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Document 62020CC0420

Conclusões do advogado-geral Richard de la Tour apresentadas em 3 de março de 2022.
Processo penal contra HN.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sofiyski rayonen sad.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 47.o e 48.o — Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais — Artigo 6.o — Diretiva (UE) 2016/343 — Reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal — Artigo 8.o — Direito de comparecer em julgamento — Decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada por um período de cinco anos — Condições para efeitos de julgamento na ausência da pessoa em causa — Obrigação de comparecer em julgamento prevista pelo direito nacional.
Processo C-420/20.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:157

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 3 de março de 2022 ( 1 )

Processo C‑420/20

HN

Processo penal

sendo interveniente o

Sofiyska rayonna prokuratura

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sofiyski Rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva (UE) 2016/343 — Artigo 8.o, n.o 1 — Direito de comparecer em julgamento — Artigo 8.o, n.o 2 — Renúncia ao direito de comparecer em julgamento — Execução de uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência contra um nacional de um país terceiro, arguido num processo penal — Compatibilidade»

I. Introdução

1.

O presente processo caracteriza‑se por um paradoxo que culmina numa contradição dificilmente ultrapassável. O interessado, um nacional albanês, é perseguido pelas autoridades penais búlgaras pela prática de uma infração grave pela qual as disposições do código de processo penal búlgaro exigem que esteja presente no seu julgamento. Ao mesmo tempo, as disposições da lei búlgara sobre os estrangeiros exigem que esse interessado seja afastado para o seu país de origem e proibido de entrar e de permanecer no território búlgaro durante um período de cinco anos. Daqui decorre que esse interessado está impedido de comparecer no seu julgamento, embora tenha essa obrigação em aplicação das disposições do direito nacional, e tenha esse direito, em aplicação das disposições do direito da União.

2.

Com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pede portanto, em substância, ao Tribunal de Justiça que precise em que medida o direito do arguido de comparecer no seu julgamento, garantido no artigo 8.o da Diretiva (UE) 2016/343 ( 2 ), permite a um Estado‑Membro proceder à execução de uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência contra o nacional de um país terceiro, arguido em razão da prática de uma infração grave e que ainda não foi julgado.

3.

No âmbito das presentes conclusões, começarei por expor as razões pelas quais essas questões devem ser analisadas tomando em consideração, por um lado, as prescrições da Diretiva 2016/343, relativa ao direito de comparecer em julgamento, e, por outro, as regras enunciadas na Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de um país terceiro em situação irregular ( 3 ).

4.

Explicarei, em seguida, os motivos pelos quais, numa situação em que seja adotada uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência contra um nacional de país terceiro, arguido no âmbito de um processo penal, o respeito do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 exige que se verifique, caso a caso, se a execução imediata dessa decisão permite a esse nacional comparecer no seu julgamento e, se for caso disso, se não há que adiar o afastamento ou revogar ou suspender a proibição de entrada e de permanência, em conformidade com as disposições pertinentes da Diretiva 2008/115.

5.

Referirei igualmente que as disposições enunciadas no artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 não se opõem a que um Estado‑Membro julgue o referido nacional na ausência deste, na condição de este ter sido informado atempadamente, não apenas do julgamento e das consequências da não comparência, mas igualmente das medidas especiais colocadas à sua disposição para lhe permitir comparecer no seu julgamento, ou de essa pessoa, tendo sido informada do julgamento, ser representada, de forma adequada, por um advogado por ela mandatado ou nomeado oficiosamente.

6.

Em contrapartida, exporei as razões pelas quais esse artigo se opõe a que um julgamento se realize à revelia sempre que o arguido, ainda que tenha sido informado das consequências da não comparência, tenha expressado a sua vontade de renunciar ao seu direito de comparecer no julgamento apenas no decurso do inquérito, num momento em que a data do julgamento ainda não estava fixada.

7.

Por último, precisarei por que razão o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, por força do qual os Estados‑Membros asseguram que os arguidos tenham o direito de comparecer no seu julgamento, se opõe, na minha opinião, a uma legislação nacional que prevê que o arguido tem a obrigação de comparecer no seu julgamento.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Diretiva 2016/343

8.

A Diretiva 2016/343 estabelece, em conformidade com o seu artigo 1.o, epigrafado «Objeto», normas mínimas respeitantes, por um lado, a certos aspetos da presunção de inocência e, por outro, ao direito de comparecer em julgamento.

9.

O artigo 8.o dessa diretiva, intitulado «Direito de comparecer em julgamento», prevê, nos seus n.os 1 a 4, o seguinte:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido tem o direito de comparecer no próprio julgamento.

2.   Os Estados‑Membros podem prever que um julgamento passível de resultar numa decisão sobre a culpa ou inocência de um suspeito ou de um arguido pode realizar‑se na sua ausência, desde que:

a)

o suspeito ou o arguido tenha atempadamente sido informado do julgamento e das consequências da não comparência; ou

b)

o suspeito ou o arguido, tendo sido informado do julgamento, se faça representar por um advogado mandatado, nomeado por si ou pelo Estado.

3.   Uma decisão tomada em conformidade com o n.o 2 pode ser executada contra o suspeito ou o arguido em causa.

4.   Sempre que os Estados‑Membros disponham de um sistema que preveja a possibilidade de realização do julgamento na ausência de suspeitos ou arguidos mas não seja possível cumprir as condições definidas no n.o 2 do presente artigo, por o suspeito ou o arguido não poder ser localizado apesar de terem sido efetuados esforços razoáveis, os Estados‑Membros podem prever que uma decisão pode, mesmo assim, ser tomada e executada. Nesse caso, os Estados‑Membros asseguram que quando o suspeito ou o arguido forem informados da decisão, em especial aquando da detenção, também sejam informados da possibilidade de impugnar a decisão e do direito a um novo julgamento ou de usar outras vias de recurso, em conformidade com o artigo 9.o»

10.

O artigo 9.o da referida diretiva, epigrafado «Direito a um novo julgamento», enuncia:

«Os Estados‑Membros asseguram que sempre que o suspeito ou o arguido não tiverem comparecido no seu julgamento e as condições previstas no artigo 8.o, n.o 2, não tiverem sido reunidas, estes têm direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso que permitam a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apreciação de novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial. A este respeito, os Estados‑Membros asseguram que esses suspeitos ou esses arguidos têm o direito de estarem presentes, de participarem efetivamente, nos termos do processo previsto na legislação nacional, e de exercerem os seus direitos de defesa.»

2. Diretiva 2008/115

11.

Em conformidade com o seu artigo 1.o, epigrafado «Objeto», a Diretiva 2008/115 «estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de um país terceiro em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito [da União] e do direito internacional […]»

12.

O artigo 3.o dessa diretiva, intitulado «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

4)

“Decisão de regresso”, uma decisão ou ato administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso;

5)

“Afastamento”, a execução do dever de regresso, ou seja, o transporte físico para fora do Estado‑Membro;

6)

“Proibição de entrada”, uma decisão ou ato administrativo ou judicial que proíbe a entrada e a permanência no território dos Estados‑Membros durante um período determinado e que acompanha uma decisão de regresso;

[…]»

13.

O artigo 9.o da referida diretiva, epigrafado «Adiamento do afastamento», dispõe, no seu n.o 2, o seguinte:

«Os Estados‑Membros podem adiar o afastamento por um prazo considerado adequado, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto. Os Estados‑Membros devem, em particular, ter em conta:

a)

O estado físico ou a capacidade mental do nacional de país terceiro;

b)

Razões técnicas, nomeadamente a falta de capacidade de transporte ou o afastamento falhado devido à ausência de identificação.»

14.

O artigo 11.o da mesma diretiva, epigrafado «Proibição de entrada», dispõe, no seu n.o 3, quarto parágrafo, o seguinte:

«Os Estados‑Membros podem revogar ou suspender proibições de entrada em determinados casos concretos ou em determinadas categorias de casos por outras razões [diferentes das enunciadas nos parágrafos anteriores].»

B.   Direito búlgaro

1. Código de Processo Penal

15.

O artigo 247.ob do Nakazatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal) ( 4 ) dispõe:

«1)   […] Uma cópia do ato de acusação é enviada ao arguido por ordem do juiz‑relator. A notificação do ato de acusação informa o arguido da data fixada para a realização da audiência preliminar e das questões referidas no artigo 248.o, n.o 1, do seu direito de comparecer acompanhado de um advogado por ele escolhido e da possibilidade de lhe ser nomeado oficiosamente um advogado nos casos previstos no artigo 94.o, n.o 1, e de que o processo pode ser apreciado e julgado na sua ausência, em conformidade com o artigo 269.o

2)   O procurador e o advogado são notificados da data de realização da audiência preliminar e das questões referidas no artigo 248.o, n.o 1, bem como a vítima ou os seus sucessores ou a pessoa coletiva lesada, que são informados do seu direito de mandatar um advogado.

[…]»

16.

O artigo 248.o, n.o 1, do NPK, na sua versão aplicável aos factos do processo principal, enuncia o seguinte:

«[…] São examinadas as seguintes perguntas na audiência preliminar:

[…]

2.

Existem motivos para encerrar ou suspender o processo penal;

3.

No processo pré‑contencioso padece de algum vício processual substancial, a que possa ser sanado, que tenha por efeito limitar os direitos processuais do arguido, da vítima ou dos seus sucessores;

4.

Há que submeter a apreciação do processo a normas especiais;

[…]

8.

A fixação da data da audiência e a identificação das pessoas a citar.»

17.

O artigo 269.o do NPK dispõe:

«1)   Em matéria de infração penal grave, a presença do arguido na audiência é obrigatória.

2)   O tribunal pode ordenar a comparência do arguido compareça igualmente nos processos em que a sua presença não é obrigatória, quando isso seja necessário para a descoberta da verdade material.

3)   Quando tal não impeça a descoberta da verdade material, o processo pode ser examinado na ausência do arguido se:

1.

Este não se encontrar na morada por ele indicada ou tiver alterado a sua morada sem disso informar as autoridades;

2.

O seu local de residência no país não for conhecido e não tiver sido possível fixá‑lo no termo de investigação aprofundada;

3.

[…] devidamente citado, o arguido não tiver apresentado motivos válidos que justifiquem a sua não comparência e o procedimento previsto no artigo 247.ob tiver sido respeitado;

4.

