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Document 62020CC0159

Conclusões da advogada-geral Ćapeta apresentadas em 17 de março de 2022.
Comissão Europeia contra Reino da Dinamarca.
Incumprimento de Estado — Regulamento (UE) n.o 1151/2012 — Regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios — Artigo 13.o — Utilização da denominação de origem protegida (DOP) “Feta” para designar queijo produzido na Dinamarca e destinado à exportação para países terceiros — Artigo 4.o, n.o 3, TUE — Princípio da cooperação leal.
Processo C-159/20.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:198

 CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

TAMARA ĆAPETA

apresentadas em 17 de março de 2022 ( 1 )

Processo C‑159/20

Comissão Europeia

contra

Reino da Dinamarca

«Incumprimento de Estado — Proteção das denominações de origem e das indicações geográficas de produtos agrícolas e de géneros alimentícios — Regulamento (UE) n.o 1151/2012 — Artigos 1.o, n.o 1, 4.o e 13.o — Utilização da denominação de origem protegida (DOP) “Feta” para queijo produzido na Dinamarca, mas destinado à exportação para países terceiros — Artigo 4.o, n.o 3, TUE — Princípio da cooperação leal»

I. Introdução

1.

É outro processo «Feta». É assim que o caso em apreço pode ser apresentado aos estudantes de direito da União da Europeia, dado que é, pelo menos, a quarta temporada daquilo que a que se tem apelidado de saga do «Feta» ( 2 ).

2.

No presente caso, através de uma ação intentada ao abrigo do artigo 258.o TFUE, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que o Reino da Dinamarca, por não ter impedido ou por não ter posto termo à utilização da denominação «Feta» para o queijo produzido na Dinamarca destinado à exportação para países terceiros, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012 ( 3 ). A Comissão alega ainda que o Reino da Dinamarca violou os seus deveres de cooperação leal decorrentes do n.o 3 do artigo 4.o TUE, quer considerado isoladamente quer conjugado com os artigos 1.o, n.o 1, e 4.o do Regulamento n.o 1151/2012.

3.

O «Feta» é um tipo de queijo tradicionalmente produzido, em determinadas partes do território grego, a partir de leite de ovelha ou de leite de ovelha e de cabra. Para aqueles que desejam saber mais sobre o queijo «Feta», remeto para a descrição poética feita pelo advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer, já que eu própria não encontro melhores palavras para o descrever ( 4 ). Muito importante para efeitos do presente processo é o facto de a denominação «Feta» estar registada, desde 2002, como denominação de origem protegida («DOP») ao abrigo do direito da União ( 5 ).

4.

A União tem vindo a regulamentar a proteção de produtos com base na respetiva origem geográfica no que se refere a produtos agrícolas e géneros alimentícios ( 6 ), bem como a vinhos ( 7 ), a bebidas espirituosas ( 8 ) e a produtos vitivinícolas aromatizados ( 9 ). A proteção de produtos agrícolas e de géneros alimentícios, assim como de vinhos baseia‑se nos conceitos de DOP e de indicação geográfica protegida («IGP»), ao passo que o conceito de indicação geográfica («IG») tem sido utilizado em relação a bebidas espirituosas e a produtos vitivinícolas aromatizados. O conceito de DOP expressa uma ligação especial entre a qualidade do produto e uma determinada área geográfica, mais forte do que uma IGP, uma vez que todas as fases de produção e componentes relevantes devem ter lugar na e ser originários da área geográfica delimitada ( 10 ). Para além da DOP «Feta» na Grécia, são também exemplos de DOP o «Parmigiano Reggiano» em Itália, o «Champagne» em França e o «Paški sir» na Croácia, para citar apenas alguns.

5.

O registo da denominação «Feta» como DOP só surgiu após uma série de processos em cujo âmbito vários Estados‑Membros manifestaram a sua oposição. Mas, na verdade, a saga do «Feta» começou ainda antes. O primeiro processo dizia respeito a um pedido de decisão prejudicial relativo à compatibilidade com as regras da União em matéria de livre circulação das medidas gregas adotadas que impediam a comercialização, na Grécia, do queijo proveniente da Dinamarca com a denominação «Feta». Contudo, o pedido de decisão prejudicial foi retirado antes de o Tribunal de Justiça proferir uma decisão ( 11 ). No segundo processo estava em causa um recurso de anulação contra o regulamento da Comissão que registou a denominação «Feta» enquanto DOP em 1996 ( 12 ), interposto pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha e pela República Francesa. No seu acórdão ( 13 ), o Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso e anulou este regulamento por considerar que a Comissão não tomou devidamente em consideração todos os fatores necessários para apreciar a questão de saber se uma denominação passou a ter caráter genérico ( 14 ). No entanto, no terceiro processo, o Tribunal de Justiça negou provimento aos recursos de anulação interpostos pela República Federal da Alemanha e pelo Reino da Dinamarca contra o Regulamento n.o 1829/2002, através do qual, na sequência de um reexame, a Comissão registou novamente a denominação «Feta» como DOP ( 15 ).

6.

Com base no Regulamento n.o 1151/2012, o registo da denominação «Feta» enquanto DOP significa que esta só pode ser utilizada para queijo originário de uma área geográfica específica na Grécia e produzido em conformidade com o caderno de especificações previsto no Regulamento n.o 1829/2002.

7.

O artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012 obriga os Estados‑Membros a tomarem as medidas necessárias para prevenir ou impedir a utilização ilegal das DOP registadas no seu território. A Comissão, apoiada pela República Helénica e pela República de Chipre, alega que o Reino da Dinamarca violou esta obrigação ao não ter impedido ou ao não ter posto termo à utilização da denominação «Feta» para queijo produzido na Dinamarca e destinado à exportação para países terceiros.

8.

O Reino da Dinamarca não nega que não preveniu nem impediu os produtores estabelecidos no seu território de utilizarem a denominação «Feta» se os seus produtos se destinarem a ser exportados para países terceiros. Contudo, o Reino da Dinamarca considera que o Regulamento n.o 1151/2012 só se aplica a produtos vendidos na União, e não abrange a exportação para países terceiros. Por conseguinte, em seu entender, a utilização da denominação «Feta» para queijo produzido na Dinamarca, mas destinado apenas à exportação para os mercados de países terceiros onde a denominação «Feta» não está protegida com base num acordo internacional, não constitui uma violação do Regulamento n.o 1151/2012. Deste modo, a não prevenção ou o não impedimento da utilização da denominação «Feta» para queijo exportado não viola a obrigação prevista no artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012, uma vez que esta disposição não dá origem a uma obrigação neste sentido.

9.

Em substância, o litígio principal que opõe as partes no presente processo tem por objeto a questão de saber se a legislação pertinente da União impede a utilização da denominação «Feta» para produtos exportados para países terceiros cuja produção não obedece ao caderno de especificações do produto «Feta» enquanto DOP registada.

10.

Para ser clara, o litígio não tem por objeto as competências da União. O Reino da Dinamarca não alega que a União não é competente para legislar no sentido de proibir a utilização da denominação «Feta» para produtos exportados. O Reino da Dinamarca alega apenas que, nos termos da legislação em vigor, o legislador da União não optou por proibir essa utilização.

11.

Consequentemente, o presente processo exige que o Tribunal de Justiça interprete o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1151/2012. Pressupõe‑se, para tal, que se compreendam o objetivo e da razão subjacentes à proteção das indicações geográficas, mais precisamente das DOP, em conformidade com a vontade do legislador da União. O presente processo suscita igualmente algumas questões importantes relativamente ao princípio da cooperação leal, consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, no contexto de ações por incumprimento intentadas contra os Estados‑Membros.

II. Quadro jurídico

12.

Para se pronunciar sobre o caso em apreço, o Tribunal de Justiça tem de interpretar o Regulamento n.o 1151/2012. O seu artigo 1.o, sob a epígrafe «Objetivos», que consta do seu Título I («Disposições Gerais») prevê:

«1.   O presente regulamento destina‑se a ajudar os produtores de produtos agrícolas e de géneros alimentícios a comunicar aos compradores e consumidores as características e os atributos ligados ao modo de obtenção desses produtos e géneros alimentícios, garantindo assim:

a)

Condições de concorrência leal para os agricultores e produtores de produtos agrícolas e de géneros alimentícios com características e atributos que ofereçam uma mais‑valia;

b)

A disponibilização aos consumidores de informações fiáveis sobre esses produtos;

c)

O respeito pelos direitos de propriedade intelectual; e

d)

A integridade do mercado interno.

As medidas previstas no presente regulamento destinam‑se a apoiar as atividades agrícolas e de transformação e os sistemas agrícolas associados a produtos de elevada qualidade, contribuindo desta forma para a realização dos objetivos da política de desenvolvimento rural.

[…]»

13.

