EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62020CC0597

Conclusões do advogado-geral Richard de la Tour apresentadas em 28 de abril de 2022.
Polskie Linie Lotnicze « LOT » SA contra Budapest Főváros Kormányhivatala.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Törvényszék.
Reenvio prejudicial — Transportes aéreos — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Artigo 16.o — Indemnização e assistência aos passageiros — Missão do organismo nacional responsável pela execução do referido regulamento — Regulamentação nacional que confere a esse organismo o poder de obrigar uma transportadora aérea a pagar a indemnização devida a um passageiro — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito de recurso num órgão jurisdicional.
Processo C-597/20.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:330

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 28 de abril de 2022 ( 1 )

Processo C‑597/20

Polskie Linie Lotnicze «LOT» S.A.

contra

Budapest Főváros Kormányhivatala

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria)]

«Reenvio prejudicial — Transportes aéreos — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e artigo 7.o — Indemnização aos passageiros — Artigo 16.o — Missão do organismo nacional responsável pela execução do regulamento — Regulamentação nacional que confere a esse organismo o poder de obrigar uma transportadora aérea a pagar a indemnização devida a um passageiro»

I. Introdução

1.

Nos termos do artigo 16.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (CE) n.o 261/2004 ( 2 ), pode um Estado‑Membro conferir ao organismo nacional responsável pela execução desse regulamento o poder de obrigar uma transportadora aérea a pagar a indemnização devida a um passageiro pelo cancelamento ou atraso considerável do seu voo?

2.

A resposta a esta questão submetida pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria) deve permitir clarificar as competências atribuídas a esse organismo e, assim, precisar o alcance dos princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de março de 2016, Ruijssenaars e o. ( 3 ).

3.

Nas presentes conclusões, vou expor as razões pelas quais considero que essa disposição não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual um Estado‑Membro confere ao seu organismo nacional esse poder coercivo, desde que, no entanto, essa regulamentação não prive a transportadora aérea da possibilidade de intentar uma ação no tribunal nacional competente para impugnar o direito à compensação que assim lhe é exigido.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

4.

Os considerandos 1, 21 e 22 do Regulamento n.o 261/2004 enunciam:

«(1)

A ação da [União Europeia] no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.

[…]

(21)

Os Estados‑Membros deverão estabelecer regras relativas às sanções aplicáveis em caso de infração ao disposto no presente regulamento e assegurar a sua aplicação. As sanções previstas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.

(22)

Os Estados‑Membros deverão assegurar e fiscalizar o cumprimento geral do presente regulamento pelas transportadoras aéreas e designar um organismo adequado para desempenhar essas tarefas. A fiscalização não deverá afetar o direito dos passageiros e das transportadoras aéreas de obterem reparação legal junto dos tribunais nos termos previstos no direito nacional.»

5.

O artigo 5.o desse regulamento, sob a epígrafe «Cancelamento», prevê:

«1.   Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

[…]

c)

Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.o, salvo se:

[…]

3.   A transportadora aérea operadora não é obrigada a pagar uma indemnização nos termos do artigo 7.o, se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.»

6.

O artigo 7.o do referido regulamento, com a epígrafe «Direito a indemnização», dispõe:

«1.   Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

a)

250 euros para todos os voos até 1500 quilómetros;

b)

400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros;

c)

600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).

Na determinação da distância a considerar, deve tomar‑se como base o último destino a que o passageiro chegará com atraso em relação à hora programada devido à recusa de embarque ou ao cancelamento.

2.   Quando for oferecido aos passageiros reencaminhamento para o seu destino final num voo alternativo nos termos do artigo 8.o, cuja hora de chegada não exceda a hora programada de chegada do voo originalmente reservado:

a)

Duas horas ou mais, no caso de quaisquer voos até 1500 quilómetros; ou

b)

Em três horas, no caso de quaisquer voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e no de quaisquer outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros; ou

c)

Em quatro horas, no caso de quaisquer voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b),

a transportadora aérea operadora pode reduzir a indemnização fixada no n.o 1 em 50 %.

[…]»

7.

O artigo 16.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Infrações», prevê:

«1.   Cada Estado‑Membro deve designar o organismo responsável pela execução do presente regulamento no que respeita aos aeroportos situados no seu território e aos voos provenientes de países terceiros com destino a esses aeroportos. Sempre que adequado, esse organismo deve tomar as medidas necessárias para garantir o respeito dos direitos dos passageiros. Os Estados‑Membros devem comunicar à Comissão [Europeia] qual o organismo que designaram em conformidade com o presente número.

2.   Sem prejuízo do disposto no artigo 12.o, cada passageiro pode apresentar uma queixa a qualquer organismo designado nos termos do n.o 1, ou a qualquer outro organismo competente designado por um Estado‑Membro, sobre uma alegada infração ao disposto no presente regulamento ocorrida em qualquer aeroporto situado no território de um Estado‑Membro ou em qualquer voo de um país terceiro com destino a um aeroporto situado nesse território.

3.   As sanções estabelecidas pelos Estados‑Membros para as infrações ao disposto no presente regulamento devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

B.   Direito húngaro

8.

O artigo 43.o/A, n.o 2, da a fogyasztóvédelemről szóló 1997. évi CLV. törvény (Lei CLV de 1997 de Defesa do Consumidor) ( 4 ), de 15 de dezembro de 1997, enuncia:

«A autoridade de proteção dos consumidores — se necessário, contactando a autoridade responsável pela aviação — encarregar‑se‑á da aplicação do Regulamento [UE] 2017/2394 [ ( 5 )] no que diz respeito à violação das disposições do Regulamento n.o 261/2004 […] dentro da União Europeia.»

9.

Nos termos do artigo 47.o, n.o 1, alíneas c) e i), dessa lei, esta autoridade está habilitada a obrigar a empresa a pôr termo, num determinado prazo, às irregularidades e às deficiências verificadas, bem como a aplicar multas de «proteção do consumidor».