[…] se encontrar fora do território da República da Bulgária e:

a)

o seu lugar de residência for desconhecido;

b)

não puder ser citado por outros motivos;

c)

tiver sido devidamente citado e não tiver apresentado razões válidas para a sua não comparência.»

2. Lei sobre os Estrangeiros na República da Bulgária

18.

A Zakon za chuzhdentsite v Republika Bulgaria (Lei sobre os Estrangeiros na República da Bulgária) ( 5 ), de 23 de dezembro de 1998, na versão aplicável aos factos no processo principal, transpõe a Diretiva 2008/115 ( 6 ).

19.

Em aplicação do artigo 10.o, n.o 1, da ZChRB:

«1)   […] A emissão de um visto ou a entrada de um estrangeiro no país deve ser recusada se:

[…]

7.

[…] este tiver tentado entrar ou transitar no território utilizando documentos, um visto ou uma autorização de residência falsos ou falsificados;

[…]

22.

[…] existirem indicações de que o objetivo da sua entrada é utilizar o país como ponto de trânsito para as migrações para um Estado terceiro;

[…]»

20.

Em conformidade com o artigo 10.o, n.o 2, da ZChRB:

«2)   […] Nos casos referidos no n.o 1, pode ser emitido um visto ou autorizada a entrada no território da República da Bulgária por razões humanitárias ou sempre que o interesse do Estado ou o cumprimento de obrigações internacionais o exijam.»

21.

Nos termos do artigo 41.o, n.o 5, da ZChRB:

«[…] Deve ser ordenado o regresso sempre que:

[…]

5.

[…] [s]e prove que o estrangeiro atravessou legalmente a fronteira do país, mas tentou sair do país passando por locais não previstos para o efeito ou com um passaporte, ou documento de viagem que o substitua, falso ou falsificado.»

22.

O artigo 42.oh, n.o 1, da ZChRB dispõe o seguinte:

«[…] A proibição de entrada e de permanência no território dos Estados‑Membros da União Europeia é imposta sempre que:

1.

Estejam reunidas as condições previstas no artigo 10.o, n.o 1;

[…]

3)

[…] A proibição de entrada e de permanência no território dos Estados‑Membros da União Europeia é imposta por [um período máximo de] cinco anos. A proibição de entrada e de permanência no território dos Estados‑Membros da União Europeia pode durar mais de cinco anos quando a pessoa constitua uma ameaça grave para a ordem pública ou a segurança social.

4)

[…] A proibição de entrada pode ser imposta ao mesmo tempo que a medida administrativa coerciva prevista no artigo 40.o, n.o 1, ponto 2, ou no artigo 41.o, quando estejam reunidas as condições previstas no artigo 10.o, n.o 1.»

23.

O artigo 44.o, n.o 5, da ZChRB prevê:

«[…] Sempre que existam obstáculos que impeçam o estrangeiro de deixar imediatamente o território ou de entrar noutro país e que nenhuma medida está prevista para o seu afastamento iminente, a autoridade que emitiu o despacho de imposição da medida administrativa coerciva ou o diretor da direção “Migrações”, após avaliação das circunstâncias individuais e do risco de fuga ou de entrave ao regresso de uma outra forma, ordenam por despacho, segundo modalidades previstas pelo decreto de aplicação da presente lei, a execução, conjunta ou separada de uma das medidas cautelares seguintes:

1.

O referido estrangeiro é obrigado a apresentar‑se semanalmente na secção local do Ministério da Administração Interna do seu local de residência;

[…]»

24.

Por força do artigo 44.o, n.o 6, da ZChRB:

«[…] Sempre que uma medida administrativa coerciva tenha sido tomada ao abrigo do artigo 39.oa, n.o 1, pontos 2 e 3, contra um estrangeiro e que este último coloque entraves à execução do despacho que aplique a referida medida, ou que se esteja perante um risco de fuga, as autoridades mencionadas no n.o 1 podem proferir um despacho de colocação em detenção contra o estrangeiro, num centro especial de detenção provisória para estrangeiros, a fim de preparar a sua recondução à fronteira da Bulgária ou a sua expulsão. A colocação coerciva é igualmente ordenada quando o estrangeiro não respeite as condições das medidas preparatórias previstas no n.o 5.»

III. Factos na origem do litígio no processo principal e questões prejudiciais

A.   Factos na origem do litígio

25.

O Sofiyska rayonna prokuratura (Ministério Público da Região de Sófia, Bulgária) instaurou um processo penal contra HN, nacional albanês, porquanto este terá utilizado, em 11 de março de 2020, documentos de identificação estrangeiros falsos, a saber, um passaporte e um cartão de identidade, no posto de controlo fronteiriço do aeroporto de Sófia, a fim de deixar o território búlgaro com destino ao Reino Unido. Essa infração constitui, na aceção da legislação nacional aplicável, um ilícito penal grave, punível com pena privativa de liberdade superior a cinco anos.

26.

Resulta de decisão de reenvio que, no momento da detenção de HN, em 11 de março de 2020, o Granichno politseysko upravlenie (Serviço de Polícia de Fronteiras búlgaro, Bulgária) abriu um inquérito no Ministério Público da Região de Sófia. No dia seguinte, o diretor do Serviço de Polícia de Fronteiras búlgaras de Sófia adotou contra HN, por um lado, uma decisão de regresso com fundamento no artigo 41.o, ponto 5, e no artigo 44.o, n.o 1, da ZChRB e, por outro, uma medida de «proibição de entrada e de permanência» por um período de cinco anos, de 12 de março de 2020 até 11 de março de 2025, com fundamento no artigo 43.o‑H, n.os 3 e 4, em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, pontos 7 e 22, e com o artigo 44.o, n.o 1, da ZChRB.

27.

Nenhum recurso foi interposto recurso contra essas duas medidas administrativas coercivas.

28.

Em 27 de abril de 2020, HN, acompanhado do seu defensor oficioso, foi notificado de que foi constituído arguido por utilização intencional de documentos de identificação falsos, em conformidade com o artigo 316.o, lido em conjugação com o artigo 308.o, n.os 1 e 2, do Nakazatelen kodeks (Código Penal). Nessa ocasião, tomou conhecimento, na presença de um intérprete, dos seus direitos, incluindo dos enunciados no artigo 269.o do NPK relativos à realização e às consequências de um julgamento à revelia. Na audição realizada no mesmo dia, declarou que compreendia os direitos de que fora informado e que não desejava comparecer no julgamento.

29.

Em 27 de maio de 2020, a acusação foi apresentada pelo Ministério Público da Região de Sófia ao órgão jurisdicional de reenvio e, com fundamento nesse ato, foi instaurado o processo penal que constitui o processo principal.

30.

Em 16 de junho de 2020, HN deixou o centro de detenção para nacionais de países terceiros e foi reconduzido à fronteira, ao posto fronteiriço de Gyueshevo, para execução das medidas contra ele adotadas.

31.

Por Despacho de 24 de junho de 2020, a data do exame em audiência pública preliminar foi marcada para 23 de julho de 2020 e o juiz‑relator ordenou que fossem entregues a HN, por intermédio dos agentes da Direção «Migrações» do Ministério da Administração Interna búlgaro, cópias do despacho e da acusação em língua albanesa, tendo em conta o prescrito no artigo 247.ob, n.o 3, do NPK. Foi igualmente referido que a presença de HN na audiência era obrigatória, em conformidade com o artigo 269.o, n.o 1, do NPK, e que o processo podia decorrer na ausência do arguido nas condições previstas no artigo 269.o, n.o 3, do NPK.

32.

Em 16 de julho de 2020, o órgão jurisdicional de reenvio foi informado pela Direção «Migração» do Ministério da Administração Interna búlgaro de que HN deixara o centro de detenção e fora reconduzido à fronteira. Resulta da decisão de reenvio que HN não foi informado da abertura do processo penal contra ele instaurado.

33.

Na audiência pública realizada em 23 de julho de 2020, o Ministério Público da Região de Sófia declarou que estavam reunidas as condições necessárias para a realização de um julgamento à revelia, na medida em que HN se encontrava fora do território búlgaro e que o seu local de residência não era conhecido. As autoridades judiciárias búlgaras desconhecem, com efeito, onde se encontra essa pessoa.

B.   Processo principal

34.

O juiz de reenvio sublinha que, em aplicação do artigo 10.o, n.os 1 e 2, da ZChRB, no caso de ser instaurado um processo penal contra um nacional de país terceiro por este ter tentado entrar ou transitar no território utilizando documentos oficiais falsos ou falsificados, o seu direito de comparecer pessoalmente no processo penal contra ele instaurado está comprometido.

35.

O juiz de reenvio equaciona, assim, três cenários para remediar essa violação dos direitos do arguido.

36.

No caso de o arguido ser afastado e ser objeto de uma medida de proibição de entrada e de permanência no Estado de perseguição, o órgão jurisdicional de reenvio considera que seria possível, em conformidade com os instrumentos internacionais aplicáveis, determinar o local de residência dessa pessoa no estrangeiro a fim de a informar do processo e do julgamento na sua ausência, subentendendo‑se que seria representada por um advogado nomeado oficiosamente.

37.

Um segundo cenário consistiria em suspender o processo penal até a medida de proibição de entrada e de permanência expirar a fim de garantir o respeito dos direitos processuais da referida pessoa.

38.

Um terceiro cenário consistiria em fixar antecipadamente as datas das audiências e informar os serviços da Polícia de Fronteiras do Ministério da Administração Interna búlgaro de que são obrigados a deixar o arguido entrar no território nacional para que este possa exercer plenamente o direito de que dispõe ao abrigo do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 de comparecer no seu julgamento, apesar da proibição de entrada contra ele adotada. Contudo, isso equivaleria a subordinar o direito de comparecer no seu julgamento à emissão prévia, pelo poder executivo, de uma autorização de admissão no território nacional. O juiz de reenvio sublinha que essa autorização não é suscetível de ser objeto de recurso jurisdicional, o que, na prática, criaria obstáculos administrativos que afetam o direito a um processo equitativo.

C.   Questões prejudiciais

39.

Nestas circunstâncias, o Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

É admissível que o direito dos arguidos de comparecer pessoalmente no próprio julgamento, previsto no artigo 8.o, n.o 1, da [Diretiva 2016/343], seja limitado por seja limitado por disposições nacionais segundo as quais pode ser imposta aos estrangeiros formalmente acusados uma proibição administrativa de entrada e residência no país em que o processo penal é conduzido?