O artigo 4.o do Regulamento n.o 1151/2012, sob a epígrafe «Objetivo», que faz parte do Título II deste regulamento («Denominações de Origem Protegidas e Indicações Geográficas Protegidas»), prevê:

«É estabelecido um regime de denominações de origem protegidas e indicações geográficas protegidas, a fim de ajudar os produtores de produtos ligados a uma área geográfica, mediante:

a)

A garantia de uma remuneração justa que corresponda às qualidades dos seus produtos;

b)

A garantia de uma proteção uniforme das denominações como direito de propriedade intelectual no território da União;

c)

A comunicação aos consumidores de informações claras sobre os atributos do produto que lhe conferem uma mais‑valia.»

14.

O artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012, na versão aplicável à data dos factos ( 16 ), sob a epígrafe «Proteção», que também se insere no Título II do mesmo regulamento, enuncia:

«1.   As denominações registadas são protegidas contra:

a)

Qualquer utilização comercial direta ou indireta de uma denominação registada para produtos não abrangidos pelo registo, quando esses produtos forem comparáveis aos produtos registados com essa denominação, ou quando tal utilização explorar a reputação da denominação protegida, inclusive se os produtos forem utilizados como ingredientes;

b)

Qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação, ainda que a verdadeira origem dos produtos ou serviços seja indicada, ou que a denominação protegida seja traduzida ou acompanhada por termos como ‘género’, ‘tipo’, ‘método’, ‘estilo’ ou ‘imitação’, ou similares, inclusive se os produtos forem utilizados como ingredientes;

c)

Qualquer outra indicação falsa ou falaciosa quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades essenciais do produto, que conste do acondicionamento ou da embalagem, da publicidade ou dos documentos relativos ao produto em causa, bem como contra o acondicionamento do produto em recipientes suscetíveis de dar uma impressão errada sobre a origem do produto;

d)

Qualquer outra prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto.

Sempre que uma denominação de origem protegida ou uma indicação geográfica protegida contenha a denominação de um produto considerada genérica, a utilização dessa denominação genérica não pode ser considerada contrária ao primeiro parágrafo, alíneas a) ou b).

2.   As denominações de origem protegidas e as indicações geográficas protegidas não se tornam genéricas.

3.   Os Estados‑Membros tomam as disposições administrativas e judiciais adequadas para prevenir ou impedir a utilização ilegal das denominações de origem protegidas e das indicações geográficas protegidas a que se refere o n.o 1, produzidas ou comercializadas no seu território.

[…]»

III. Procedimento pré‑contencioso

15.

Na sequência de queixas apresentadas pelas autoridades gregas, a Comissão enviou ao Reino da Dinamarca, em 26 de janeiro de 2018, uma carta de notificação para cumprir, ao abrigo do artigo 258.o TFUE, na qual considerou que, por não ter impedido ou por não ter posto termo à exportação de queijo com a denominação «Feta» pelos produtores dinamarqueses para países terceiros, não obstante esse queijo não obedecer ao caderno de especificações do produto «Feta» constante do Regulamento n.o 1829/2002, este Estado‑Membro violou o direito da União, nomeadamente o artigo 4.o TUE e o artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012.

16.

Em 21 de março de 2018, o Reino da Dinamarca respondeu à carta de notificação para cumprir e contestou os argumentos apresentados pela Comissão.

17.

Em 25 de janeiro de 2019, a Comissão enviou um parecer fundamentado ao Reino da Dinamarca, solicitando a este Estado‑Membro que pusesse termo às alegadas violações do artigo 4.o, n.o 3, TUE e do artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012 num prazo de dois meses a contar da receção desse parecer fundamentado.

18.

Em 22 de março de 2019, o Reino da Dinamarca respondeu ao parecer fundamentado e manteve a sua posição de que as violações que lhe eram imputadas eram infundadas.

IV. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

19.

Por petição apresentada em 8 de abril de 2020, a Comissão intentou a presente ação no Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 258.o TFUE. A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

declarar que o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012, por não ter impedido ou por não ter posto termo à utilização, pelos produtores dinamarqueses, da denominação registada «Feta» para queijo que não é produzido em conformidade com o caderno de especificações constante do Regulamento n.o 1829/2002;

declarar que, ao ter permitido que produtores dinamarqueses produzam e vendam imitações de «Feta», o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 3, TUE, conjugado com o artigo 1.o, n.o 1, e o artigo 4.o do Regulamento n.o 1151/2012; e

condenar o Reino da Dinamarca nas despesas do processo.

20.

Na sua contestação apresentada em 6 de outubro de 2020, o Reino da Dinamarca pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

julgar a presente ação integralmente improcedente por ser desprovida de fundamento; e

condenar a Comissão no pagamento das despesas do processo.

21.

A Comissão e o Reino da Dinamarca apresentaram também, respetivamente, uma réplica e a uma tréplica em 1 de dezembro de 2020 e em 29 de janeiro de 2021.

22.

Por Despachos de 8 e de 18 de setembro de 2020, o presidente do Tribunal de Justiça autorizou a República Helénica e a República de Chipre a intervirem no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

23.

Não foi solicitada nem se realizou nenhuma audiência. O Tribunal de Justiça enviou determinadas perguntas à Comissão, ao Reino da Dinamarca, à República Helénica e à República de Chipre para resposta escrita, nos termos do artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Estas partes apresentaram todas dentro do prazo concedido as respostas escritas às perguntas que lhes foram dirigidas.

V. Análise

A.   Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012

24.

Cumpre, antes de mais, referir que o Regulamento n.o 1151/2012 não contém uma disposição que indique expressamente que este regulamento se aplica às exportações para países terceiros. Por conseguinte, não é evidente saber se este regulamento pode ou não ser interpretado no sentido de que é aplicável a essas exportações. Considerado isoladamente e sem prejuízo da minha análise que se segue, tanto a posição adotada pela Comissão como a posição adotada pelo Reino da Dinamarca em relação a este assunto me parecem razoáveis. É assim possível interpretar o artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012 de duas formas.

25.

Os dois entendimentos divergentes do Regulamento n.o 1151/2012 parecem ter origem em diferentes quadros interpretativos.

1. Quadros interpretativos

26.

Posso descrever o ponto de vista Comissão como um ponto de vista que salienta a importância da proteção da propriedade intelectual e que apreende as DOP como sendo necessárias para promover valores das comunidades locais. Referir‑me‑ei a este ponto de vista como o do quadro interpretativo da propriedade intelectual.

27.

Ao invés, o Reino da Dinamarca baseia o seu entendimento do Regulamento n.o 1151/2012 na perspetiva da liberalização do comércio. Na minha opinião, este quadro interpretativo baseia‑se na lógica de que o comércio é, em princípio, positivo e não deve, por isso, ser impedido. Os obstáculos ao comércio podem ser permitidos, mas devem ser entendidos como uma exceção, e não como a regra. Referir‑me‑ei a este ponto de vista como o do quadro interpretativo da liberalização do comércio.

28.

A posição dinamarquesa não surpreende. É necessário ter em conta que, na Dinamarca, a produção e a exportação de queijo sob a denominação «Feta» existem desde a década de 1960 ( 17 ). Esta situação antecedeu o registo do «Feta» como DOP em 2002. Ao que parece, terá inclusivamente havido um incentivo à exportação de queijo sob a denominação «Feta» como resultado das restituições à exportação da União ( 18 ). Ao contrário do «Feta» que é hoje protegido como DOP, o queijo «Feta dinamarquês» é produzido a partir de leite de vaca de acordo com métodos de produção diferentes. Os produtores dinamarqueses competem, com outros produtores daquilo a que chamarei de «Feta falso», com produtores de «Feta» genuíno em mercados de países terceiros nos quais a denominação «Feta» não é protegida.

29.

As duas diferentes perspetivas interpretativas dão origem a diversos argumentos avançados neste processo pela Comissão e pelo Reino da Dinamarca e conduzem a uma divergência quanto àquilo que está verdadeiramente em causa neste processo.

30.

Para o Reino da Dinamarca, este litígio diz respeito à intenção do legislador da União que, segundo este Estado‑Membro, não pretendia, quando adotou o Regulamento n.o 1151/2012, impedir as exportações de «Feta falso» para países terceiros. Por conseguinte, este regulamento não pode ser interpretado no sentido de que proíbe os produtores dinamarqueses (ou outros) de «Feta falso» de competirem nos mercados internacionais disponíveis (aqueles nos quais o queijo «Feta» não é protegido). Por esta razão, o Reino da Dinamarca considera que não tem obrigação de impedir tais exportações.

31.

Para a Comissão, apoiada pela República Helénica e pela República de Chipre na qualidade de intervenientes, o presente litígio diz respeito à utilização ilegal da denominação «Feta» pelos produtores dinamarqueses. Em sua opinião, o destino do produto é irrelevante para provar a violação alegada.

32.