III. Litígio no processo principal e questão prejudicial

10.

Na sequência do atraso de mais de três horas de um voo Nova Iorque (Estados Unidos) ‑Budapeste (Hungria) da transportadora aérea Polskie Linie Lotnicze «LOT» S.A. ( 6 ), vários passageiros dirigiram‑se à Budapeste Főváros Kormányhivatala (Inspeção da defesa do consumidor junto dos serviços administrativos de Budapeste, Hungria) ( 7 ) para que esta impusesse à transportadora aérea o pagamento da indemnização prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004, a título de reparação pela violação do artigo 5.o, n.o 1, alínea c) desse regulamento.

11.

Por decisão de 20 de abril de 2020, a Inspeção da defesa do consumidor declarou que a LOT tinha infringido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, alínea c) e do artigo 7.o, n.o 1, alínea c) do Regulamento n.o 261/2004 e intimou‑a a pagar aos passageiros em causa uma indemnização de 600 euros por pessoa, bem como a pagar a mesma indemnização futuramente a qualquer passageiro que apresente uma queixa idêntica. A Inspeção da defesa do consumidor refere que, nos termos do artigo 43.o/A, n.o 2, da Lei de Defesa do Consumidor, que transpõe os requisitos do artigo 16.o, n.os 1 e 2, desse regulamento, pode obrigar as transportadoras aéreas a porem termo, num determinado prazo, às infrações ao mesmo regulamento.

12.

Chamado a pronunciar‑se sobre um recurso de anulação dessa decisão, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao alcance dos poderes de que dispõe a Inspeção da defesa do consumidor. Neste contexto, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 16.o, n.os 1 e 2, do Regulamento [n.o 261/2004] ser interpretado no sentido de que o organismo nacional responsável pela execução deste regulamento, chamado a pronunciar‑se sobre uma queixa individual de um passageiro, não pode obrigar a transportadora aérea em causa a pagar a indemnização devida ao passageiro prevista no regulamento?»

13.

Apresentaram observações escritas a LOT, a Inspeção da defesa do consumidor, os Governos húngaro, neerlandês e polaco, bem como a Comissão. Essas partes apresentaram igualmente as suas observações orais na audiência realizada em 2 de fevereiro de 2022.

IV. Análise

A.   Observação preliminar

14.

A apreciação do reenvio prejudicial exige uma observação preliminar relativa à necessidade de ter em consideração normas jurídicas diferentes das expressamente referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

15.

A questão coloca‑se em relação às disposições previstas no Regulamento 2017/2394 e, em particular, ao artigo 9.o, n.o 4, alínea f), do mesmo.

16.

Com efeito, em conformidade com o seu artigo 1.o, esse regulamento «estabelece as condições em que as autoridades competentes, que tenham sido designadas pelos respetivos Estados‑Membros como responsáveis pela aplicação da legislação da União de proteção dos interesses dos consumidores, cooperam e coordenam entre si e com a Comissão as suas ações, a fim de fazer cumprir essa legislação e de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, e de reforçar a proteção dos interesses económicos dos consumidores».

17.

Ao abrigo do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento 2017/2394 e do correspondente anexo, «[a] legislação da União de proteção dos interesses dos consumidores» inclui as disposições previstas no Regulamento n.o 261/2004.

18.

Ora, no artigo 9.o, n.o 4, alínea f), desse regulamento, o legislador da União prevê o seguinte:

«As autoridades competentes [a saber, qualquer autoridade pública estabelecida a nível nacional, regional ou local, e designada por um Estado‑Membro como responsável pela aplicação da legislação da União de proteção dos interesses dos consumidores ( 8 )] dispõem, pelo menos, dos seguintes poderes de aplicação da legislação:

[…]

f)

o poder de fazer cessar ou proibir infrações abrangidas pelo presente regulamento;

[…]»

19.

Atendendo a estes elementos, a questão que se suscita é a de saber se as disposições previstas nesse artigo seriam pertinentes para efeitos da apreciação da natureza e do alcance dos poderes assim confiados aos organismos nacionais, por força do artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004.

20.

Pelas razões que passo a expor, considero, à semelhança das posições manifestadas pelas partes na audiência, que essas disposições não são úteis para efeitos da análise.

21.

Com efeito, por força do seu artigo 2.o, n.o 1, o Regulamento 2017/2394 aplica‑se «às infrações intra‑União, às infrações generalizadas e às infrações generalizadas ao nível da União, mesmo que essas infrações tenham cessado antes de a aplicação da legislação ter começado ou ter sido concluída». Ora, decorre do artigo 3.o desse regulamento que todas estas infrações são definidas como sendo referidas a ações ou omissões contrárias à legislação da União de proteção dos interesses dos consumidores, que tenham prejudicado, prejudiquem ou sejam suscetíveis de prejudicar «os interesses coletivos» destes.

22.

Nas suas orientações para a respetiva interpretação ( 9 ), a Comissão sublinhou também que as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação do Regulamento n.o 261/2004 «têm de cumprir as suas obrigações no âmbito do [Regulamento (CE) n.o 2006/2004 ( 10 )] quando os interesses coletivos dos consumidores estão em causa num contexto transfronteiriço» ( 11 ).

23.

Ora, se o organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 defende, na sua primeira missão, os interesses coletivos dos passageiros dos transportes aéreos, a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio insere‑se num contexto muito diferente que diz respeito à defesa dos interesses individuais desses passageiros. Com efeito, o direito a uma indemnização consagrado pelo legislador da União no artigo 7.o desse regulamento insere‑se no âmbito da execução do contrato de transporte celebrado entre o passageiro e a transportadora aérea. O poder coercivo de que esse organismo dispõe na sequência de uma queixa individual não será assim exercido no interesse de um conjunto de indivíduos mas sim de um sujeito de direito bem definido. Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça refere‑se aos interesses coletivos dos consumidores visados numa situação em «que ultrapassam o âmbito das relações entre as partes no litígio» ( 12 ). O conceito de interesse coletivo ( 13 ) e o de interesse individual são diferentes. Daí resulta que existe uma contradição manifesta entre o contexto em que se insere o processo principal e as situações a que se aplica o Regulamento 2017/2394, marcado designadamente pelo seu objetivo de proteger os «interesses coletivos dos consumidores enquanto classe» ( 14 ).