2.

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, devem considerar‑se reunidas as condições previstas no artigo 8.o, n.o 2, alínea a) ou b), da [Diretiva 2016/343] para a realização do julgamento na ausência do arguido estrangeiro, quando este tenha sido devidamente informado sobre a matéria penal e sobre as consequências da sua não comparência e se faça representar por um advogado mandatado, nomeado por ele ou pelo Estado, mas está impossibilitado de comparecer pessoalmente devido a uma proibição de entrada e residência no país em que o processo penal é conduzido, decretada durante o procedimento administrativo?

3.

É admissível que o direito do arguido de comparecer pessoalmente no próprio julgamento, previsto no artigo 8.o, n.o 1, da [Diretiva 2016/343], seja convertido, por força de disposições nacionais, numa obrigação processual dessa pessoa? Mais concretamente: os Estados‑Membros asseguram desse modo um nível de proteção mais elevado na aceção do considerando 48, ou é essa abordagem, pelo contrário, incompatível com o considerando 35 desta diretiva, que enuncia que o direito do arguido não tem caráter absoluto e que se pode renunciar a ele?

4.

É admissível uma renúncia antecipada do arguido ao direito de comparecer pessoalmente no próprio julgamento, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, da [Diretiva 2016/343], claramente declarada no decurso do inquérito, desde que o arguido tenha sido informado das consequências da não comparência?»

D.   Processo no Tribunal de Justiça

40.

Foram apresentadas observações escritas sobre estas questões pelos Governos alemão, húngaro e neerlandês, bem como pela Comissão Europeia.

41.

Em 5 de outubro de 2021, o Tribunal de Justiça enviou um pedido de informações ao órgão jurisdicional de reenvio, relativo ao quadro jurídico do litígio no processo principal, ao qual este respondeu em 11 de outubro de 2021.

42.

Na audiência, HN e a Comissão apresentaram as suas observações orais.

IV. Análise

A.   Observação preliminar

43.

Formularei uma observação preliminar relativa ao quadro jurídico pertinente.

44.

Penso, com efeito, que as questões submetidas exigem que se tenham em conta outras normas de direito da União além das que são expressamente referidas na decisão de reenvio ( 7 ).

45.

Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a interpretar o artigo 8.o da Diretiva 2016/343 numa situação especial em que o arguido é objeto, por um lado, de uma medida de afastamento e, por outro, de uma medida de proibição de entrada e de permanência no território nacional por um período de cinco anos, em aplicação da ZChRB.

46.

Essas medidas não constituem uma pena, mas sim medidas coercivas que podem ser adotadas independentemente da instauração de um processo penal. Na sequência do pedido de esclarecimento formulado pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio referiu que a ZChRB, em aplicação da qual essas medidas foram adotadas, transpôs a Diretiva 2008/115. Atendendo a essas informações, e na falta de precisões que o Governo búlgaro teria podido fornecer nesse processo, considero que a situação de HN é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115, definido no artigo 2.o, n.o 1, desta. Nada indica que a República da Bulgária tenha optado por excluir a aplicação dessa diretiva às situações referidas no artigo 2.o, n.o 2, desta.

47.

Consequentemente, e sob reserva, uma vez mais, das precisões que o Governo búlgaro nos possa ter fornecido, afigura‑se, por um lado, que a decisão pela qual as autoridades nacionais competentes ordenaram o regresso do interessado ao seu país de origem constitui uma «decisão de regresso» na aceção do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, que implica, por isso, o «afastamento» deste último do território búlgaro na aceção do artigo 3.o, n.o 5, dessa diretiva e, por outro, que a decisão pela qual essas autoridades adotaram uma medida de proibição de entrada e de permanência constitui uma «proibição de entrada» na aceção do artigo 3.o, n.o 6, da referida diretiva.

48.

As questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio exigem, portanto, na minha opinião, que se invoquem as normas previstas na Diretiva 2008/115 a fim de as articular com os princípios enunciados no âmbito da Diretiva 2016/343.

B.   Alcance do direito de comparecer em julgamento, conforme consagrado no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 (primeira questão)

49.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, ao Tribunal de Justiça que se declare se o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional por força da qual as autoridades nacionais competentes podem executar uma decisão de regresso, acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência, contra um nacional de país terceiro, quando este último seja perseguido no âmbito de um processo penal em razão da prática de uma infração grave e ainda não tenha comparecido no seu julgamento.

50.

A questão coloca‑se na medida em que, manifestamente, a execução de uma decisão de regresso, na medida em que implica a transferência física do interessado para fora do Estado‑Membro em causa ( 8 ), e a adoção de uma medida de proibição de entrada e de permanência no território desse Estado por um período de cinco anos, na medida em que o proíbe de voltar a entrar nesse território e aí permanecer a seguir ( 9 ), são suscetíveis de violar o direito desse interessado de comparecer no seu julgamento quando este, paralelamente à adoção dessas medidas, seja arguido num processo penal.

51.

Impõe‑se, consequentemente, uma articulação entre o processo penal e o procedimento de afastamento e de regresso. Para determinar as suas modalidades, começarei a minha análise por um exame dos termos do artigo 8.o da Diretiva 2016/343, o qual consagra o direito do arguido de comparecer em julgamento, antes de me concentrar na economia e nos objetivos dessa diretiva ( 10 ). Terei igualmente em conta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Com efeito, o legislador da União expôs claramente, nos considerandos 11, 13, 33, 45, 47 e 48 da referida diretiva, a sua vontade de reforçar e garantir a aplicação efetiva do direito a um processo equitativo no âmbito dos procedimentos criminais ao integrar, no direito da União, a jurisprudência desenvolvida por esse tribunal quanto ao respeito do artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ( 11 ).

1. Os termos do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343

52.

O artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 consagra o direito dos suspeitos e dos arguidos de comparecer no seu julgamento ( 12 ). Ao exigir que os Estados‑Membros «asseguram que [estes] têm o direito de comparecer no próprio julgamento», o legislador da União impõe a esses Estados a obrigação de adotar as medidas necessárias para permitir a essas pessoas o exercício desse direito.

53.

O direito de comparecer em julgamento é abrangido, com efeito, pelo direito fundamental a um processo equitativo ( 13 ). Recordo que os direitos fundamentais fazem parte integrante dos princípios gerais do direito cujo respeito o Tribunal de Justiça assegura ( 14 ). O direito a um processo equitativo está consagrado tanto no artigo 47.o, segundo e terceiro parágrafos ( 15 ), e no artigo 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 16 ) como no artigo 6.o da CEDH.

54.

O artigo 48.o, n.o 2, da Carta enuncia, em especial, que é garantido a todo o arguido o respeito pelos direitos de defesa ( 17 ). Esses direitos exigem, nomeadamente, que seja possível ao arguido fazer valer utilmente o seu ponto de vista sobre as acusações contra ele formuladas.

55.

A este respeito, decorre do Acórdão Spetsializirana prokuratura (Audiência na ausência do arguido) que a realização de uma audiência pública reveste especial importância em matéria penal, na medida em que um litigante pode legitimamente exigir ser «ouvido» e beneficiar, nomeadamente, da possibilidade de expor oralmente os seus fundamentos de defesa, de ouvir os depoimentos de acusação e de interrogar e contra interrogar as testemunhas ( 18 ). O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decidiu igualmente, na mesma linha, que a presença do arguido no seu julgamento reveste uma importância fundamental em razão quer do direito de ser ouvido quer da necessidade de fiscalizar a exatidão das suas afirmações e de as confrontar com as declarações da vítima, cujos interesses devem igualmente de ser protegidos, bem como das testemunhas ( 19 ).

56.

Decorre, além disso, do Acórdão de 29 de julho de 2019, Gambino e Hyka, que aqueles que têm a responsabilidade de decidir sobre a culpa ou a inocência do acusado devem, em princípio, ouvir pessoalmente as testemunhas ( 20 ). Um dos elementos fundamentais de um processo penal é a possibilidade de o acusado ser confrontado com as testemunhas e/ou com as vítimas, na presença do juiz que deverá decidir sobre a culpa em resultado desses debates. Este princípio da imediação é uma garantia importante do processo penal na medida em que as observações feitas por esse juiz a propósito do comportamento e da credibilidade de uma testemunha podem ter graves consequências para o referido acusado ( 21 ). Assim, esta jurisprudência assenta na convicção de que apenas o processo penal pode permitir o estabelecimento formal da culpa penal ( 22 ).

57.

Tendo em conta os termos do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 e o lugar que ocupa o direito de comparecer em julgamento em direito da União, as autoridades de um Estado‑Membro que tenham decidido perseguir criminalmente um nacional de um país terceiro não podem, na minha opinião, proceder à execução de uma medida de afastamento desse nacional acompanhada, além disso, de uma proibição de entrada e de permanência por um período de cinco anos, sem que estejam previstas as medidas de organização do processo que se impõem para permitir ao referido nacional exercer plenamente o seu direito de comparecer no seu julgamento, a menos que este tenha renunciado a esse direito de forma esclarecida e inequívoca.

58.

Esta interpretação é, na minha opinião, corroborada pela economia da Diretiva 2016/343.

2. Economia da Diretiva 2016/343

59.

Em primeiro lugar, importa salientar que a situação em que o arguido está impedido de comparecer no seu julgamento não está contemplada pelo legislador da União no capítulo 3 da Diretiva 2016/343 nem no artigo 8.o ou no artigo 9.o desta.

60.

O artigo 8.o dessa diretiva tem como único objeto e finalidade consagrar, no seu n.o 1, o direito dessa pessoa de comparecer no seu julgamento e definir, no seu n.o 2, os casos em que uma pessoa pode ser julgada na sua ausência. O legislador da União precisa, com efeito, no considerando 35 da referida diretiva, que esse direito não tem caráter absoluto, podendo o arguido renunciar a esse direito de modo expresso ou tácito, mas de forma inequívoca, em determinadas condições.

61.

