poder procurar quaisquer outros elementos pertinentes para a sua decisão caso o considere necessário, não podendo os poderes que detém no âmbito de uma fiscalização, em caso nenhum, circunscrever‑se apenas aos elementos apresentados pela autoridade administrativa.

57.

O órgão jurisdicional de reenvio cita, além disso, os n.os 140 e 142 do Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság ( 23 ), em que o Tribunal de Justiça aí sublinhou que o artigo 47.o da Carta não tem de ser precisado por disposições do direito da União ou do direito nacional para conferir aos particulares um direito que pode ser invocado enquanto tal e que, embora caiba à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro definir as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos individuais derivados da ordem jurídica da União, os Estados‑Membros têm, porém, a responsabilidade de assegurar, em cada caso, o respeito do direito a uma proteção jurisdicional efetiva dos referidos direitos.

58.

O órgão jurisdicional de reenvio observa ainda que, no que respeita ao dever de fundamentação previsto no artigo 8:77, n.o 1, alínea b), do Awb, está prevista uma exceção no artigo 91.o, n.o 2, da Vw 2000, no sentido de que o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), decidindo em sede de recurso de sentenças em matéria de colocação em detenção, pode pronunciar‑se mediante fundamentação abreviada, que no essencial se limita a indicar que o interessado não apresentou objeções válidas.

59.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, essa exceção priva os interessados do seu direito à ação. O artigo 47.o da Carta devia, em seu entender, ser interpretado no sentido de que o acesso à justiça, em matéria de direito dos estrangeiros, compreende também o direito a uma decisão fundamentada quanto ao mérito do órgão jurisdicional que se pronuncia em segunda e última instância, pelo menos quando, como no presente caso, todos os outros processos jurisdicionais administrativos, penais e cíveis do Estado‑Membro em causa estão sujeitos a uma obrigação de fundamentação.

60.

Nestas condições, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Tendo em conta o artigo 47.o da [Carta], lido em conjugação com os artigos 6.o e 53.o da Carta, e à luz do artigo 15.o, n.o 2, alínea b), da [Diretiva 2008/115], do artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva [Diretiva 2013/33] e do artigo 28.o, n.o 4, do [Regulamento n.o 604/2013], é permitido aos Estados‑Membros conceber um processo judicial de impugnação da detenção de um estrangeiro ordenada pelas autoridades que proíba o órgão jurisdicional de examinar e apreciar oficiosamente todos os aspetos da legalidade da detenção e, em caso de constatação oficiosa de que a detenção é ilegal, ordenar a cessação imediata da detenção ilegal e a libertação imediata do [nacional] estrangeiro? Se o [Tribunal de Justiça] considerar que tal legislação nacional é incompatível com o direito da União, tal significa também que, se o [nacional] estrangeiro pedir ao órgão jurisdicional que ordene a sua libertação, este continua a ser obrigado a examinar e a apreciar de forma ativa e exaustiva todos os factos e elementos relevantes para a legalidade da detenção?

2)

Tendo em conta o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, lido em conjugação com o artigo 3.o, ponto 9), da [Diretiva 2008/115], o artigo 21.o da [Diretiva 2013/33] e o artigo 6.o do [Regulamento n.o 604/2013], é relevante para a resposta à questão I o facto de o [nacional] estrangeiro detido pelas autoridades ser menor?

3)

Decorre do direito a uma via de recurso efetiva, conforme garantido pelo artigo 47.o da Carta, lido em conjugação com os artigos 6.o e 53.o da Carta e à luz do artigo 15.o, n.o 2, proémio e alínea b), da [Diretiva 2008/115], do artigo 9.o, n.o 3, da [Diretiva 2013/33], e do artigo 28.o, n.o 4, do [Regulamento n.o 604/2013], que o órgão jurisdicional deve, em todo o caso, sempre que o [nacional] estrangeiro lhe solicite o levantamento da medida de detenção e a sua libertação, fundamentar de forma substantiva e adequada qualquer decisão sobre tal pedido se, além disso, a via de recurso tiver sido concebida nos mesmos moldes que neste Estado‑Membro? Se o Tribunal de Justiça considerar incompatível com o direito da União uma prática jurídica nacional segundo a qual o órgão jurisdicional de segunda e, portanto, última instância, se pode limitar a proferir uma decisão sem fundamentação quanto ao mérito, tal significa que a competência do órgão jurisdicional que decide em segunda e última instância em processos de pedido de asilo e em processos ordinários relativos a estrangeiros deve igualmente ser considerada incompatível com o direito da União tendo em conta a situação vulnerável do [nacional] estrangeiro, a importância considerável dos procedimentos judiciais relativos a estrangeiros e a constatação de que estes procedimentos oferecem, ao contrário de todos os demais procedimentos administrativos no que diz respeito à proteção jurídica, as mesmas garantias processuais reduzidas em relação ao [nacional] estrangeiro como as previstas para o procedimento de detenção? Tendo em conta o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, é relevante para a resposta a estas questões o facto de o [nacional] estrangeiro que impugna judicialmente a decisão das autoridades em matéria do direito relativo aos estrangeiros [ser menor]?»

IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

61.

O Tribunal de Justiça tinha, num primeiro momento, decidido submeter o processo C‑39/21 PPU a tramitação prejudicial urgente, porquanto X, no momento da apresentação do pedido prejudicial, se encontrava detido e estava, portanto, privado da sua liberdade e, além disso, a resposta do Tribunal de Justiça às questões prejudiciais podia ser decisiva para o termo ou manutenção dessa detenção. Devido à sua conexão com este processo, o processo C‑704/20 beneficiou do mesmo tratamento.

62.

Num segundo momento, o Tribunal de Justiça decidiu que esses dois processos deviam ser submetidos a tramitação ordinária. Essa decisão foi tomada na sequência do ofício do rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch) de 31 de março de 2021, segundo o qual esse tribunal, por Decisão interlocutória de 26 de março de 2021, pusera fim à detenção de X.

63.

Por Decisão de 26 de abril de 2021, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch) atribuiu uma indemnização a X por a sua detenção ser ilegal e lhe ter causado prejuízo. Contudo, esse órgão jurisdicional, enquanto espera pelas respostas do Tribunal de Justiça às suas questões prejudiciais, suspendeu a instância relativamente à questão de saber se X pode beneficiar de uma indemnização maior.

64.

X, o Governo neerlandês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Anteriormente, enquanto o processo se encontrava sob tramitação prejudicial urgente, C tinha igualmente apresentado observações. Em 1 de março de 2022, teve lugar uma audiência.

V. Análise

A.   Quanto à questão prejudicial no processo C‑704/20 e à primeira questão prejudicial no processo C‑39/21

65.

A título preliminar, esclareço que as disposições a interpretar são, no processo C‑39/21, o artigo 15.o da Diretiva 2008/115 e, no processo C‑704/20, o artigo 9.o da Diretiva 2013/33 e o artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento n.o 604/2013 ( 24 ). Embora o processo C‑704/20 se refira à fiscalização jurisdicional da colocação em detenção, ao passo que o processo C‑39/21 tem por objeto a fiscalização jurisdicional da manutenção em detenção, opto intencionalmente por me debruçar sobre o artigo 15.o da Diretiva 2008/115 e o artigo 9.o da Diretiva 2013/33 na sua globalidade, porquanto, como explicarei nos desenvolvimento que se seguem, me parece dever retirar‑se alguns ensinamentos de diversas disposições de cada um desses artigos, que se prestam a uma interpretação conjunta ( 25 ).

66.

No âmbito das normas comuns adotadas pelo legislador da União, a base legal da detenção é essencialmente constituída, no que respeita aos nacionais de países terceiros em situação irregular, pelos artigos 15.o a 17.o da Diretiva 2008/115 e, em relação aos nacionais de países terceiros e apátridas requerentes de proteção internacional, pelos artigos 8.o a 11.o da Diretiva 2013/33 e pelo artigo 28.o do Regulamento n.o 604/2013.

67.