24.

Em face destes elementos, não se devem, portanto, ter em conta as disposições previstas por esse regulamento para efeitos da interpretação pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

25.

Em contrapartida, na minha análise, irei referir‑me às disposições previstas pelos regulamentos em vigor relativos à defesa dos direitos dos passageiros dos transportes aéreos com deficiência e dos passageiros dos serviços de transporte ferroviário, marítimo ou de autocarro ( 15 ). É certo que os diferentes modos de transporte em causa não são comparáveis e, tal como o Tribunal de Justiça referiu no Acórdão de 2 de setembro de 2021, Irish Ferries ( 16 ), o legislador da União não quis garantir um nível de proteção idêntico para cada um destes meios de transporte ( 17 ). Contudo, a exemplo do Regulamento n.o 261/2004, todos estes diplomas legais preveem a designação de um organismo nacional responsável pela execução do regulamento em causa. No acórdão Irish Ferries, o Tribunal de Justiça não deixou de referir a intenção do legislador da União de seguir «uma abordagem unificada» quanto à interpretação dos conceitos utilizados no âmbito de cada um desses regulamentos ( 18 ). É o caso, por exemplo, do conceito de «circunstâncias extraordinárias», utilizados em matéria de direitos dos passageiros quer aéreos quer marítimos ( 19 ). Por conseguinte, afigura‑se‑me útil ter em consideração as disposições previstas pelo legislador da União nesses regulamentos relativamente às atribuições do organismo nacional responsável por garantir o respeito dos direitos dos passageiros.

B.   Quanto à questão prejudicial

26.

Com a sua única questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 16.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual o organismo nacional responsável pela aplicação desse regulamento dispõe do poder de intimar as transportadoras aéreas ao pagamento da indemnização prevista no artigo 7.o do referido regulamento devido ao cancelamento de um voo ( 20 ).

27.

Como já referi, a resposta a essa questão deve permitir clarificar o alcance dos poderes conferidos a esse organismo nacional na linha dos princípios já estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Ruijssenaars e o.

28.

No Acórdão Ruijssenaars e o., cujo dispositivo transcrevo, o Tribunal de Justiça declarou que «[o] artigo 16.o do [Regulamento n.o 261/2004] deve ser interpretado no sentido de que o organismo designado por cada Estado‑Membro em aplicação do n.o 1 deste artigo, chamado a pronunciar‑se sobre uma queixa individual de um passageiro na sequência da recusa de uma transportadora aérea a pagar a este último a indemnização prevista no artigo 7.o, n.o 1, do referido regulamento, não é obrigado a adotar medidas coercivas contra essa transportadora que a forcem a pagar essa indemnização» ( 21 ).

29.

Esta interpretação assenta em três considerações do Tribunal de Justiça num primeiro momento do seu raciocínio. A primeira destas considerações é relativa aos próprios termos do artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 (n.os 28 a 32 do Acórdão Ruijssenaars e o.), a segunda diz respeito aos objetivos do referido regulamento (n.o 33 do Acórdão Ruijssenaars e o.) e, por último, a terceira incide sobre a articulação de papéis atribuídos, respetivamente, aos organismos nacionais e aos órgãos jurisdicionais nacionais (n.o 35 do Acórdão Ruijssenaars e o.) ( 22 ). Na sequência do seu raciocínio, o Tribunal de Justiça concluiu que o legislador da União não impunha aos Estados‑Membros a obrigação de conferirem aos respetivos organismos nacionais o poder de adotarem medidas coercivas contra as transportadoras aéreas a fim de obterem o pagamento da indemnização devida aos passageiros. O Tribunal de Justiça declarou que essa interpretação permitia obstar a qualquer divergência na apreciação dos direitos dos passageiros dos transportes aéreos entre, por um lado, os organismos nacionais responsáveis pelo tratamento das queixas individuais e, por outro, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a pronunciar‑se sobre recursos individuais destinados a obter o pagamento da indemnização prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004 (n.o 34 do Acórdão Ruijssenaars e o.).

30.

Contudo, num segundo momento do seu raciocínio, o Tribunal de Justiça acrescentou um obiter dictum, com a seguinte redação:

«Nessa medida, tendo em conta esses objetivos e a margem de manobra de que os Estados‑Membros dispõem na atribuição das competências que pretendem conferir aos organismos referidos no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 […] os Estados‑Membros, para suprir uma insuficiência de proteção dos direitos dos passageiros dos transportes aéreos, têm a faculdade de habilitar o organismo referido no artigo 16.o, n.o 1, deste regulamento a adotar medidas na sequência de queixas individuais.» ( 23 )

31.

Este ponto deve ser entendido como um reflexo da consideração do Tribunal de Justiça de que os Estados‑Membros podem atribuir aos respetivos organismos nacionais responsáveis pela execução desse regulamento um poder coercivo no âmbito da missão conferida pelo seu artigo 16.o

32.

No âmbito do presente litígio, enquanto a LOT se baseia no primeiro momento do raciocínio adotado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Ruijssenaars e o. para impugnar a atribuição dessa competência à Inspeção da defesa do consumidor, esta última baseia‑se, em contrapartida, no segundo momento desse raciocínio para fundamentar o poder que assim lhe é atribuído pela regulamentação nacional. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça é chamado a clarificar o alcance desse obiter dictum. Para efeitos desta clarificação, irei propor ao Tribunal de Justiça que tenha em conta, em conformidade com a sua jurisprudência constante, os termos do artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004, mas também a sistemática e os objetivos deste regulamento, tendo em conta os princípios já estabelecidos na sua jurisprudência.

