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Document 62020CC0302

    Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 16 de setembro de 2021.
    M. A contra Autorité des marchés financiers (AMF).
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d'appel de Paris.
    Reenvio prejudicial – Mercado único para os serviços financeiros – Abuso de mercado – Diretivas 2003/6/CE e 2003/124/CE — “Informação privilegiada” – Conceito – Informação “com caráter preciso” – Informação sobre a publicação iminente de um artigo de imprensa que dá conta de um rumor de mercado relativo a um emitente de instrumentos financeiros – Caráter ilícito da divulgação de uma informação privilegiada – Exceções – Regulamento (UE) n.° 596/2014 – Artigo 10.° – Transmissão de uma informação privilegiada no exercício normal de uma profissão – Artigo 21.° – Divulgação de uma informação privilegiada para fins jornalísticos – Liberdade de imprensa e liberdade de expressão – Divulgação, por um jornalista a uma fonte habitual, de uma informação relativa à publicação iminente de um artigo de imprensa.
    Processo C-302/20.

    ;

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:747

     CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    JULIANE KOKOTT

    apresentadas em 16 de setembro de 2021 ( 1 )

    Processo C‑302/20

    A

    contra

    Autorité des marchés financiers

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França)]

    «Pedido de decisão prejudicial — Mercado único para os serviços financeiros — Funcionalidade e integridade dos mercados financeiros — Informações privilegiadas e abuso de informação privilegiada — Diretiva 2003/6/CE (Diretiva Abuso de Mercado) — Proibição de transmissão de informação privilegiada — Diretiva 2003/124/CE — Artigo 1.o, n.o 1 — Conceito de informação privilegiada — Critérios para a definição do caráter preciso e da adequação para influenciar os preços — Rumor de mercado — Divulgação, por um jornalista a terceiro, de informação sobre a publicação iminente de um artigo sobre um rumor de mercado — Regulamento (UE) n.o 596/2014 (Regulamento Abuso de Mercado) — Artigo 21.o — Transmissão de informação privilegiada para fins jornalísticos — Artigo 10.o — Transmissão de informação privilegiada no exercício normal de uma atividade ou profissão»

    I. Introdução

    1.

    O direito europeu em matéria de abuso de mercado tem como principal objetivo garantir um mercado de capitais íntegro e equitativo. Desta forma, pretende‑se gerar confiança nos investidores, a qual, por seu turno, assume um papel crucial na funcionalidade económica do mercado ( 2 ). O regime jurídico da informação privilegiada, como parte integrante essencial do direito em matéria de abuso de mercado, visa prosseguir o referido objetivo através da igualdade de tratamento de todos os agentes económicos em termos de acesso à informação. Nenhum investidor deve, por possuir informações relevantes mas não publicamente acessíveis, ficar em posição vantajosa relativamente a outros investidores que não têm (ou não estão em condições de ter) acesso a essas informações ( 3 ).

    2.

    É por este motivo que o regime jurídico da informação privilegiada prevê, por um lado, como regra geral, que todas as informações relevantes devem ser tornadas públicas o mais rapidamente possível, através da respetiva divulgação regular, pelo emitente de valores mobiliários, da informação privilegiada que lhe diga diretamente respeito (está em causa a chamada divulgação ad hoc) ( 4 ). Por outro lado, não devem ser aproveitadas determinadas posições de vantagem em matéria de acesso às informações que, apesar de tudo, possam existir (proibição de abuso de informação privilegiada ( 5 )), devendo estas ser guardadas num círculo de pessoas tão restrito quanto possível (proibição de transmissão ilícita de informação privilegiada ( 6 )).

    3.

    O presente pedido de decisão prejudicial respeita, no seu cerne, à proibição de transmissão de informação privilegiada e aos respetivos limites. No processo principal está em causa a impugnação, por um jornalista financeiro, de uma sanção que lhe foi aplicada por causa da alegada divulgação de uma informação privilegiada, nela se invocando, no essencial, a violação da sua liberdade de imprensa. É certo que, atendendo ao objetivo do regime jurídico da informação privilegiada, no sentido de se assegurar a maior transparência possível, é desejável que o tratamento jornalístico de informações privilegiadas seja, pelo menos em parte, sujeito ao respetivo regime jurídico. Contudo, em especial na fase anterior à difusão e publicação de certa informação nos meios de comunicação social, pode surgir um conflito entre, por um lado, o regime jurídico da informação privilegiada, e, por um lado, a liberdade de imprensa e de opinião nos meios de comunicação social. A forma como pode ser resolvido este conflito constitui o objeto do segundo bloco de questões que a Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) submeteu ao Tribunal de Justiça.

    4.

    Antes, porém, coloca‑se ao Tribunal de Justiça a questão de saber se a divulgação imputada ao demandante no processo principal tinha sequer como objeto uma informação privilegiada. Assim, no quadro do primeiro bloco de questões que lhe foi submetido, o Tribunal de Justiça terá essencialmente que esclarecer, neste contexto, em que circunstâncias um rumor de mercado — ou seja, uma informação reconhecidamente incerta — pode desencadear os mecanismos previstos pelo regime jurídico da informação privilegiada.

    II. Quadro jurídico

    A. Direito da União

    1.   Diretiva 2003/6 (Diretiva Abuso de Mercado)

    5.

    A Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (a seguir «MAD», de «market abuse directive») ( 7 ), contém, no seu artigo 1.o, n.o 1, uma definição de «informação privilegiada»:

    «[…] toda a informação com caráter preciso, que não tenha sido tornada pública e diga respeito, direta ou indiretamente, a um ou mais emitentes de instrumentos financeiros ou a um ou mais instrumentos financeiros e que, caso fosse tornada pública, seria suscetível de influenciar de maneira sensível o preço desses instrumentos financeiros ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados.»

    6.

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, segunda parte, alínea c), da MAD, os Estados‑Membros proíbem qualquer pessoa que, por força do exercício da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções, tenha acesso a informação privilegiada, de utilizar essa informação ao adquirir ou alienar, tentar adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de terceiro, direta ou indiretamente, os instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito.

    7.

    Além disso, nos termos do artigo 3.o da MAD, os Estados‑Membros proíbem qualquer pessoa sujeita à proibição estabelecida no artigo 2.o de:

    «a)

    Comunicar informação privilegiada a outra pessoa, exceto se essa comunicação ocorrer no âmbito do exercício normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções;

    b)

    Recomendar a outra pessoa que adquira ou aliene, ou induzir outra pessoa a adquirir ou alienar, com base em informação privilegiada, os instrumentos financeiros a que se refere essa informação.»

    2.   Diretiva 2003/124

    8.

    Os dois primeiros considerandos da Diretiva 2003/124/CE da Comissão, de 22 de dezembro de 2003, que estabelece as modalidades de aplicação da Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito à definição e divulgação pública de informação privilegiada e à definição de manipulação de mercado (a seguir «Diretiva 2003/124») ( 8 ), têm o seguinte teor:

    «(1)

    Os investidores razoáveis baseiam as suas decisões de investimento nas informações postas à sua disposição, isto é, informações disponíveis ex ante. Por conseguinte, a questão de saber se um investidor razoável, ao tomar a sua decisão de investimento é suscetível de ter em conta uma dada informação, deve ser apreciada com base na informação disponível ex ante. Esta avaliação deve ter em conta o impacto previsível das informações, à luz do conjunto das atividades do emitente com elas relacionadas, a fiabilidade da fonte de informação e quaisquer outras variáveis do mercado que possam afetar o instrumento financeiro relevante ou o instrumento financeiro derivado com ele relacionado, nas circunstâncias em causa.

    (2)

    A informação ex post pode ser utilizada para verificar a presunção de que os preços são sensíveis à informação ex ante, não devendo, no entanto, ser utilizadas contra alguém que tenha retirado conclusões razoáveis das informações ex ante postas à sua disposição.»

    9.

    O artigo 1.o desta diretiva define o conceito de informação privilegiada:

    «1   Para efeitos de aplicação no disposto no n.o 1 do artigo 1.o da [MAD], considera‑se que uma informação possui um caráter preciso se fizer referência a um conjunto de circunstâncias existentes ou razoavelmente previsíveis ou a um acontecimento já ocorrido ou razoavelmente previsível e se essa informação for suficientemente precisa para permitir retirar uma conclusão quanto ao eventual efeito desse conjunto de circunstâncias ou acontecimentos a nível dos preços dos instrumentos financeiros ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados.

    2   Para efeitos de aplicação do n.o 1 do artigo 1.o da [MAD], entende‑se por “informação que, caso fosse tornada pública, seria suscetível de influenciar de maneira sensível o preço dos instrumentos financeiros ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados”, a informação que um investidor razoável utilizaria normalmente para basear em parte as suas decisões de investimento.»

    3.   Regulamento n.o 596/2014 (Regulamento Abuso de Mercado)

    10.

    O Regulamento n.o 596/2014 (a seguir «MAR», de «market abuse regulation») veio substituir a MAD e, nos termos do seu artigo 39.o, n.o 2, é aplicável nos Estados‑Membros desde 3 de julho de 2016.

    11.

    O septuagésimo sétimo considerando deste regulamento tem o seguinte teor:

    «O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Carta). Assim, o presente regulamento deverá ser interpretado e aplicado no respeito por esses direitos e princípios. Em particular, quando o presente regulamento referir as regras relativas à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão noutros meios de comunicação social e as regras ou os códigos que regulam a profissão jornalística, estas liberdades deverão ser tidas em conta, tal como garantidas na União e nos Estados‑Membros e reconhecidas nos termos do artigo 11.o da Carta e outras disposições pertinentes.»

    12.

    A definição do conceito de informação privilegiada, no artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do MAR, corresponde à do artigo 1.o, n.o 1, da MAD.

    13.

    O artigo 7.o, n.os 2 e 4, do MAR (excerto) têm o seguinte teor:

    «2   Para efeitos do disposto no n.o 1, considera‑se que uma informação possui um caráter preciso se fizer referência a um conjunto de circunstâncias existentes ou razoavelmente previsíveis ou a um acontecimento já ocorrido ou razoavelmente previsível e se essa informação for suficientemente específica para permitir retirar uma conclusão quanto ao eventual efeito desse conjunto de circunstâncias ou acontecimentos a nível dos preços dos instrumentos financeiros ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados, dos contratos de mercadorias à vista com eles relacionados ou dos produtos leiloados com base nas licenças de emissão. Neste contexto, no caso de um processo continuado no tempo destinado a concretizar ou provocar uma determinada circunstância ou acontecimento, não só essa circunstância ou acontecimento futuros podem constituir informação com um caráter preciso como também os passos intermédios desse processo que estão relacionados com a concretização dessa circunstância ou acontecimento futuros.

    4   Para efeitos de aplicação do disposto no n.o 1, entende‑se por informação que, caso fosse tornada pública, seria idónea para influenciar de maneira sensível o preço dos instrumentos financeiros, dos instrumentos financeiros derivados, dos contratos de mercadorias à vista com eles relacionados ou dos produtos leiloados com base nas licenças de emissão, a informação que um investidor razoável utilizaria normalmente para fundamentar em parte as suas decisões de investimento.»