Os motivos de detenção previstos pelo direito da União figuram, para os nacionais de países terceiros em situação irregular, no artigo 15.o da Diretiva 2008/115 e, para os nacionais de países terceiros requerentes de proteção internacional, no artigo 8.o da Diretiva 2013/33 e no artigo 28.o do Regulamento n.o 604/2013. Essas disposições, ao definirem o regime aplicável à colocação em detenção e à sua manutenção, permitem determinar os requisitos da legalidade das medidas de detenção. Esses requisitos dizem, nomeadamente, respeito à competência do órgão que ordena a detenção, ao risco de fuga da pessoa detida, ao caráter bastante de outras medidas menos coercivas do que a detenção, à diligência da administração no processo de deportação bem como à proteção de que beneficiam as pessoas vulneráveis.

68.

Feitas estas precisões, examinarei conjuntamente a questão prejudicial no processo C‑704/20 e a primeira questão prejudicial no processo C‑39/21. Com efeito, não me parece necessário diferenciar de forma substancial o papel do juiz consoante tenha de se pronunciar sobre a legalidade da colocação em detenção ou da sua manutenção ( 26 ) ou consoante a detenção seja decidida no contexto da Diretiva 2008/115, da Diretiva 2013/33 ou do Regulamento n.o 604/2013. Embora as razões da colocação em detenção ou da sua manutenção não sejam idênticas, os princípios que as regem e que permitem delimitar o papel do juiz são comuns a ambas.

69.

Sublinho, antes de mais, que o legislador da União aprovou um determinado número de regras comuns no que toca à fiscalização jurisdicional da colocação em detenção dos nacionais de países terceiros e da sua manutenção.

70.

Assim, a colocação em detenção de um nacional de um país terceiro em situação irregular deve ser ordenada, de acordo com o artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 ( 27 ), por uma autoridade administrativa ou judicial, por escrito e fundamentada. Quando a detenção é ordenada por uma autoridade administrativa, o Estado‑Membro em causa tem a obrigação ou [caso do artigo 15.o, n.o 2, alínea a), dessa diretiva] de prever «o controlo jurisdicional célere da legalidade da detenção», ou [caso do artigo 15.o, n.o 2, alínea b), da mesma diretiva] conceder «ao nacional de país terceiro em causa o direito de intentar uma ação através da qual a legalidade da sua detenção seja objeto de controlo jurisdicional célere». Além disso, o artigo 15.o, n.o 3, da mesma diretiva prevê que a detenção deve ser objeto «de reapreciação a intervalos razoáveis, quer a pedido do nacional de país terceiro em causa, quer oficiosamente» e que «[n]o caso de períodos de detenção prolongados, as reapreciações são objeto de fiscalização pelas autoridades judiciais».

71.

No que respeita aos nacionais de países terceiros e aos apátridas requerentes de proteção internacional, a Diretiva 2013/33 prevê regras análogas tanto para a fiscalização jurisdicional da colocação em detenção (artigo 9.o, n.o 3, dessa diretiva) como para a da manutenção da detenção (artigo 9.o, n.o 5, da referida diretiva).

72.

Em todas estas disposições, o legislador da União prevê uma fiscalização jurisdicional que pode ser feita a pedido do nacional de país terceiro em causa ou oficiosamente. As referidas disposições, que se destinam, dada a importância do direito fundamental à liberdade e a gravidade da ingerência nesse direito que a detenção constitui ( 28 ), a proteger os nacionais de países terceiros contra as detenções arbitrárias, visam, portanto, garantir a existência, em todos os Estados‑Membros, de um controlo judicial das decisões de colocação em detenção e, em seguida, da sua manutenção a fim de verificar a legalidade dessas decisões.

73.

Todavia, esse legislador não adotou regras comuns no que toca ao alcance da fiscalização que o juiz deve efetuar para verificar a legalidade da colocação em detenção ou da sua manutenção. Em especial, o referido legislador não previu expressamente que o juiz, quando da fiscalização da legalidade de uma detenção, deve examinar o conjunto dos elementos de facto e de direito que considera pertinentes, independentemente dos fundamentos e argumentos invocados perante si. Por conseguinte, as modalidades dessa fiscalização incluem‑se na autonomia processual dos Estados‑Membros.

74.

Importa verificar se o artigo 8:69, n.o 1, do Awb, na medida em que restringe a função do juiz que deve examinar a legalidade da colocação em detenção ou da sua manutenção apenas aos fundamentos e argumentos invocados por um nacional de país terceiro, está em conformidade com os limites que balizam a autonomia processual dos Estados‑Membros.

75.

A este propósito, recordo que, em conformidade com jurisprudência constante, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro estabelecer as modalidades processuais de recurso à justiça destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos dos particulares, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) ( 29 ).

76.

Daqui decorre que devem estar reunidas duas condições cumulativas, a saber, o respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade, para que um Estado‑Membro possa invocar o princípio da autonomia processual em situações regidas pelo direito da União ( 30 ).

77.

Quanto ao princípio da efetividade, o Tribunal de Justiça já declarou que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, a tramitação deste e as suas particularidades perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há nomeadamente que tomar em consideração, se for esse o caso, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e o bom desenrolar do processo ( 31 ).

78.

Assim sendo, importa sublinhar que o respeito do princípio da efetividade impõe que a regra processual em causa seja conforme ao direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantida pelo artigo 47.o da Carta ( 32 ). Assim, a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem a efetividade dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União implica uma exigência de tutela jurisdicional, garantida pelo artigo 47.o da Carta, que o juiz nacional deve respeitar. Esta proteção deve ser assegurada tanto no plano da designação dos órgãos jurisdicionais competentes para conhecer de ações baseadas no direito da União como no plano da definição das regras processuais relativas a tais ações ( 33 ).

79.

Por conseguinte, a questão que está no âmago dos presentes processos pode ser formulada nos seguintes termos: É conforme ao direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantida pelo artigo 47.o da Carta uma regra processual nacional que obsta a que um órgão jurisdicional nacional examine oficiosamente fundamentos relativos à violação do direito da União, na medida em que tem por efeito impedir esse órgão jurisdicional de examinar a legalidade de uma medida de colocação ou de manutenção em detenção tendo em conta todos os motivos que podem justificar essa medida, sem se limitar, se for caso disso, aos fundamentos e aos argumentos apresentados pelo requerente, é conforme ao direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantida pelo artigo 47.o da Carta?

80.

O Tribunal de Justiça já afirmou noutros contextos que não põem em causa o direito à liberdade garantido pelo artigo 6.o da Carta que o princípio da efetividade não impõe, em princípio, que os órgãos jurisdicionais nacionais suscitem oficiosamente um fundamento assente na violação de disposições de direito da União, quando a análise desse fundamento os obrigue a sair dos limites do litígio como foi circunscrito pelas partes, baseando‑se em factos e circunstâncias diferentes daqueles em que baseou o seu pedido a parte que tem interesse na aplicação das referidas disposições ( 34 ).

81.

Segundo o Tribunal de Justiça, esta limitação do poder do juiz nacional justifica‑se pelo princípio segundo o qual a iniciativa processual pertence às partes e que, consequentemente, quando o direito processual nacional oferece uma real possibilidade à parte em causa de suscitar um fundamento baseado no direito da União, o juiz nacional só está obrigado a agir oficiosamente em casos excecionais em que o interesse público exige a sua intervenção ( 35 ).

82.

A este propósito, sublinho que o artigo 8:69, n.o 1, do Awb não tem por efeito impedir os nacionais de países terceiros de suscitar um ou mais fundamentos relativos à incompatibilidade da sua colocação em detenção ou da sua manutenção com os requisitos previstos nas normas pertinentes do direito derivado da União ( 36 ). O órgão jurisdicional demandado não se encontra, portanto, impedido, por essa disposição nacional, de examinar os fundamentos relativos à violação do direito da União invocados pelo requerente em apoio do recurso que interpôs da sua colocação em detenção ou da sua manutenção. Esse órgão jurisdicional pode então, à luz dos fundamentos aí invocados, exercer a fiscalização de plena jurisdição, cuja importância o Tribunal de Justiça afirmou no seu Acórdão de 5 de junho de 2014, Mahdi ( 37 ).