33.

Esta clarificação é essencial atendendo à grande dimensão das consequências práticas decorrentes dos poderes de que dispõem os organismos nacionais, em especial para os milhares de passageiros que todos os anos são afetados pelo cancelamento ou atraso considerável dos seus voos. Esta clarificação permitirá igualmente responder aos pedidos da Comissão, que não cessou de sublinhar as dificuldades de aplicação desse regulamento devido à falta de uma interpretação uniforme e de modalidades de aplicação coerentes deste último a nível nacional, considerando necessárias melhorias a fim de garantir instrumentos claros e facilmente acessíveis de tratamento de reclamações ( 24 ).

1. Os termos do artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004

34.

No artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004, o legislador da União enuncia as regras aplicáveis em caso de «infrações» às disposições deste regulamento.

35.

Em primeiro lugar, no artigo 16.o, n.o 1, do referido regulamento, exige que os Estados‑Membros designem «um organismo responsável pela execução do presente regulamento» no que respeita aos aeroportos situados no seu território e aos voos provenientes de países terceiros com destino a esses aeroportos, o qual deve, sempre que adequado, tomar as medidas necessárias para garantir o respeito dos direitos dos passageiros. Embora esse legislador defina com precisão o âmbito da competência territorial deste organismo, verifico que não especifica as condições nem as modalidades em que deve exercer a sua missão e garantir o «respeito dos direitos dos passageiros» ( 25 ). Além disso, devo referir que esta última expressão — «respeito dos direitos dos passageiros» — tem um alcance manifestamente amplo. Abrange tanto a defesa dos interesses coletivos dos passageiros dos transportes aéreos como a defesa dos respetivos interesses individuais. O considerando 22 do Regulamento n.o 261/2004, que expõe as considerações em que o legislador da União se baseou para adotar o artigo 16.o, n.o 1, deste Regulamento, não fornece esclarecimentos adicionais a este respeito.

36.

Nestas condições, não pode deixar de se admitir que nos termos do artigo 16.o, n.o 1, do referido regulamento, os Estados‑Membros dispõem de uma margem de manobra quanto às competências que pretendem conferir aos respetivos organismos nacionais para efeitos da defesa dos direitos dos passageiros, à qual o Tribunal de Justiça, de resto, faz expressamente referência no n.o 36 do Acórdão Ruijssenaars e o.

37.

Na medida em que o artigo 5.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004 reconhece aos passageiros dos transportes aéreos o direito a uma indemnização em caso de cancelamento do respetivo voo, nada se opõe, a meu ver, a que um Estado‑Membro confira ao seu organismo nacional o poder de obrigar uma transportadora aérea ao pagamento da indemnização devida a fim de garantir o respeito desse direito. A violação do referido direito constitui não apenas uma infração às obrigações contratuais que incumbem às transportadoras aéreas, mas também um incumprimento desse regulamento.

38.

Em segundo lugar, quanto às disposições enunciadas no artigo 16.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 261/2004, considero que estas não têm por objeto ou por efeito limitar o alcance das competências suscetíveis de serem conferidas pelos Estados‑Membros aos respetivos organismos nacionais.

39.

Recordo, por um lado, que nos termos do artigo 16.o, n.o 2, desse regulamento, «cada passageiro pode apresentar uma queixa a qualquer organismo designado nos termos do n.o 1, ou a qualquer outro organismo competente designado por um Estado‑Membro, sobre uma alegada infração ao disposto no [referido] regulamento ocorrida em qualquer aeroporto situado no território de um Estado‑Membro ou em qualquer voo de um país terceiro com destino a um aeroporto situado nesse território».

40.

Ora, decorre quer do Acórdão Ruijssenaars e o., relativo à interpretação do Regulamento n.o 261/2004, quer do Acórdão Irish Ferries, relativo à interpretação do Regulamento n.o 1177/2010, que a «queixa» referida no artigo 16.o, n.o 2, do Regulamento n.o 261/2004 se distingue, na sua natureza e no seu alcance, do pedido apresentado a título individual pelo passageiro para efeitos da obtenção da indemnização que lhe é devida pelo cancelamento do seu serviço de transporte. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, essa queixa visa a sinalização efetuada pelo passageiro para dar conhecimento ao organismo competente da alegada violação da obrigação das transportadoras de contribuírem para o cumprimento em geral dos regulamentos em causa. O Tribunal de Justiça sublinha, no acórdão Ruijssenaars e o., que essa queixa não impõe «ao [organismo nacional] que atue […] a fim de garantir o direito de cada passageiro obter uma indemnização» ( 26 ) e precisa, no Acórdão Irish Ferries, que a transportadora «dispõe de uma certa margem de apreciação quanto ao seguimento a dar a essa sinalização» ( 27 ).

41.

Recordo, por outro lado, que em aplicação do artigo 16.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, «[a]s sanções estabelecidas pelos Estados‑Membros para as infrações ao disposto no presente regulamento devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas». Essas sanções distinguem‑se claramente, pela sua natureza e pelo seu alcance, das medidas coercivas pelas quais o organismo nacional pretende obter o pagamento da indemnização devida ao passageiro dos transportes aéreos pelo cancelamento do seu voo, indemnização essa cujo montante é fixo. No Acórdão Ruijssenaars e o., o Tribunal de Justiça declarou, assim, que as «sanções» referidas pelo legislador da União nesse artigo são as medidas tomadas pelo organismo nacional em reação às infrações que apura no exercício da sua missão de fiscalização de caráter geral, «e não como as medidas coercivas administrativas que devem ser tomadas em cada caso individual.» ( 28 ).

42.