    14.

    O artigo 10.o, n.o 1, do MAR estatui o seguinte, sob a epígrafe «Transmissão ilícita de informação privilegiada»:

    «Para efeitos do presente regulamento, existe transmissão ilícita de informação privilegiada quando uma pessoa dispõe de informação privilegiada e a transmite a qualquer outra pessoa, exceto se essa transmissão ocorrer no exercício normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções.

    […].»

    15.

    O artigo 14.o, alínea c), do MAR determina que é proibido transmitir ilicitamente informação privilegiada.

    16.

    O artigo 21.o do MAR tem por epígrafe «Divulgação ou difusão de informação nos meios de comunicação social» e prevê o seguinte:

    «Para efeitos do disposto [no artigo 10.o], no caso de ser divulgada ou difundida informação e de serem elaboradas ou difundidas recomendações para fins jornalísticos ou outra forma de expressão nos meios de comunicação social, essa divulgação ou difusão de informação é avaliada tendo em conta as regras relativas à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão em outros meios de comunicação social e as regras ou os códigos que regulam a profissão jornalística, a menos que:

    a)

    As pessoas em causa ou pessoas estreitamente relacionadas com elas obtenham, de forma direta ou indireta, uma vantagem ou benefício resultante da transmissão ou difusão da informação em causa; ou

    b)

    A divulgação ou difusão seja feita com a intenção de induzir o mercado em erro no que respeita à oferta, à procura ou ao preço dos instrumentos financeiros.»

    B. Direito francês

    17.

    O artigo 1.o, n.o 1, da MAD e o artigo 1.o da Diretiva 2003/124 foram transpostos quase textualmente para o direito francês através do artigo 621.o‑1 do Règlement général de l’AMF (Regulamento Geral da Autoridade dos Mercados Financeiros, a seguir «RGAMF»).

    18.

    O artigo 622.o‑1 do RGAMF estatui que qualquer pessoa mencionada no artigo 622.o‑2 deve abster‑se de utilizar informações privilegiadas em sua posse e de comunicar tais informações a qualquer outra pessoa fora do contexto normal da sua atividade, profissão ou funções. O artigo 622.o‑2 do RGAMF abrange, nomeadamente, qualquer pessoa que detenha uma informação privilegiada por a ela ter tido acesso em virtude da sua atividade ou profissão.

    III. Matéria de facto e processo principal

    19.

    A, demandante no processo principal, é um jornalista aposentado que, durante a sua carreira profissional, trabalhou para vários jornais diários britânicos. Mais recentemente trabalhava para a versão «online» de um jornal britânico, em cujo «site», muito visitado, publicava regularmente artigos que reproduziam rumores de mercado. Dois destes artigos assumem relevância no processo principal.

    20.

    Por um lado, o demandante no processo principal publicou, na noite de 8 de junho de 2011, um artigo acerca de uma eventual oferta pública de aquisição de um grupo empresarial sobre as ações de certa empresa, por um preço que foi concretamente indicado e que era superior em 86 % relativamente à cotação de fecho do dia. No dia seguinte a esta publicação, a cotação das ações da empresa supostamente visada subiu na abertura 0,64 % e depois, durante a sessão, mais 4,55 %.

    21.

    Por outro lado, o demandante no processo principal publicou, na noite de 12 de junho de 2012, um artigo acerca de uma outra eventual oferta pública de aquisição por um preço que foi concretamente indicado e que era superior em cerca de 80 % relativamente à cotação de fecho do dia. No decurso do dia de negociações seguinte, a cotação desta empresa subiu, até ao fecho da sessão, 17,69 %. A empresa em causa desmentiu o rumor dois dias depois.

    22.

    Verificou‑se que, pouco antes da publicação destes dois artigos na página da Internet do jornal diário em causa, várias pessoas residentes no Reino Unido tinham comprado ações das empresas em causa, que venderam no dia seguinte com lucro.

    23.

    No âmbito de uma análise de registos telefónicos, a Autorité des marchés financiers (Autoridade de Supervisão dos Mercados Financeiros, França) (a seguir «AMF»), apurou que o demandante no processo principal estabelecera contacto telefónico nos dias da publicação dos artigos com um ou mais dos futuros adquirentes das ações. As pessoas em causa são analistas financeiros, com as quais o demandante no processo principal se encontrava em contacto constante há vários anos, acerca de temas relevantes do mercado de capitais. Em pelo menos um dos casos, a pessoa em causa, pouco depois de ter terminado a conferência telefónica com o demandante no processo principal, telefonou ao seu corretor, que consequentemente deu ordens de compra dos valores mobiliários visados no artigo que seguidamente veio a ser publicado.

    24.

    A AMF imputou ao demandante no processo principal ter comunicado às referidas pessoas, no âmbito das conferências telefónicas que com elas manteve, a iminente publicação dos artigos. Considerou que a informação relativa à publicação iminente de um artigo de imprensa que reproduz um rumor de mercado é suscetível de constituir informação privilegiada e que a informação em questão preenchia as condições para ser qualificada como informação privilegiada. Com este fundamento, a AMF, depois de a sua Comissão de Sanções ter ouvido o demandante no processo principal, aplicou‑lhe uma sanção pecuniária no valor de 40000 euros. Aos adquirentes dos valores mobiliários em causa foram aplicadas sanções por abuso de informação privilegiada.

    25.

    O demandante no processo principal impugnou a decisão junto da Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris), encontrando‑se o recurso pendente.

    26.

    O demandante refuta ter falado com os futuros adquirentes acerca dos artigos relativos aos rumores de oferta pública de aquisição e alega que a informação relativa à publicação iminente dos referidos artigos não pode, em todo o caso, ser considerada informação privilegiada. Segundo refere, os meros rumores, por força da sua inerente insegurança e inexatidão, carecem da necessária precisão. Contudo, o caráter preciso da informação constitui, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da MAD e do artigo 7.o, n.o 1, do MAR, um pressuposto autónomo para que possa ser considerada privilegiada. Designadamente, a exigência de precisão não se torna obsoleta pelo facto de a informação ser classificada como suscetível de ter impacto sobre o preço das ações em questão. A tudo acresce que a condenação do demandante viola o artigo 21.o do MAR, que prevê um regime de exceção aplicável a jornalistas relativamente à proibição de transmissão de informação privilegiada. Por conseguinte, encontrando‑se o seu caso abrangido por esta exceção, ter‑se‑á de anular a decisão que lhe aplicou a acima referida sanção pecuniária.

    27.

    O órgão jurisdicional de reenvio entende que, em especial, as flutuações de preço significativas após a publicação dos artigos em causa confirmam que as informações em análise constituem informações idóneas para influenciar o preço dos instrumentos financeiros, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2003/124 e do artigo 7.o, n.o 4, do MAR. Considera, porém, também, que não é certo que a informação sobre a publicação iminente do artigo preencha o elemento do caráter preciso da informação, já que o conteúdo do artigo — ou seja, a referência a um rumor de mercado — pode ser entendido como carecendo da necessária especificidade.

    28.

    Com referência à aplicação do artigo 21.o do MAR, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o demandante no processo principal atuou «para fins jornalísticos», na aceção da referida disposição, e se esta disposição contém um regime especial taxativo. A propósito da derrogação geral da proibição de transmissão de informação privilegiada com fundamento no exercício de uma profissão, o Tribunal de Justiça exige que a divulgação da informação privilegiada seja estritamente necessária ao desempenho da profissão e respeite o princípio da proporcionalidade ( 9 ). Por conseguinte, impõe‑se esclarecer quais os requisitos que o artigo 21.o do MAR, eventualmente em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, do mesmo, impõe para que a atuação do demandante no processo principal possa ser considerada lícita.

    IV. Pedido de decisão prejudicial e tramitação processual perante o Tribunal de Justiça

    29.

    Neste contexto, a Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões para decisão prejudicial, ao abrigo do artigo 267.o TFUE:

    «1)   Em primeiro lugar,

    a)

    Deve o artigo 1.o, n.o 1, da MAD, conjugado com o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124, ser interpretado no sentido de que uma informação sobre a [publicação iminente] de um artigo de imprensa que reproduz um rumor de mercado relativo a um emitente de instrumento financeiro é suscetível de corresponder à exigência de precisão exigida por esses artigos para a qualificação de uma informação privilegiada?

    b)

    O facto de o artigo de imprensa, cuja [publicação iminente] constitui a informação em questão, mencionar, como rumor de mercado, o preço de uma oferta pública de aquisição, tem alguma influência na avaliação da exatidão da informação em causa?

    c)

    A notoriedade do jornalista que assinou o artigo, a reputação do órgão de comunicação social que o publicou e a influência realmente significativa («ex post») dessa publicação no preço dos títulos a que se refere são pertinentes para efeitos de avaliação da natureza exata da informação em causa?

    2)   Em segundo lugar, [caso a resposta seja no sentido de que] uma informação como a que está em causa é suscetível de satisfazer a exigência de precisão exigida:

    a)

    Deve o artigo 21.o do MAR ser interpretado no sentido de que a divulgação por um jornalista, a uma das suas fontes habituais, de uma informação sobre a [publicação iminente] de um artigo da sua autoria que reproduz um rumor de mercado é feita «com fins jornalísticos»?

    b)

    A resposta a esta questão depende, especialmente, da questão de saber se o jornalista foi ou não informado do rumor de mercado por essa fonte ou se a divulgação de informações sobre a [publicação iminente] do artigo era ou não útil para obter esclarecimentos dessa fonte sobre a credibilidade do rumor?

    3)   Em terceiro lugar, devem os artigos 10.o e 21.o do MAR ser interpretados no sentido de que, mesmo quando uma informação privilegiada é divulgada por um jornalista «para fins jornalísticos», na aceção do artigo 21.o, o caráter lícito ou ilícito da divulgação exige que se aprecie se foi feita «no âmbito normal do exercício [... da] profissão [de jornalista]», na aceção do artigo 10.o?

    4)   Deve o artigo 10.o do MAR ser interpretado no sentido de que, para que ocorra no exercício normal da profissão de jornalista, a divulgação de informação privilegiada deve ser estritamente necessária para o exercício dessa profissão e deve respeitar o princípio da proporcionalidade?»

    30.

    No âmbito do processo no Tribunal de Justiça apresentaram observações escritas o demandante no processo principal, a AMF, a República Francesa, o Reino da Noruega, o Reino da Suécia, o Reino de Espanha e a Comissão Europeia. Todos, com exceção do Reino da Noruega, participaram também na audiência realizada a 22 de junho de 2021.

    V. Apreciação jurídica

    31.

    Através das suas questões prejudiciais, a Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) pretende no fundo esclarecer se foi ou não corretamente aplicada ao demandante no processo principal uma sanção pecuniária por violação da proibição de transmissão de informação privilegiada estatuída no artigo 622.o‑1 do RGAMF ( 10 ). Esta disposição, no essencial, transpõe para o direito francês o artigo 3.o, alínea a), da MAD.

    32.