83.

Recordo, a este propósito, que, segundo o Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional nacional, no âmbito do controlo que deve efetuar, deve ter possibilidade de deliberar sobre quaisquer elementos de facto e de direito pertinentes para determinar se a detenção do nacional em causa de um país terceiro é justificada. Esse órgão jurisdicional deve, assim, estar em condições de tomar em consideração tanto os elementos de facto e as provas invocadas pela autoridade administrativa que solicitou a colocação em detenção como qualquer possível observação do nacional em causa de um país terceiro. Além disso, deve ter possibilidade de procurar quaisquer outros elementos pertinentes para a sua decisão caso o considere necessário Por conseguinte, os poderes detidos pela autoridade judicial não podem, em caso nenhum, circunscrever‑se apenas aos elementos apresentados pela autoridade administrativa afetada ( 38 ). Além disso, quando a detenção inicialmente ordenada deixar de se justificar, a autoridade judicial competente deve ter condições de substituir por uma decisão própria adotada por si a decisão da autoridade administrativa ( 39 ).

84.

A fim de defender a compatibilidade do artigo 8:69, n.o 1, do Awb com o direito da União no quadro específico da detenção, o Governo neerlandês sustenta, à semelhança do que anteriormente indiquei, que os nacionais de países terceiros não estão limitados na sua possibilidade de submeter ao órgão jurisdicional nacional todas as queixas que considerem pertinentes, órgão jurisdicional esse que tem, aliás, a competência para traduzir para termos jurídicos os elementos factuais aduzidos por essas pessoas. Esse governo acrescenta que, diferentemente do que ocorre no direito administrativo geral, foram previstas garantias adicionais em matéria de detenção, designadamente uma avaliação sistemática por um juiz, mesmo não existindo recurso, uma audição e a assistência de um advogado especializado nessa área. Além disso, a autoridade administrativa competente tinha a obrigação de controlar os critérios de legalidade da colocação em detenção e da sua manutenção, o que justificava que o juiz não fosse obrigado a proceder a um novo controlo tão extenso, para além das queixas apresentadas pelo interessado.

85.

Porém, não penso que as garantias que acabam de ser enumeradas sejam suscetíveis de assegurar a efetividade da proteção jurisdicional que deve ser reconhecida aos nacionais de países terceiros objeto de uma medida de colocação ou manutenção em detenção, pois o artigo 8:69, n.o 1, do Awb pode pôr em causa a plena eficácia do recurso destinado a que um órgão jurisdicional se pronuncie sobre a legalidade dessa medida.

86.

No que respeita ao direito à liberdade, garantido pelo artigo 6.o da Carta, o direito a uma proteção jurisdicional efetiva não deve ter brechas nem permitir ângulos mortos. Embora a extensão deste direito varie em função do contexto específico e das circunstâncias próprias de cada caso, designadamente da natureza do ato em causa, do contexto em que foi adotado e das regras jurídicas que regem a matéria em questão ( 40 ), considero que, uma vez que está em causa o direito à liberdade, o direito a uma proteção jurisdicional efetiva deve ser rigorosa e estritamente garantido, permitindo‑se uma fiscalização completa, no que respeita à sua extensão e intensidade, da legalidade das medidas privativas de liberdade. Na minha opinião, estes elementos militam a favor de uma abordagem da problemática relativa à apreciação oficiosa, pelos órgãos jurisdicionais nacionais, de fundamentos relativos à violação do direito da União que deve ser específica à verificação de potenciais violações do direito à liberdade.

87.

Sublinho, a este respeito, que o Tribunal de Justiça já declarou que, atendendo à importância do direito à liberdade e à gravidade da ingerência nesse direito que uma medida de detenção constitui, as restrições ao seu exercício devem ocorrer na estrita medida do necessário ( 41 ). Assim, qualquer detenção abrangida pela Diretiva 2008/115, pela Diretiva 2013/33 ou pelo Regulamento n.o 604/2013 está estritamente balizada pelas disposições dessas diretivas e desse regulamento, de modo a garantir, por um lado, o respeito do princípio da proporcionalidade quanto aos meios utilizados e aos objetivos prosseguidos e, por outro, o respeito dos direitos fundamentais das pessoas em causa ( 42 ). Assim, as medidas de detenção adotadas ao abrigo das disposições pertinentes do direito derivado da União não devem violar o direito à liberdade dos nacionais de países terceiros que são objeto dessas medidas, conforme garantido no artigo 6.o da Carta ( 43 ).

88.

Além disso, as características dos recursos previstos pelos Estados‑Membros para permitir aos nacionais de países terceiros fazer valer os seus direitos devem ser determinadas em conformidade com o artigo 47.o da Carta, nos termos do qual toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no referido artigo ( 44 ). Com efeito, os Estados‑Membros, quando aplicam o direito da União, são obrigados a assegurar o respeito do direito à ação consagrado no artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, que constitui uma reafirmação do princípio da tutela jurisdicional efetiva ( 45 ).

89.

Por outro lado, importa sublinhar que, segundo o Tribunal de Justiça, uma vez que é suscetível de violar o direito à liberdade do nacional de país terceiro em causa, consagrado no artigo 6.o da Carta, uma decisão que ordene a sua detenção ou a prorrogação da sua detenção deve respeitar garantias estritas, a saber, nomeadamente, a proteção contra a arbitrariedade. Ora, essa proteção implica, designadamente, que uma detenção só possa ser ordenada ou prorrogada se forem respeitadas as regras gerais e abstratas que definem as condições e modalidades de tal detenção ( 46 ). É a efetividade da fiscalização jurisdicional da colocação em detenção ou da sua manutenção que permite de garantir aos nacionais de países terceiros os direitos que para eles decorrem dessas normas ( 47 ).

90.

Importa igualmente referir que a restrição do âmbito da análise a que o juiz deve proceder quando fiscaliza a legalidade da colocação em detenção ou da sua manutenção constitui uma restrição ao direito a um recurso efetivo perante um tribunal na aceção do artigo 47.o da Carta que, de acordo com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, só é justificada se estiver prevista na lei, se respeitar o conteúdo essencial do referido direito e se, na observância do princípio da proporcionalidade, for necessária e corresponder efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União Europeia, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros ( 48 ).

91.

Ora, considero que o facto de um órgão jurisdicional poder ser impedido de colocar em liberdade uma pessoa detida em relação à qual tenha concluído, com base em elementos de que dispõe, que essa detenção é ilegal, é contrário tanto ao conteúdo essencial do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, garantido pelo artigo 47.o da Carta, de que deve beneficiar essa pessoa, como à sua proteção contra uma detenção arbitrária, que decorre do artigo 6.o da Carta. Qualquer outra interpretação abriria uma brecha na proteção contra a detenção arbitrária, o que não era compatível com a importância da liberdade individual numa sociedade democrática ( 49 ).

92.

Com efeito, o facto de um órgão jurisdicional apenas poder atender aos fundamentos e argumentos aí suscitados, sem poder oficiosamente fazer uso de outros, pode conduzir a que uma pessoa seja colocada em detenção e assim mantida sem os respetivos requisitos se encontrarem satisfeitos. Ora, resulta de diversas disposições de direito derivado da União, que concretizam o direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantido pelo artigo 47.o da Carta e a proteção contra uma detenção arbitrária, que decorre do artigo 6.o da Carta, que a libertação imediata tem caráter imperativo quando a detenção é ilegal ou deixou de se justificar. Assim, no último período do artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115, vem referido que «[o] nacional de país terceiro em causa é libertado imediatamente se a detenção for ilegal». A libertação imediata da pessoa em causa também é imposta pelo artigo 15.o, n.o 4, dessa diretiva quando a detenção deixou de se justificar, ou seja «[q]uando, por razões de natureza jurídica ou outra ou por terem deixado de se verificar as condições enunciadas no n.o 1, se afigure já não existir uma perspetiva razoável de afastamento». Além disso, o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/33 determina que «[s]e, na sequência do controlo judicial, a detenção for declarada ilegal, o requerente em causa deve ser libertado imediatamente».