Embora, como referiu o Tribunal de Justiça, as disposições enunciadas no artigo 16.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 261/2004 especifiquem «os diferentes aspetos decorrentes da tarefa que incumbe ao organismo evocado no n.o 1, deste artigo» ( 29 ), não podem, no entanto, ser interpretadas no sentido de que excluem a possibilidade de conferir ao organismo nacional outras competências que não sejam as relativas ao tratamento das sinalizações de que lhe é dado conhecimento e à aplicação de sanções.

43.

Na falta de regras estabelecidas pelo direito da União, os Estados‑Membros dispõem, assim, de uma margem de manobra quanto à atribuição a esse organismo nacional de competências destinadas a garantir o respeito dos direitos dos passageiros dos transportes aéreos. Neste contexto, e tendo em conta os termos utilizados no artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004, nada se opõe a que um Estado‑Membro confira ao referido organismo o poder de obrigar uma transportadora aérea ao pagamento da indemnização devida a um passageiro, em conformidade com os artigos 5.o e 7.o deste regulamento.

44.

Afigura‑se‑me que esta interpretação é igualmente corroborada tanto pela sistemática como pelos objetivos do referido regulamento.

2. A sistemática e os objetivos do Regulamento n.o 261/2004

45.

O alcance das missões confiadas ao organismo nacional deve ser igualmente apreciado à luz da natureza da indemnização prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004 e dos objetivos visados pelo legislador da União.

46.

Esta indemnização é qualificada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 29 de julho de 2019, Rusu, como sendo de montante fixo, uniforme e imediata ( 30 ). Retomando os termos utilizados no Acórdão Irish Ferries, trata‑se de um «crédito pecuniário [cujo pagamento o passageiro] pode pedir ao transportador pelo simples facto de as condições estabelecidas [no artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010] estarem preenchidas» ( 31 ). Com efeito, na hipótese de o cancelamento do voo não ser devido a circunstâncias extraordinárias, na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, o montante da indemnização é fixado em conformidade com as tabelas definidas no artigo 7.o, n.os 1 e 2, desse regulamento. Os passageiros dos transportes aéreos recebem uma indemnização cujo montante é fixado em 250 euros para todos os voos até 1500 quilómetros [alínea a)], em 400 euros para os voos intracomunitários de mais de 1500 quilómetros e para todos os outros voos de 1500 a 3500 quilómetros [alínea b)] e, por último, em 600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas anteriores. Por outro lado, a indemnização é reduzida em metade, em determinadas circunstâncias, em caso de reencaminhamento do passageiro. O Tribunal de Justiça declara que «[t]ais montantes fixos visam indemnizar apenas os prejuízos que são praticamente idênticos para todos os passageiros em causa» ( 32 ). Nestas circunstâncias, tanto os passageiros como as transportadoras aéreas podem determinar o montante da indemnização devida, uma vez que esta não é apreciada casuisticamente em função das circunstâncias específicas de cada passageiro, dependendo apenas da distância e do destino do voo em causa ( 33 ). Nessas condições, com exceção da situação em que o direito à indemnização é impugnado com base no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 e necessita de uma apreciação de ordem jurídica quanto à existência, por exemplo, de «circunstâncias extraordinárias», o organismo nacional parece‑me estar em perfeitas condições para apreciar o fundamento do crédito e, se for o caso, o respetivo montante para efeitos da adoção de uma medida coerciva.

47.

Além disso, essa atribuição de competências parece‑me comungar dos objetivos prosseguidos pelo legislador da União no contexto do Regulamento n.o 261/2004. Este regulamento, em conformidade com os seus considerandos 1, 2, 4 e 12, visa garantir um elevado nível de proteção dos passageiros dos transportes aéreos, vítimas de sérios transtornos e inconvenientes causados pelo cancelamento do seu voo ( 34 ). Ora, o Tribunal de Justiça tem decidido reiteradamente que os montantes que o artigo 7.o, n.o 1, do referido regulamento fixa visam compensar, de maneira uniforme e imediata, os prejuízos constituídos por esses inconvenientes, «sem que [os passageiros] tenham de suportar os inconvenientes inerentes à propositura de uma ação de indemnização nos órgãos jurisdicionais competentes» ( 35 ). Assim, no Acórdão Irish Ferries, o Tribunal de Justiça acrescentou que a indemnização prevista em termos idênticos ao artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 é «por [si mesma] suscetível de obviar imediatamente a alguns dos inconvenientes sofridos pelos passageiros em caso de cancelamento de um serviço de transporte e [permite] assim garantir aos passageiros um elevado nível de proteção, pretendido por este regulamento» ( 36 ).

48.

Ora, afigura‑se‑me que uma medida como a prevista pela regulamentação nacional em causa comunga da simplicidade, celeridade e eficiência do processo de indemnização, ao evitar que o passageiro de transportes aéreos em causa tenha de intentar, para efeitos do pagamento da indemnização que lhe é devida, uma ação perante as autoridades judiciais competentes, suscetível de exigir procedimentos mais longos e, por vezes, mais complexos. Por conseguinte, parece‑me que essa medida garante um elevado nível de proteção dos passageiros dos transportes aéreos, evitando a saturação dos tribunais face a um número extremamente elevado de pedidos de indemnização.

49.

Além disso, recordemos que o reconhecimento dessa competência ao organismo nacional não priva os passageiros nem as transportadoras aéreas da possibilidade de intentarem uma ação judicial no tribunal nacional competente, em conformidade com os procedimentos previsto no direito nacional ( 37 ). Os passageiros podem dirigir‑se ao tribunal competente para exigir o direito à compensação prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004 e, do mesmo modo, as transportadoras aéreas devem beneficiar da possibilidade de impugnar os fundamentos da indemnização que, assim, lhes é pedida.

50.