    Em especial, através das questões 1 a) a c), o referido órgão jurisdicional pretende apurar se a informação sobre a publicação iminente de um artigo que reproduz um rumor de mercado pode ser considerada uma «informação privilegiada», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da MAD ( 11 ), ficando, por conseguinte, em regra abrangida pela proibição de transmissão de informação privilegiada estatuída no artigo 3.o, alínea a), da MAD (v. A, infra). As questões 2 a 4 giram em torno das exceções à proibição de transmissão de informação privilegiada, no específico âmbito da atividade jornalística (v. B, infra).

    A. Quanto à primeira questão prejudicial

    33.

    O órgão jurisdicional de reenvio, através da sua primeira questão prejudicial, pretende, no essencial, saber se e sob que pressupostos uma informação acerca da publicação iminente de um artigo de imprensa que reproduz um rumor de mercado pode ser considerada precisa, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da MAD e do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124/CE.

    34.

    A natureza privilegiada de certa informação depende do preenchimento de quatro pressupostos previstos no artigo 1.o, n.o 1, da MAD, sendo a precisão o primeiro. Em segundo lugar, a informação não pode ter sido tornada pública. Em terceiro lugar, tem de dizer respeito, direta ou indiretamente, a um ou mais emitentes de instrumentos financeiros ou a um ou mais instrumentos financeiros. Em quarto lugar, caso fosse tornada pública, teria de ser suscetível de influenciar de maneira sensível o preço desses instrumentos financeiros ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados (a seguir «influência sobre o preço») ( 12 ).

    35.

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que o segundo, terceiro e quarto pressupostos estão preenchidos. Em particular, parte do princípio de que as informações acerca da publicação iminente dos artigos de imprensa tiveram influência sobre os preços, no sentido do quarto pressuposto. Este entendimento assenta em especial nas flutuações de preço significativas dos títulos, as quais se verificaram após a publicação dos artigos que sobre eles incidiram.

    36.

    O pressuposto da precisão tem, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124, dois componentes distintos. Por um lado, a informação tem de fazer referência a um conjunto de circunstâncias existentes ou razoavelmente previsíveis ou a um acontecimento já ocorrido ou razoavelmente previsível. Por outro lado, a informação tem de ser suficientemente específica para permitir retirar uma conclusão quanto ao eventual efeito desse conjunto de circunstâncias ou acontecimentos a nível dos preços dos instrumentos financeiros ou dos instrumentos financeiros derivados com eles relacionados.

    37.

    O órgão jurisdicional de reenvio parte do princípio de que o primeiro destes dois pressupostos — ou seja, a razoável previsibilidade da publicação do artigo à data da divulgação — se encontra preenchido. Destarte, acaba por só problematizar o segundo pressuposto, relativo à especificidade ( 13 ) no que se refere ao eventual efeito ao nível dos preços. A Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) interroga‑se acerca do seu preenchimento porque a informação aqui em causa, relativa à publicação iminente de um artigo de imprensa, se refere a um rumor. Considera então duvidosa a especificidade do rumor, porque poderia ser considerado demasiado incerto ou inseguro para daí se poder retirar conclusões relativamente ao eventual efeito ao nível dos preços. Esta situação, por seu turno, poderia, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ter efeito sobre a especificidade da informação em causa. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio considera‑se incapaz de determinar se se está perante uma informação privilegiada, apesar de, na sua opinião, a informação não ter sido tornada pública, ter influência sobre o preço e, consequentemente, ter conferido ao beneficiário da informação uma vantagem especial relativamente a outros intervenientes no mercado ( 14 ).

    38.

    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a especificidade, na sua qualidade de segunda componente da precisão da informação privilegiada ( 15 ), constitui um pressuposto autónomo e independente, relativamente à influência sobre o preço, para que a informação possa ser qualificada como privilegiada ( 16 ). Portanto, importa começar por determinar se a informação relativa à publicação iminente de um artigo de imprensa pode ser considerada específica, na aceção do artigo 1.o, segunda parte, da Diretiva 2003/124, não obstante ter por objeto um rumor de mercado (v. 1, infra).

    39.

    Só posteriormente é que se impõe esclarecer, com vista à resposta à questão 1 c), se a especificidade da informação em causa pode além disso ser demonstrada com base na circunstância de, após a divulgação dos artigos de imprensa, se terem verificado flutuações de preços (v. 2, infra).

    1.   Quanto à determinação da especificidade da informação em causa

    40.

    Resulta da já referida definição da característica da especificidade, a que se refere o artigo 1.o, n.o 1, segunda parte, da Diretiva 2003/124, que a informação tem de ter um conteúdo ou valor informativo que permita avaliar se é suscetível de influenciar (ou não) os preços ( 17 ). Daqui resulta que a fasquia não é colocada em termos muito elevados ( 18 ). Na realidade, só se pretende excluir informações que, no âmbito da avaliação da sua influência sobre o preço, se revelam logo à partida desprovidas de valor informativo relevante.

    41.

    Segundo o primeiro considerando da Diretiva 2003/124, um investidor razoável, no âmbito da avaliação da influência de certa informação sobre o preço, baseia‑se em especial em informações que permitem determinar as implicações económicas de certa informação para a empresa ( 19 ), bem como a respetiva fiabilidade. É por este motivo que, na formulação do Tribunal de Justiça, através do pressuposto da especificidade apenas se pretende excluir as informações vagas ou gerais, que não permitem tirar nenhuma conclusão sobre o seu possível efeito nos preços dos instrumentos financeiros em causa ( 20 ).

    42.

    A informação acerca da publicação iminente de um artigo de imprensa pelo autor desse mesmo artigo não é vaga, pois através dela descreve‑se um acontecimento concreto de ocorrência certa, sendo a fonte fiável. Contudo, a informação, em si mesma, é manifestamente demasiado genérica para que dela se possam extrair conclusões acerca do seu possível efeito no preço de certo instrumento financeiro. Tal conclusão só é possível em conjugação com o objeto do artigo em causa — ou seja, a existência de rumores de mercado relacionados com as ofertas públicas de aquisição.

    43.

    O demandante no processo principal também alude a esta conjugação. Conclui, a partir da mesma, que a informação sobre a publicação do artigo só pode ser específica se o objeto do próprio artigo for específico. Contudo, entende que o conteúdo do artigo em causa não é específico, por se reportar a rumores, que pela sua própria natureza não são específicos. Refere‑se, a este propósito, nomeadamente, a uma declaração do antigo Comité das Autoridades de Regulamentação dos Mercados Europeus de Valores Mobiliários («Committee of European Securities Regulators», CESR), segundo a qual os rumores constituem justamente o inverso de informações verificáveis e, por conseguinte, precisas ( 21 ).

    44.

    Na minha opinião, ambas as afirmações são incorretas.

    a)   Quanto à (falta de) especificidade dos rumores de mercado, em geral

    45.

    Se os rumores de mercado devessem ser considerados, em geral, como não específicos, nunca poderiam constituir informações privilegiadas ( 22 ). Porém, a MAD não exclui expressamente os rumores do regime jurídico da informação privilegiada. Diversamente, o primeiro considerando da Diretiva 2003/124, tal como já foi referido, refere expressamente que a «[…] fiabilidade da fonte de informação […]» deve ser tida em conta, para efeitos da apreciação do valor informativo. Isto significa que a diretiva não exige a absoluta fiabilidade da fonte, no quadro da análise da qualidade da informação privilegiada. Donde se infere que a fiabilidade constitui um fator gradual e que importa apreciar caso‑a‑caso.

    46.

    Além disso, os rumores assumem na prática do mercado uma importância material considerável ( 23 ). Neste sentido, o artigo 1.o, n.o 2, alínea c), da MAD parte do princípio de que os rumores são trabalhados pelo mercado, ao poderem dar indicações falsas ou enganosas, suscetíveis de manipular os preços. A fim de se conseguir atingir o objetivo da diretiva, que consiste em se assegurar a confiança dos investidores através da igualdade de oportunidades em matéria informativa ( 24 ), é necessário impedir a exploração de desequilíbrios informativos neste domínio.

    47.

    Assim é tanto mais que a fiabilidade de informações não tornadas públicas frequentemente não se encontra assegurada. Por outras palavras, muitas informações acerca de certo acontecimento (futuro) podem ser consideradas ou formuladas como rumores até serem tornadas públicas ou serem alvo de esclarecimentos públicos. Uma vez que as informações inseguras não podem ser totalmente excluídas do regime jurídico da informação privilegiada, são inevitáveis as dificuldades de delimitação no que respeita à respetiva especificidade. Por conseguinte, não se justifica excluir liminarmente os rumores, por não específicos, com fundamento na sua inerente insegurança. Em todo o caso, isso não permitiria criar segurança jurídica digna desse nome ( 25 ).

    b)   Quanto à relação entre o objeto e a publicação do artigo

    48.

    Além disso, a falta de especificidade do objeto do artigo não permite que se conclua, sem mais, acerca da falta de especificidade da informação acerca da sua publicação. Como bem salienta a AMF, isso não tomaria em consideração a circunstância de o valor informativo do conteúdo de uma publicação se poder alterar exatamente com base no facto de a publicação ter lugar. É o caso, nomeadamente, dos rumores, cujo conteúdo é muitas vezes vago e cuja fiabilidade depende do número das pessoas que o espalham e do estatuto de que elas gozam. Ou seja, um rumor pode, por força da sua publicação, ganhar em fiabilidade e, também, através da sua redução a escrito, em precisão.

    49.

    Acresce que outra perspetiva não é conciliável com o objetivo de proteção do regime jurídico da informação privilegiada, pois, independentemente da potencial alteração do rumor por via da sua publicação, a informação sobre a publicação assume um valor informativo próprio. Efetivamente, um investidor adquire, através da obtenção do conhecimento acerca do momento da publicação de um rumor, uma vantagem temporal. Essa vantagem pode ser por ele utilizada em prejuízo de outros investidores.

    50.

    Portanto, a relação entre a publicação e o conteúdo de um artigo deve ser entendido, em termos corretos, no sentido de que a especificidade de uma informação como aquela que aqui se discute depende do conteúdo do artigo sob a forma que adquire por via da publicação, pois é precisamente esta circunstância — o conteúdo do artigo tal como foi publicado — que é trabalhado pelo mercado e que consequentemente constitui a base da avaliação por um investidor.

    51.

    Sob o prisma do conteúdo da informação, importa determinar se do rumor publicado resultam implicações económicas concretas para certo emitente. Assim, por exemplo, um artigo sobre uma «grande» oferta de aquisição «no setor automóvel», sem indicação das empresas envolvidas, seria demasiado genérico e, por conseguinte, deveria ser considerado como não específico. Já se o artigo permitir identificar, ainda que apenas implicitamente, as empresas envolvidas, então a indicação do valor da oferta, no caso de um rumor de oferta de aquisição, gera uma ainda maior aparência de especificidade do artigo e, por esta via, do próprio rumor. Porém, mesmo sem essa indicação, o mercado pode antever a possibilidade de efeito sobre o preço, já que as ofertas públicas de aquisição implicam frequentemente o pagamento de prémios de venda que acrescem ao preço da ação ( 26 ).

    52.