Em aplicação do artigo 8.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2016/343, os Estados‑Membros podem, assim, prever julgar o arguido na sua ausência e executar a decisão de condenação proferida na sequência do julgamento se essa pessoa tiver sido informada atempadamente do julgamento e das consequências da não comparência ou se, tendo sido informada do julgamento, se fizer representar por um advogado por ela mandatado ou nomeado pelo Estado. Tal permite demonstrar que o arguido renunciou de forma esclarecida a comparecer pessoalmente no seu julgamento.

62.

No caso de o arguido não ter sido informado da realização do seu julgamento por não ter sido localizado, apesar dos esforços envidados para esse efeito pelas autoridades competentes, o legislador da União permite aos Estados‑Membros, em aplicação do artigo 8.o, n.o 4, da Diretiva 2016/343, prever a possibilidade de julgar essa pessoa na sua ausência. No entanto, os Estados‑Membros devem prever na sua regulamentação que a referida pessoa seja informada, nomeadamente no momento da sua detenção por efeito de uma condenação, da possibilidade de impugnar a decisão adotada no termo do julgamento ao qual não compareceu e de beneficiar de um novo julgamento, em conformidade com o artigo 9.o dessa diretiva ( 23 ).

63.

Há que concluir que a situação em que o arguido está impedido de comparecer no seu julgamento, em razão, por exemplo, do seu afastamento do território e da proibição de entrada e de permanência de que é objeto, não é abrangida por essas disposições.

64.

Por um lado, tal situação distingue‑se, per se, da situação em que o arguido renuncia, com pleno conhecimento de causa, ao seu direito de comparecer no julgamento, referida no artigo 8.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2016/343.

65.

Por outro lado, tal situação não pode necessariamente ser entendida sob a perspetiva do artigo 8.o, n.o 4, da Diretiva 2016/343, cuja aplicação exige que as autoridades nacionais competentes sejam confrontadas com a impossibilidade de localizar e de informar essa pessoa da realização do seu julgamento, apesar dos esforços razoavelmente envidados para esse efeito. Com efeito, ao proceder ao afastamento de um nacional de país terceiro que as autoridades decidiram perseguir criminalmente antes de a referida pessoa ser informada da realização do seu julgamento e ao não efetuar as diligências que se impõem para assegurar que essa pessoa, uma vez de regresso ao seu país de origem, possa ser informada da realização do seu julgamento, as autoridades nacionais competentes ficam expostas ao risco de já não poder localizar o arguido para o informar da data e do local do seu julgamento. No caso em apreço, decorre dos debates orais que o processo penal instaurado em abril de 2020 contra HN se atrasou por causa da pandemia de Covid‑19. Contudo, parece‑me que, atendendo à cronologia dos factos, não foram desenvolvidos todos os esforços que se impunham para assegurar que HN, que estava, na altura, detido no centro de detenção, fosse informado da realização do seu julgamento. Teria podido, por exemplo, ser suspensa a execução do afastamento enquanto se aguardava pela realização do julgamento penal. De igual modo, podiam ter sido utilizados instrumentos de auxílio judiciário mútuo internacional ( 24 ).

66.

Isso leva‑me a precisar, em segundo lugar, que a situação em que o arguido está impedido de comparecer no seu julgamento é referida, em contrapartida, no considerando 34 da Diretiva 2016/343.

67.

Nos termos desse considerando «[s]e, por motivos alheios à sua vontade, […] o arguido não [puder] comparecer no julgamento, dever[á] poder requerer nova data para o mesmo no prazo previsto no direito nacional».

68.

É verdade que o referido considerando não se reflete nas disposições da Diretiva 2016/343 e, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os considerandos dos atos da União não têm, só por si, valor jurídico, antes sendo de natureza descritiva e não normativa ( 25 ). Contudo, não é menos verdade que o legislador da União testemunha aqui a sua vontade de ter em conta as situações em que o arguido está impedido de comparecer no seu julgamento por razões independentes da sua vontade, cabendo então ao Estado‑Membro fazer prova de diligência para assegurar o gozo efetivo do direito dessa pessoa de comparecer no seu julgamento.

69.

Este princípio inspira‑se na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, na qual este aprecia, caso a caso, a natureza e a gravidade dos motivos de impedimento suscitados pelo arguido e a diligência demonstrada pelas autoridades nacionais competentes para garantir a presença dessa pessoa na audiência ( 26 ). Assim, no Acórdão de 28 de agosto de 1991, FCB c. Itália, este tribunal considerou contrário ao artigo 6.o da CEDH o facto de um órgão jurisdicional de recurso italiano não ter adiado os debates, quando o arguido, acusado de crimes muito graves, estava detido num estabelecimento prisional neerlandês e não tinha manifestado a vontade de renunciar ao direito de aí comparecer ( 27 ).

70.

Os termos do considerando 34 da Diretiva 2016/343 são suficientemente latos, a meu ver, para abranger as situações em que o arguido está impedido de comparecer no seu julgamento porque foi afastado para um país terceiro e está igualmente impossibilitado de entrar e de permanecer no território do Estado onde se realiza o julgamento em razão das medidas administrativas coercivas contra ele adotadas. Contudo, esse considerando parece referir‑se às situações em que essa pessoa tem conhecimento da data do seu julgamento, uma vez que pede ao juiz o seu adiamento, o que não é o caso no presente processo. Além disso, as medidas que o legislador da União prevê no referido considerando não são suficientes para permitir à referida pessoa estar presente no seu julgamento. Com efeito, nesse considerando, o legislador da União contempla apenas o adiamento do julgamento ( 28 ). Ora, a natureza, o alcance e o período de impedimento que resultam da execução de uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência, que, recordo, pode ser de cinco anos, exigem que outras medidas sejam adotadas com vista à organização do processo, tanto pelas autoridades administrativas, procedendo ao adiamento do afastamento, por exemplo, como pelas autoridades judiciais, recorrendo, nomeadamente, ao auxílio judiciário mútuo internacional.

71.

Tais medidas impõem‑se atendendo à finalidade da Diretiva 2016/343.

3. Finalidade da Diretiva 2016/343

72.

Em conformidade com o seu considerando 9 e com o seu artigo 1.o, a Diretiva 2016/343 tem como objeto reforçar o direito a um processo equitativo e os direitos de defesa do arguido no âmbito de um processo penal, definindo normas mínimas comuns relativas, nomeadamente, ao direito de comparecer em julgamento.

73.

Em primeiro lugar, o acesso efetivo a um juiz e o exercício dos direitos de defesa implicam que essa pessoa possa comparecer no seu julgamento. Ora, proceder ao afastamento do nacional de país terceiro contra o qual as autoridades do Estado‑Membro instauraram um processo penal pela prática de uma infração grave e proibi‑lo, além disso, de entrar e de permanecer no território desse Estado, quando o seu julgamento ainda não se realizou, priva de qualquer eficácia o direito de comparecer em julgamento se essas medidas não forem acompanhadas de disposições especiais que permitam informar a referida pessoa da data e do local do seu julgamento e garantir a sua comparência ou a sua representação na audiência.

74.

Em segundo lugar, decorre dos considerandos 2, 4 e 10 da Diretiva 2016/343 que o legislador da União pretende igualmente reforçar a confiança dos Estados‑Membros nos respetivos sistemas de justiça penal, de modo a facilitar o reconhecimento mútuo das decisões judiciais de condenação do arguido, incluindo a que fixa a pena privativa de liberdade a cumprir ( 29 ). Ora, o reconhecimento mútuo de uma decisão de condenação proferida à revelia implica que esta tenha sido proferida em condições que garantam o respeito pelos direitos processuais dessa pessoa. Se assim não for, tal constitui um motivo de recusa da execução previsto, por exemplo, no artigo 9.o de Decisão‑Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da sua execução na União Europeia ( 30 ). É certo que o presente processo se insere num contexto diferente que envolve um Estado‑Membro e um país terceiro. Observo, porém, que as disposições de direito internacional relativas à extradição são interpretadas no mesmo sentido ( 31 ). É, portanto, indispensável, nessas circunstâncias, que as autoridades nacionais competentes adotem todas as medidas que se impõem para garantir que o arguido será informado da realização do seu julgamento, quer antes do seu afastamento quer depois deste, e, se for o caso, que essas autoridades levem a cabo as diligências necessárias à sua comparência se a referida pessoa tiver sido afastada.

75.

Em terceiro lugar, o direito a um processo equitativo, no qual assenta a Diretiva 2016/343, exige uma boa administração da justiça. Ora, a execução de uma decisão de regresso que seja, não apenas imediata, mas igualmente concomitante com um processo penal sem que sejam adotadas medidas que permitam assegurar a localização do arguido no território do país terceiro pode, de facto, impossibilitar que as autoridades judiciais informem essa pessoa da realização do seu julgamento. Assim, no presente processo, o afastamento do interessado para um país terceiro levou a que fossem efetuadas diligências junto das autoridades consulares desse país, as quais se revelaram infrutíferas. Tal situação pode implicar uma suspensão de facto do processo penal e, portanto, um prolongamento deste, ou uma condenação à revelia, a qual poderá, em seguida, não ser reconhecida pelo referido país ao qual seja apresentado um pedido de auxílio judiciário mútuo ou ser impugnada em aplicação do artigo 8.o, n.o 4, da Diretiva 2016/343 com vista à realização de um novo julgamento.

76.

Tendo em conta estes elementos, afigura‑se, por um lado, essencial que as autoridades penais e administrativas competentes cooperem. Assim, não se pode deixar de salientar a cronologia do presente processo: detido em 11 de março de 2020, o interessado foi notificado de que foi constituído arguido em 23 de abril de 2020 pelas autoridades judiciais e foi afastado do território pela Polícia de Fronteiras em 16 de junho de 2020, ou seja, oito dias antes de ser fixada a data da audiência preliminar em 23 de julho de 2020.

77.

Por outro lado, penso que é indispensável que as autoridades nacionais competentes procedam a uma ponderação dos diferentes interesses em causa, a fim de preservar, ao mesmo tempo, os direitos fundamentais do arguido e o interesse geral do Estado‑Membro. Essa ponderação exige, na minha opinião, que essas autoridades compensem, corrijam ou reparem as consequências decorrentes da execução das medidas administrativas em causa através de mecanismos processuais adequados que permitam garantir um nível satisfatório de equidade no processo. Penso que deveriam interrogar‑se sobre as modalidades de execução da decisão de regresso acompanhada da proibição de entrada e de permanência e, em especial, sobre a necessidade de proceder à execução imediata desta quando um processo penal está a decorrer. Neste contexto, essas autoridades deveriam poder ter em conta a gravidade da infração penal pretensamente cometida e os perigos que representa a presença da pessoa em causa no território. A este respeito, o facto de um nacional de um país terceiro ser suspeito da prática de uma infração penal grave não pode, por si só, justificar que esse nacional seja imediatamente afastado do território, sem que sejam adotadas as medidas adequadas para que possa comparecer no seu julgamento.