93.

No meu entender, as garantias processuais indicadas pelo Governo neerlandês não permitem evitar os riscos de, devido à impossibilidade de o órgão jurisdicional demandado suscitar oficiosamente determinados fundamentos e argumentos, uma pessoa ser objeto de uma medida de colocação ou manutenção em detenção, embora não se encontrem reunidos os requisitos dessa medida, o que atenta diretamente contra as disposições de direito derivado da União que acabo de referir e que devem ser interpretadas em conformidade com os direitos fundamentais protegidos pela Carta.

94.

Nessa situação, a proteção jurisdicional de que essa pessoa beneficia não pode, em minha opinião, ser qualificada de efetiva. Com efeito, no contexto de um recurso interposto de uma medida de colocação em detenção ou da sua manutenção, a efetividade desse recurso deve ser conjugada com o caráter imperativo da libertação do nacional de país terceiro quando não estejam reunidos os requisitos que permitem a adoção dessa medida. Segue‑se que a proteção jurisdicional efetiva de um nacional de país terceiro sujeito a uma medida de colocação em detenção ou da sua manutenção não fica garantida se o órgão jurisdicional que tem por missão fiscalizar a legalidade dessa medida estiver impedido, por via de uma norma processual nacional, de ordenar a libertação dessa pessoa, mesmo que conclua, com base nos elementos de que dispõe, não poderem ser identificados motivos válidos para a detenção. Além disso, a aplicação dessa norma processual no contexto da detenção pode prejudicar o pleno efeito das normas gerais e abstratas que definem as respetivas condições e modalidades, privando os nacionais em causa de países terceiros do benefício dos direitos que para eles decorrem dessas normas.

95.

Assim, considero que limitar o alcance da fiscalização do juiz apenas aos fundamentos e argumentos invocados pelo requerente pode levar a desrespeitar as disposições de direito derivado da União que fazem recair sobre as autoridades nacionais a obrigação de libertar a pessoa objeto de uma medida de privação de liberdade ilegal. Por conseguinte, o caráter automático e imperativo da libertação, quando não estejam cumpridos os requisitos para a colocação em detenção ou a sua manutenção, limita, em meu entender, a margem de manobra de que dispõem os Estados‑Membros para definir as modalidades processuais dos recursos judiciais, fazendo impender sobre eles uma obrigação de resultado. Essa obrigação consiste em garantir que esses recursos são organizados de forma a permitirem aos nacionais de países terceiros detidos obter que as autoridades nacionais competentes não possam manter essa detenção se não estiverem satisfeitos os requisitos dessa medida. Dada a importância, tantas vezes sublinhada pelo Tribunal de Justiça, do direito à liberdade, parece‑me particularmente inoportuno aceitar que uma norma processual nacional possa contribuir para a subsistência de dúvidas quanto à legalidade de um ato que implica a colocação em detenção ou a sua manutenção ( 50 ).

96.

Quanto ao argumento invocado pelo Governo neerlandês, que mencionei anteriormente, segundo o qual a autoridade administrativa competente tinha a obrigação de controlar os critérios de legalidade da colocação em detenção e da sua manutenção, o que justificava que o juiz não fosse obrigado a proceder a um novo controlo tão extenso, para além das queixas apresentadas pelo interessado, sublinho, à semelhança da Comissão, que os requisitos de legalidade da detenção são vinculativos tanto para a autoridade administrativa competente como para o juiz. Por conseguinte, é contestável considerar que essa autoridade está obrigada a examinar em todos os casos se esses requisitos se encontram preenchidos, enquanto o juiz teria um papel limitado nessa matéria devido a uma norma processual que o impede de ir além das acusações apresentadas pelo interessado. Dito de outro modo, limitar a competência do juiz, quando a da autoridade administrativa não o é, parece‑me simultaneamente contraditório e incompatível com o caráter imperativo dos requisitos de legalidade da detenção.

97.

Além disso, recordo que o juiz é o garante da liberdade individual ( 51 ). Por conseguinte, um sistema por força do qual a autoridade administrativa competente é obrigada a efetuar uma análise exaustiva dos requisitos da detenção, quando o juiz que tem de fiscalizar a legalidade dessa medida não dispõe de uma competência tão extensa, parece‑me desequilibrado e insuscetível de garantir ao nacional de país terceiro uma proteção jurisdicional efetiva. É ao juiz, e não a essa autoridade administrativa, que cabe ter a última palavra sobre a questão de saber se uma medida de colocação em detenção ou da sua manutenção cumpre os requisitos imperativos previstos na lei.

98.

Resulta do que precede que, quando um órgão jurisdicional é chamado a fiscalizar a legalidade de uma colocação em detenção ou da sua manutenção, deve verificar o respeito das normas gerais e abstratas que definem as respetivas condições e modalidades ( 52 ). Ao limitar esse controlo aos fundamentos e argumentos invocados pelo requerente, a aplicação do artigo 8:69, n.o 1, do Awb no contexto da fiscalização da legalidade de uma medida de detenção é, em meu entender, incompatível com o direito da União, uma vez que não respeita o princípio da efetividade.

99.

Em apoio dessa constatação de incompatibilidade, sublinho igualmente que essa norma processual conduz a que uma medida de privação da liberdade seja sujeita a uma fiscalização jurisdicional cuja extensão difere conforme se trate de uma detenção decidida por uma autoridade administrativa ou por uma autoridade penal.

100.

A este respeito, recordo que o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) refere na sua decisão de reenvio que o artigo 8:69 do Awb não se aplica aos processos penais. Daqui decorre que, no contexto do seu controlo da medida de privação de liberdade em causa, o juiz penal não está circunscrito aos fundamentos e argumentos invocados por um suspeito ou pelo ministério público. O Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) sublinha, a este respeito, que é então o próprio juiz penal que impõe essa medida, o que, em sua opinião, representa uma importante diferença em relação à adoção de uma medida de detenção pela autoridade administrativa competente.

101.

Dito isto, e embora esses dois tipos de medidas prossigam finalidades diferentes, não deixa de ser verdade que se trata, em ambos os casos, de uma medida privativa de liberdade que apenas deve ser decidida com fundamento nos requisitos definidos na lei. Parece‑me insuficiente justificar uma diferença quanto ao alcance da fiscalização jurisdicional com o facto de as medidas privativas de liberdade integrarem dois ramos do direito nacional diferentes, ou seja, por um lado, o direito penal e, por outro, o direito administrativo. Acresce que seria paradoxal que uma pessoa suspeita de ter cometido uma infração penal beneficie de uma proteção jurisdicional superior à de uma pessoa que não é suspeita de ter cometido uma tal infração.

102.

Acrescento que a norma processual em causa é, em meu entender, incompatível com o facto de o ónus da prova da necessidade e da proporcionalidade de uma medida de colocação em detenção ou da sua manutenção recair sobre a autoridade que decidiu decretar essa medida. Com efeito, essa norma pode conduzir a que, por o requerente não ter apresentado um fundamento ou um argumento específico, o órgão jurisdicional demandado fique privado da possibilidade de verificar, designadamente, se a autoridade administrativa competente fez prova bastante de que uma medida menos coerciva não teria sido suficiente. Ora, considero que, independentemente dos fundamentos e argumentos invocados pelo requerente, esse órgão jurisdicional deve dispor do poder de verificar se essa autoridade cumpriu devidamente o ónus da prova que lhe incumbe. Se o referido órgão jurisdicional considerar que o dossiê que a referida autoridade lhe apresenta, eventualmente completados com elementos obtidos no âmbito do debate contraditório que teve lugar perante si, são insuficientes para justificar uma medida de colocação em detenção ou a sua manutenção, nenhuma norma processual nacional o deve impedir de pôr imediatamente em liberdade a pessoa objeto dessa medida.

103.