    Já saber se, além disso, é possível extrair do rumor, tal como foi publicado, algum juízo quanto à sua fiabilidade, depende da suscetibilidade de se extrair da publicação critérios para a determinação suficientemente concretizada da autenticidade e da credibilidade. Tais critérios, por um lado, podem consistir na referência, no artigo, às fontes do rumor. Por outro lado, pode relevar neste contexto a reputação do jornalista em causa, bem como a reputação do próprio órgão de comunicação social ( 27 ), pois podem sugerir, através da publicação, que a informação se encontra devidamente verificada. Efetivamente, a verificação conscienciosa da veracidade das informações a publicar constitui um dos deveres profissionais dos jornalistas ( 28 ), cujo desrespeito não é de supor, em especial no caso de jornalistas conceituados. Mas, além disso, podem ainda relevar outros critérios, como por exemplo o grau de concretização das formulações e do conteúdo ( 29 ). Neste sentido, pode relevar aqui novamente a indicação de um valor concreto de oferta. Porém, no âmbito da especificidade, não importa (ainda) se a informação, no final, se revela suficientemente fiável para justificar um estímulo ao investimento, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2003/124; tem apenas de ser de índole a permitir uma avaliação consistente e adequada.

    2.   Quanto às flutuações de preços ex post

    53.

    No quadro da questão prejudicial 1 c), pretende a Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) apurar ainda se uma flutuação de preço após a publicação das informações em causa (ex post) pode relevar para se saber se está em causa uma informação específica.

    54.

    A questão em torno da verificação de uma informação privilegiada tem necessariamente de ser apreciada de uma perspetiva ex ante, visto constituir característica essencial da informação privilegiada a circunstância de não ter sido tornada pública. Por conseguinte, uma flutuação posterior de preço, no quadro da resposta à questão de saber se uma informação é precisa, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, segunda parte, da Diretiva 2003/124, só pode relevar indiretamente, no âmbito da prova a produzir posteriormente.

    55.

    Neste sentido, o segundo considerando da Diretiva 2003/124 refere que uma flutuação de preços posterior pode ser utilizada para a prova da influência sobre os preços (ex ante) (sem, porém, que as informações ex post possam ser utilizadas contra alguém que tenha retirado conclusões razoáveis das informações ex ante postas à sua disposição), pois é manifesta a influência de certa informação sobre os preços se, após a sua publicação, se verificou uma flutuação dos mesmos ( 30 ). O órgão jurisdicional de reenvio questiona se este raciocínio é igualmente aplicável à especificidade.

    56.

    Esta questão merece certamente resposta afirmativa se a especificidade de uma informação privilegiada constituir pressuposto necessário da sua influência sobre o preço. Neste caso, pode‑se concluir, a partir de uma flutuação posterior de preços, que a informação publicada é específica. Afigura‑se existirem vários argumentos a favor desta relação, pois, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124, uma informação tem influência sobre os preços se um investidor razoável — ou seja, informado — se basear nela para tomar as suas decisões de investimento. Pelo menos à primeira vista, parece que o objeto da informação começou por permitir que a mesma seja considerada como relevante para a decisão de investimento. Mas isto significa, precisamente, que a mesma era suficientemente específica para permitir retirar uma conclusão quanto ao eventual efeito a nível dos preços dos instrumentos financeiros.

    57.

    Contrariamente, o órgão jurisdicional de reenvio e o demandante no processo principal parecem partir do princípio de poderem existir informações com influência sobre os preços mas, ainda assim, não específicas. No entanto, se isso fosse verdade, uma tal informação, por falta de preenchimento do pressuposto do primeiro elemento do artigo 1.o, n.o 1, da MAD, não seria privilegiada. Por conseguinte, tal entendimento implicaria que determinadas informações com influência sobre os preços, que por força dessa relevância sobre os preços conferem uma vantagem especial ao detentor da informação, ficassem excluídas da proibição de abuso de informação privilegiada. Ou seja, essa vantagem poderia ser utilizada de forma não sancionada, o que constituiria meio adequado a minar a confiança dos investidores no equilíbrio informativo ( 31 ). Não se vislumbra qualquer justificação material para uma solução deste tipo ( 32 ).

    58.

    Contudo, para efeitos de resposta à questão prejudicial 1 c), não é necessário apurar se podem ou não existir informações com influência sobre os preços que não sejam específicas., pois mesmo que se aceitasse esse entendimento, sempre sucede que, em regra, um investidor razoável baseia as suas decisões de investimento em informações com um certo grau de concretização. Por outras palavras, uma informação com influência sobre os preços será igualmente específica, pelo menos na esmagadora maioria dos casos. Esta circunstância basta, do meu ponto de vista, para que se possa alargar à especificidade o raciocínio contido no segundo considerado da Diretiva 2003/124, segundo o qual uma flutuação posterior de preços, no limite, indicia a influência sobre os preços, pois este efeito probatório não isenta da necessidade de avaliar o caso concreto e — certamente no âmbito de um processo de natureza sancionatória — de apreciar se a natureza de informação privilegiada resultava já das circunstâncias que se verificavam ex ante.

    3.   Conclusão intercalar

    59.

    A resposta à primeira questão prejudicial é, por conseguinte, a seguinte: a informação sobre a publicação iminente de um artigo de imprensa que reproduz um rumor de mercado relativo à aquisição de uma empresa, informação essa proveniente do autor desse mesmo artigo, preenche o requisito de precisão formulado pelo artigo 1.o, n.o 1, da MAD, em conjugação com o artigo 1.o, n.o 1, segunda parte, da Diretiva 2003/124, se o objeto do artigo, tal como foi publicado, for tão específico que permita retirar uma conclusão quanto aos eventuais efeitos a nível dos preços de um ou mais instrumentos financeiros. É esse o caso quando da publicação do artigo resultam indícios com base nos quais é possível avaliar a fiabilidade das informações nele contidas e quando essa publicação pode ter implicações económicas para um emitente. Podem assumir relevância a notoriedade e a reputação do jornalista que assinou o artigo, a reputação do órgão de comunicação social que o publicou e a circunstância de no artigo se indicar um valor concreto para a oferta pública de aquisição. Uma eventual flutuação de preços após a publicação da informação em causa pode, no sentido do segundo considerando da Diretiva 2003/124, ser tomada em consideração para confirmação da suposição de que a informação ex ante é específica, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, segunda parte, da referida diretiva.

    B. Quanto à segunda, terceira e quarta questões prejudiciais

    60.

    Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir, em aplicação dos referidos critérios, que a informação sobre a publicação iminente do artigo controvertido constitui uma informação privilegiada, então importa seguidamente apurar se a sua transmissão — ou seja, a comunicação às pessoas em causa — foi ilícita e, consequentemente, é suscetível de ser sancionada.

    61.

    O artigo 3.o, alínea a), da MAD, que se encontrava em vigor à data da prática dos factos, não obsta a toda e qualquer transmissão de informações privilegiadas. Efetivamente, a divulgação é proibida «[…] exceto se essa comunicação ocorrer no âmbito do exercício normal [de uma] atividade, [de uma] profissão ou [de] funções». Esta disposição assenta no entendimento segundo o qual uma proibição absoluta de transmissão poderia implicar a paralisação de outros procedimentos importantes, pois, na prática, não é concebível que uma empresa possa operar sem que certas informações privilegiadas sejam processadas e comunicadas a um círculo restrito de pessoas dentro da própria empresa (por exemplo, a departamentos internos com competência na matéria) ou mesmo no exterior (por exemplo, a advogados e contabilistas).

    62.

    Porém, o Tribunal de Justiça já esclareceu que esta exceção à proibição da transmissão de informação privilegiada deve ser alvo de uma interpretação estrita, sendo que a comunicação da informação em causa só se justifica se for estritamente necessária ao desempenho de uma profissão e se respeitar o princípio da proporcionalidade ( 33 ).

    63.

    O artigo 10.o, n.o 1, do MAR [em conjugação com o artigo 14.o, alínea c), do MAR] contém hoje uma previsão praticamente idêntica à do artigo 3.o, alínea a), da MAD. Além disso, no âmbito do regime jurídico atualmente vigor, o artigo 21.o do MAR prevê que, para efeitos do disposto no artigo 10.o, no caso da divulgação para fins jornalísticos se deve tomar em conta as regras relativas à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão em outros meios de comunicação social e as regras ou os códigos que regulam a profissão jornalística.

    64.

    A Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) pergunta, agora, através da segunda à quarta questões prejudiciais, sobre o modo como deve ser apreciada, à luz das referidas disposições do MAR, a comunicação acerca da publicação iminente do artigo de imprensa em causa ou, por outras palavras, se neste caso estão preenchidos os pressupostos de uma exceção à proibição de transmissão de informação privilegiada.

    65.

    Destarte, importa apurar qual é exatamente o regime jurídico consagrado pelo MAR relativamente à forma de lidar com informações privilegiadas no contexto jornalístico. Em última análise, impõe‑se então determinar como equilibrar adequadamente, por um lado, a liberdade de imprensa e a liberdade de opinião nos meios de comunicação social, com, por outro lado, a proteção da integridade dos mercados, cuja necessidade é especialmente realçada pelo Tribunal de Justiça através do tratamento tendencialmente exigente que é conferido à proibição de transmissão de informação privilegiada, no contexto do desempenho de uma profissão. Assim, convém responder conjuntamente à segunda, à terceira e à quarta questões prejudiciais (v. 2, infra).

    66.

    Contudo, importa começar por analisar a admissibilidade das questões prejudiciais, uma vez que o MAR — como o refere o próprio órgão jurisdicional de reenvio — ainda não tinha entrado em vigor à data da prática dos factos, sendo então que ainda se aplicavam as disposições da MAD (v., já seguidamente, 1, infra).

    1.   Quanto à aplicabilidade do MAR no processo principal (admissibilidade da segunda à quarta questões prejudiciais)

    67.

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que o artigo 21.o do MAR constitui uma disposição de conteúdo mais favorável para jornalistas do que o artigo 3.o, alínea a), da MAD, a qual, no presente contexto sancionatório, se aplica a atos praticados antes da sua entrada em vigor, ao abrigo do princípio lex mitior ( 34 ). É então por esse motivo que as questões relativas ao artigo 21.o do MAR relevam para a boa decisão do processo principal.

    68.

    Não é evidente que o artigo 21.o do MAR contenha efetivamente um regime jurídico mais favorável, atendendo, designadamente, à circunstância de, também sob a vigência do artigo 3.o, alínea a), da MAD, se ter, no âmbito da sua interpretação e aplicação, de respeitar os direitos fundamentais, em especial o artigo 11.o da Carta e o artigo 10.o da CEDH ( 35 ). Assim, esta apreciação depende, em última análise, sobretudo, do modo como deve ser concretamente interpretado o artigo 21.o do MAR. Mas como esta questão constitui, precisamente, objeto das questões prejudiciais, a boa administração da justiça impõe então que se a aprecie no âmbito da análise do objeto do processo ( 36 ).

    69.