78.

Tendo em conta a análise dos termos, bem como da economia e da finalidade, da Diretiva 2016/343, considero que o artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional por força da qual se procede à execução de uma medida de afastamento acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência de um nacional de um país terceiro, perseguido no âmbito de um processo penal pela prática de uma infração grave, sem que as autoridades nacionais competentes adotem as medidas especiais que se impõem a fim de permitir a esse nacional exercer plenamente os seus direitos de defesa e comparecer no seu julgamento.

79.

Uma vez que a Diretiva 2016/343 não prevê tais mecanismos, considero que cabe aos Estados‑Membros, por força do princípio da autonomia processual, instituí‑los, utilizando, se for caso disso, instrumentos colocados à sua disposição pela Diretiva 2008/115.

4. Mecanismos processuais previstos na Diretiva 2008/115

80.

Em conformidade com o artigo 79.o, n.o 2, alínea c), TFUE, e como sublinham os considerandos 2 e 24 da Diretiva 2008/115, esta visa implementar uma política eficaz de afastamento e de repatriamento, baseada em normas e garantias jurídicas comuns, a fim de que as pessoas em causa sejam repatriadas em condições humanas e com pleno respeito pelos seus direitos fundamentais e pela sua dignidade ( 32 ). Daqui resulta que as medidas adotadas com fundamento nessa diretiva devem ser executadas sem prejuízo do direito a um processo equitativo do nacional de país terceiro e com respeito pelo seu direito de comparecer no seu julgamento.

81.

Além disso, no considerando 6 da referida diretiva, o legislador da União precisa que os Estados‑Membros, ao porem termo à situação irregular do nacional de um país terceiro, devem assegurar o respeito de um procedimento equitativo e adotar, em conformidade com os princípios gerais do direito da União, decisões caso a caso, tendo em conta critérios objetivos diferentes do simples facto de a permanência desse nacional ser irregular. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que os Estados‑Membros devem respeitar o princípio da proporcionalidade em todas as fases do procedimento de regresso estabelecido pela mesma diretiva, incluindo a fase relativa à decisão de regresso ( 33 ). Acrescentou, além disso, que as autoridades nacionais competentes são obrigadas a ouvir o interessado antes da adoção de uma decisão de regresso, tendo este último o direito de exprimir o seu ponto de vista sobre as modalidades do seu regresso ( 34 ).

82.

Nestas circunstâncias, a adoção de uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência exige, na minha opinião, que as autoridades nacionais competentes examinem caso a caso em que medida a sua execução imediata pode comprometer os direitos de defesa do nacional de país terceiro em causa.

83.

De resto, o legislador da União prevê, no artigo 9.o da Diretiva 2008/115, disposições relativas ao adiamento do afastamento.

84.

Em conformidade com o artigo 9.o, n.o 2, dessa diretiva, os Estados‑Membros podem «adiar o afastamento por um prazo considerado adequado, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto». Embora, para esse fim, o legislador da União convide os Estados‑Membros a terem em conta motivos ligados ao estado físico ou mental do nacional de país terceiro ou razões técnicas, nomeadamente a falta de capacidade de transporte, a utilização da locução adverbial «em particular» demonstra que podem ser tomadas em consideração outras circunstâncias. O exame individual que as autoridades nacionais competentes devem levar a cabo deve, portanto, permitir tomar conhecimento da existência de um processo penal instaurado contra esse nacional para determinar em que medida há que contemplar o adiamento, e não a não execução, do afastamento.

85.

A este respeito, preciso que, em caso de adiamento do afastamento, o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2008/115 permite aos Estados‑Membros impor ao interessado determinadas obrigações para evitar o risco de fuga, como a apresentação periódica às autoridades ou a obrigação de permanecer em determinado local. Essas obrigações estão enunciadas no artigo 7.o, n.o 3, dessa diretiva.

86.

O legislador prevê igualmente, no artigo 11.o, n.o 3, quarto parágrafo, da referida diretiva, disposições relativas à revogação ou à suspensão da medida de proibição de entrada.

87.

Este mecanismo permite aos Estados‑Membros revogar ou suspender uma proibição de entrada «em determinados casos concretos ou em determinadas categorias de casos por outras razões». Manifestamente, este artigo confere aos Estados‑Membros uma margem de apreciação relativamente importante quanto às situações em que estes podem decidir revogar ou suspender uma medida de proibição de entrada. Nesse contexto, e pelas mesmas razões invocadas no n.o 83 das presentes conclusões, considero que os Estados‑Membros devem poder revogar ou suspender a execução da medida de proibição de entrada e de permanência no seu território a fim de garantir o respeito dos direitos do nacional de país terceiro em causa, permitindo‑lhe, se for o caso, comparecer no seu julgamento.

88.

Atentas as considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça declare que o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional por força da qual se procede à execução de uma medida de afastamento acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência de um nacional de país terceiro, quando pessoa em causa seja objeto de um processo penal pela prática de uma infração grave, sem que as autoridades nacionais competentes adotem as disposições especiais necessárias para permitir a esse nacional comparecer no seu julgamento. Nessas circunstâncias, proponho igualmente que o Tribunal de Justiça declare que a adoção de uma medida de afastamento acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência exige que se verifique, sempre que essa pessoa seja objeto de um processo penal, se a execução imediata dessa medida é compatível com os direitos de defesa da referida pessoa e, se for o caso, se não há que adiar o afastamento ou revogar ou suspender a proibição de entrada e de permanência, em conformidade com o artigo 9.o e com o artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115.

C.   Admissibilidade da renúncia ao direito de comparecer em julgamento, na aceção do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343

89.

Importa agora examinar a segunda e terceira questões, relativas às condições em que o arguido, contra o qual foi adotada uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência, pode renunciar a comparecer no seu julgamento, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343.

90.

Há que observar, de forma preliminar, que o artigo 8.o, n.os 2 e 3, dessa diretiva prevê a possibilidade de julgar uma pessoa na sua ausência e de executar a decisão de condenação eventualmente tomada no termo desse processo como se tivesse existido contraditório. O artigo 8.o, n.o 4, da referida diretiva prevê igualmente a possibilidade de julgar essa pessoa na sua ausência, mas com o direito desta impugnar a decisão de condenação e obter um novo julgamento nas condições previstas no artigo 9.o da mesma diretiva. As duas situações distinguem‑se consoante o arguido tenha tido conhecimento do seu julgamento e renunciado deliberadamente a comparecer ou não tenha tido conhecimento do seu julgamento.

1. Situação em que o arguido está impedido de comparecer no seu julgamento em razão da execução de uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência (segunda questão)

91.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode julgar o arguido na sua ausência sempre que este, ainda que esteja impedido de comparecer no seu julgamento em razão da decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência contra ele adotada, tenha sido informado da realização desse julgamento e das consequências da não comparência e seja representado por um advogado por ele mandatado ou nomeado oficiosamente.

92.

Em aplicação do artigo 8.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2016/343, os Estados‑Membros podem prever julgar uma pessoa na sua ausência e executar uma eventual decisão de condenação, sem que a pessoa tenha direito a um novo julgamento, se determinadas condições estiverem reunidas.

93.

O legislador da União indica, com efeito, no considerando 35 dessa diretiva, que o direito do suspeito e do arguido de comparecerem no próprio julgamento não tem caráter absoluto e que, em determinadas condições, o suspeito e o arguido deverão poder renunciar a esse direito, expressa ou tacitamente, mas de forma inequívoca ( 35 ). Assim, tal renúncia apenas se pode verificar, em princípio, em duas hipóteses, enunciadas no artigo 8.o, n.o 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2016/343 ( 36 ).

94.

A primeira hipótese, referida no artigo 8.o, n.o 2, alínea a), dessa diretiva, é relativa à informação do arguido. Contempla a situação em que essa pessoa foi atempadamente informada da realização do seu julgamento e das consequências da não comparência. Decorre do considerando 36 da referida diretiva que a validade dessa informação implica, por um lado, que a referida pessoa tenha sido citada pessoalmente ou tenha sido informada oficialmente e atempadamente por outros meios sobre a data e o local fixados para o julgamento, de modo a permitir‑lhe tomar conhecimento da realização deste e, por outro, que tenha tido conhecimento de que podia ser proferida contra ela uma decisão de condenação mesmo que não comparecesse no julgamento. Em conformidade com o considerando 38 dessa diretiva, as autoridades nacionais competentes devem fazer prova de toda a diligência requerida para informar a pessoa em causa e esta, de toda a diligência requerida para receber essa informação ( 37 ), a fim de dissipar qualquer equívoco quanto à vontade de não comparecer no julgamento.

95.

A segunda hipótese, referida no artigo 8.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2016/343, é relativa à representação do arguido por um advogado. Diz respeito ao caso em que essa pessoa, tendo sido informada da realização do seu julgamento, escolheu deliberadamente ser representada por um advogado em vez de comparecer pessoalmente no julgamento ( 38 ). Esta escolha pode, em princípio, demonstrar que renunciou a comparecer pessoalmente no seu julgamento, garantindo simultaneamente o seu direito a defender‑se, pelo que não poderá posteriormente invocar o direito a um novo julgamento, como previsto no artigo 9.o dessa diretiva.

96.

Tendo em conta estes elementos, nada se opõe a que o arguido que é, além disso, objeto de uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência renuncie a comparecer no seu julgamento. De facto, esse direito aplica‑se a qualquer arguido em processo penal, independentemente do seu estatuto jurídico no Estado‑Membro ( 39 ).

97.

Contudo, tal renúncia deve ser rodeada de garantias especiais numa situação como a que está em causa no presente processo.

98.