Considero igualmente que uma detenção arbitrária não pode ser razoavelmente justificada pelo princípio da segurança jurídica. Quanto ao bom desenrolar do processo, nomeadamente no que respeita aos atrasos inerentes à apreciação de fundamentos novos ( 53 ), sou da opinião de que a celeridade com que a fiscalização jurisdicional deve ser efetuada não pode justificar um exame parcial da legalidade de uma detenção.

104.

Além disso, importa sublinhar que, por força do direito da União, as medidas de colocação em detenção ou da sua manutenção podem ser decididas por uma autoridade judicial ou por uma autoridade administrativa.

105.

Considero que a fiscalização que um órgão jurisdicional exerce quando é chamado a pronunciar‑se sobre um recurso de uma medida de colocação em detenção ou da sua manutenção devia ter uma intensidade e um alcance equivalentes à que esse mesmo órgão jurisdicional exerce quando, por força do direito nacional, deve adotar tal decisão.

106.

Ora, a aplicação de uma norma processual como a em causa no processo principal pode, em minha opinião, pôr em causa a exigência de uniformidade da fiscalização da legalidade da detenção entre os Estados‑Membros. Uma fiscalização da legalidade de uma detenção de geometria variável parece‑me incompatível com a conclusão segundo a qual os requisitos com base nos quais se pode decidir uma detenção foram objeto de harmonização pelo direito derivado da União. As divergências entre Estados‑Membros no que toca ao alcance dessa fiscalização são assim suscetíveis de comprometer a eficácia das regras substantivas que regem, a nível da União, os requisitos da colocação ou de manutenção em detenção de um nacional de país terceiro.

107.

Assim, uma interpretação das disposições pertinentes do direito derivado da União no sentido de que obrigam o órgão jurisdicional demandado a controlar o respeito dos requisitos exigidos para colocar ou manter em detenção um nacional de país terceiro, independentemente dos fundamentos e argumentos que este invocou, leva a reduzir as diferenças quanto ao alcance da proteção jurisdicional de que beneficia esse nacional, consoante o Estado‑Membro em causa tenha optado por confiar a competência para adotar uma medida de colocação ou manutenção em detenção a uma autoridade judiciária ou a uma autoridade administrativa. Uma proteção jurisdicional uniforme nos Estados‑Membros contribui seguramente para garantir a efetividade dessa proteção, em conformidade com o artigo 47.o da Carta.

108.

Na minha opinião, essa exigência de uniformidade na fiscalização jurisdicional da legalidade da detenção é igualmente válida quer o Estado‑Membro tenha optado por uma fiscalização automática quer a pedido da pessoa em causa.

109.

Em suma, considero que a escolha deixada aos Estados‑Membros, por um lado, entre a adoção de uma medida de colocação em detenção ou da sua manutenção por uma autoridade administrativa ou por uma autoridade judiciária e, por outro, entre uma fiscalização jurisdicional oficiosa ou mediante recurso interposto dessa medida decidida por uma autoridade administrativa, não se deve traduzir, na prática, em diferenças entre os Estados‑Membros quanto ao alcance da fiscalização jurisdicional da legalidade dessa medida.

110.

Tendo em conta todos estes elementos proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida no processo C‑704/20 e à primeira questão prejudicial submetida no processo C‑39/21 que o artigo 15.o da Diretiva 2008/115, o artigo 9.o da Diretiva 2013/33 e o artigo 28.o do Regulamento n.o 604/2013, conjugados com os artigos 6.o e 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que o órgão jurisdicional nacional chamado a controlar a legalidade da colocação ou da manutenção em detenção de um nacional de país terceiro deve verificar, com base em elementos de facto e de direito que considera pertinentes, o respeito das normas gerais e abstratas que fixam os respetivos requisitos e modalidades, independentemente dos fundamentos e argumentos invocados por este último em apoio do seu recurso. Essas disposições opõem‑se a uma norma processual nacional que tem por efeito impedir esse órgão jurisdicional de proceder oficiosamente a essa verificação e de pôr em liberdade um nacional de país terceiro, ainda que tenha constatado que essa detenção é contrária ao direito da União.

B.   Quanto à terceira questão prejudicial no processo C‑39/21

111.

Recordo que, por força do artigo 8:77, n.o 1, alínea b), do Awb, o órgão jurisdicional nacional que conhece de um recurso deve proferir uma decisão por escrito que seja fundamentada. Porém, o artigo 91.o, n.o 2, da Vw 2000 prevê uma exceção que se aplica quando o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) se pronuncia em sede de recurso interposto de sentenças sobre colocação em detenção. Nesse caso, se esse órgão jurisdicional «entender que uma acusação não conduz à anulação, pode limitar‑se a fazer essa apreciação na fundamentação da sua decisão».

112.

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a compatibilidade com o direito da União dessa possibilidade de fundamentação abreviada assim proporcionada ao Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) quando se pronuncia em segunda e última instância sobre a legalidade de uma decisão de colocação em detenção com o direito da União.

113.

O Governo neerlandês entende que a terceira questão prejudicial submetida no processo C‑39/21 é inadmissível.

114.

É verdade que a regra definida no artigo 91.o, n.o 2, da Vw 2000, que flexibiliza a obrigação de fundamentação nos processos de recurso, não se aplica no contexto do processo pendente no rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch) (processo C‑39/21), mas apenas no âmbito do processo de recurso submetido ao Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) (processo C‑704/20). Dito isto, malgrado essas circunstâncias, tenho dificuldade em considerar que a terceira questão prejudicial submetida no processo C‑39/21 é totalmente desprovida de pertinência no âmbito de um processo perante o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch) que diz respeito à manutenção em detenção de um nacional de país terceiro.

115.

Com efeito, saliento que o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch) indica na sua decisão de reenvio as razões pelas quais a fundamentação abreviada das decisões proferidas em sede de recurso pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) no que respeita à colocação em detenção de um nacional de país terceiro pode ter repercussões no desenvolvimento de um processo subsequente perante o mesmo, relativo à sua manutenção em detenção. A este propósito, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch) destaca a importância que reveste a decisão de última instância no processo, ao sublinhar que, após uma decisão do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) que nega provimento a um recurso da medida que impôs a detenção, essa medida pode manter‑se sem que o nacional de país terceiro possa conhecer as razões que levaram à sua adoção ( 54 ). Ora, no contexto da contestação da manutenção em detenção desse nacional, segundo o direito neerlandês incumbia ao seu advogado determinar o âmbito do litígio, ao apresentar os factos e as circunstâncias que o juiz deve examinar para se pronunciar sobre a legalidade da detenção. Segundo o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch), essa tarefa pode revelar‑se complicada na prática se esse advogado não conhecer as razões pelas quais o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) não acolheu as acusações invocadas anteriormente contra a decisão de colocação em detenção ( 55 ).

116.

Além disso, como o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch) indica, ao citar uma decisão do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), que este não pretendeu submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça a este respeito ( 56 ), não vejo por que outra via, que não a seguida por esse tribunal, a problemática relativa à compatibilidade com o direito da União da fundamentação abreviada das decisões proferidas em sede de recurso pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) possa ser submetida ao Tribunal de Justiça, pelo menos no que respeita ao processo prejudicial ( 57 ).

117.

Tendo em conta todos estes elementos, não é, em minha opinião, manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou que o problema suscitado é hipotético ( 58 ), na medida em que a resposta à questão submetida pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch), no que respeita à fundamentação abreviada das sentenças proferidas em recurso pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) em matéria de colocação em detenção, pode ter repercussões em processos posteriores relativos a essa mesma detenção, como um processo em que seja contestada a manutenção em detenção da pessoa em causa, como sucede precisamente no litígio principal no processo C‑39/21.

118.

Por conseguinte, considero que a terceira questão prejudicial submetida nesse processo, na medida em que tem por objeto a conformidade com o direito da União de uma prática do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) que consiste em fundamentar de forma abreviada a sua decisão quando se pronuncia em segunda e última instância sobre a legalidade de uma medida de colocação em detenção, deve beneficiar de uma presunção de pertinência e ser objeto de uma resposta quanto ao mérito pelo Tribunal de Justiça. A apensação dos processos C‑704/20 e C‑39/21 milita, de resto, nesse sentido, pois permite apreender todo o processo neerlandês de controlo da colocação em detenção e da sua manutenção, nas suas diferentes instâncias, à luz do direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantida pelo artigo 47.o da Carta.