    O mesmo se aplica relativamente ao artigo 10.o, n.o 1, do MAR, cuja interpretação é expressamente pedida na terceira e quarta questões prejudiciais. É certo que o artigo 3.o, alínea a), da MAD contém uma disposição comparável (pelo menos quanto ao seu sentido literal), de modo que à primeira vista parece ficar excluída a aplicação do princípio lex mitior. Sucede, porém, que o artigo 21.o do MAR faz referência expressa ao artigo 10.o, sendo que ambas as disposições formam um regime jurídico unitário. Consequentemente, é necessário analisar ambas as disposições na sua relação entre si, a fim de se poder fornecer uma interpretação adequada do referido regime.

    70.

    Pelo exposto, a apreciação material da segunda a quarta questões prejudiciais é admissível.

    2.   Quanto às exceções à proibição de transmissão de informações privilegiadas no desempenho da atividade de jornalista

    71.

    A segunda, terceira e quarta questões prejudiciais, por um lado, têm por objeto a aplicabilidade, no processo principal, do artigo 21.o do MAR. O órgão jurisdicional de reenvio pretende apurar se a comunicação acerca da publicação iminente de um artigo pode ser considerada uma transmissão de informações privilegiadas «para fins jornalísticos». Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se acerca da forma como o artigo 21.o se relaciona com o artigo 10.o, n.o 1, do MAR.

    72.

    Estas questões explicam‑se pelo facto de o demandante no processo principal entender que o artigo 21.o do MAR prevê um regime especial e taxativo aplicável à atividade jornalística. A esta atividade não se aplicariam, portanto, os requisitos gerais para a legalidade de transmissão de informações privilegiadas no contexto do exercício de uma atividade profissional, de acordo com o artigo 10.o do MAR. Neste sentido, por estar em causa uma atividade jornalística, seria supérfluo apreciar o cumprimento do requisito, formulado pelo Tribunal de Justiça, da estrita necessidade e da proporcionalidade da divulgação das informações privilegiadas ( 37 ).

    a)   Quanto ao conceito de transmissão de informações privilegiadas «para fins jornalísticos»

    1) Quanto à interpretação do conceito

    73.

    A este propósito a AMF e o Governo francês defenderam no presente processo uma interpretação particularmente estrita do conceito de «para fins jornalísticos». Segundo essa interpretação, o referido conceito só abrange a publicação da informação, em si mesma, e os atos que se relacionam diretamente com essa publicação. De acordo com este entendimento, a comunicação acerca da publicação iminente de um artigo jornalístico não se encontraria abrangida pelo conceito em causa, uma vez que, em si mesma, só é prestada a um círculo restrito de pessoas e, por conseguinte, nem é objeto de publicação, nem serve diretamente a publicação do artigo em causa.

    74.

    Porém, tendo em conta o sentido e o alcance do artigo 21.o do MAR, não se afigura defensável uma tal interpretação do conceito de «para fins jornalísticos», pois a mesma, se fosse totalmente consequente, implicaria que uma parte essencial da atividade jornalística, tal como a investigação que fosse levada a cabo em matéria de informação privilegiada, ficasse logo à partida excluída das liberdades de imprensa e de opinião. Certo é, porém, que o âmbito de aplicação do artigo 21.o do MAR tem de ser compatível com o nível de proteção conferido às liberdades de imprensa e de opinião no domínio da comunicação social ( 38 ). É isso que está de acordo com o objetivo do regulamento, como o revela o septuagésimo sétimo considerando do MAR. Segundo o mesmo, as referências aos direitos fundamentais, no texto do regulamento, destinam‑se a assegurar que são respeitados tal como se encontram reconhecidos na Carta e na CEDH.

    75.

    Neste contexto, o âmbito de aplicação do artigo 21.o do MAR ficaria, de outro modo, muito limitado, pois, em todo o caso, verificando‑se a publicação de uma informação num órgão de comunicação social de grande difusão, a mesma tem de ser tida como permitida, independentemente da aplicação do artigo 21.o do MAR. É que, através de uma tal publicação, deixa de verificar‑se o pressuposto segundo o qual a informação não pode ter sido tornada pública, pelo que a mesma perde a natureza privilegiada ( 39 ).

    76.

    O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») realça, a propósito do artigo 10.o da CEDH ( 40 ), a função do jornalismo, que consiste em difundir informações e ideias acerca de todo e qualquer assunto de interesse público ( 41 ). Porém, daí não se pode inferir que, de um ponto de vista material, só a publicação da informação, em si mesma, e os atos que se relacionam diretamente com essa publicação se encontram abrangidos pela liberdade de imprensa. Na realidade, o TEDH inclui expressamente, no âmbito da proteção, atividades — tais como trabalho de pesquisa e investigações — que se limitam a assumir caráter preparatório relativamente a uma futura difusão ou publicação. Entende‑se até que este tipo de atividade carece de especial proteção ( 42 ). Com este pano de fundo, importa constatar que a verificação de certa matéria perante uma fonte ( 43 ), antes da publicação, à qual alude a questão prejudicial 2 b), se encontra sem margem para dúvida abrangida pelo âmbito de aplicação das liberdades de imprensa e de opinião nos meios de comunicação social e, por conseguinte, pelo âmbito de aplicação do artigo 21.o do MAR. Este mesmo raciocínio aplica‑se ainda que o demandante no processo principal, no âmbito de uma tal verificação, tenha dado a entender encontrar‑se prestes a publicar um artigo sobre a matéria em causa.

    77.

    Sucede que, segundo a AMF, as conversas mantidas entre o demandante no processo principal e os posteriores adquirentes não tiveram como objetivo a verificação de informações, mas sim apenas a mera comunicação de que se estaria prestes a publicar um artigo sobre o rumor em causa.

    78.

    No entanto, mesmo uma atuação deste tipo pode encontrar‑se abrangida pela liberdade de imprensa. O TEDH não exige, a este propósito, que a atuação em causa tenha diretamente em vista uma certa publicação. Assim, por exemplo, foi considerado, sem mais, como abrangido pela liberdade de imprensa o caso de um jornalista que escrevia regularmente sobre processos criminais e que mantinha contacto com uma colaboradora dos serviços de ação penal acerca de informações confidenciais, com o objetivo de se manter em geral informado sobre inquéritos em curso e sem que estivesse a trabalhar numa determinada publicação ou investigação ( 44 ).

    79.

    Para que fique aberto o âmbito de proteção da liberdade de imprensa e, por conseguinte, se aplique o artigo 21.o do MAR, basta, apenas, que certa atuação tenha lugar ou que certa atividade seja exercida na qualidade de jornalista — e não na qualidade de particular ( 45 ). Para o efeito é necessário que essa atuação se relacione com a atividade de jornalista da pessoa em causa, tanto de um prisma objetivo como de um prisma intencional. Uma tal atividade jornalística tem, em termos gerais, de visar a divulgação de informações junto do público. Mas a atuação em causa não tem, ela própria, de consistir numa informação ao público.

    80.

    Por conseguinte, a comunicação acerca da publicação iminente do artigo constitui desde logo uma transmissão «para fins jornalísticos», na aceção do artigo 21.o do MAR, se o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão que a atividade de pesquisa de um jornalista financeiro se caracteriza, na prática, pela manutenção de contactos com analistas financeiros, em cujo quadro é comum trocarem‑se informações sobre artigos que se encontrem em preparação e sua publicação.

    81.

    Porém, impõe‑se outra decisão caso se conclua que os contactos em causa ocorreram não no âmbito da recolha de informações para um artigo (futuro), mas, independentemente disso, com o objetivo de gerar uma vantagem informativa ou de se a aproveitar. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apurar os factos necessários a este juízo ( 46 ).

    82.

    Distinta da questão em torno da aplicabilidade do artigo 21.o do MAR é a questão de saber se uma tal prática jornalística efetivamente constitui uma transmissão lícita de informação privilegiada. É que, ao contrário do que alega o demandante no processo principal, a circunstância de se encontrarem preenchidos os pressupostos do artigo 21.o do MAR não é desde logo suficiente para que se verifique uma exceção à proibição de transmissão de informação privilegiada. Este aspeto é objeto da terceira questão prejudicial.

    83.

    Efetivamente, resulta desde logo do texto do artigo 21.o do MAR que «[p]ara efeitos do disposto nos artigos 10.o […] essa divulgação ou difusão de informação é avaliada tendo em conta as regras relativas à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão em outros meios de comunicação social e as regras ou os códigos que regulam a profissão jornalística». Desta forma, resulta claramente desta disposição que, no âmbito da divulgação de informações privilegiadas para fins jornalísticos, é o artigo 10.o, n.o 1, do MAR que constitui a disposição decisiva para efeitos da avaliação da licitude dessa mesma divulgação. É apenas neste contexto que pode verificar‑se a tomada em consideração dos direitos fundamentais em causa, bem como das regras deontológicas aplicáveis. Por conseguinte, o artigo 21.o do MAR não permite per se a extração automática de consequências jurídicas, pelo que também não se pode considerar que prevê um regime de exceção autónomo relativamente à proibição de transmissão de informação privilegiada.

    84.

    Daqui resulta que a licitude ou ilicitude da divulgação para fins jornalísticos depende do que se vier a apurar numa segunda fase da avaliação, que incida sobre a questão de saber se essa divulgação ocorreu no âmbito do exercício normal da atividade jornalística, na aceção do artigo 10.o, n.o 1, do MAR ( 47 ). Em caso de resposta afirmativa, justifica‑se, por seu turno, que se equipare o âmbito de aplicação do artigo 21.o do MAR ao âmbito de proteção das liberdades de imprensa e de opinião nos meios de comunicação social, assumindo‑se assim que a transmissão de informações privilegiadas se verificou «para fins jornalísticos», sempre que tenha ocorrido em qualidade jornalística ( 48 ).

    2) Quanto à demonstração da verificação de fins jornalísticos no caso concreto

    85.

    Resulta do exposto até ao momento ( 49 ) que a avaliação e a prova da verificação (ou não) da existência de fins jornalísticos pode suscitar dificuldades práticas.

    86.

    A prova da violação da proibição de transmissão de informação privilegiada compete, de acordo com os princípios gerais, às autoridades públicas competentes; por conseguinte, têm também que demonstrar que a transmissão não se verificou para fins jornalísticos. Neste domínio, têm de provar as circunstâncias objetivas em que o ato foi praticado, sendo que será com base nelas que um órgão jurisdicional que venha a ocupar‑se do caso terá de determinar se desse contexto resulta uma relação com a atividade jornalística da pessoa em causa ou, pelo menos, indícios concretos dessa relação.

    87.

    A este propósito, é manifesto que um tribunal poderá mais facilmente aceitar a verificação de fins jornalísticos se o jornalista em causa fornecer explicações acerca do modo como os atos cuja prática lhe é imputada integram a sua atividade jornalística. Contudo, isto não pode implicar que, em última análise, a prova da verificação de fins jornalísticos acabe por recair sobre a pessoa em causa. Efetivamente, constitui direito de qualquer arguido, também no contexto de procedimentos suscetíveis de conduzir à aplicação de sanções administrativas de natureza penal, o de não prestar declarações ( 50 ), sendo que o exercício deste direito não pode prejudicá‑lo. Além disso, a presunção de inocência (artigo 48.o, n.o 1, da Carta) aplica‑se também no domínio da prossecução de delitos em matéria de abuso de informação privilegiada ( 51 ). Portanto, não se pode exigir a um jornalista que declare seja o que for a propósito da finalidade prosseguida com a transmissão da informação em causa. Este entendimento é, de resto, aquele que se mostra consentâneo com a necessidade de proteção das fontes jornalísticas.