Recordo, com efeito, que no Acórdão de 22 de novembro de 2012, Cuadrench Moré ( 38 ), o Tribunal de Justiça declarou que, «em caso de anulação de um voo e sob reserva de que essa anulação seja devida a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ser evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis, os artigos 5.o e 7.o do Regulamento n.o 261/2004 reconhecem aos passageiros o direito a uma indemnização que varia de acordo com a distância e o destino do voo em causa, direito que os passageiros podem invocar, se necessário, nos tribunais nacionais» ( 39 ). Além disso, o Tribunal de Justiça acrescentou que, «na falta de regulamentação da União na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro definir as regras processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União, desde que estas regras respeitem os princípios da equivalência e da efetividade» ( 40 ).

51.

É certo que, no n.o 34 do Acórdão Ruijssenaars e o., o Tribunal de Justiça sublinhou o risco de divergência, no âmbito da apreciação de uma mesma situação individual, entre, por um lado, o organismo nacional e, por outro, os tribunais nacionais. Além disso, existe outro risco decorrente da apresentação paralela de dois pedidos com vista ao pagamento da indemnização devida, um perante o organismo nacional e o outro perante os tribunais nacionais. Todavia, considero que os Estados‑Membros podem atenuar este risco através da adoção de medidas de natureza processual que garantam a articulação dos processos administrativo e judicial. Na falta de regulamentação da União na matéria, e tendo em conta a margem de manobra de que dispõem os Estados‑Membros quanto às competências que pretendem conferir ao organismo nacional, é à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro que cabe regulamentar essas modalidades processuais.

52.

No presente caso, devo referir que nenhum elemento na decisão de reenvio e nas observações apresentadas pelo Governo húngaro sugere que a atribuição dessa competência à Inspeção da defesa do consumidor possa violar o direito dos passageiros e das transportadoras aéreas de recorrerem às autoridades jurisdicionais ou possa implicar um risco de divergência entre estas duas autoridades no âmbito da apreciação de uma mesma situação individual.

53.

Por conseguinte, tendo em consideração todos estes elementos, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual um Estado‑Membro confere ao organismo nacional responsável pela aplicação desse regulamento o poder de obrigar uma transportadora aérea a pagar a indemnização devida a um passageiro pelo cancelamento ou atraso considerável do seu voo, prevista no artigo 7.o do referido regulamento, desde que essa regulamentação não prive esse passageiro nem a transportadora da possibilidade de intentar uma ação judicial no tribunal nacional competente para exigir essa indemnização ou impugnar os fundamentos da mesma. Cabe ao Estado‑Membro, no âmbito da sua autonomia processual, regulamentar as modalidades destinadas a garantir a articulação dos processos instaurados no organismo nacional responsável pela aplicação do mesmo regulamento e no tribunal nacional competente.

3. Observação final

54.

Antes de concluir a minha análise, considero interessante assinalar, que no estado atual do direito da União, os Estados‑Membros usam a margem de manobra que lhes é reconhecida em aplicação do artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004.

55.

Conforme é demonstrado por uma análise comparativa das diferentes legislações nacionais ( 41 ), os Estados‑Membros incluem neste processo não apenas os respetivos organismos nacionais e os órgãos jurisdicionais nacionais, mas também os organismos responsáveis pela defesa dos consumidores e os competentes para a resolução alternativa de litígios de consumo ( 42 ) ou para as ações de pequeno montante.

56.

Alguns Estados‑Membros optaram por designar como organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 a respetiva autoridade nacional de aviação civil ( 43 ), ao passo que outros preferiram confiar essa tarefa à respetiva autoridade nacional de defesa dos consumidores, a qual pode então ser responsável por assegurar a aplicação dos regulamentos sobre os direitos dos passageiros dos transportes aéreos, mas igualmente dos passageiros dos transportes ferroviários, marítimos ou terrestres ( 44 ). De igual modo, alguns Estados‑Membros conferem ao respetivo organismo nacional responsável pela aplicação desse regulamento a missão de assegurar o cumprimento do mesmo no interesse geral dos passageiros, o que pode incluir funções de fiscalização (através, por exemplo, de inspeções in situ ou de auditorias), funções de controlo (controlo das informações publicadas ou comunicadas pela transportadora aérea aos passageiros a fim de corrigir qualquer informação errada, fraudulenta ou incompleta), a redação de relatórios operacionais, trocas de informações e uma cooperação transfronteiriça com os outros organismos nacionais, enquanto outros Estados‑Membros lhes conferem a faculdade de analisar e tratar as queixas individuais dos passageiros a fim de garantir o respetivo direito a obter uma indemnização, e outros Estados‑Membros ainda os encarregam da missão de proceder à resolução alternativa de litígios ( 45 ).

57.

Por último, devo sublinhar que a margem de manobra concedida aos Estados‑Membros para efeitos da proteção dos direitos dos passageiros dos transportes aéreos lhes é igualmente reconhecida no âmbito dos regulamentos que visam a proteção dos direitos dos passageiros dos transportes aéreos com deficiência e dos passageiros dos serviços de transporte ferroviário, marítimo ou de autocarro. Esses regulamentos garantem uma tipologia de direitos comparáveis (direitos à informação, ao reembolso, ao reencaminhamento, à assistência prévia à viagem e à indemnização em determinadas circunstâncias). Qualquer que seja o modo de transporte em causa, o legislador da União exige que os Estados‑Membros designem «um organismo ou organismos» encarregado(s) de garantir a aplicação do regulamento em causa e de adotar as medidas necessárias para garantir o respeito dos direitos dos passageiros ( 46 ). Este legislador institui essa exigência em termos quase idênticos ( 47 ) e nenhum dos diplomas legais ainda recentemente adotados demonstra a sua intenção de enquadrar de forma mais estrita a natureza das competências atribuídas ao organismo nacional ou limitar o seu alcance. Pelo contrário, no âmbito do Regulamento 2021/782, que constitui o instrumento mais recente e mais preciso quanto à proteção dos direitos dos passageiros, o referido legislador permite igualmente ao organismo nacional desempenhar o papel de órgão de resolução alternativa de litígios de consumo, na aceção da Diretiva 2013/11 ( 48 ).