As partes apresentam os habituais tipos de argumentos para justificarem as suas posições, baseando‑se na redação, no contexto, nos objetivos e na génese da legislação em causa, à luz da abordagem adotada na jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 19 ). Demonstrarei que, se forem tomados em consideração no âmbito dos respetivos quadros interpretativos, estes argumentos parecem convincentes, ou pelo menos, em larga medida convincentes, para cada lado. Assim sucede porque as partes selecionam os argumentos que melhor se adequam aos respetivos quadros interpretativos.

33.

Consequentemente, na minha opinião, aquilo que o Tribunal de Justiça tem de fazer no caso em apreço não é ponderar e escolher entre argumentos, mas sim escolher entre os dois quadros interpretativos. O quadro interpretativo que, na opinião do Tribunal de Justiça, melhor se enquadrar ( 20 ) na política subjacente à proteção das denominações de origem é o quadro cujos argumentos devem prevalecer.

34.

Uma vez que são utilizados no âmbito dos diferentes quadros interpretativos, os argumentos apresentados pelas partes nem sempre «dialogam» uns com os outros. No entanto, por vezes, as partes também apresentam argumentos que se inserem no âmbito do quadro interpretativo utilizado pelo outro lado. Na secção que se segue, apresentarei um resumo dos argumentos mais pertinentes avançados pelas partes, ordenando‑os nas categorias tradicionais relativas à redação, ao contexto, aos objetivos e à génese legislativa, bem como à jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 21 ). Em seguida, pronunciar‑me‑ei sobre a perspetiva à qual em meu entender o Tribunal de Justiça deve dar primazia e explicarei as respetivas razões.

35.

Alerto desde já, em género de spoiler alert, que a minha preferência vai para o quadro interpretativo defendido pela Comissão e pelas intervenientes. Por conseguinte, proporei ao Tribunal de Justiça que julgue procedente o pedido da Comissão e declare que o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012.

2. Sistematização e apreciação dos argumentos das partes

a) Argumentos relacionados com a redação

36.

A Comissão baseia‑se na redação do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012, que prevê a proteção das denominações registadas contra «qualquer» utilização direta ou indireta ( 22 ). A Comissão baseia‑se igualmente na redação do artigo 13.o, n.o 3, do mesmo regulamento, que indica que as obrigações dos Estados‑Membros surgem quando a denominação registada é utilizada para produtos «produzidos ou comercializados no seu território» ( 23 ). Estas disposições indicam claramente, no entender da Comissão, que os Estados‑Membros devem garantir uma proteção contra a utilização de denominações registadas enquanto DOP em dois tipos de situações: em primeiro lugar, quando os produtos que utilizam estas denominações são produzidos no seu território ou, em segundo lugar, quando os produtos provenientes de outros Estados‑Membros ou de países terceiros que utilizam ilegalmente a denominação registada são comercializadas no seu território.

37.

O Reino da Dinamarca não considera que o artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012 seja assim tão claro como a Comissão defende. O Reino da Dinamarca alega que o facto de esta disposição dizer respeito a produtos «produzidos ou comercializados no seu território» não é, por si só, suficiente para determinar o âmbito de aplicação deste regulamento. A existência de utilizações ilegais às quais se deve pôr termo ao abrigo desta disposição depende da questão de saber se o queijo se destina a ser comercializado no mercado interno ou exportado para países terceiros. O Reino da Dinamarca concorda com a Comissão quanto ao facto de a proteção dever ser assegurada a partir do momento da produção, mas apenas se a denominação registada como DOP for utilizada ilegalmente nesse momento. Contudo, a utilização de denominações registadas em produtos destinados à exportação para países terceiros não constitui uma utilização ilegal. Por conseguinte, não existe nenhuma obrigação de pôr termo à utilização da denominação «Feta» para queijo produzido na Dinamarca, mas destinado à exportação para países terceiros. Se o legislador da União tivesse querido que as exportações para países terceiros fossem abrangidas pelo Regulamento n.o 1151/2012, teria de o ter indicado expressamente.

38.

Tomado em consideração no contexto do quadro interpretativo da liberalização do comércio, semelhante argumento é convincente. A proibição da utilização de uma denominação sob a qual um produto exportado é comercializado representa um obstáculo ao comércio ( 24 ). Pode assim aceitar‑se que, no âmbito de um quadro interpretativo de liberalização do comércio, tal obstáculo não pode ser implícito, devendo antes estar expressamente previsto e, para ser legal, tem igualmente de ser justificado e proporcionado. O Reino da Dinamarca recorre ao princípio da segurança jurídica para fundamentar o seu argumento segundo o qual se exige uma menção expressa das exportações para países terceiros. Atendendo às consequências para os exportadores de queijo sob a denominação «Feta», o Reino da Dinamarca alega que a proibição de tais exportações deve resultar claramente das disposições do Regulamento n.o 1151/2012.

39.

Na tentativa de analisar estes argumentos no quadro interpretativo da liberalização do comércio, a Comissão afirma que a sua interpretação, segundo a qual a utilização da denominação «Feta» deve ser prevenida mesmo que o produto se destine à exportação para países terceiros, não representa uma proibição da exportação, visto que os produtores dinamarqueses podem sempre exportar o seu queijo; só não podem chamar‑lhe «Feta». No entanto, mesmo que não consubstancie uma proibição da exportação, a proibição de utilizar esta denominação continua a ser um obstáculo às exportações. Por conseguinte, do ponto de vista do quadro interpretativo da liberalização do comércio, o argumento da Comissão não é convincente.

40.

Respondendo, todavia, a partir do seu próprio quadro interpretativo, a Comissão caracteriza a exclusão pelo Reino da Dinamarca das exportações para países terceiros como uma tentativa de introduzir uma derrogação à redação do Regulamento n.o 1151/2012. Na perspetiva do quadro interpretativo da propriedade intelectual, esta redação proíbe claramente qualquer utilização de denominações registadas como DOP. Por conseguinte, uma exclusão expressa das exportações para países terceiros parece supérflua deste ponto de vista.

b) Argumentos relacionados com o contexto

41.

Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o exame do regime geral e do contexto de uma disposição do direito da União abrange, nomeadamente, outras disposições da mesma medida, juntamente com outras medidas relacionadas ou substancialmente ligadas à medida em causa ( 25 ). Em apoio das suas posições, as duas partes baseiam‑se noutras disposições do Regulamento n.o 1151/2012, bem como noutras medidas similares da União.

42.

Em especial, o Reino da Dinamarca afirma que os considerandos 20 e 27 do Regulamento n.o 1151/2012, que exigem mecanismos para proteger as denominações de origem a nível internacional através da Organização Mundial do Comércio (a seguir «OMC») e da assinatura de acordos internacionais bilaterais e multilaterais ( 26 ), seriam inúteis se o próprio Regulamento n.o 1151/2012 se referisse às exportações. Pelo contrário, a Comissão entende que os mesmos considerandos não podem ser interpretados no sentido de que significam que são necessários acordos internacionais para assegurar que os produtores da União não prejudicam os esforços da União para proteger as DOP a nível internacional. Tais acordos são necessários para proteger os produtores de DOP da União de produtos falsos comercializados por produtores estrangeiros em mercados externos. Segundo a Comissão, a interpretação que o Reino da Dinamarca faz destes considerandos é incompatível com o seu objetivo e encoraja os Estados‑Membros a questionar esses acordos.

43.

A República de Chipre, que apoia a Comissão no seu quadro interpretativo da propriedade intelectual, aponta para o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1151/2012. Esta disposição prevê que as DOP não se podem tornar genéricas. A República de Chipre observa que esta disposição não se limita ao território da União.

44.

Tendo em conta um contexto mais vasto, o Reino da Dinamarca invoca outras medidas da União relativas à proteção das denominações de origem e das indicações geográficas no que diz respeito a vinhos, a bebidas espirituosas e a produtos vitivinícolas aromatizados. O Reino da Dinamarca salienta que essas medidas contêm disposições que se referem expressamente às exportações para países terceiros ( 27 ). Por conseguinte, ao omitir essa referência expressa no Regulamento n.o 1151/2012, o legislador da União pretendeu intencionalmente não abranger as exportações para países terceiros. No entanto, segundo a Comissão e as intervenientes, a menção expressão dessas exportações de entre essas medidas pode ser explicada pelo seu âmbito de aplicação mais vasto. Ao contrário do Regulamento n.o 1151/2012, essas medidas também abrangem os requisitos relativos ao produto. Além disso, nas secções pertinentes relativas às indicações geográficas não se encontram referências às exportações para países terceiros ( 28 ). Isto permite concluir que o facto de as exportações para países terceiros estarem expressamente mencionadas de entre essas medidas não pode ser utilizado como um argumento segundo o qual a inexistência dessa menção no Regulamento n.o 1151/2012 significa que este regulamento não é aplicável a essas exportações.

45.