    88.

    Assim, na dúvida, no caso de jornalistas profissionais só se poderá excluir a verificação de uma transmissão «para fins jornalísticos», na aceção do artigo 21.o do MAR, se as circunstâncias objetivas do ato não revelarem qualquer tipo de relação com a sua atividade profissional. Em alternativa, ter‑se‑á de produzir a prova — de acordo com os meios previstos para o efeito na ordem jurídica nacional — de que a transmissão da informação prosseguiu subjetivamente finalidades pessoais ou estranhas à profissão.

    b)   Quanto à prova do «[…] exercício normal da […] atividade […]» de jornalista, na aceção do artigo 21.o, em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, do MAR

    89.

    Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, do MAR, a transmissão de informação privilegiada não é ilícita caso se verifique no «[…] exercício normal [de uma] profissão […]». Coloca‑se a este propósito a questão de saber se só cai no âmbito de aplicação do artigo 21.o do MAR a transmissão que, na aceção do Acórdão Grøngaard e Bang, for estritamente necessária ao desempenho da profissão e respeite o princípio da proporcionalidade ( 52 ).

    90.

    A jurisprudência do Acórdão Grøngaard e Bang, que recaiu originariamente sobre o artigo 3.o, alínea a), da Diretiva 89/592 ( 53 ), é diretamente aplicável ao artigo 10.o, n.o 1, do MAR, pois as disposições em causa têm, no essencial, o mesmo sentido, e as considerações que impeliram o Tribunal de Justiça a adotar esta interpretação do critério respeitante ao «exercício normal de uma profissão» mantêm‑se atuais. Em especial, a transmissão de informações privilegiadas continua a ser tida como um perigo grave para o funcionamento do mercado de capitais, que pode pôr em causa a confiança dos investidores ( 54 ), razão pela qual importa restringir o número de exceções à proibição de transmissão de informação privilegiada. A importância que o legislador atribui à proteção da integridade dos mercados é inclusivamente fortalecida pelo facto de o quadro jurídico que regula esta matéria ter mais recentemente assumido a forma de regulamento, através do MAR ( 55 ).

    91.

    Sem prejuízo disso mesmo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se esta jurisprudência também se aplica no quadro do artigo 21.o do MAR (em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, do MAR), pois se a principal função da imprensa consiste precisamente em difundir informações e ideias acerca de todo e qualquer assunto de interesse público ( 56 ), certo é que o exercício da profissão de jornalista acaba por sofrer limitações por via de uma aplicação mais exigente da proibição de transmissão de informação privilegiada.

    92.

    Contudo, daqui não resulta — ao contrário do que o órgão jurisdicional de reenvio admite no âmbito da quarta questão prejudicial — que os exigentes pressupostos estabelecidos pelo Tribunal de Justiça para uma exceção à proibição de transmissão de informação privilegiada em contexto jornalístico não se apliquem logo à partida. Na realidade, o artigo 21.o do MAR apenas implica que esta jurisprudência tenha de ser aplicada em termos tais que não conduza a uma violação das liberdades de imprensa e de opinião nos meios de comunicação social.

    93.

    A este propósito, é preciso distinguir, no domínio do jornalismo financeiro, se a atividade jornalística se insere exclusivamente no círculo de interesses do público investidor ou se, além disso, toca temas de interesse político ou social geral, pois, de acordo com a jurisprudência do TEDH, no quadro de debates com relevância social ou política existe pouca margem para a restrição da liberdade de imprensa ( 57 ), ao passo que não se pode atribuir a mesma relevância a comunicações com um interesse público limitado ( 58 ).

    94.

    Assim, de acordo com estes critérios, existe uma grande necessidade de elucidação e, por conseguinte, um elevado interesse público na deteção de condutas inadequadas por parte de empresas, deteção essa que, muitas vezes, despoleta uma discussão em torno da supervisão financeira e de eventuais omissões por parte de autoridades públicas ( 59 ). É assim, designadamente, porque as empresas tendem a não publicar informações negativas acerca de si mesmas, ainda que isso possa porventura implicar o incumprimento do dever de divulgação ad hoc a que se refere o artigo 17.o, n.o 1, do MAR. Desta forma, a imprensa atua como «cão‑de‑guarda público» ( 60 ). A fim de poder exercer esta função de forma eficaz, tem de lhe ser possível processar e, se necessário for, transmitir informações privilegiadas com uma margem de manobra tendencialmente maior.

    95.

    Diversamente, as restrições à transmissão de informações privilegiadas relativamente a comunicações que interessam exclusivamente ao círculo dos investidores são, em princípio, mais fáceis de justificar. Estas informações servem apenas o interesse de informação geral do mercado. Este, atendendo aos objetivos da eficiência da informação e da transparência no mercado de capitais, deve ser considerado como um interesse público autónomo ( 61 ). Porém, este interesse já é prosseguido pelos mecanismos de publicidade consagrados pelo direito do mercado de capitais ( 62 ). Assim, por exemplo, no caso da aquisição de empresas, como sucede aqui, para além da já referida divulgação ad hoc, tem ainda lugar a publicação, pelo oferente, da oferta pública de aquisição, nos termos da Diretiva 2004/25 ( 63 ).

    96.

    Isto significa o seguinte, quanto à aplicação do artigo 21.o, em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, do MAR e à apreciação do critério respeitante à estrita necessidade da divulgação: de acordo com a jurisprudência do TEDH, mesmo no caso da verificação de um elevado interesse público na divulgação importa sempre apreciar se existiriam, em termos evidentes, vias alternativas de atuação que permitissem atingir os objetivos jornalísticos ( 64 ).

    97.

    Além disso, num caso como o presente, pode‑se apreciar, em aplicação de um critério de avaliação mais exigente, se a informação já tinha sido suficientemente verificada, segundo a perceção do jornalista. Pode‑se, em todo o caso, analisar se a verificação também era possível sem a referência à publicação iminente do artigo. Se o órgão jurisdicional de reenvio constatar que a comunicação acerca da publicação do artigo não teve lugar no âmbito da verificação da informação ( 65 ), então importa analisar se a divulgação era efetivamente necessária de outro modo para o cumprimento das tarefas jornalísticas, em especial se só assim se assegurava o fluxo informativo para artigos futuros.

    98.

    Com este pano de fundo não se afigura de excluir que o órgão jurisdicional de reenvio acabe por concluir que a comunicação acerca da publicação iminente não era estritamente necessária.

    99.

    Se assim não for, ter‑se‑á, na ponderação entre liberdade de imprensa e integridade dos mercados no âmbito da avaliação da proporcionalidade em sentido estrito, por um lado, de considerar que no seguimento da transmissão de informações privilegiadas, teve efetivamente lugar um abuso de informação privilegiada ( 66 ).

    100.

    Efetivamente, uma operação deste tipo gera prejuízos financeiros efetivos, pois os investidores que confiam no bom funcionamento do mercado e desconhecem a informação, vendem os seus títulos abaixo do seu valor real ou compram‑nos acima do mesmo, consoante o respetivo conteúdo da informação. São essencialmente os investidores especialmente atentos que sofrem prejuízo, pois reagem de forma particularmente rápida às flutuações de cotação gerados pelo abuso de informação privilegiada e que não são explicáveis de outro modo. A médio prazo existe, além disso, o risco de os investidores perderem genericamente a confiança no mercado e dele se retirem. Desta forma migram precisamente os investidores (atentos) que estão na origem de uma formação rápida e acertada dos preços. Paralelamente, verifica‑se o risco de a opinião pública em geral perder a confiança no bom funcionamento dos mercados ( 67 ), a qual, segundo o legislador, é praticamente impossível de restabelecer ( 68 ).

    101.

    Por outro lado, importa ponderar que a imprensa, por via do regime em causa ou da sua aplicação — ou seja, concretamente através da proibição de transmissão de informação privilegiada — não pode ser genericamente dissuadida de investigar certos temas e de publicar artigos sobre os mesmos ( 69 ). Neste contexto, releva a gravidade de uma eventual sanção ( 70 ).

    102.

    Porém, o nível de proteção que o jornalista merece em concreto depende se atuou em termos conformes aos seus deveres e de modo responsável ( 71 ). Assume ainda grande importância — ainda que porventura não decisiva — a circunstância de saber se atuou licitamente ( 72 ). Por conseguinte, num caso como o presente, pode relevar apurar‑se em que medida um jornalista participou (conscientemente) — paralelamente à sua própria atuação potencialmente ilícita — na prática, por outrem, de um ato ilícito, por exemplo num abuso, por terceiro, de informação privilegiada.

    103.

    O demandante no processo principal salienta, a propósito do efeito potencialmente dissuasor, para o jornalismo financeiro, do regime jurídico da informação privilegiada ( 73 ), que não violou regras deontológicas suscetíveis de proibir a comunicação acerca da publicação iminente de um artigo, nas circunstâncias concretas do caso ( 74 ). Mas, a este propósito, compete, por um lado, ao órgão jurisdicional de reenvio avaliar se daí resulta ter a conduta do demandante respeitado efetivamente a prática jornalística. Por outro lado, o cumprimento das regras deontológicas que norteiam o jornalismo não permite, pelo menos no presente caso, que se conclua, sem mais, que a divulgação da informação privilegiada foi lícita, pois as normas deontológicas que vigoram nos Estados‑Membros só em parte regulam o conflito entre a liberdade de imprensa e o regime jurídico da informação privilegiada ( 75 ), de modo que o simples acompanhamento das regras deontológicas que regulam a atividade jornalística não permite atingir o equilíbrio entre liberdade de imprensa e integridade dos mercados, almejado pelo artigo 21.o do MAR. Desta forma, acabam por ser as garantias fundamentais das liberdades de imprensa e de opinião, que não são suscetíveis de serem determinadas livremente pelo legislador ordinário ou por organizações profissionais, a fornecer o critério decisivo.

    104.

    Assim, se certa conduta, que um jornalista que se tenha orientado exclusivamente pelas regras deontológicas que regulam a sua profissão pudesse considerar lícita, constituir, ainda assim, uma violação da proibição de transmissão de informação privilegiada, pode justificar‑se, por causa da referida circunstância, que não lhe seja aplicada uma sanção ( 76 ). Também por esta via se consegue assegurar um quadro de segurança jurídica para a atividade jornalística, no domínio do mercado de capitais ( 77 ).

    c)   Conclusão intercalar

    105.