119.

Quanto ao mérito, saliento que a instituição de um segundo grau de jurisdição no que respeita às decisões de colocação em detenção bem como a regra que permite ao Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) adotar uma fundamentação abreviada quando nega provimento ao recurso aí interposto constituem modalidades processuais que aplicam o direito a um recurso efetivo contra tais decisões, tal como consagrado no artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115, a única pertinente no processo C‑39/21 ( 59 ). Essas modalidades processuais devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade ( 60 ). O respeito desses princípios deve ser analisado tendo em conta o lugar que as regras em causa ocupam no processo, a tramitação deste e as particularidades dessas regras nas várias instâncias nacionais ( 61 ).

120.

Sob a perspetiva do princípio da equivalência, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑39/21 sublinha que a exceção à obrigação de fundamentação e o poder do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), de se pronunciar em segunda e última instância sem apresentar razões quanto ao mérito, só se aplica nos processos administrativos relativos aos direitos dos estrangeiros, desencadeados por nacionais de Estados terceiros e por cidadãos da União.

121.

A este propósito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a observância do princípio da equivalência exige um tratamento igual dos recursos fundados numa violação do direito nacional e dos recursos, semelhantes, fundados numa violação do direito da União, e não a equivalência das regras processuais nacionais aplicáveis a contenciosos de natureza diferente ( 62 ). Assim, importa, por um lado, identificar os processos ou as ações comparáveis e, por outro, determinar se as ações intentadas com base no direito nacional são tratadas de um modo mais favorável do que as ações relativas à salvaguarda dos direitos que o direito da União confere aos particulares ( 63 ). Tratando‑se da comparação das ações, compete ao órgão jurisdicional nacional, que tem um conhecimento direto das modalidades processuais aplicáveis, verificar a semelhança das ações em causa, na perspetiva do seu objeto, da sua causa e dos seus elementos essenciais ( 64 ). No que respeita ao tratamento semelhante das ações, importa recordar que os casos em que se suscite a questão de saber se uma disposição processual nacional referente a ações baseadas no direito da União é menos favorável que as relativas às ações semelhantes de natureza interna devem ser analisados pelo órgão jurisdicional nacional tendo em conta o lugar que as regras em causa ocupam no processo, a tramitação deste e as particularidades dessas regras perante as várias instâncias nacionais ( 65 ).

122.

Considero que os elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe não lhe permitem declarar que a norma constante do artigo 91.o, n.o 2, da Vw 2000 viola o princípio da equivalência, na medida em que não parece que se tenha demonstrado a existência de um tratamento mais favorável dos recursos semelhantes baseados no direito interno. Nestas condições, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar a observância desse princípio tendo em conta os elementos da jurisprudência que acabo de recordar.

123.

Quanto ao princípio da efetividade, indiquei anteriormente que este não comporta exigências que vão além das que decorrem dos direitos fundamentais, nomeadamente do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, garantidos pela Carta ( 66 ).

124.

Ora, o direito a um recurso judicial efetivo contra uma decisão de colocação em detenção, conforme consagrado no artigo 15.o, n.o 2 ( 67 ), da Diretiva 2008/115, exige ou uma fiscalização jurisdicional ex officio ou a existência de uma via de recurso judicial de iniciativa da pessoa em causa, sem exigir a previsão de uma segunda instância. Essa exigência também não é mencionada no artigo 15.o, n.o 3, dessa diretiva, no que respeita à manutenção da detenção ou à sua prorrogação.

125.

Além disso, o que me parece fundamental à luz do direito a uma proteção jurisdicional efetiva é que o nacional de país terceiro que contesta a sua detenção e, posteriormente, como no presente caso, a manutenção da sua detenção, tenha conhecimento dos fundamentos da rejeição do recurso que interpôs da decisão de colocação em detenção, o que neste caso se verificou pois, por força do direito neerlandês, a decisão proferida pelo órgão jurisdicional de primeira instância deve ser fundamentada. Acrescento que, se o Tribunal de Justiça aderir à resposta que proponho no que respeita ao exame oficioso pelo juiz dos requisitos da legalidade da detenção, essa fundamentação da decisão de primeira instância só pode ser reforçada.

126.

Além disso, sublinho que as condições da utilização de uma fundamentação abreviada pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) estão bem definidas no direito neerlandês. Com efeito, resulta, das explicações dadas pelo Governo neerlandês que a fundamentação abreviada só pode ter lugar em caso de rejeição do recurso interposto da decisão de primeira instância. Por outro lado, na medida em que o processo de recurso tem por finalidade permitir ao Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) velar pela uniformidade e a evolução do direito, só se essas duas exigências não obrigarem a uma fundamentação quanto ao mérito é que esse órgão jurisdicional pode socorrer‑se de uma fundamentação abreviada. Segundo entendo a norma processual em causa, a utilização dessa forma de fundamentação exprime assim, a adesão do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) à fundamentação e ao resultado da sentença proferida em primeira instância.

127.

À luz destes elementos, considero que a norma processual constante do artigo 91.o, n.o 2, da Vw 2000, assim entendida, respeita o princípio da efetividade.

128.

Daqui se conclui, em minha opinião, que o artigo 15.o da Diretiva 2008/115, conjugado com os artigos 6.o e 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, sem prejuízo do respeito do princípio da equivalência que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, não se opõe a uma legislação nacional por força da qual um órgão jurisdicional nacional que se pronuncia em segunda e última instância sobre um recurso de uma sentença proferida em primeira instância relativa à legalidade de uma detenção pode fundamentar a sua sentença de forma abreviada, desde que isso signifique que adere à fundamentação e ao resultado da sentença proferida em primeira instância.

C.   Quanto à segunda questão prejudicial e à terceira questão prejudicial in fine no processo C‑39/21

129.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se as respostas à primeira e à terceira questões prejudiciais seriam diferentes se o nacional de país terceiro detido fosse menor.

130.

Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o processo previsto no artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre este e os órgãos jurisdicionais nacionais. Daqui decorre que os órgãos jurisdicionais nacionais, aos quais foi submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, têm competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais sejam relativas à interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se ( 68 ).

131.

No entanto, este pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional, nomeadamente, quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou quando o problema for hipotético ( 69 ).

132.

Ora, a segunda questão e a terceira questão in fine no processo C‑39/21 cabem, precisamente, nesta última hipótese. Com efeito, é manifesto que essas questões nada têm que ver com o objeto do litígio no processo principal, que não diz respeito a um menor. As referidas questões têm, portanto, caráter hipotético.

133.

Daqui se conclui que a segunda questão e a terceira questão in fine no processo C‑39/21 são, em minha opinião, inadmissíveis.

VI. Conclusão

134.

À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), no processo C‑704/20, e pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch, Países Baixos), no processo C‑39/21, da seguinte forma:

1)

O artigo 15.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, o artigo 9.o da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, e o artigo 28.o do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de país terceiro ou por um apátrida, conjugados com os artigos 6.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que o órgão jurisdicional nacional que é chamado a controlar a legalidade da colocação ou da manutenção em detenção de um nacional de país terceiro deve verificar, com base nos elementos de facto e de direito que considera pertinentes, o respeito das normas gerais e abstratas que fixam os respetivos requisitos e modalidades, independentemente dos fundamentos e argumentos invocados por essa pessoa em apoio do seu recurso. Essas mesmas disposições opõem‑se a uma norma processual nacional que tem por efeito impedir esse órgão jurisdicional de proceder oficiosamente a essa verificação e de pôr em liberdade um nacional de país terceiro, ainda que tenha constatado que essa detenção é contrária ao direito da União.