Se atendermos ao quadro interpretativo da propriedade intelectual, o Reino da Dinamarca alega que outras medidas da União no domínio dos direitos de propriedade intelectual contêm disposições expressas relativamente às exportações para países terceiros ( 29 ). Se o Regulamento n.o 1151/2012 devesse ser aplicado às exportações para países terceiros, também este regulamento deveria conter uma disposição expressa nesse sentido.

46.

No que diz respeito a um contexto mais amplo, a Comissão invoca o Regulamento n.o 608/2013 ( 30 ), que prevê a proteção uniforme dos direitos de propriedade intelectual (incluindo das DOP) nos regimes aduaneiros, inclusivamente quando se destinam a ser exportados para países terceiros. Nos termos deste regulamento, as mercadorias que violam direitos de propriedade intelectual podem, por exemplo, ser destruídas por autoridades aduaneiras. Tal incluiria DOP falsas destinadas à exportação, o que constitui um argumento a favor da proibição da utilização de denominações registadas em produtos produzidos na União e destinados a ser exportados para países terceiros.

c) Argumentos relacionados com os objetivos

47.

Cada ato legislativo da União tem, ou pode pelo menos ser entendido como tendo, múltiplos objetivos. O Regulamento n.o 1151/2012 enumera vários objetivos nos seus artigos 1.o, n.o 1, e 4.o Por conseguinte, consoante os diferentes quadros interpretativos, as partes colocam a tónica nos objetivos prosseguidos por este regulamento relacionados tanto com a proteção dos consumidores como com a proteção da propriedade intelectual.

48.

O Reino da Dinamarca salienta o objetivo que consiste em assegurar uma informação adequada aos consumidores. Invoca assim o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012, que estabelece que um dos objetivos deste regulamento consiste em ajudar os produtores a comunicar as características dos produtos aos consumidores. Quando lido à luz dos considerandos 2, 29 e 40 do Regulamento n.o 1151/2012 ( 31 ), é evidente, segundo o Reino da Dinamarca, que este regulamento se refere aos consumidores do mercado interno. Uma vez que os produtos comercializados fora da União não transmitem informação sobre produtos aos consumidores no mercado interno, interpretar o Regulamento n.o 1151/2012 no sentido de que se refere às exportações para países terceiros não contribui para o seu objetivo.

49.

A Comissão contesta que o único, ou inclusivamente o principal, objetivo do Regulamento n.o 1151/2012 seja a proteção dos consumidores da União. Pelo contrário, a Comissão afirma que entre os objetivos mais importantes do Regulamento n.o 1151/2012 se encontra a proteção dos detentores de direitos de propriedade intelectual baseados em DOP. Estes direitos só ficam protegidos se o Regulamento n.o 1151/2012 for interpretado no sentido de que também se aplica às exportações para países terceiros. Tal proteção destina‑se a garantir uma concorrência leal aos produtores de DOP. Esta situação está em consonância com os objetivos da política agrícola comum que se destina a «assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola, designadamente pelo aumento do rendimento individual dos que trabalham na agricultura», conforme estabelecido no artigo 39.o TFUE. A Comissão salienta que a base jurídica do Regulamento n.o 1151/2012 é, juntamente com o artigo 118.o TFUE relativo aos direitos de propriedade intelectual, o artigo 43.o, n.o 2, TFUE, que prevê a competência da União para adotar medidas para a realização dos objetivos da política agrícola comum.

50.

O Reino da Dinamarca invoca ainda o artigo 1.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento n.o 1151/2012, declarando como um dos objetivos a integridade do mercado interno. O Reino da Dinamarca entende esta disposição no sentido de que o Regulamento n.o 1151/2012 diz respeito ao mercado interno, e não aos mercados de países terceiros. A Comissão responde a estes argumentos afirmando que o objetivo de salvaguarda da integridade do mercado interno fica, de facto, comprometido com a utilização ilegal de DOP registadas na União em mercados de países terceiros.

d) Argumentos relacionados com a génese legislativa

51.

O Reino da Dinamarca alega que, no decurso do processo legislativo, o Parlamento propôs inserir um parágrafo adicional no n.o 3 do artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012, tal como inicialmente proposto ( 32 ). A alteração sugerida nessa proposta tinha a seguinte redação: «A fim de evitar a comercialização na União ou a exportação para países terceiros de produtos não rotulados em conformidade com o presente regulamento, a Comissão fica habilitada a adotar atos delegados, nos termos do artigo 53.o, no que diz respeito à definição das ações a implementar pelos Estados‑Membros a este respeito» ( 33 ). Esta alteração não foi, contudo, adotada na versão final do Regulamento n.o 1151/2012. Uma vez que o legislador da União teve em consideração as exportações para países terceiros, mas não as incluiu no texto final, o Reino da Dinamarca conclui que o âmbito de aplicação deste regulamento não abrange essas exportações.

52.

A Comissão explica que não foi porque fazia referência às exportações que a alteração em causa não foi adotada na versão final do Regulamento n.o 1151/2012, mas porque propunha conceder poderes delegados à Comissão.

53.

O Reino da Dinamarca invoca ainda o Parecer do Comité das Regiões sobre a proposta da Comissão ( 34 ). Uma das suas secções consagrada às recomendações políticas visava «proteger e promover a qualidade nas trocas comerciais internacionais». Neste contexto, o Comité das Regiões recomendou «que sejam tomadas medidas específicas para evitar a comercialização na UE ou a exportação de produtos cuja rotulagem não cumpra a legislação em matéria de qualidade aplicável aos produtos agrícolas da UE» ( 35 ). Do facto de a redação relativa às exportações não ter sido contemplada na versão final do Regulamento n.o 1151/2012, o Reino da Dinamarca depreende que o legislador da União decidiu não incluir as exportações para países terceiros no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1151/2012. Contudo, a Comissão explica que é, de facto, devido à proposta de alteração do Parlamento que o artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012 refere a obrigação dos Estados‑Membros prevenirem ou impedirem a utilização ilegal das DOP e das IGP «produzidas ou comercializadas no seu território». Por conseguinte, deste ponto do Parecer do Comité das Regiões não é possível inferir que as exportações para países terceiros não se destinavam a ser abrangidas pelo Regulamento n.o 1151/2012.

e) Argumentos relacionados com a jurisprudência do Tribunal de Justiça

54.

O Reino da Dinamarca baseia‑se no Acórdão de 10 de dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco ( 36 ). Este processo teve origem num pedido de decisão prejudicial relativo à interpretação e à validade de uma diretiva da União no que respeita ao fabrico, à apresentação e à venda de produtos do tabaco. Entre outros aspetos, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 7.o desta diretiva, que dizia respeito às denominações do produto, só se aplicava aos cigarros comercializados na União, e não aos exportados para países terceiros. O Reino da Dinamarca recorda que para chegar a esta conclusão, o Tribunal de Justiça se baseou no contexto e nos objetivos da diretiva em causa para determinar se o legislador da União pretendia alagar esta disposição às exportações para países terceiros. Por seu lado, a Comissão considera que o contexto do Acórdão BAT é diferente do caso em apreço, uma vez que a diretiva em causa nesse acórdão tinha por objetivo melhorar o funcionamento do mercado interno, ao passo que o presente processo diz respeito à violação de direitos de propriedade intelectual reconhecidos pelo direito da União.

55.

Em apoio do seu argumento segundo o qual o legislador da União estava obrigado a mencionar expressamente as exportações para países terceiros para que estas fossem abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1151/2012, o Reino da Dinamarca baseia‑se igualmente no Acórdão de 24 de setembro de 2019, Google (Âmbito de aplicação territorial da supressão de referências) ( 37 ). Este processo dizia respeito ao âmbito de aplicação territorial do direito à supressão de referências e aos eventuais efeitos extraterritoriais da Diretiva 95/46 ( 38 ) e do seu sucessor, o Regulamento 2016/679 (a seguir «RGPD») ( 39 ). O Tribunal de Justiça considerou que não era evidente que o legislador da União tinha pretendido impor a um operador, como a Google, uma obrigação de supressão de referências para além do território dos Estados‑Membros. Por conseguinte, as disposições pertinentes da Diretiva 95/46 e do Regulamento 2016/679 não se aplicavam fora da União. A Comissão responde afirmando que o Acórdão Google dizia respeito à eventual aplicação extraterritorial do direito da União. No entanto, no caso em apreço, tal como explica, a Comissão não está a tentar aplicar a legislação da União a um país terceiro. O presente caso diz apenas respeito à aplicação do Regulamento n.o 1151/2012 na própria União. O Acórdão Google é assim irrelevante para o caso em apreço.

f) Conclusão intercalar

56.

Nenhum destes argumentos, independentemente de se referirem à redação, ao contexto, aos objetivos ou à génese legislativa do Regulamento n.o 1151/2012, é, na minha opinião, conclusivo de modo a apontar para uma das duas interpretações divergentes. Por conseguinte, é necessário escolher entre os dois quadros interpretativos e apoiar os argumentos apresentados que justificam a solução oferecida pelo quadro escolhido.