    Por todo o exposto, impõe‑se responder à segunda, terceira e quarta questões prejudiciais no sentido de que se verifica uma divulgação «para fins jornalísticos», na aceção do artigo 21.o do MAR, quando essa divulgação tem lugar em qualidade jornalística. Contudo, também neste caso, para que a transmissão seja lícita, a mesma tem de ocorrer no exercício normal da atividade ou da profissão de jornalista, na aceção do artigo 10.o, n.o 1, do MAR. Isto, por sua vez, pressupõe que a divulgação seja estritamente necessária a esse exercício normal da atividade ou da profissão de jornalista e respeite o princípio da proporcionalidade. No âmbito da avaliação da estrita necessidade e da proporcionalidade da divulgação para o exercício da atividade jornalística impõe‑se contrapor as exigências das liberdades de imprensa e de opinião nos meios de comunicação social aos riscos que a divulgação acarreta para a integridade dos mercados de capitais. No domínio da avaliação da proporcionalidade importa considerar, em especial, por um lado, o interesse público que o tema do trabalho jornalístico possa assumir, a proteção que o jornalista merece e a gravidade da sanção. Por outro lado, importa apreciar, nomeadamente, se o risco de abuso de informação privilegiada era manifesto e se se concretizou.

    VI. Conclusão

    106.

    Em conclusão, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pela Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) nos seguintes termos:

    1)

    O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/6 (Diretiva Abuso de Mercado), conjugado com o artigo 1.o, n.o 1, segunda parte, da Diretiva 2003/124/CE, deve ser interpretado no sentido de que a informação sobre a publicação iminente de um artigo de imprensa que reproduz um rumor de mercado relativo à aquisição de uma empresa, informação essa proveniente do autor desse mesmo artigo, preenche o requisito de precisão formulada pelo artigo 1.o, n.o 1, da MAD, em conjugação com o artigo 1.o, n.o 1, segunda parte, da Diretiva 2003/124, se o objeto do artigo, tal como foi publicado, for tão específico que permita retirar uma conclusão quanto aos eventuais efeitos a nível dos preços de um ou mais instrumentos financeiros. É esse o caso quando da publicação do artigo resultam indícios com base nos quais é possível avaliar a fiabilidade das informações nele contidas e quando essa publicação pode ter implicações económicas para um emitente. Podem assumir relevância a notoriedade e a reputação do jornalista que assinou o artigo, a reputação do órgão de comunicação social que o publicou e a circunstância de no artigo se indicar um valor concreto para a oferta pública de aquisição.

    Uma eventual flutuação de preços após a publicação da informação em causa pode, no sentido do segundo considerando da Diretiva 2003/124/CE, ser tomada em consideração para confirmação da suposição de que a informação ex ante é específica, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, segunda parte, da referida diretiva.

    2)

    O artigo 21.o, conjugado com o artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 596/2014, deve ser interpretado no sentido de que se verifica uma divulgação «para fins jornalísticos», na aceção do artigo 21.o do MAR, quando essa divulgação tem lugar em qualidade jornalística. Contudo, também neste caso, para que a transmissão seja lícita, a mesma tem de ocorrer no exercício normal da atividade ou da profissão de jornalista, na aceção do artigo 10.o, n.o 1, do MAR. Isto, por sua vez, pressupõe que a divulgação seja estritamente necessária a esse exercício normal da atividade ou da profissão de jornalista e respeite o princípio da proporcionalidade. No âmbito da avaliação da estrita necessidade e da proporcionalidade da divulgação para o exercício da atividade jornalística impõe‑se contrapor as exigências das liberdades de imprensa e de opinião nos meios de comunicação social aos riscos que a divulgação acarreta para a integridade dos mercados de capitais. Já no domínio da avaliação da proporcionalidade importa considerar, em especial, por um lado, o interesse público que o tema do trabalho jornalístico possa assumir, a proteção que o jornalista merece e a gravidade da sanção. Por outro lado, importa apreciar, nomeadamente, se o risco de abuso de informação privilegiada era manifesto e se se concretizou.


    ( 1 ) Língua original: alemão.

    ( 2 ) V. proposta de diretiva Abuso de Mercado apresentada pela Comissão, de 19 de novembro de 2002, COM (2002) 625 final, JO 2003, C 71 E, p. 62: «Os mercados financeiros podem ultrapassar oscilações periódicas de volatilidade, correções cíclicas ou um mau desempenho de certos títulos individuais, mas não poderão sobreviver à erosão da confiança dos investidores, decorrente de um funcionamento […] permeável a abusos».

    ( 3 ) V., em especial, Acórdãos de 10 de maio de 2007, Georgakis (C‑391/04, EU:C:2007:272, n.o 38), e de 23 de dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdonck (C‑45/08, EU:C:2009:806, n.os 47 e 48).

    ( 4 ) V. artigo 17.o do Regulamento (UE) n.o 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo ao abuso de mercado (Regulamento Abuso de Mercado) e que revoga a Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e as Diretivas 2003/124/CE, 2003/125/CE e 2004/72/CE da Comissão (JO 2014, L 173, p. 1).

    ( 5 ) V. artigo 14.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 596/2014.

    ( 6 ) V. artigo 14.o, alínea c), do Regulamento n.o 596/2014.

    ( 7 ) JO 2003, L 96, p. 16.

    ( 8 ) JO 2003, L 339, p. 7.

    ( 9 ) Acórdão de 22 de novembro de 2005, Grøngaard e Bang (C‑384/02, EU:C:2005:708).

    ( 10 ) A proibição de transmissão de informação privilegiada resulta atualmente do artigo 10.o, n.o 1, em conjugação com o artigo 14.o, alínea c), ambos do MAR.

    ( 11 ) Corresponde ao artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do MAR.

    ( 12 ) Acórdão de 28 de junho de 2012, Geltl (C‑19/11, EU:C:2012:397, n.o 25).

    ( 13 ) Doravante utilizarei este conceito para me referir ao segundo critério da precisão, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/124, assumindo que é apenas este que está em causa para o órgão jurisdicional de reenvio.

    ( 14 ) Acórdão de 23 de dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdonck (C‑45/08, EU:C:2009:806, n.o 52).

    ( 15 ) V. n.o 36 das presentes conclusões.

    ( 16 ) Acórdão de 11 de março de 2015, Lafonta (C‑628/13, EU:C:2015:162, n.o 28).

    ( 17 ) V., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2015, Lafonta (C‑628/13, EU:C:2015:162, n.o 31).

    ( 18 ) Neste sentido, Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral M. Wathelet no processo Lafonta (C‑628/13, EU:C:2014:2472, n.o 37).

    ( 19 ) V. passagem «[…] impacto previsível […] à luz do conjunto das atividades do emitente […]».

    ( 20 ) Acórdão de 11 de março de 2015, Lafonta (C‑628/13, EU:C:2015:162, n.o 31).

    ( 21 ) CESR, Market Abuse Directive Level 3 — second set of CESR guidance on the common operation of the Directive of the Market, CESR/06‑562b, n.o 1.5. Neste sentido, v. também CESR’s Advice on Level 2 Implementing Measures for the proposed Market Abuse Directive, CESR/02‑089d, n.o 20, primeiro travessão.

    ( 22 ) Uma vez que a especificidade, enquanto segundo elemento da precisão, constitui um pressuposto necessário da informação privilegiada, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da MAD.

    ( 23 ) V., por exemplo, Van Bommel, ‘Rumors’, The Journal of Finance, vol. 58, n.o 4 (2003), p. 1499.

    ( 24 ) V., a este propósito, Acórdão de 23 de dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdonck (C‑45/08, EU:C:2009:806, n.os 47 a 49).

    ( 25 ) V., quanto ao objetivo de reforço da segurança jurídica na definição da informação privilegiada, o terceiro considerando da Diretiva 2003/124.

    ( 26 ) V., a este propósito, também Acórdão de 22 de novembro de 2005, Grøngaard e Bang (C‑384/02, EU:C:2005:708, n.os 37 e 38). Neste sentido, v. também CESR, Market Abuse Directive Level 3 — second set of CESR guidance on the common operation of the Directive of the Market, CESR/06‑562b, n.o 1.8.

    ( 27 ) V., quanto a uma análise empírica da relevância destes fatores, Ahern/Sosyura, ‘Rumor Has It — Sensationalism in Financial Media’, The Review of Financial Studies, vol. 28, n.o 7 (2015), pp. 2050 e segs.

    ( 28 ) V., por exemplo, as leis de imprensa dos Länder alemães, que preveem, todas elas, um dever de verdade. De resto, o dever de comunicar em termos rigorosos e conformes à verdade constitui justamente um pressuposto para que os jornalistas, no âmbito do artigo 10.o da CEDH, sejam considerados como merecedores de especial proteção — v., por exemplo, Acórdão do TEDH de 7 de fevereiro de 2012, Axel Springer AG/Alemanha (CE:ECHR:2012:0207JUD003995408, n.o 93).

    ( 29 ) V., igualmente, Ahern/Sosyura, nota 27.

    ( 30 ) A este propósito, importa recordar que a bitola para a apreciação da influência sobre o preço é o investidor razoável (v., a este propósito, a nota 41 destas Conclusões); por outras palavras, pode verificar‑se uma flutuação de preços mesmo no caso de uma informação com influência sobre os mesmos de sentido diverso daquele a que se refere o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2003/124, por exemplo no caso em que essa flutuação de preços deriva de uma reação inesperada do mercado.

    ( 31 ) V. Acórdão de 23 de dezembro de 2009, Spector Photo e Van Raemdonck (C‑45/08, EU:C:2009:806, n.o 52).

    ( 32 ) No Acórdão de 28 de junho de 2012, Geltl (C‑19/11, EU:C:2012:397, n.o 48), o Tribunal de Justiça focou‑se na segurança jurídica do emitente, a qual, porém, acaba por não assumir relevância a propósito de rumores que digam respeito ao emitente, já que este não tem o dever de os divulgar.

    ( 33 ) Acórdão de 22 de novembro de 2005, Grøngaard e Bang (C‑384/02, EU:C:2005:708, 34).

    ( 34 ) V. artigo 49.o, n.o 1, terceira frase, da Carta. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a violação da proibição de transmissão de informação privilegiada assume, na ordem jurídica francesa, natureza penal. Acresce que o Tribunal de Justiça já decidiu que as sanções administrativas, no âmbito do direito em matéria de abuso de mercado, podem assumir natureza penal, pelo que pode, assim, justificar‑se a aplicação, nomeadamente, do artigo 48.o da Carta — v. Acórdão de 2 de fevereiro de 2021, Consob (C‑481/19, EU:C:2021:84, n.os 42 e 43).

    ( 35 ) V., também, quadragésimo quarto considerando da MAD.

    ( 36 ) V., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer (C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.o 52), e de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o. (C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923, n.o 46).

    ( 37 ) V., a este propósito, n.o 62 das presentes conclusões.

    ( 38 ) Se, por outro lado, no caso de uma interpretação restritiva, os referidos direitos fundamentais fossem tidos em conta no contexto da análise ao exercício normal da profissão de jornalista, na aceção do artigo 10.o, n.o 1, do MAR, então o artigo 21.o do MAR ou a sua interpretação restritiva não teriam, de novo, qualquer relevância prática.

    ( 39 ) V., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2007, Georgakis (C‑391/04, EU:C:2007:272, n.o 39), segundo o qual não se verifica abuso de informação privilegiada quando não existe desequilíbrio informativo entre os vários membros do grupo. O caso poderá ser diferente se a informação for publicada num meio de comunicação social de muito reduzida circulação.