Em primeiro lugar, a renúncia do arguido ao direito de comparecer no seu julgamento, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2016/343 implica, em si, que essa pessoa possa efetivamente renunciar a esse direito de forma esclarecida. Com efeito, não se pode considerar que a referida pessoa renunciou livremente e de forma inequívoca ao referido direito se estiver privada da sua liberdade de movimentos, quer em razão da sua detenção para efeitos de execução da medida de afastamento, quer em razão da proibição de entrada e de permanência contra ela adotada. Neste caso, as autoridades nacionais competentes devem prever as medidas especiais que permitam a essa pessoa estar presente no seu julgamento (por exemplo, autorizando a saída do centro de detenção, adiando o afastamento ou, ainda, suspendendo a proibição de entrada e de permanência) e informar esta última dessas medidas.

99.

Em segundo lugar, a renúncia do arguido ao direito de comparecer no seu julgamento, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2016/343, implica que se tenham em conta as modalidades da representação por um advogado da pessoa perseguida e afastada do território. Recordo, com efeito, que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem atribui uma grande importância a que a ausência do arguido do seu julgamento não seja sancionada através da derrogação do direito à assistência de um defensor ( 40 ). Com efeito, «[a]pesar de não ser absoluto, o direito de qualquer arguido a ser efetivamente defendido por um advogado, se necessário nomeado oficiosamente, é um dos elementos fundamentais do processo equitativo. Um arguido não perde esse direito pelo simples facto de estar ausente dos debates» ( 41 ). Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, «[é] […] de crucial importância para a equidade do sistema penal que o arguido seja adequadamente defendido, quer em primeira instância quer no recurso» ( 42 ). Na medida em que, como o presente processo demonstra, a execução de uma medida de afastamento acarreta o risco de rutura dos contactos entre o arguido e o seu advogado, deve ser dada uma especial atenção, na minha opinião, às modalidades dessa representação.

100.

Em terceiro lugar, tais garantias impõem‑se atendendo às finalidades da Diretiva 2016/343, referidas nos n.os 72 e seguintes das presentes conclusões. Com efeito, embora, no artigo 8.o, n.o 2, dessa diretiva, o legislador da União reconheça o direito do arguido de renunciar a comparecer no seu julgamento, é indispensável, tendo em conta o caráter fundamental do direito a um processo equitativo e as consequências ligadas à renúncia a comparecer, que esta seja formulada em condições que não deixem margem para qualquer equívoco.

101.

Tendo em conta todos estes elementos, considero que o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro julgue um nacional de país terceiro que é objeto de uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência no território nacional na sua ausência, na condição de que, não só o arguido tenha sido informado atempadamente da realização do julgamento e das consequências da não comparência, mas igualmente de que foram colocadas à sua disposição medidas especiais para lhe permitir comparecer a esse julgamento e que a pessoa renunciou livremente e de forma inequívoca a comparecer, ou que essa pessoa, tendo sido informada da realização do referido julgamento, seja representada, de forma adequada, por um advogado por ela mandatado ou nomeado oficiosamente.

2. Situação em que o arguido expressou a sua renúncia ao direito de comparecer em julgamento durante a instrução (quarta questão)

102.

Com a sua quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode julgar o arguido na sua ausência quando este, depois de ter sido informado das consequências da não comparência, tiver expressado inequivocamente, no decurso do inquérito, a sua renúncia ao direito de comparecer no seu julgamento antes de a data deste ter sido fixada.

103.

Considero que o legislador da União, no artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva, não previu expressamente a situação referida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

104.

Nestas circunstâncias, importa então colocar a questão de saber se um Estado‑Membro pode igualmente prever julgar uma pessoa na sua ausência numa situação diferente da que é expressamente referida no artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343. Ora, como foi dito no n.o 89 das presentes conclusões, a diferença entre o regime jurídico do artigo 8.o, n.os 2 e 3, dessa diretiva e o do artigo 8.o, n.o 4, da referida diretiva não reside na possibilidade de julgar uma pessoa na sua ausência, mas nas consequências quanto à execução da decisão proferida nesse julgamento à revelia.

105.

Em primeiro lugar, com efeito, as disposições enunciadas no artigo 8.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2016/343 devem ser interpretadas de forma restrita, uma vez que qualquer renúncia ao direito de comparecer implica a execução da decisão proferida no julgamento à revelia e a impossibilidade de o arguido invocar o direito a um novo julgamento. É por essa razão que os casos referidos no artigo 8.o, n.o 2, alíneas a) e b), dessa diretiva são abrangidos por situações em que essa pessoa, tendo sido informada da data e do local do seu julgamento ( 43 ), sabe que foi instaurado contra ela um processo penal e conhece a natureza e a causa da acusação, pelo que renuncia a comparecer pessoalmente de forma inequívoca.

106.

Ora, tal renúncia, expressa «previamente» no decurso do inquérito, é equívoca, uma vez que o facto de o arguido ser informado das consequências da não comparência não permite remediá‑las. De facto, essa renúncia ocorre numa fase precoce do processo penal em que qual a autoridade judicial competente procede à instrução do processo, ou seja, investiga factos suscetíveis ou não de ser constitutivos de uma infração penal. Admitir que tal renúncia corresponde a um consentimento do arguido em ser julgado na sua ausência seria contrário aos princípios enunciados pelo legislador da União e à linha jurisprudencial desenvolvida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Este exige, recordo, que essa pessoa tenha sido notificada pessoalmente das acusações que lhe são dirigidas e tenha sido citada em boa e devida forma ( 44 ). Na sua falta, exige que essa renúncia seja determinada com base em factos precisos, objetivos e pertinentes que permitam demonstrar que a referida pessoa estava informada de que era dirigido contra ela um processo penal, que conhecia a natureza e a causa da acusação e que, assim, renunciou efetivamente, de forma inequívoca, ao seu direito de comparecer e de se defender ( 45 ). Em qualquer caso, não basta, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que «tenha chegado aos ouvidos» do arguido que foi instaurado um processo contra ele ( 46 ).

107.

Em segundo lugar, a precisão das situações referidas no artigo 8.o, n.o 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2016/343 demonstra, na minha opinião, a vontade do legislador da União de prever, de forma exaustiva e por razões de segurança jurídica, os casos em que se deve considerar que os direitos processuais de uma pessoa que não tenha comparecido pessoalmente no seu julgamento não foram violados. É verdade que se trata de normas mínimas comuns aos Estados‑Membros. Contudo, a definição destas deve permitir favorecer a cooperação judiciária em matéria penal, facilitando o reconhecimento mútuo das decisões em matéria penal ( 47 ). Nestas circunstâncias, admitir que um Estado‑Membro possa julgar uma pessoa na sua ausência e com o seu acordo por um motivo diferente dos que são referidos no artigo 8.o, n.o 2, dessa diretiva, pode violar essa finalidade.

108.

Tendo em conta estes elementos, entendo, por conseguinte, que o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro possa considerar que a pessoa renunciou livremente a comparecer no seu julgamento sempre que esta, ainda que tenha sido informada das consequências da não comparência, tenha expressado essa vontade no decurso do inquérito numa fase em que a data do julgamento não estava fixada.

109.

No caso em apreço, a renúncia do interessado ao seu direito de comparecer no seu julgamento foi, é certo, rodeada de um mínimo de garantias. Segundo as informações de que o Tribunal de Justiça dispõe, este estava efetivamente acompanhado pelo seu advogado nomeado oficiosamente. Foi notificado de que foi constituído arguido e tomou conhecimento, na presença de um intérprete, dos seus direitos, incluindo os enunciados no artigo 269.o do NPK, relativos à realização e às consequências de um julgamento «à revelia». Embora tenha declarado que compreendia esses direitos e que não desejava comparecer no julgamento, é também verdade que não recebeu cópia do ato de acusação nem do despacho que fixou a data da audiência pública preliminar para 23 de julho de 2020, dado que tinha sido afastado do território em 16 de junho de 2020, sendo, até à data, desconhecida a sua morada. Daqui decorre que não foi, portanto, informado atempadamente da data e do local do seu julgamento na aceção do artigo 8.o, n.o 2, alínea a) da Diretiva 2016/343, pelo que não se pode considerar que renunciou voluntariamente e de forma inequívoca a estar presente no julgamento.

D.   Existência de uma obrigação processual de comparecer em julgamento (terceira questão)

110.

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, por força do qual os Estados‑Membros asseguram que o arguido tem o direito de comparecer no seu julgamento, se opõe a uma legislação nacional que prevê que essa pessoa tem a obrigação de comparecer no seu julgamento.

111.

Esta questão tem origem no facto de, em aplicação do artigo 269.o, n.os 1 e 2, do NPK, a presença do arguido na audiência ser obrigatória sempre que este tenha cometido uma infração grave, como a cometida no processo principal, ou sempre que tal seja necessário para a descoberta da verdade material ( 48 ).

112.

Manifestamente, a Diretiva 2016/343 não tem nem como objeto nem como finalidade fazer impender sobre os suspeitos e os arguidos uma obrigação de comparecer no seu julgamento.

113.

Essa diretiva visa «reforçar» o direito a um processo equitativo dos arguidos no âmbito de um processo penal, ao exigir que os Estados‑Membros assegurem que essas pessoas têm o direito de comparecer no seu julgamento. O artigo 8.o da referida diretiva impõe, como referi anteriormente, uma obrigação positiva dirigida aos Estados‑Membros, tendo estes o dever de adotar medidas para salvaguardar os direitos consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta.

114.

O artigo 8.o da Diretiva 2016/343 tem, assim, como único objeto e finalidade consagrar, no seu n.o 1, o direito do arguido de comparecer no seu julgamento e definir, no seu n.o 2, os limites desse direito, precisando as condições em que essa pessoa a ele pode renunciar ( 49 ). O legislador da União precisa, com efeito, no considerando 35 dessa diretiva, que esse direito não tem caráter absoluto, podendo a referida pessoa, em determinadas condições, renunciar a esse direito, expressamente ou tacitamente, mas de forma inequívoca. Contrariamente ao que sustenta a Comissão nas suas observações, penso que o legislador da União consagra efetivamente um direito a não comparecer em julgamento, tal como consagra, no artigo 7.o da Diretiva 2016/343, o direito de guardar silêncio e o direito de não se incriminar a si próprio.

115.