3. O Regulamento n.o 1151/2012 deve ser interpretado no sentido de que proíbe a exportação de «Feta falso» para países terceiros

57.

Conforme revelei no início, subscrevo, e proponho ao Tribunal de Justiça que aceite, a interpretação da Comissão segundo a qual o Regulamento n.o 1151/2012 também se aplica a produtos produzidos nos Estados‑Membros, mas destinados à exportação para países terceiros.

58.

Cheguei a esta conclusão por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, este resultado pode ser justificado no âmbito dos dois quadros interpretativos, a saber, o relativo à propriedade intelectual e o relativo à liberalização do comércio. Pelo contrário, a interpretação segundo a qual o Regulamento n.o 1151/2012 não se aplica a produtos que têm denominações registadas que se destinam a ser exportados para países terceiros só pode funcionar no âmbito do quadro interpretativo da liberalização do comércio. Em segundo lugar, ainda que se admita que pode existir e que pode ser «encontrada» uma intenção inequívoca por parte do legislador da União, considero que a interpretação proposta se adequa melhor com a minha visão da intenção do legislador da União subjacente à proteção das denominações de origem e das indicações geográficas.

59.

No que se refere à minha primeira razão, o livre comércio é, sem dúvida, um dos valores respeitados pelo ordenamento jurídico da União. No entanto, a liberalização do comércio não foi certamente a única, nem mesmo a mais importante, força motivadora. Desde cedo que o Tribunal de Justiça reconheceu na jurisprudência que os interesses do comércio livre devem ser ponderados com outros interesses ( 40 ). É certo que a análise jurisdicional de regras, quando efetuada no contexto do quadro interpretativo da liberalização do comércio, parte da premissa de que os obstáculos ao comércio são proibidos. No entanto, um obstáculo pode ser aceite se for justificado e proporcionado com outros interesses para além do comércio, como a proteção do ambiente, a proteção dos consumidores ou a proteção da propriedade intelectual, para citar apenas alguns.

60.

A proteção das denominações de origem e das indicações geográficas é, sem dúvida, importante do ponto de vista do comércio. Estudo recentes ( 41 ) demonstram que este regime tem um valor económico considerável para a União, com vendas estimadas em mais de 77 mil milhões de euros em 2017 e com uma parte significativa das vendas extra‑União que ascende a 22 %. Este regime cria, portanto, importantes oportunidades de comércio para os produtores das DOP. Por outro lado, estas oportunidades, que existem devido à proteção dos seus direitos, criam obstáculos comerciais para outros. A proibição da utilização da denominação «Feta» para produtos comercializados nos mercados de países terceiros constitui um obstáculo às exportações. A linha de argumentação da Comissão de que tal proibição não representa uma proibição de exportação, uma vez que o queijo pode ser comercializado sob uma denominação diferente, é irrelevante. Um obstáculo às exportações para países terceiros existe quando essas exportações são dificultadas.

61.

Não obstante, os obstáculos ao comércio criados tanto pela legislação nacional como pela legislação da União podem ser autorizados se forem justificados. Partilho da opinião do Reino da Dinamarca segundo a qual a justificação baseada na proteção dos consumidores (que permite uma informação credível sobre o produto) falha, desde logo, o teste da adequação, especialmente se os consumidores a proteger forem os do mercado interno. O «Feta falso» exportado não pode informar incorretamente esses consumidores, uma vez que estes não estão presentes nos mercados de países terceiros. Por conseguinte, o obstáculo ao comércio criado pela interpretação ao abrigo da qual o Regulamento n.o 1151/2012 também se aplica à exportação de produtos para países terceiros não pode ser justificado por preocupações relacionadas com a proteção dos consumidores.

62.

No entanto, considero que a proibição de exportar para países terceiros «Feta falso» produzido no território da União se pode justificar por razões baseadas na proteção dos direitos de propriedade intelectual. Mesmo que a União não possa regulamentar os mercados de países terceiros através da sua própria legislação e que as DOP da União possam assim ficar expostas à concorrência de produtos falsos nesses mercados, a participação de produtos falsos produzidos na União agrava ainda mais a posição competitiva das DOP genuínas nesses mercados. Os poderes legislativos da União abrangem a proibição das exportações para países terceiros do chamado «Feta dinamarquês» produzido na Dinamarca ( 42 ), já não sucedendo o mesmo, por exemplo, com a proibição de vender «Feta Wisconsin» ( 43 ) no mercado dos Estados Unidos. Na minha opinião, não é desproporcionado que a União faça tudo o que está ao seu alcance para salvaguardar a posição concorrencial dos produtores das DOP da União. Por esta razão, a falta de proteção das DOP da União nos mercados de países terceiros não pode ser utilizada como argumento para alegar que a interpretação do Regulamento n.o 1151/2012, no sentido de que se refere às exportações para países terceiros, falha o teste da proporcionalidade quando a proteção da propriedade intelectual é apresentada como justificação. Por conseguinte, parece defensável a interpretação do Regulamento n.o 1151/2012 que proíbe as exportações de «Feta falso» para países terceiros, inclusivamente no contexto do quadro interpretativo da liberalização do comércio.

63.

Dito isto, e passando para a minha segunda razão, considero igualmente que o quadro interpretativo da propriedade intelectual explica de forma adequada a intenção legislativa subjacente ao Regulamento n.o 1151/2012. De acordo com este quadro interpretativo, o objetivo das DOP como direitos de propriedade intelectual consiste em permitir uma concorrência leal aos produtores de produtos DOP em troca dos seus esforços para manter e garantir a alta qualidade dos seus produtos. Tal permite que as empresas tradicionais sobrevivam e garante a diversidade de produtos no mercado. Assim, esta perspetiva toma em consideração outros interesses para além dos interesses económicos, que também fazem parte da perceção dos cidadãos da União sobre o que é uma boa qualidade de vida ( 44 ).

64.

Um sinal da «vontade do legislador», que é objetivamente verificável no direito da União, é a escolha da base jurídica para uma medida. O Regulamento n.o 1151/2012 foi adotado ao abrigo de uma dupla base jurídica: os artigos 43.o, n.o 2, e 118.o TFUE. Trata‑se de uma indicação de que a principal ideia subjacente a este regulamento é a melhoria da situação dos produtores agrícolas da União proporcionando a proteção da propriedade intelectual aos produtos que envolvem formas de produção tradicionais, que são praticadas em e estão ligadas a determinadas zonas geográficas. Existe na língua francesa uma palavra que descreve esta ligação especial entre a qualidade dos produtos e a sua origem geográfica: é o terroir ( 45 ).

65.

Desde a década de 1970 que a União tem vindo a criar uma rede de medidas destinadas a regular e a proteger determinados tipos de produtos com denominações de origem ou indicações geográficas e a estabelecer as condições que regem a concessão, a proteção e o controlo destas últimas ( 46 ). Além dos produtos agrícolas e alimentares, estas medidas abrangem igualmente o vinho, as bebidas espirituosas e os produtos vitivinícolas aromatizados. O Regulamento n.o 1151/2012 é um instrumento jurídico fundamental nesse regime ( 47 ).

66.

O Regulamento n.o 1151/2012 estabelece um sistema uniforme e exaustivo de proteção das denominações de origem e das indicações geográficas para produtos agrícolas e alimentares ( 48 ). Este regulamento institui um procedimento de registo desses produtos a nível da União, para que a sua proteção seja assegurada em todos os Estados‑Membros ( 49 ).

67.

A especificidade das DOP, bem como de outras indicações geográficas protegidas, enquanto tipo de direito de propriedade intelectual na União, reside no facto de, ao contrário de outros direitos de propriedade intelectual, sobretudo relativos a marcas registadas ( 50 ), este regime se basear numa aplicação realizada pelas autoridades públicas, e não só numa aplicação privada ( 51 ). É por esta razão que o Regulamento n.o 1151/2012 obriga os Estados‑Membros a prevenir ou a impedir a utilização ilegal das denominações registadas enquanto DOP. O recurso a uma aplicação pelas autoridades públicas pode ser entendido, no contexto em que a proteção das DOP na União foi desenvolvida, como meio para proteger e garantir um rendimento justo aos produtores tradicionais, que não teriam necessariamente conhecimentos (ou financiamento) para proteger os seus direitos através de uma aplicação privada.

68.

Esta ideia não beneficia de apoio a nível global. Países terceiros como o Canadá e os Estados Unidos optaram por proteger a qualidade dos produtos através do conceito de marca registada (incluindo marcas coletivas) ( 52 ).

69.