    ( 40 ) As garantias concedidas pelo artigo 10.o da CEDH correspondem, na aceção do artigo 52.o, n.o 3, da CEDH, no que respeita às liberdades de opinião e de imprensa, às que vêm consagradas no artigo 11.o da Carta — cf. Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, pp. 21 e 33), bem como Acórdãos de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o. (C‑547/14, EU:C:2016:325, n.o 147), e de 14 de fevereiro de 2019, Buivids (C‑345/17, EU:C:2019:122, n.o 65). Segundo as anotações relativas ao artigo 52.o, n.o 3, da Carta (JO 2007, C 303, p. 33), o sentido dos direitos igualmente garantidos pela CEDH é determinado não apenas pelo texto da CEDH, mas também, designadamente, pela jurisprudência do TEDH — cf. Acórdão de 30 de junho de 2016, Toma e Biroul Executorului Judecătoresc Horațiu‑Vasile Cruduleci (C‑205/15, EU:C:2016:499, n.o 41).

    ( 41 ) V. Acórdãos do TEDH de 7 de fevereiro de 2012, Axel Springer/Alemanha (CE:ECHR:2012:0207JUD003995408, n.o 79), e de 8 de novembro de 2016, Magyar Helsinki Bizottság/Hungria (CE:ECHR:2016:1108JUD001803011, n.o 168); cf., também, Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Satakunnan Markkinapörssi e Satamedia (C‑73/07, EU:C:2008:727, n.o 61).

    ( 42 ) Acórdão do TEDH de 25 de abril de 2006, Dammann/Suíça (CE:ECHR:2006:0425JUD007755101, n.o 52).

    ( 43 ) Quanto à proteção das fontes, cf., a título de exemplo, Acórdãos do TEDH de 27 de março de 1996, Goodwin/Reino Unido (CE:ECHR:1996:0327JUD00174889), e de 5 de outubro de 2017, Becker/Noruega (CE:ECHR:2017:1005JUD002127212).

    ( 44 ) Acórdão do TEDH de 25 de abril de 2006, Dammann/Suíça (CE:ECHR:2006:0425JUD007755101, n.o 28).

    ( 45 ) Em «consequência de uma atuação como jornalista» — cf. Acórdãos do TEDH de 20 de outubro de 2015, Pentikäinen/Finlândia (CE:ECHR:2015:1020JUD001188210, n.o 35), e de 5 de janeiro de 2016, Erdtmann/Alemanha (CE:ECHR:2016:0105DEC005632810, n.o 16).

    ( 46 ) V., a este propósito, já de seguida, n.o 85 e segs. das presentes conclusões.

    ( 47 ) V., a este propósito, já de seguida, n.os 89 e segs. das presentes conclusões.

    ( 48 ) V., a este propósito, n.o 79 das presentes conclusões.

    ( 49 ) V., em especial, n.o 80 das presentes conclusões.

    ( 50 ) V. Acórdão de 2 de fevereiro de 2021, Consob (C‑481/19, EU:C:2021:84, n.o 42).

    ( 51 ) V. considerando 27 da Diretiva 2014/57/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa às sanções penais aplicáveis ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado).

    ( 52 ) V., a este propósito, supra, n.o 62 das presentes conclusões.

    ( 53 ) Diretiva 89/592/CEE do Conselho, de 13 de novembro de 1989, relativa à coordenação das regulamentações respeitantes às operações de iniciados (JO 1989, L 334, p. 30).

    ( 54 ) Neste sentido, a argumentação expendida no Acórdão de 22 de novembro de 2005, Grøngaard e Bang (C‑384/02, EU:C:2005:708, n.o 33). V., a este propósito, segundo e quinto considerandos da Diretiva 89/592, por um lado, e segundo e vigésimo terceiro considerandos do MAR, por outro lado.

    ( 55 ) V., também neste sentido, o quarto considerando do MAR. Acresce ainda o facto de a Diretiva 2014/57/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa às sanções penais aplicáveis ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (JO 2014, L 173, p. 179), em especial através do seu artigo 4.o, exigir que os Estados‑Membros tomem as medidas necessárias para assegurar que certos casos de transmissão ilícita de informação privilegiada constituem infração penal.

    ( 56 ) V., a este propósito, supra, n.o 76 e nota 41 das presentes conclusões.

    ( 57 ) Acórdãos do TEDH de 7 de junho de 2007, Dupuis e o./França (CE:ECHR:2007:0607JUD000191402, n.o 40), de 10 de dezembro de 2007, Stoll/Suíça (CE:ECHR:2007:1210JUD006969801, n.o 117 e segs.), e de 29 de março de 2016, Bédat/Suíça (CE:ECHR:2016:0329JUD005692508, n.o 49).

    ( 58 ) V., neste sentido, Acórdão do TEDH de 23 de junho de 2016, Brambilla/Itália (CE:ECHR:2016:0623JUD002256709, n.o 59).

    ( 59 ) Cite‑se, como exemplo notório, o caso do artigo «Is Enron Overpriced?», de Bethany McLean (Fortune, 5 de março de 2001), que contribuiu para a deteção de um dos maiores escândalos empresariais nos Estados Unidos da América. Outro exemplo é o das investigações realizadas por Renate Daum, que revelaram na Alemanha o escândalo do balanço da ComRoad («Außer Kontrolle. Wie ComRoad & Co. durch das Finanzsystem in Deutschland schlüpfen», 2003). De resto, foram jornalistas do Financial Times que logo em 2015 começaram a suscitar dúvidas acerca da integridade das demonstrações financeiras da Wirecard AG (Dan McCrum, «The House of Wirecard», Financial Times, 27 de abril de 2015).

    ( 60 ) V., neste sentido, mais recentemente, Acórdão do TEDH de 20 de maio de 2021, Amaghlobeli e o./Geórgia (CE:ECHR:2021:0520JUD004119211, n.o 36).

    ( 61 ) V., a este propósito, n.o 1 das presentes conclusões.

    ( 62 ) Sendo, porém, certo que a imprensa pode, também neste domínio, exercer uma função importante, mormente quando estes mecanismos ameaçam falhar ou quando faltem informações — v., a este propósito, n.o 94 das presentes conclusões.

    ( 63 ) V. artigo 6.o da Diretiva 2004/25/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa às ofertas públicas de aquisição (JO 2004, L 142, p. 12).

    ( 64 ) Neste sentido, o TEDH avalia, nomeadamente, se as informações pretendidas também podiam ter sido obtidas por via legal — cf., por exemplo, Acórdãos do TEDH de 20 de maio de 2021, Amaghlobeli e o./Geórgia (CE:ECHR:2021:0520JUD004119211, n.o 39), e de 25 de abril de 2006, Dammann/Suíça (CE:ECHR:2006:0425JUD007755101, n.os 53 e 56). Cf., também, o acórdão de 20 de outubro de 2015, Pentikäinen/Finlândia (CE:ECHR:2015:1020JUD001188210, n.o 101), no qual o TEDH analisou se o demandante também poderia ter feito a sua cobertura se tivesse seguido a ordem da polícia.

    ( 65 ) V., quanto aos vários cenários, n.os 76 e 80 das presentes conclusões.

    ( 66 ) V., quanto à relevância da efetiva verificação de uma violação de direitos de terceiros ou dos bens jurídicos em causa, Acórdão do TEDH de 1 de julho de 2014, A.B./Suíça (CE:ECHR:2014:0701JUD005692508, n.o 55), com remissão para o Acórdão de 7 de junho de 2007, Dupuis e o./França (CE:ECHR:2007:0607JUD000191402). V., também, Acórdão de 10 de dezembro de 2007, Stoll/Suíça (CE:ECHR:2007:1210JUD006969801, n.o 130).

    ( 67 ) V., a este propósito, segundo considerando e artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do MAR. V., também, n.o 1 das presentes conclusões.

    ( 68 ) V., por exemplo, a proposta de MAD apresentada pela Comissão, de 19 de novembro de 2002, COM (2002) 625 final (JO 2003, C 71 E, p. 62).

    ( 69 ) Acórdãos do TEDH de 25 de abril de 2006, Dammann/Suíça (CE:ECHR:2006:0425JUD007755101, n.o 57), e de 10 de dezembro de 2007, Stoll/Suíça (CE:ECHR:2007:1210JUD006969801, n.o 154).

    ( 70 ) Assim, por exemplo, o TEDH considerou que uma sanção pecuniária no valor de 800,00 francos suíços é relativamente reduzida — v. Acórdão do TEDH de 10 de dezembro de 2007, Stoll/Suíça (CE:ECHR:2007:1210JUD006969801, n.o 157).

    ( 71 ) V., quanto à figura argumentativa do «jornalismo responsável», Acórdãos do TEDH de 25 de abril de 2006, Dammann/Suíça (CE:ECHR:2006:0425JUD007755101, n.o 55), de 7 de junho de 2007, Dupuis e o./França (CE:ECHR:2007:0607JUD000191402, n.o 43), e de 20 de outubro de 2015, Pentikäinen/Finlândia (CE:ECHR:2015:1020JUD001188210, n.o 90).

    ( 72 ) Acórdãos do TEDH de 20 de outubro de 2015, Pentikäinen/Finlândia (CE:ECHR:2015:1020JUD001188210, n.o 90), e de 5 de janeiro de 2016, Erdtmann/Alemanha (CE:ECHR:2016:0105DEC005632810, n.o 20).

    ( 73 ) V., a este propósito, por exemplo, Acórdãos do TEDH de 22 de novembro de 2007, Voskuil/Países Baixos (CE:ECHR:2007:1122JUD006475201, n.o 65), de 14 de setembro de 2010, Sanoma Uitgevers B.V./Países Baixos (CE:ECHR:2010:0914JUD003822403, n.o 59), e de 25 de outubro de 2011, Altuğ Taner Akçam/Turquia (CE:ECHR:2011:1025JUD002752007, n.o 75).

    ( 74 ) Quanto à relevância das regras deontológicas neste contexto, cf. Acórdão do TEDH de 10 de dezembro de 2007, Stoll/Suíça (CE:ECHR:2007:1210JUD006969801, n.o 145 e segs.).

    ( 75 ) Assim, por exemplo, a clause 13 do IPSO Editors’ Code of Practice, que se refere ao jornalismo financeiro, só abrange os casos em que a informação privilegiada tem um impacto financeiro direto na esfera do jornalista. Os princípios deontológicos relevantes, do conselho alemão de imprensa, que regulam a divulgação de informações em matéria económica e sobre os mercados financeiros, limitam‑se a prever, no ponto II.1.a), que as informações privilegiadas não podem, «em regra», ser divulgadas.

    ( 76 ) O MAR não impõe a aplicação de penas ou de sanções administrativas, sendo que também prevê a possibilidade, por exemplo, de prolação de decisões inibitórias — cf. o artigo 30.o, n.o 2, alínea a), do MAR.

    ( 77 ) V. Acórdão do TEDH de 24 de fevereiro de 2015, Haldimann e o./Suíça (CE:ECHR:2015:0224JUD002183009, n.o 61), segundo o qual se deve tomar em conta o facto de os jornalistas terem atuado de boa‑fé, à luz das regras deontológicas a que se encontravam sujeitos.

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