V. Conclusão

58.

À luz destas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria) da seguinte forma:

O artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual um Estado‑Membro confere ao organismo nacional responsável pela execução desse regulamento o poder de obrigar uma transportadora aérea a pagar a indemnização devida a um passageiro pelo cancelamento ou atraso considerável do seu voo, prevista no artigo 7.o do referido regulamento, desde que essa regulamentação não prive esse passageiro nem a transportadora da possibilidade de intentar uma ação judicial no tribunal nacional competente para exigir essa indemnização ou impugnar os fundamentos da mesma. Cabe ao Estado‑Membro, no âmbito da sua autonomia processual, regulamentar as modalidades destinadas a garantir a articulação dos processos instaurados no organismo nacional responsável pela aplicação do mesmo regulamento e no tribunal nacional competente.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1).

( 3 ) C‑145/15 e C‑146/15, a seguir «Acórdão Ruijssenaars e o., EU:C:2016:187.

( 4 ) Magyar Közlöny, 1997/119, a seguir «Lei de Defesa do Consumidor».

( 5 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2017, relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de proteção dos consumidores e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 (JO 2017, L 345, p. 1).

( 6 ) A seguir «LOT».

( 7 ) A seguir «Inspeção da defesa do consumidor».

( 8 ) O conceito de «autoridade competente» é definido no artigo 3.o, ponto 6), do Regulamento 2017/2394.

( 9 ) Comunicação da Comissão — Orientações para a Interpretação do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos, e do Regulamento (CE) n.o 2027/97 do Conselho relativo à responsabilidade das transportadoras aéreas em caso de acidente, com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.o 889/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2016, C 214, p. 5).

( 10 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de outubro de 2004, relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor («Regulamento relativo à cooperação no domínio da defesa do consumidor») (JO 2004, L 364, p. 1). Devo sublinhar que o Regulamento n.o 261/2004 foi revogado pelo Regulamento 2017/2394.

( 11 ) Ponto 7.3 dessa comunicação. O sublinhado é meu.

( 12 ) V., a título de exemplo, Acórdão de 28 de julho de 2016, Verein für Konsumenteninformation (C‑191/15, EU:C:2016:612, n.o 45).

( 13 ) V. definição do termo «interesse» em Littré, E., Dictionnaire de la langue française, Paris, L. Hachette., 1873‑1874, que contrapõe «o interesse particular, privado ou pessoal, em benefício de uma pessoa» ao «interesse público, em benefício do Estado, da sociedade». V. também definição deste conceito em Lalande, A., Vocabulaire technique et critique de la philosophie, Presses universitaires de France, Paris, 1997, 4e ed., p. 531, segundo a qual o interesse coletivo não é a soma de interesses individuais dos membros de um setor ou de um agrupamento, por exemplo, mas refere‑se ao interesse de um conjunto de indivíduos como um todo [e que, como tal, não pode ser considerado individualizadamente]. Esse conceito é utilizado em certos setores específicos e designadamente no âmbito da defesa de um coletivo, de uma profissão ou dos consumidores pelas associações de consumidores.

( 14 ) V. Acórdão de 28 de julho de 2016, Verein für Konsumenteninformation (C‑191/15, EU:C:2016:612, n.o 42).

( 15 ) V., respetivamente, Regulamento (CE) n.o 1107/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativo aos direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida no transporte aéreo (JO 2006, L 204, p. 1), Regulamento (UE) 2021/782 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2021, relativo aos direitos e obrigações dos passageiros dos serviços ferroviários (JO 2021, L 172, p. 1); Regulamento (UE) n.o 1177/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativo aos direitos dos passageiros do transporte marítimo e por vias navegáveis interiores e que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 (JO 2010, L 334, p. 1), e Regulamento (UE) n.o 181/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, respeitante aos direitos dos passageiros no transporte de autocarro e que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 (JO 2011, L 55, p. 1).

( 16 ) C‑570/19, a seguir «Acórdão Irish Ferries, EU:C:2021:664.

( 17 ) V. n.os 143 e 145 desse acórdão e jurisprudência referida.

( 18 ) V. n.os 106 e 107 do referido acórdão e jurisprudência referida. V. também Livro Branco da Comissão, de 28 de março de 2011, intitulado «Roteiro do espaço único europeu dos transportes — Rumo a um sistema de transportes competitivo e económico em recursos» [COM(2011) 144 final], no qual a Comissão referia assim que era necessário «[u]niformizar a interpretação e assegurar a aplicação efetiva e harmonizada da legislação da UE sobre os direitos dos passageiros, para garantir condições de concorrência equitativas e um padrão europeu de proteção dos utentes» (p. 25).

( 19 ) V. n.o 106 do mesmo acórdão. O Tribunal de Justiça salientou aí, quanto à interpretação do conceito de «circunstâncias extraordinárias», utilizado no Regulamento n.o 1177/2010 relativo ao transporte marítimo, a intenção do legislador da União de seguir «uma abordagem unificada», ao remeter para a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de direitos dos passageiros do transporte aéreo.

( 20 ) A questão submetida não diz respeito à indemnização suplementar prevista no artigo 12.o do mesmo regulamento.

( 21 ) O sublinhado é meu.

( 22 ) O Tribunal de Justiça refere‑se aqui ao segundo período do considerando 22 do Regulamento n.o 261/2004 e à jurisprudência do Tribunal de Justiça, em particular, aos Acórdãos de 13 de outubro de 2011, Sousa Rodríguez e o. (C‑83/10, EU:C:2011:652, n.o 44), e de 31 de janeiro de 2013, McDonagh (C‑12/11, EU:C:2013:43, n.o 51).

( 23 ) N.o 36 do Acórdão Ruijssenaars e o., o sublinhado é meu.