A legislação interna da União não pode regulamentar os mercados de países terceiros para garantir um nível de proteção das DOP da União idêntico àquele de que beneficiam no mercado interno. Tal só é possível através da negociação a nível multilateral (a OMC ou a Organização Mundial da Propriedade Intelectual) ou a nível bilateral. É por isso que a União, no âmbito da sua política mais ampla de proteção de produtos associados à sua origem geográfica, atua a nível internacional para celebrar acordos que proporcionem o maior nível possível de proteção às indicações geográficas, incluindo as DOP ( 53 ). O esforço da União para também garantir a proteção nos mercados de países terceiros é claramente declarado como objetivo político no preâmbulo do Regulamento n.o 1151/2012 ( 54 ). Esta política é evidente nas negociações, mais ou menos bem‑sucedidas, dos acordos com países como o Canadá, a China, Singapura ou os Estados Unidos ( 55 ), bem como nos esforços da União a nível internacional multilateral ( 56 ).

70.

Os esforços da União para garantir uma proteção adequada das DOP da União nos mercados de países terceiros são igualmente motivados pelo valor económico e cultural significativo que essa proteção reveste para as comunidades locais ( 57 ).

71.

Por conseguinte, existe um registo de ações da União que constituem uma política credível e coerente que visa o nível mais elevado possível de proteção dos produtos da União, cuja qualidade pode ser reconhecida pela sua ligação a uma área geográfica delimitada, o que pode aumentar a competitividade dos produtores desses produtos.

72.

Esta política aponta no sentido de interpretar o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1151/2012 no sentido de que abrange a proibição de exportações de DOP falsas para os mercados de países terceiros. Conforme foi salientado pela República Helénica e pela República de Chipre, seria, de facto, ilógico que a União negociasse acordos internacionais com países terceiros exigindo‑lhes que tomem medidas para impedir a produção de produtos que utilizam ilegalmente denominações registadas e, ao mesmo tempo, tolerasse tal prática no seu próprio território no que respeita aos seus próprios produtos.

73.

Além disso, a presença de DOP falsas produzidas na União nos mercados de países terceiros contribui para que as suas denominações sejam percecionadas como sendo genéricas. Esta situação torna, por sua vez, mais difícil para a União garantir, através de negociações, a sua proteção nesses mercados. O artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1151/2012, que prevê que as DOP não devem tornar‑se genéricas, pode efetivamente, tal como foi proposto pela República de Chipre ( 58 ), ser utilizado para apoiar a posição de que o Regulamento n.o 1151/2012 se aplica às exportações para países terceiros.

74.

Por conseguinte, quando considerada no contexto geral da política da União destinada à proteção das DOP como tipo especial de direito de propriedade intelectual no mercado interno e nos mercados de países terceiros, a interpretação do Regulamento n.o 1151/2012 no sentido de que este regulamento proíbe as exportações de produtos que utilizam ilegalmente denominações registadas, inclusivamente para países terceiros, onde essa proteção não é (ainda) oferecida, parece ser uma opção credível. Esta parece ser a interpretação que reflete a vontade do legislador da União.

75.

Atendendo às razões acima apresentadas, proponho ao Tribunal de Justiça que considere que o primeiro fundamento da Comissão é procedente e que declare que o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012, por não ter impedido ou por não ter posto termo à utilização da denominação«Feta» para queijo produzido na Dinamarca, mas destinado à exportação para países terceiros, com os quais a União ainda não celebrou um acordo internacional que garanta a proteção dessa denominação.

B.   Quanto ao segundo fundamento, relativo à alegada violação do dever de cooperação leal

76.

A Comissão alega que o Reino da Dinamarca violou o artigo 4.o, n.o 3, TUE, conjugado com os artigos 1.o, n.o 1, e 4.o do Regulamento n.o 1151/2012. Esta violação resulta do incumprimento pelas autoridades dinamarquesas da obrigação de impedirem ou de porem termo à produção e à comercialização pelos produtores dinamarqueses de imitações de «Feta», o que compromete os objetivos fixados nas referidas disposições do Regulamento n.o 1151/2012. Para além desta alegação apresentada no petitum, a Comissão apresenta outra alegação nos fundamentos e conclusões (mas não no petitum) da petição. Segundo esta alegação, o Reino da Dinamarca cometeu igualmente uma violação autónoma do artigo 4.o, n.o 3, TUE, ao ter fragilizado a posição da União em negociações internacionais no que respeita à proteção das denominações registadas da União.

77.

Estas duas alegações são diferentes. Em meu entender, a segunda destas duas alegações não deve ser tomada em consideração no caso em apreço, uma vez que a Comissão não a apresentou ao Tribunal de Justiça no seu petitum. Não obstante, no caso de o Tribunal de Justiça decidir pronunciar‑se sobre esta alegação, apresento, em seguida, a minha opinião sobre a matéria.

78.

O Reino da Dinamarca alega que não foi cometida nenhuma violação do artigo 4.o, n.o 3, TUE, quer considerado isoladamente, quer conjugado com os artigos 1.o, n.o 1, e 4.o do Regulamento n.o 1151/2012, atendendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça e ao facto de divergências quanto à interpretação do direito da União não constituírem, em si mesmas, uma violação do dever de cooperação leal por parte de um Estado‑Membro.

1. Alegada violação do artigo 4.o, n.o 3, TUE, conjugado com os artigos 1.o, n.o 1, e 4.o do Regulamento n.o 1151/2012

79.

Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, que enuncia o princípio da cooperação leal, os Estados‑Membros são obrigados a adotar todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União. Essa obrigação incumbe, no âmbito das suas competências, a cada órgão do Estado‑Membro em causa ( 59 ).

80.

Há exemplos, no âmbito de processos por incumprimento, nos quais o Tribunal de Justiça declarou que um Estado‑Membro violou o artigo 4.o, n.o 3, TUE, considerado isoladamente ( 60 ) ou em conjugação com outras disposições do direito da União ( 61 ).

81.

No entanto, o Tribunal de Justiça considerou que um incumprimento da obrigação geral de cooperação leal que decorre do artigo 4.o, n.o 3, TUE é distinto de um incumprimento das obrigações específicas nas quais esta se manifesta. Por conseguinte, esse incumprimento só pode ser declarado na medida em que vise comportamentos distintos dos que constituem uma violação destas obrigações específicas ( 62 ). Se a alegada violação do artigo 4.o, n.o 3, TUE disser respeito à mesma conduta que a alegada violação de disposições mais específicas do direito da União, é suficiente uma apreciação ao abrigo destas disposições específicas ( 63 ).

82.

No presente caso, o segundo fundamento, relativo à alegada violação do artigo 4.o, n.o 3, TUE, conjugado com os artigos 1.o, n.o 1, e 4.o do Regulamento n.o 1151/2012, parece‑me estar substancialmente relacionado com o mesmo assunto e a mesma conduta que os alegados no primeiro fundamento relativo à alegada violação das obrigações específicas previstas por força do artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012. Tem origem na mesma divergência de opiniões quanto à interpretação do âmbito de aplicação territorial do Regulamento n.o 1151/2012 e na mesma conduta das autoridades dinamarquesas ao não impedirem ou ao não terem posto termo à produção e à comercialização de imitações de «Feta». Com efeito, conforme foi salientado pelo Reino da Dinamarca, as autoridades dinamarquesas permitem a produção e a comercialização de imitações de «Feta» devido à sua interpretação daquilo que consubstancia uma utilização ilegal na aceção do artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012. Assim, atendendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça mencionada no n.o 81 das presentes conclusões, deve considerar‑se que não é necessário que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre o segundo fundamento.

83.

Existe, em minha opinião, uma razão importante subjacente à jurisprudência do Tribunal de Justiça para que a constatação de uma violação de uma obrigação específica prevista ao abrigo do direito da União não resulte igualmente na violação do princípio da cooperação leal. Esta razão tem origem na finalidade do processo por incumprimento e nas formas judiciais de resolução dos litígios de um modo mais geral. O processo previsto no artigo 258.o TFUE para estabelecimento do incumprimento de obrigações por parte de um Estado‑Membro proporciona um meio para determinar as obrigações dos Estados‑Membros nos casos em que exista uma interpretação divergente da mesma norma jurídica. Em tais situações de litígio a respeito do sentido de uma norma jurídica, em que a Comissão e o Estado‑Membro têm entendimentos diferentes, o processo por incumprimento permite ao Tribunal de Justiça resolver o litígio em matéria de interpretação. Isto é o que foi reconhecido pela jurisprudência ( 64 ).

84.

Por conseguinte, concordo com os argumentos avançados pelo Reino da Dinamarca segundo os quais não se pode considerar que o artigo 4.o, n.o 3, TUE foi violado por um Estado‑Membro por este discordar com a Comissão no que respeita à interpretação de disposições do direito da União, como sucede no caso em apreço. O facto de um Estado‑Membro ter um entendimento do direito da União diferente do da Comissão não constitui, por si só, uma violação do princípio da cooperação leal por parte desse Estado‑Membro.

85.