Na sua opinião concordante emitida no Acórdão Van Geyseghem c. Bélgica ( 50 ), o juiz G. Bonello salientou, de resto, que «[o] direito [do arguido] de não comparecer no seu julgamento corresponde, de forma muito próxima, ao seu direito de guardar silêncio. Se, em nome das vantagens reconhecidas que daí retira a administração da justiça, devêssemos considerar a presença do arguido no seu julgamento uma condição prévia para qualquer defesa, poderíamos utilizar os mesmos argumentos para o obrigar a renunciar ao seu direito de guardar silêncio, ou seja, invocar igualmente o interesse da boa administração […] Na prática, não consigo imaginar um processo em que, procurando um equilíbrio entre os interesses da sociedade e esse direito fundamental do arguido (admitindo que tal exercício seja legítimo), este último deva ceder perante aqueles».

116.

É certo que, como salientou o Tribunal de Justiça, a Diretiva 2016/343 tem como objetivo estabelecer normas mínimas comuns e não é, portanto, um instrumento completo e exaustivo que tem como objetivo fixar todas as condições de adoção de uma decisão judicial ( 51 ). O legislador da União precisa, assim, no considerando 48 dessa diretiva, que os Estados‑Membros deverão poder alargar «os direitos [previstos na referida diretiva] a fim de proporcionar um nível de proteção mais elevado». Ora, parece‑me que, ao exigir que o arguido compareça no próprio julgamento, um Estado‑Membro não alarga o direito de que essa pessoa beneficia de comparecer no seu julgamento, antes, pelo contrário, restringe‑o, transformando‑o num dever e amputando‑a da possibilidade, expressamente reconhecida nessa diretiva, de renunciar, de livre vontade, a essa comparência. Por conseguinte, não se pode considerar que tal medida contribui para o reforço dos direitos processuais da referida pessoa, entendendo‑se que, se um interesse importante o exigir, os Estados‑Membros podem adotar medidas que visem garantir a comparência do interessado na sua audiência, como a apresentação imediata ao juiz ou a colocação do interessado sob controlo judiciário ou em prisão preventiva.

117.

Esta interpretação insere‑se na linha da jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Embora este reconheça a importância da comparência do arguido, em razão quer do direito deste de ser ouvido quer da necessidade de fiscalizar a exatidão das suas afirmações, e de confrontar estas últimas com as declarações da vítima e das testemunhas, deixa aos Estados‑Membros uma grande margem para organizar as normas do julgamento a fim de assegurar a natureza contraditória dos debates e «favorecer» a presença do arguido. Assim, esse tribunal limita‑se a convidar o legislador nacional a «desencorajar» as ausências injustificadas ( 52 ) utilizando fundamentos de que disponha na sua ordem jurídica nacional. Como demonstra o vocabulário utilizado, o referido tribunal não consagra, portanto, nenhuma obrigação a cargo do arguido de comparecer no seu julgamento.

118.

Atendendo a todos estes elementos, proponho que o Tribunal de Justiça declare que o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, por força do qual os Estados‑Membros asseguram que os arguidos tenham o direito de comparecer no seu julgamento, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional segundo a qual o arguido tem a obrigação de comparecer no seu julgamento.

V. Conclusão

119.

Tendo em conta as considerações que antecedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária) da seguinte forma:

1)

O artigo 8.o, n.o 1, Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional por força da qual se procede à execução de uma medida de afastamento acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência de um nacional de país terceiro, quando essa pessoa é objeto de procedimento criminal em razão da prática de uma infração grave, sem que as autoridades nacionais competentes adotem as medidas especiais que se impõem para permitir a esse nacional comparecer no seu julgamento.

Nestas circunstâncias, a adoção de uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência exige que se verifique, caso a caso, se a execução imediata dessa decisão é compatível com os direitos de defesa do arguido e, se for caso disso, se não há que adiar o afastamento ou revogar ou suspender a proibição de entrada e de permanência, em conformidade com o artigo 9.o e com o artigo 11.o, n.o 2, dessa diretiva.

2)

O artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro julgue um nacional de país terceiro que é objeto de uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência no território nacional na sua ausência, na condição de que, não só essa pessoa tenha sido informada atempadamente da realização do julgamento e das consequências da não comparência, mas igualmente de que foram colocadas à sua disposição medidas especiais para lhe permitir comparecer a esse julgamento, e que renunciou livremente e de forma inequívoca a comparecer, ou de que essa pessoa, tendo sido informada da realização do referido julgamento, seja representada, de forma adequada, por um advogado por ela mandatado ou nomeado oficiosamente.

3)

O artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro possa considerar que a pessoa renunciou livremente a comparecer no seu julgamento sempre que esta, ainda que tenha sido informada das consequências da não comparência, tenha expressado essa vontade no decurso do inquérito, numa fase em que a data do julgamento não estava fixada.

4)

O artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, por força do qual os Estados‑Membros asseguram que os arguidos tenham o direito de comparecer no seu julgamento, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê que o arguido tem a obrigação de comparecer no seu julgamento.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (JO 2016, L 65, p. 1).

( 3 ) JO 2008, L 348, p. 98.

( 4 ) A seguir «NPK».

( 5 ) DV n.o 153, a seguir «ZChRB».

( 6 ) Na sequência do pedido de esclarecimento formulado pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio especificou que o n.o 16 da Zakon za izmenenie i dopalnenie na zakona za Chuzhdentsite v Republika Balgaria (Lei que Altera a Lei sobre os Estrangeiros na República da Bulgária, DV n.o 36), de 15 de maio de 2009, refere que as exigências da Diretiva 2008/115 foram implementadas.

( 7 ) Recordamos que decorre de jurisprudência constante que, no âmbito do processo de cooperação com os órgãos jurisdicionais nacionais instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe ao Tribunal de Justiça dar ao juiz do reenvio uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta perspetiva, o Tribunal de Justiça pode tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência nas suas questões prejudiciais, na medida em que essas normas sejam necessárias para a análise do litígio no processo principal. V., nomeadamente, Acórdãos de 29 de abril de 2021, Banco de Portugal e o. (C‑504/19, EU:C:2021:335, n.o 30 e jurisprudência referida), e de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade do despacho de reenvio) (C‑564/19, EU:C:2021:949, n.o 99).

( 8 ) V. Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Sagor (C‑430/11, EU:C:2012:777, n.o 44 e jurisprudência referida).

( 9 ) V., nomeadamente, Acórdão de 3 de junho de 2021, Westerwaldkreis (C‑546/19, EU:C:2021:432, n.o 52 e jurisprudência referida).

( 10 ) Cabe recordar que, de acordo com jurisprudência constante, ao interpretar uma disposição do direito da União, é importante ter em conta não só os termos dessa disposição mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela legislação de que faz parte. V., a título de ilustração, Acórdão de 14 de outubro de 2021, Dyrektor Z. Oddziału Regionalnego Agencji Restrukturyzacji i Modernizacji Rolnictwa (C‑373/20, EU:C:2021:850, n.o 36 e jurisprudência referida).

( 11 ) Assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, a seguir «CEDH».

( 12 ) Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Generalstaatsanwaltschaft Hamburg (C‑416/20 PPU, EU:C:2020:1042, n.o 43).

( 13 ) V. considerando 33 da Diretiva 2016/343.

( 14 ) Acórdão de 26 de junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (C‑305/05, EU:C:2007:383, n.o 29).

( 15 ) Nos termos do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.

( 16 ) A seguir «Carta».

( 17 ) Acórdão de 29 de julho de 2019, Gambino e Hyka (C‑38/18, EU:C:2019:628, n.o 38).

( 18 ) V., nomeadamente, Acórdão de 13 de fevereiro de 2020 (C‑688/18, EU:C:2020:94, n.o 36), que se refere aos Acórdãos do TEDH de 23 de novembro de 2006, Jussila c. Finlândia (CE:ECHR:2006:1123JUD007305301, § 40), e de 4 de março de 2008, Hüseyin Turan c. Turquia (CE:ECHR:2008:0304JUD001152902, § 31).

( 19 ) V. Acórdão do TEDH, de 23 de maio de 2000, Van Pelt c. França (CE:ECHR:2000:0523JUD003107096, § 66).

( 20 ) C‑38/18, EU:C:2019:628, n.o 42.

( 21 ) V. Acórdão de 29 de julho de 2019, Gambino e Hyka (C‑38/18, EU:C:2019:628, n.o 43).

( 22 ) Recordo, a esse respeito, que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de «julgamento que conduziu à decisão» deve ser entendido no sentido de que designa o processo que conduziu à decisão judicial que condenou definitivamente a pessoa e, na hipótese de o processe penal ter comportado várias instâncias que deram lugar a decisões sucessivas, o Tribunal de Justiça declarou que esse conceito se refere à última instância desse processo durante a qual um órgão jurisdicional, na sequência da apreciação da causa, de facto e de direito, se pronunciou definitivamente sobre a culpa do interessado e o condenou numa pena privativa de liberdade. V., nesse sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2017, Ardic (C‑571/17 PPU, EU:C:2017:1026, n.os 64 e 65). O Tribunal de Justiça declarou que o referido conceito deve ser objeto de uma interpretação autónoma e uniforme na União, independentemente das qualificações e das regras, tanto materiais como processuais, que, pela sua natureza, são divergentes, em matéria penal, nos diferentes Estados‑Membros (n.o 63). O Tribunal de Justiça esclareceu ainda que o referido conceito abrange igualmente um processo subsequente no termo do qual é proferida uma decisão judicial que altera de forma definitiva o nível de uma ou de várias penas proferidas anteriormente, desde que a autoridade que adotou esta última decisão tenha beneficiado, a este respeito, de uma margem de apreciação (n.o 66).

( 23 ) Quanto à interpretação dos artigos 8.o e 9.o da Diretiva 2016/343, v. Conclusões que apresentei no processo Spetsializirana prokuratura e o. (Julgamento de um arguido em fuga) (C‑569/20, EU:C:2022:26), atualmente pendente no Tribunal de Justiça, que diz respeito à questão de saber em que medida uma pessoa em fuga pode beneficiar de um novo julgamento.

( 24 ) V., por exemplo, Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, assinada em Estrasburgo em 20 de abril de 1959, STE n.o 30.

( 25 ) V., quanto ao valor dos considerandos, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo que deu origem ao Acórdão Planet49 (C‑673/17, EU:C:2019:246, n.o 71).