( 24 ) V., neste sentido, Livro Branco da Comissão, de 28 de março de 2011, intitulado «Roteiro do espaço único europeu dos transportes — Rumo a um sistema de transportes competitivo e económico em recursos» [COM(2011) 144 final, p. 25].

( 25 ) É o que distingue o Regulamento n.o 261/2004 dos outros regulamentos. Com efeito, em relação aos outros modos de transporte, o legislador da União exige que o organismo nacional seja independente da transportadora ou do gestor da infraestrutura no que se refere à sua organização, decisões de financiamento, estrutura jurídica e tomada de decisões. V., por exemplo, artigo 25.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1177/2010; artigo 31.o, n.o 2, do Regulamento 2021/782, e artigo 28.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 181/2011.

( 26 ) Acórdão Ruijssenaars e o. (n.o 31).

( 27 ) Acórdão Irish Ferries (n.o 118).

( 28 ) Acórdão Ruijssenaars e o. (n.o 32).

( 29 ) Acórdão Ruijssenaars e o. (n.o 30).

( 30 ) C‑354/18, a seguir «Acórdão Rusu, EU:C:2019:637 (n.os 28 e 34 e jurisprudência referida).

( 31 ) Acórdão Irish Ferries (n.o 118).

( 32 ) Acórdão Rusu (n.o 30 e jurisprudência referida).

( 33 ) No acórdão Rusu, o Tribunal de Justiça declarou que «nem o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 nem este regulamento no seu conjunto preveem a indemnização dos prejuízos individuais, inerentes ao motivo da deslocação dos passageiros em causa, cuja reparação exige forçosamente uma apreciação, caso a caso, da extensão dos danos causados e consequentemente só pode ser objeto de indemnização a posteriori individualizada» (n.o 31).

( 34 ) V. Acórdão Ruijssenaars e o., n.o 33, Acórdão Rusu (n.o 26 e jurisprudência referida).

( 35 ) Acórdão Rusu (n.o 28 e jurisprudência referida).

( 36 ) Acórdão Irish Ferries (n.os 152 e 154).

( 37 ) V. Comunicação da Comissão — Orientações para a Interpretação do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos, e do Regulamento (CE) n.o 2027/97 do Conselho relativo à responsabilidade das transportadoras aéreas em caso de acidente, com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.o 889/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2016, C 214, p. 5) (n.o 8 e segs.).

( 38 ) C‑139/11, EU:C:2012:741.

( 39 ) N.o 23 desse acórdão, o sublinhado é meu.

( 40 ) N.o 25 do referido acórdão.

( 41 ) V., a este respeito, Relatório da Direção‑Geral da Mobilidade e dos Transportes da Comissão, Kouris, S., «Study on the current level of protection of air passenger rights in the EU» (Estudo do atual nível da proteção dos direitos dos passageiros na União Europeia), Serviço de Publicações da União Europeia, Bruxelas, 2020, MOVE/B5/2018‑541, n.os 5.5 e segs., disponível em versão eletrónica no seguinte endereço internet: https://op.europa.eu/fr/publication‑detail/‑/publication/f03df002‑335c‑11ea‑ba6e‑01aa75ed71a1.

( 42 ) Estas entidades são designadas com base na Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE (diretiva da RALC) (JO 2013, L 165, p. 63). Em conformidade com o seu artigo 1.o, esta diretiva visa assegurar que os consumidores possam apresentar, voluntariamente, queixas contra os comerciantes recorrendo a procedimentos de resolução alternativa de litígios. V., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2017, Menini e Rampanelli (C‑75/16, EU:C:2017:457, n.os 39 e 40), e o Acórdão de 25 de junho de 2020, Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände (C‑380/19, EU:C:2020:498, n.o 26).

( 43 ) É o caso, por exemplo, do Reino da Dinamarca, da Irlanda, da República Helénica, da República Francesa, da República da Croácia e da República de Chipre. V., a este respeito, as comunicações a que procederam os Estados‑Membros em aplicação do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004.

( 44 ) É o caso, por exemplo, da República da Estónia, do Grão‑Ducado do Luxemburgo, da Hungria, ou ainda da República da Finlândia. Em contrapartida, na República Francesa, por exemplo, a Direction générale de l’aviation civile (DGAC) tem, assim, funções de regulamentação dos transportes aéreos, de supervisão geral e de acompanhamento da aplicação do direito da União relativo à proteção dos passageiros dos transportes aéreos. Na sequência das sinalizações dos passageiros, este organismo pode tomar as medidas corretivas necessárias. No caso de ser detetado um incumprimento, podem ser aplicadas sanções, sob a forma de coimas, às transportadoras aéreas que não cumpram as obrigações do Regulamento n.o 261/2004. Contudo, esta Direção não garante o acompanhamento individualizado das reclamações que lhe são dirigidas e a sua ação é independente do tratamento dos pedidos individuais de indemnização e de reembolso às transportadoras aéreas. Para este efeito, os passageiros devem recorrer ao tribunal competente, em conformidade com o Código de Processo Civil, ou ao organismo de resolução alternativa de litígios.

( 45 ) V., a este respeito, Relatório da Direção‑Geral da Mobilidade e dos Transportes da Comissão, «Study on the EU Regulatory Framework for Passenger Rights: comparative analysis of good practices: final report» (Estudo do quadro regulamentar europeu sobre os direitos dos passageiros: análise comparativa das boas práticas: relatório final), Serviço de Publicações, Bruxelas, 2021, n.os 4.60 e segs., disponível em versão eletrónica no seguinte endereço internet: https://op.europa.eu/fr/publication‑detail/‑/publication/afa2493d‑1b4e‑11ec‑b4fe‑01aa75ed71a1.

( 46 ) Com exceção do Regulamento n.o 261/2004, os outros regulamentos permitem aos Estados‑Membros designar vários organismos nacionais.

( 47 ) V., por exemplo, artigo 31.o, n.o 1, do Regulamento 2021/782 e artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2006.

( 48 ) V. nota 42.

Top