Com efeito, seria perigoso se assim fosse, uma vez que tal seria suscetível de impedir que fossem submetidos ao Tribunal de Justiça litígios relativos à interpretação do direito da União. Divergências a respeito do sentido da lei fazem parte de todos os sistemas jurídicos. Nos sistemas baseados no Estado de Direito, a resolução destes litígios é feita através da atribuição de poderes aos órgãos jurisdicionais para indicarem qual é o sentido da lei. Considerar que os Estados‑Membros violam o dever de cooperação leal devido a diferenças no entendimento da lei seria contrário aos esforços destinados a assegurar a resolução de tais divergências no âmbito de processos judiciais. O sentido da lei nas democracias liberais tem de estar aberto à contestação, e a parte cujo entendimento não é confirmado pelo órgão jurisdicional não pode ser considerada desleal ao sistema jurídico apenas por estar «errado». Assim não será se, depois de o Tribunal de Justiça interpretar a lei, um Estado‑Membro continuar a aplicá‑la de forma contrária à preconizada pelo Tribunal de Justiça.

86.

A este respeito, importa recordar que o litígio no caso em apreço resulta, em substância, de uma divergência entre a Comissão e o Reino da Dinamarca quanto à interpretação do artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012. Esta divergência refere‑se à questão de saber se este regulamento pode ser interpretado no sentido de que é aplicável a produtos destinados à exportação para países terceiros. Fora desta área, objeto do litígio, relativa à aplicação do Regulamento n.o 1151/2012, as autoridades dinamarquesas indicaram ao Tribunal de Justiça (não tendo isto sido contestado pela Comissão) que aplicam medidas de execução adequadas no respeito do mercado interno. Segundo as autoridades dinamarquesas, estas só não aplicam tais medidas no caso de exportações para países terceiros (na medida em que não existe qualquer acordo internacional celebrado com a União), visto que estas autoridades consideram que essas exportações não estão abrangidas pelas disposições do Regulamento n.o 1151/2012. Nestas circunstâncias, a interpretação alternativa deste regulamento apresentada pelo Reino da Dinamarca não constitui, por si só, uma conduta que represente uma violação do princípio da cooperação leal nos termos do artigo 4.o, n.o 3, TUE.

87.

Pode acrescentar‑se que as circunstâncias do presente processo não são comparáveis com as que deram origem ao Acórdão de 19 de fevereiro de 1991, Comissão/Bélgica ( 65 ), referido pela Comissão. Neste processo, a Comissão acusava o Estado‑Membro de se recusar a comunicar informações à Comissão, só tendo o Estado‑Membro cumprido as suas obrigações perante a ameaça direta de uma ação por incumprimento junto do Tribunal de Justiça, tendo em seguida violado essas obrigações assim que lhe pareceu que a ameaça tinha desaparecido. No caso em apreço, a Comissão não demonstrou que o Reino da Dinamarca realizou atos ou omissões deliberados deste tipo.

88.

Por conseguinte, o fundamento que o Reino da Dinamarca viola o artigo 4.o, n.o 3, TUE, por não atuar no cumprimento dos objetivos do Regulamento n.o 1151/2012, que entende de forma diferente, não pode ser aceite.

2. Alegada violação do artigo 4.o, n.o 3, TUE, considerado isoladamente

89.

A Comissão alega que o Reino da Dinamarca também violou o artigo 4.o, n.o 3, TUE, por ter enfraquecido a posição da União nas negociações internacionais relativas à proteção das denominações registadas.

90.

A este respeito, tal como salientado pela doutrina ( 66 ), o dever de cooperação leal reveste efetivamente uma importância especial no contexto das relações externas da União.

91.

É também o que se reflete numa série de acórdãos do Tribunal de Justiça proferidos em ações por incumprimento.

92.

Por exemplo, no Acórdão de 12 de fevereiro de 2009, Comissão/Grécia ( 67 ), o Tribunal de Justiça considerou que a República Helénica violou as obrigações que lhe incumbem por força do direito da União, incluindo o artigo 4.o, n.o 3, TUE, ao submeter a uma organização internacional uma proposta que deu início a um processo que poderia conduzir à adoção de novas regras suscetíveis de afetar as disposições do direito da União, e, deste modo, atuou a título individual num domínio abrangido pela competência externa exclusiva da União.

93.

No Acórdão de 20 de abril de 2010, Comissão/Suécia ( 68 ), o Tribunal de Justiça declarou que o Reino da Suécia violou o artigo 4.o, n.o 3, TUE, ao ter proposto unilateralmente a inscrição adicional de uma determinada substância no anexo de uma convenção internacional num domínio em que a competência é partilhada. Ao ter atuado desta forma, este Estado‑Membro afastou‑se de uma estratégia comum concertada no Conselho e que tinha consequências para a União.

94.

Além disso, no Acórdão de 27 de março de 2019, Comissão/Alemanha ( 69 ), o Tribunal de Justiça declarou que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força de uma decisão da União e do artigo 4.o, n.o 3, TUE, ao ter votado contra a posição da União definida nessa decisão e ao ter declarado publicamente a sua oposição tanto à referida posição como às modalidades de exercício dos direitos de voto nela previstas. Em especial, o Tribunal de Justiça considerou que, através da sua conduta, este Estado‑Membro se afastou da posição da União estabelecida nessa decisão, o que poderia enfraquecer o poder de negociação da União na organização internacional em causa.

95.

No entanto, no presente processo, não foram apresentadas ao Tribunal de Justiça quaisquer informações que provem que o Reino da Dinamarca tentou prejudicar as negociações da União no que respeita à proteção das denominações registadas a nível internacional (multilateral ou bilateral). A jurisprudência do Tribunal de Justiça referida nos n.os 92 a 94 das presentes conclusões difere do presente processo. Em especial, não foi demonstrado que o Reino da Dinamarca adotou qualquer tipo de ação concreta, na cena internacional ou no contexto de negociações internacionais, que contrarie a uma posição concertada da União.

96.

À luz do acima exposto, a segunda acusação apresentada pela Comissão deve ser rejeitada.

VI. Quanto às despesas

97.

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Contudo, por força do disposto no do artigo 138.o, n.o 3, primeiro período, do mesmo regulamento, se as partes obtiverem vencimento parcial, o Tribunal de Justiça pode determinar que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas. Por conseguinte, uma vez que a Comissão e o Reino da Dinamarca foram parcialmente vencidos, devem ser condenados a suportar as suas próprias despesas.

98.

Além disso, nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Assim, a República Helénica e a República de Chipre devem ser condenadas a suportar as suas próprias despesas.

VII. Conclusão

99.

Atendendo às considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que:

1.

declare que ao não ter impedido ou ao não ter posto termo à utilização, pelos produtores dinamarqueses, da denominação registada «Feta» para queijo destinado à exportação para países terceiros, o Reino do Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios;

2.

julgue a ação improcedente quanto ao restante;

3.

condene a Comissão Europeia e o Reino da Dinamarca a suportar as suas próprias despesas; e

4.

condene a República Helénica e a República de Chipre a suportar as suas próprias despesas.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) V., a este respeito, O’Connor, B. e Kireeva, I., «What’s in a name? The “feta” cheese saga», International Trade Law & Regulation, vol.9, 2003, p. 110.

( 3 ) Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO 2012, L 343, p. 1). Este regulamento foi alterado mais recentemente pelo Regulamento (UE) 2021/2117 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de dezembro de 2021, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1308/2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas (UE) n.o 1151/2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (UE) n.o 251/2014, relativo à definição, descrição, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas dos produtos vitivinícolas aromatizados e (UE) n.o 228/2013, que estabelece medidas específicas no domínio da agricultura a favor das regiões ultraperiféricas da União (JO 2021, L 435, p. 262).

( 4 ) V. Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Canadane Cheese Trading e Kouri (C‑317/95, EU:C:1997:311, n.os 9 a 19).

( 5 ) V. Regulamento (CE) n.o 1829/2002 da Comissão, de 14 de outubro de 2002, que altera o anexo do Regulamento (CE) n.o 1107/96 da Comissão no respeitante à denominação «Feta» (JO 2002, L 277, p. 10).

( 6 ) V. nota de pé de página 3 das presentes conclusões.

( 7 ) V. Regulamento (UE) n.o 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 922/72, (CEE) n.o 234/79, (CE) n.o 1037/2001, (CE) n.o 1234/2007 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 671). Este regulamento foi recentemente alterado pelo Regulamento 2021/2117.

( 8 ) V. Regulamento (UE) 2019/787 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativo à definição, designação, apresentação e rotulagem das bebidas espirituosas, à utilização das denominações das bebidas espirituosas na apresentação e rotulagem de outros géneros alimentícios e à proteção das indicações geográficas das bebidas espirituosas, à utilização de álcool etílico e de destilados de origem agrícola na produção de bebidas alcoólicas, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 110/2008 (JO 2019, L 130, p. 1).