( 26 ) V., por exemplo, em caso de detenção, Acórdãos do TEDH, 28 de agosto de 1991, FCB c. Itália (CE:ECHR:1991:0828JUD001215186), e de 31 de março de 2005, Mariani c. França (CE:ECHR:2005:0331JUD004364098), no que diz respeito à violação do artigo 6.o da CEDH. Em caso de risco de perseguições, v., nomeadamente, Acórdão do TEDH de 2 de outubro de 2018, Bivolaru c. Roménia (CE:ECHR:2018:1002JUD006658012), sobre a não violação desse artigo da CEDH. Por razões de saúde, v., a título de ilustração, Decisão do TEDH de 12 de fevereiro de 2004, De Lorenzo c. Itália (n.o 69264/01, CE:ECHR:2004:0212DEC006926401), relativa à não violação do referido artigo da CEDH. Em virtude de arrendamento em país estrangeiro, V. Acórdão do TEDH de 24 de março de 2005, Stoichkov c. Bulgária (CE:ECHR:2005:0324JUD000980802), sobre a violação do mesmo artigo da CEDH.

( 27 ) CE:ECHR:1991:0828JUD001215186.

( 28 ) Isso distingue a Diretiva 2016/343 da Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão‑Quadro 2001/220/JAI do Conselho (JO 2012, L 315, p. 57), na qual o artigo 17.o é consagrado aos direitos das vítimas residentes noutro Estado‑Membro.

( 29 ) V. Acórdãos de 22 de dezembro de 2017, Ardic (C‑571/17 PPU, EU:C:2017:1026), e de 13 de fevereiro de 2020, Spetsializirana prokuratura (Audiência na ausência do arguido) (C‑688/18, EU:C:2020:94).

( 30 ) JO 2008, L 327, p. 27. V., igualmente, artigo 2.o da Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, que altera as Decisões‑Quadro 2002/584/JAI, 2005/214/JAI, 2006/783/JAI, 2008/909/JAI e 2008/947/JAI, e que reforça os direitos processuais das pessoas e promove a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo no que se refere às decisões proferidas na ausência do arguido (JO 2009, L 81, p. 24), na medida em que adita o artigo 4.o‑A à Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1). Como decorre da própria redação do n.o 1.o desse artigo, a autoridade judiciária de execução dispõe da faculdade de recusar a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena ou de uma medida de segurança privativas de liberdade se o interessado não tiver estado presente no julgamento que conduziu à decisão, salvo se esse mandado referir que as condições enunciadas, respetivamente, nas alíneas a) a d) desta disposição estão reunidas. V., nesse sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Generalstaatsanwaltschaft Hamburg (C‑416/20 PPU, EU:C:2020:1042, n.o 38 e jurisprudência referida).

( 31 ) V., por exemplo, Acórdão do TEDH de 17 de janeiro de 2012, Othman (Abu Qatada) c. Reino Unido (CE:ECHR:2012:0117JUD000813909, §§ 258 e 259).

( 32 ) V. considerandos 2 e 11 da Diretiva 2008/115, bem como Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Abdida (C‑562/13, EU:C:2014:2453, n.o 42), e de 2 de julho de 2020, Stadt Frankfurt am Main (C‑18/19, EU:C:2020:511, n.o 37 e jurisprudência referida).

( 33 ) Acórdão de 11 de junho de 2015, Zh. e O. (C‑554/13, EU:C:2015:377, n.o 49 e jurisprudência referida).

( 34 ) V. n.os 69 e 70 desse acórdão.

( 35 ) O legislador da União integra aqui a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de acordo com a qual nem a redação nem o espírito do artigo 6.o da CEDH impedem uma pessoa de renunciar de sua livre vontade às garantias de um processo equitativo de forma expressa ou tácita. Contudo, essa renúncia deve ser determinada de forma inequívoca. V., a título ilustrativo, Acórdãos do TEDH de 1 de março de 2006, Sejdovic c. Itália (CE:ECHR:2006:0301JUD005658100, § 86), e de 13 de março de 2018, Vilches Coronado e outros c. Espanha (CE:ECHR:2018:0313JUD005551714, § 36). V., igualmente a este respeito, Acórdão de 13 de fevereiro de 2020, Spetsializirana prokuratura (Audiência na ausência do arguido) (C‑688/18, EU:C:2020:94, n.o 37).

( 36 ) Se essas condições não puderem ser respeitadas porque o arguido não pode ser localizado, apesar dos esforços efetuados nesse sentido pelas autoridades nacionais competentes, o artigo 8.o, n.o 4, e o artigo 9.o da Diretiva 2016/343 exigem que os Estados‑Membros assegurem o direito a um novo julgamento.

( 37 ) De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, os órgãos jurisdicionais nacionais devem fazer prova da diligência requerida garantindo que o arguido é devidamente citado. V., a título ilustrativo, Acórdãos do TEDH de 12 de fevereiro de 1985, Colozza c. Itália (CE:ECHR:1985:0212JUD000902480, § 32), e de 12 de junho de 2018, M.T.B. c. Turquia (CE:ECHR:2018:0612JUD004708106, §§ 49 a 53). Tal implica que o arguido seja avisado da realização de uma audiência de modo, não apenas a que tenha conhecimento da data, da hora e do local da audiência, mas também a que tenha tempo suficiente para preparar a sua defesa e para se deslocar ao tribunal. V., nesse sentido, Acórdão do TEDH de 28 de agosto de 2018, Vyacheslav Korchagin c. Rússia (CE:ECHR:2018:0828JUD001230716, § 65).

( 38 ) V., igualmente, considerando 37 da Diretiva 2016/343.

( 39 ) V., a este respeito, considerando 12 da Diretiva 2016/343.

( 40 ) V., nomeadamente, Acórdão do TEDH de 14 de junho de 2001, Medenica c. Suíça (CE:ECHR:2001:0614JUD002049192), no qual este tribunal salienta, a propósito do interessado, que fora informado em tempo útil do processo instaurado contra si e da data do seu julgamento, que, «nos debates, [a sua] defesa foi assegurada por dois advogados da sua escolha» (§ 56).

( 41 ) V., a este respeito, Acórdão do TEDH de 13 de fevereiro de 2001, Krombach c. França (CE:ECHR:2001:0213JUD002973196, § 89), e de 1 de março de 2006, Sejdovic c. Itália (CE:ECHR:2006:0301JUD005658100, § 91).

( 42 ) V., nomeadamente, Acórdão do TEDH de 1 de março de 2006, Sejdovic c. Itália (CE:ECHR:2006:0301JUD005658100, § 91). O sublinhado é meu.

( 43 ) Recordo, neste contexto, que o conceito de «julgamento que condu[z] [a uma] decisão» deve, segundo o Tribunal de Justiça, ser objeto de uma interpretação autónoma e uniforme na União, independentemente das qualificações e das regras, tanto materiais como processuais, que, pela sua natureza, são divergentes, em matéria penal, nos diferentes Estados‑Membros. Esse conceito é definido pelo Tribunal de Justiça como designando o processo que conduz à decisão judicial que condena definitivamente a pessoa. No caso de o processo penal comportar várias instâncias que originam decisões sucessivas, o Tribunal de Justiça declara que tal conceito se refere à última instância desse processo durante a qual um órgão jurisdicional, na sequência de um exame da causa, de facto e de direito, se tenha pronunciado definitivamente sobre a culpa do interessado e o tenha condenado numa pena privativa de liberdade. V., nesse sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2017, Ardic (C‑571/17 PPU, EU:C:2017:1026, n.os 63 a 65 e jurisprudência referida).

( 44 ) V., a título ilustrativo, Acórdãos do TEDH de 12 de fevereiro de 1985, Colozza c. Itália (CE:ECHR:1985:0212JUD000902480, § 32), e de 12 de junho de 2018, M.T.B. c. Turquia (CE:ECHR:2018:0612JUD004708106, § 49 a 53). De acordo com a jurisprudência do TEDH, tal renúncia não pode ser deduzida nem de um conhecimento vago e não oficial [v., nomeadamente, TEDH, 23 de maio de 2006, Kounov c. Itália (CE:ECHR:2006:0523JUD002437902, § 47)] nem de uma simples presunção, nem da mera qualidade de pessoa em fuga [v., TEDH, 12 de fevereiro de 1985, Colozza c. Itália (CE:ECHR:1985:0212JUD000902480, § 28)].

( 45 ) V. Acórdãos do TEDH de 1 de março de 2006, Sejdovic c. Itália (CE:ECHR:2006:0301JUD005658100, §§ 98 e 99); de 23 de maio de 2006, Kounov c. Bulgária (CE:ECHR:2006:0523JUD002437902, § 47); de 26 de janeiro de 2017, Lena Atanasova c. Bulgária (CE:ECHR:2017:0126JUD005200907, § 52), bem como de 2 de fevereiro de 2017, Ait Abbou c. França (CE:ECHR:2017:0202JUD004492113, §§ 62 a 65).

( 46 ) V. TEDH, 12 de fevereiro de 1985, Colozza c. Itália (CE:ECHR:1985:0212JUD000902480, § 28).

( 47 ) V. considerandos 2, 3, 4 e 10 da Diretiva 2016/343.

( 48 ) Saliento, contudo, que esta regra tem muitas exceções. Em especial, o artigo 269.o, n.o 4, do NPK esclarece que a presença do interessado não é obrigatória se tal não impedir a descoberta da verdade material, sempre que este se encontre fora do território da República da Bulgária e que o seu domicílio seja desconhecido.

( 49 ) V., igualmente, considerando 35 da Diretiva 2016/343.

( 50 ) V. opinião concordante do juiz Giovanni Bonello no Acórdão do TEDH de 21 de janeiro de 1999, Van Geyseghem c. Bélgica (CE:ECHR:1999:0121JUD002610395).

( 51 ) V., nesse sentido, Acórdãos de 19 de setembro de 2018, Milev (C‑310/18 PPU, EU:C:2018:732, n.os 45 a 47), e de 13 de fevereiro de 2020, Spetsializirana prokuratura (Audiência na ausência do arguido) (C‑688/18, EU:C:2020:94, n.o 30 e jurisprudência referida).

( 52 ) V., nomeadamente, Acórdãos do TEDH de 23 de novembro de 1993, Poitrimol c. França (CE:ECHR:1993:1123JUD001403288, § 35), e de 9 de julho de 2015, Tolmachev c. Estónia (CE:ECHR:2015:0709JUD007374813, § 47).

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