2)

O artigo 15.o da Diretiva 2008/115, conjugado com os artigos 6.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, deve ser interpretado no sentido de que, sem prejuízo do respeito do princípio da equivalência que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, não se opõe a uma legislação nacional por força da qual um órgão jurisdicional nacional que se pronuncia em segunda e última instância sobre um recurso interposto de uma sentença proferida em primeira instância que tem por objeto a legalidade de uma detenção pode fundamentar a sua sentença de forma abreviada, desde que isso signifique que adere à fundamentação e ao resultado da decisão proferida em primeira instância.

3)

A segunda questão e a terceira questão in fine no processo C‑39/21 são inadmissíveis.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) V., a este propósito, Boiteux‑Picheral, C., «L’équation liberté, sécurité, justice au prisme de la rétention des demandeurs d’asile», Sa JusticeL’Espace de Liberté, de Sécurité et de JusticeLiber amicorum en hommage à Yves Bot, Bruylant, Bruxelas, 2022, p. 605.

( 3 ) JO 2008, L 348, p. 98.

( 4 ) JO 2013, L 180, p. 96.

( 5 ) JO 2013, L 180, p. 31.

( 6 ) Stb. 2000, n.o 495, a seguir «Vw 2000».

( 7 ) Stb. 1992, n.o 315; a seguir «Awb».

( 8 ) C‑222/05 a C‑225/05, EU:C:2007:318.

( 9 ) C‑249/11, EU:C:2012:608.

( 10 ) C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320.

( 11 ) C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367.

( 12 ) C‑227/08, EU:C:2009:792.

( 13 ) C‑147/16, EU:C:2018:320.

( 14 ) C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320.

( 15 ) C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367.

( 16 ) Assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, a seguir «CEDH».

( 17 ) V. Acórdão TEDH de 19 de maio de 2016, J. N. c. Reino Unido (CE:ECHR:2016:0519JUD003728912, § 87).

( 18 ) V. Acórdãos TEDH de 28 de outubro de 2003, Rakevich c. Rússia (CE:ECHR:2003:1028JUD005897300, § 43), e de 9 de julho de 2009, Morren c. Alemanha (CE:ECHR:2009:0709JUD001136403, § 106).

( 19 ) V. Acórdão de Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de 9 de junho de 2021 (n.o 202006815/1/V3, NL:RVS:2021:1155), disponível no endereço internet: https://uitspraken.rechtspraak.nl/inziendocument?id=ECLI:NL:RVS:2021:1155.

( 20 ) C‑199/11, EU:C:2012:684.

( 21 ) C‑528/15, EU:C:2017:213.

( 22 ) C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320.

( 23 ) C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367.

( 24 ) Esta disposição remete, designadamente, para o artigo 9.o da Diretiva 2013/33.

( 25 ) Assim, sublinho que, embora o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2008/115 possa parecer mais particularmente pertinente no processo C‑39/21, uma vez que o recurso interposto da manutenção em detenção é apreendido como uma modalidade da sua «reapreciação a intervalos razoáveis» imposta pelo primeiro período dessa disposição, a análise deve, em minha opinião, ter em conta as outras disposições desse artigo, especialmente o n.o 1, que define os motivos da detenção, e o n.o 2, que define, nomeadamente, o princípio e determinadas modalidades da fiscalização jurisdicional da colocação em detenção. Observo, aliás, que, na legislação neerlandesa, a fiscalização jurisdicional da colocação em detenção e da sua manutenção estão estritamente ligadas pois, conforme o Governo neerlandês explica nas suas observações, num recurso interposto da manutenção em detenção podem, em princípio, ser de novo apreciados todos os requisitos da colocação em detenção.

( 26 ) Conforme o Tribunal de Justiça já declarou, a detenção e a sua prorrogação têm natureza análoga, já que ambas têm por efeito privar de liberdade o cidadão em causa de um país terceiro: v., a propósito da Diretiva 2008/115, Acórdão de 10 de março de 2022, Landkreis Gifhorn (C‑519/20, EU:C:2022:178, n.o 59 e jurisprudência referida). O mesmo se pode afirmar em relação à colocação em detenção e à sua manutenção.

( 27 ) Segundo o Tribunal de Justiça, essa disposição e o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/33 constituem uma «materialização», no domínio em causa, do direito a uma proteção efetiva garantido pelo artigo 47.o da Carta (Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 289).

( 28 ) V., designadamente, Acórdão de 25 de junho de 2020, Ministerio Fiscal (Autoridade suscetível de receber um pedido de proteção internacional) (C‑36/20 PPU, EU:C:2020:495, n.o 105 e jurisprudência referida).

( 29 ) V., designadamente, Acórdãos de 10 de março de 2021, Konsul Rzeczypospolitej Polskiej w N. (C‑949/19, EU:C:2021:186, n.o 43 e jurisprudência referida), de 15 de abril de 2021, Estado belga (Elementos posteriores à decisão de transferência) (C‑194/19, EU:C:2021:270, n.o 42 e jurisprudência referida), e de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia (C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 52 e jurisprudência referida).

( 30 ) V. Acórdão de 17 de março de 2016, Bensada Benallal (C‑161/15, EU:C:2016:175, n.o 25).

( 31 ) V., designadamente, Acórdão de 9 de setembro de 2020, Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides (Indeferimento de um pedido subsequente — Prazo de recurso) (C‑651/19, EU:C:2020:681, n.o 42 e jurisprudência referida).

( 32 ) V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo An tAire Talmhaíochta Bia agus Mara e o. (C‑64/20, EU:C:2021:14), que refere que «a exigência de efetividade, entendida como uma condição de aplicação do princípio da autonomia processual, […] coincide na prática com o direito fundamental a uma proteção jurisdicional efetiva na aceção do artigo 47.o da Carta» (n.o 41).

( 33 ) V., designadamente, Acórdãos de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e Abril García (C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.o 35 e jurisprudência referida), e de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia (C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 54 e jurisprudência referida). O Tribunal de Justiça já esclareceu igualmente que o princípio da efetividade «não contém […] exigências que vão além das que decorrem dos direitos fundamentais, nomeadamente do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, garantidos pela Carta»: V. Acórdão de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en justitie (Efeito suspensivo do recurso) (C‑180/17, EU:C:2018:775, n.o 43).

( 34 ) V., designadamente, Acórdãos de 14 de dezembro de 1995, van Schijndel e van Veen (C‑430/93 e C‑431/93, EU:C:1995:441, n.o 22), e de 7 de junho de 2007, van der Weerd e o. (C‑222/05 à C‑225/05, EU:C:2007:318, n.o 36). V. igualmente, mais recentemente, Acórdão de 25 de março de 2021, Balgarska Narodna Banka (C‑501/18, EU:C:2021:249, n.o 135 e jurisprudência referida).

( 35 ) V., designadamente, Acórdão de 26 de abril de 2017, Farkas (C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 33 e jurisprudência referida).

( 36 ) V., designadamente, por analogia, Acórdão de 26 de abril de 2017, Farkas (C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 34 e jurisprudência referida).

( 37 ) C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320.

( 38 ) V. Acórdão de 5 de junho de 2014, Mahdi (C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320, n.o 62). V., igualmente, Acórdão de 10 de março de 2022, Landkreis Gifhorn (C‑519/20, EU:C:2022:178, n.o 65).

( 39 ) V. Acórdãos de 5 de junho de 2014, Mahdi (C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320, n.o 62), e de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság (C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 293).

( 40 ) V., designadamente, Acórdãos de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi (C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.o 102), de 9 de fevereiro de 2017, M (C‑560/14, EU:C:2017:101, n.o 33), e de 26 de julho de 2017, Sacko (C‑348/16, EU:C:2017:591, n.o 41).

( 41 ) V., designadamente, Acórdão de 14 de setembro de 2017, K. (C‑18/16, EU:C:2017:680, n.o 40), e de 15 de fevereiro de 2016, N. (C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 56 e jurisprudência referida).

( 42 ) V., designadamente, no que respeita à Diretiva 2008/115, Acórdão de 10 de março de 2022, Landkreis Gifhorn (C‑519/20, EU:C:2022:178, n.o 40 e jurisprudência referida). O Tribunal de Justiça também indicou que o conceito de «detenção», na aceção das Diretivas 2008/115 e 2013/33, «se refer[e] a uma e mesma realidade»: V. Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság (C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 224). Por outro lado, segundo o Tribunal de Justiça, decorre tanto da letra e do contexto como da génese do artigo 8.o da Diretiva 2013/33 que a possibilidade de colocar em detenção um requerente está sujeita ao cumprimento de várias condições cujo objetivo é enquadrar estritamente o recurso a essa medida: V., designadamente, Acórdão de 14 de setembro de 2017, K. (C‑18/16, EU:C:2017:680, n.o 41), e Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N. (C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 57).

( 43 ) V., designadamente, no que respeita à Diretiva 2008/115, Acórdão de 10 de março de 2022, Landkreis Gifhorn (C‑519/20, EU:C:2022:178, n.o 41).

( 44 ) V., designadamente, Acórdãos de 10 de março de 2021, Konsul Rzeczypospolitej Polskiej w N. (C‑949/19, EU:C:2021:186, n.o 44), e de 24 de novembro de 2020, Minister van Buitenlandse Zaken (C‑225/19 e C‑226/19, EU:C:2020:951, n.o 42).

( 45 ) V., designadamente, Acórdão de 15 de abril de 2021, Estado belga (Elementos posteriores à decisão de transferência) (C‑194/19, EU:C:2021:270, n.o 43 e jurisprudência referida).

( 46 ) V. Acórdão de 10 de março de 2022, Landkreis Gifhorn (C‑519/20, EU:C:2022:178, n.o 62). No seu Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N. (C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84), o Tribunal de Justiça faz referência à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 5.o, n.o 1, da CEDH, do qual resulta que a aplicação de uma medida privativa da liberdade, para ser conforme ao objetivo da proteção contra a arbitrariedade, implica, da parte das autoridades, designadamente, que esteja isenta de má-fé e que não seja enganosa, que seja coerente com o objetivo das restrições autorizadas pela alínea pertinente do artigo 5.o, n.o 1, da CEDH e que haja uma relação de proporcionalidade entre o fundamento invocado e a privação da liberdade em causa (n.o 81 desse acórdão, que refere o Acórdão TEDH de 29 de janeiro de 2008, Saadi c. Reino Unido (CE:ECHR:2008:0129JUD001322903, § 68 a 74).

( 47 ) V., a este respeito, Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo D. H. (C‑704/17, EU:C:2019:85), que refere que «é a efetividade da fiscalização judicial das decisões de detenção que irá determinar se as condições substantivas do artigo 8.o e as garantias do artigo 9.o da Diretiva 2013/33, lidas à luz do artigo 47.o da Carta, funcionam para proteger os requerentes como é suposto fazerem‑no» (n.o 70).

( 48 ) V., por analogia, a propósito de uma garantia de boa conduta como condição da admissibilidade de qualquer recurso em sede de concursos públicos, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o. (C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688, n.o 49 e jurisprudência referida). V. igualmente, por analogia, a propósito de uma obrigação de esgotar as vias de recurso administrativo disponíveis antes de poder interpor um recurso judicial destinado a obter a declaração de que se verificou uma violação do direito à proteção de dados de caráter pessoal, Acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár (C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 62 e jurisprudência referida).

( 49 ) V., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2019, Rayonna prokuratura Lom (C‑467/18, EU:C:2019:765, n.o 44 e jurisprudência do Tribunal EDH referida).

( 50 ) Inspirei‑me aqui nos termos utilizados, noutro domínio, pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 17 de dezembro de 1959, Société des fonderies de Pont‑à‑Mousson/Alta Autoridade (14/59, EU:C:1959:31, p. 474).

( 51 ) Recordo que o artigo 5.o, n.o 4, da CEDH consagra assim o direito de qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção obter «em curto prazo de tempo» uma decisão judicial sobre a legalidade da sua detenção e que ponha termo à sua privação de liberdade se esta for ilegal: V., designadamente, Acórdão do Tribunal EDH de 4 de dezembro de 2018, Ilnseher c. Alemanha (CE:ECHR:2018:1204JUD001021112, § 251).

( 52 ) Em relação à problemática da dependência X no processo C‑39/21, considero que faz parte dessas regras a que figura no artigo 16.o, n.o 3, da Diretiva 2008/115, que prevê que «[d]eve atribuir‑se especial atenção à situação das pessoas vulneráveis» e «[s]er prestados cuidados de saúde urgentes e o tratamento básico de doenças».

( 53 ) V., designadamente, Acórdãos de 7 de junho de 2007, van der Weerd e o. (C‑222/05 à C‑225/05, EU:C:2007:318, n.o 38), e de 7 de agosto de 2018, Hochtief (C‑300/17, EU:C:2018:635, n.o 52 e jurisprudência referida).

( 54 ) Decisão de reenvio no processo C‑39/21, n.o 44.

( 55 ) Decisão de reenvio no processo C‑39/21, n.o 48.

( 56 ) Decisão de reenvio no processo C‑39/21, n.o 47.

( 57 ) Podia, efetivamente, considerar‑se que essa problemática podia ser submetida ao Tribunal de Justiça no âmbito de uma ação de incumprimento. Dito isto, a demonstração feita pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em ‘s‑Hertogenbosch) convence‑me de que a referida problemática, atentas as suas eventuais repercussões no processo que aí se encontra pendente, deve ser analisada no contexto do diálogo juiz a juiz que esse órgão jurisdicional iniciou.

( 58 ) V., designadamente, Acórdão de 29 de julho de 2019, Hochtief Solutions Magyarországi Fióktelepe (C‑620/17, EU:C:2019:630, n.o 31 e jurisprudência referida).

( 59 ) V., designadamente, por analogia, Acórdãos de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 38), e de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en justitie (Efeito suspensivo do recurso) (C‑180/17, EU:C:2018:775, n.o 34).

( 60 ) V., designadamente, Acórdãos de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 39 e jurisprudência referida), e de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en justitie (Efeito suspensivo do recurso) (C‑180/17, EU:C:2018:775, n.o 35 e jurisprudência referida).

( 61 ) V., designadamente, Acórdãos de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 40 e jurisprudência referida), e de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en justitie (Efeito suspensivo do recurso) (C‑180/17, EU:C:2018:775, n.o 36 e jurisprudência referida).

( 62 ) V., designadamente, Acórdãos de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 41 e jurisprudência referida), e de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en justitie (Efeito suspensivo do recurso) (C‑180/17, EU:C:2018:775, n.o 37 e jurisprudência referida).

( 63 ) V., designadamente, Acórdãos de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 42 e jurisprudência referida), e de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en justitie (Efeito suspensivo do recurso) (C‑180/17, EU:C:2018:775, n.o 38 e jurisprudência referida).

( 64 ) V., designadamente, Acórdãos de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 43 e jurisprudência referida), e de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en justitie (Efeito suspensivo do recurso) (C‑180/17, EU:C:2018:775, n.o 39 e jurisprudência referida).

( 65 ) V., designadamente, Acórdãos de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 44 e jurisprudência referida), e de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en justitie (Efeito suspensivo do recurso) (C‑180/17, EU:C:2018:775, n.o 40 e jurisprudência referida).

( 66 ) V. Acórdãos de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 47), e de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en justitie (Efeito suspensivo do recurso) (C‑180/17, EU:C:2018:775, n.o 43).

( 67 ) Ou materializado nessa disposição, para empregar o termo «materialização», utilizado pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság (C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 289).

( 68 ) V., designadamente, Acórdão de 29 de julho de 2019, Hochtief Solutions Magyarországi Fióktelepe (C‑620/17, EU:C:2019:630, n.o 30 e jurisprudência referida).

( 69 ) V., designadamente, Acórdão de 29 de julho de 2019, Hochtief Solutions Magyarországi Fióktelepe (C‑620/17, EU:C:2019:630, n.o 31 e jurisprudência referida).

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