( 9 ) V. Regulamento (UE) n.o 251/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativo à definição, descrição, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas dos produtos vitivinícolas aromatizados e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 1601/91 do Conselho (JO 2014, L 84, p. 14). Este regulamento foi alterado, pela última vez, pelo Regulamento 2021/2117. V. ainda nota 28 das presentes conclusões.

( 10 ) V. Regulamento n.o 1151/2012, artigo 5.o, n.os 1 e 2. Em relação aos vinhos, v. Regulamento n.o 1308/2013, artigo 93.o, n.o 1, alíneas a) e b).

( 11 ) V. Despacho do Presidente do Tribunal de Justiça de 8 de agosto de 1997, Canadane Cheese Trading e Kouri (C‑317/95, EU:C:1997:393). Porém, v. Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Canadane Cheese Trading e Kouri (C‑317/95, EU:C:1997:311).

( 12 ) Regulamento (CE) n.o 1107/96 da Comissão, de 12 de junho de 1996, relativo ao registo das indicações geográficas e denominações de origem nos termos do procedimento previsto no artigo 17.o do Regulamento (CEE) n.o 2081/92 do Conselho (JO 1996, L 148, p. 1) na parte em que registou a denominação «Feta» enquanto DOP.

( 13 ) Acórdão de 16 de março de 1999, Dinamarca e o./Comissão (C‑289/96, C‑293/96 e C‑299/96, EU:C:1999:141).

( 14 ) V. Acórdão de 16 de março de 1999, Dinamarca e o./Comissão (C‑289/96, C‑293/96 e C‑299/96, EU:C:1999:141, n.os 81 a 103).

( 15 ) V. Acórdão de 25 de outubro de 2005, Alemanha e Dinamarca/Comissão (C‑465/02 e C‑466/02, EU:C:2005:636).

( 16 ) O Regulamento n.o 1151/2012 foi alterado pelo Regulamento 2021/2117. Este último introduziu alterações, nomeadamente, no texto do artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012, que não são, todavia, relevantes, para o caso em apreço.

( 17 ) V. Regulamento n.o 1829/2002, considerando 11.

( 18 ) V. Regulamento n.o 1829/2002, considerando 32.

( 19 ) V., a este respeito, Acórdão de 2 de maio de 2019, Fundación Consejo Regulador de la Denominación de Origen Protegida Queso Manchego (C‑614/17, EU:C:2019:344, n.o 16).

( 20 ) V. a este respeito, Dworkin, R., Law’s Empire, Harvard University Press, 1988. Se bem que eu tenha uma posição cética em relação à proposta de Dworkin no que respeita à existência de uma resposta jurídica correta, a sua ideia de que a procura da melhor opção é um dos princípios que deve guiar os juízes convenceu‑me.

( 21 ) Considero que é necessário explicar que alguns argumentos podem integrar mais do que uma categoria. Por uma questão de simplificação, coloquei esses argumentos na categoria que considerei mais pertinente.

( 22 ) O sublinhado é meu.

( 23 ) O sublinhado é meu.

( 24 ) No primeiro caso «Feta», que tinha por objeto medidas gregas que impediam a comercialização de queijo proveniente da Dinamarca com a denominação «Feta», o advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer considerou que tais medidas constituíam um obstáculo à livre circulação de mercadorias, pelo que eram abrangidas pelas regras da União que proíbem medidas de efeito equivalente aplicáveis às importações (atual artigo 34.o TFUE). No entanto, o advogado‑geral considerou que tais medidas, mesmo constituindo um obstáculo ao comércio, podiam ser justificadas por razões de proteção da propriedade industrial e comercial. V. nota de pé de página 11 das presentes conclusões.

( 25 ) V., por exemplo, Acórdão de 2 de maio de 2019, Fundación Consejo Regulador de la Denominación de Origen Protegida Queso Manchego (C‑614/17, EU:C:2019:344, n.os 23 a 28).

( 26 ) O considerando 20 do Regulamento n.o 1151/2012 estabelece na parte relevante: «Convirá prever disposições para o desenvolvimento das denominações de origem e das indicações geográficas ao nível da União e para a promoção da criação de mecanismos para a sua proteção em países terceiros, no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou de acordos multilaterais e bilaterais, contribuindo assim para que a qualidade dos produtos e do seu modelo de produção sejam reconhecidos como uma mais‑valia». Adicionalmente, o considerando 27 do Regulamento n.o 1151/2012 refere que a «União negoceia acordos internacionais, incluindo acordos relativos à proteção das denominações de origem e das indicações geográficas, com os seus parceiros comerciais» e que, a fim de garantir a proteção e o controlo da utilização dessas denominações, estas podem ser inscritas no registo das DOP e das IGP.

( 27 ) Relativamente aos vinhos, v. Regulamento n.o 1308/2013, nomeadamente artigos 89.o, 119.o, n.o 1 e 122.o, n.o 4. Relativamente às bebidas espirituosas, v. Regulamento 2019/787, artigo 1.o, n.o 2 e considerando 7. Relativamente aos produtos vitivinícolas aromatizados, v. Regulamento n.o 251/2014, artigo 1.o, n.o 3 e considerando 6.

( 28 ) Relativamente aos vinhos, v. Regulamento n.o 1308/2013, artigos 93.o a 111.o Relativamente às bebidas espirituosas, v. Regulamento 2019/787, artigos 21.o a 42.o Relativamente aos produtos vitivinícolas aromatizados, por alterações introduzidas pelo Regulamento 2021/2117, as disposições relativas à proteção das indicações geográficas desses produtos foram transferidas para o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1151/2012 (v. Regulamento 2021/2117, artigo 3.o e considerando 77). As disposições do Regulamento n.o 251/2014 dizem agora apenas respeito à definição, descrição, apresentação e rotulagem dos produtos vitivinícolas aromatizados, e as referências às exportações para países terceiros mantiveram‑se inalteradas.

( 29 ) Tal como indicado pelo Reino da Dinamarca, tais medidas incluem, nomeadamente, o Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO 2002, L 3, p. 1), artigo 19.o, n.o 1; Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2015, L 336, p. 1), artigos 10.o, n.o 3, alínea c), 11.o, alínea b), e 16.o, n.o 5, alínea b); Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1), artigos 9.o, n.o 3, alínea c), 10.o, alínea b) e 18.o, n.o 1, alínea b).

( 30 ) Regulamento (UE) n.o 608/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013, relativo à intervenção das autoridades aduaneiras para assegurar o cumprimento da legislação sobre os direitos de propriedade intelectual e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1383/2003 do Conselho (JO 2013, L 181, p. 15).

( 31 ) O considerando 2 do Regulamento n.o 1151/2012 estabelece: «Os cidadãos e consumidores da União exigem cada vez mais produtos de qualidade e produtos tradicionais. Preocupam‑se igualmente em preservar a diversidade da produção agrícola na União. Tal gera uma procura de produtos agrícolas ou de géneros alimentícios com características específicas identificáveis, em especial as que estão associadas à sua origem geográfica». O considerando 29 deste regulamento dispõe, na parte aqui relevante: «É necessário proteger as denominações incluídas no registo, a fim de assegurar a sua utilização adequada e de impedir práticas suscetíveis de induzir em erro os consumidores». Além disso, o considerando 40 do mesmo regulamento determina: «A fim de proteger as denominações registadas de utilizações abusivas, ou de práticas que possam induzir os consumidores em erro, é necessário reservar a sua utilização».

( 32 ) V. Comissão Europeia, Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos sistemas de qualidade dos produtos agrícolas, COM(2010) 733 final, de 10 de dezembro de 2010. A redação inicialmente sugerida do n.o 3 do artigo 13.o nessa proposta era a seguinte: «Os Estados‑Membros tomam as disposições administrativas ou judiciais necessárias para prevenir ou impedir a utilização ilegal das denominações de origem protegidas e das indicações geográficas protegidas a que se refere o n.o 1, em especial a pedido de um agrupamento de produtores, como previsto no artigo 42.o, alínea a)».

( 33 ) V. Relatório do Parlamento Europeu sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos sistemas de qualidade dos produtos agrícolas, Projeto de Resolução legislativa do Parlamento Europeu, A7‑0266/2011, de 12 de julho de 2011, alteração 55. O sublinhado é meu.

( 34 ) V. Parecer do Comité das Regiões: «Por uma política Europeia ambiciosa em prol de sistemas agrícolas de qualidade», de 12 de maio de 2011 (JO 2011, C 192, p. 28) (a seguir «Parecer do Comité das Regiões»), secção C.

( 35 ) V. Parecer do Comité das Regiões, referido na nota 34 das presentes conclusões, n.o 24. O sublinhado é meu.

( 36 ) C‑491/01, EU:C:2002:741 (a seguir «Acórdão BAT»), n.os 203 a 217.

( 37 ) C‑507/17, EU:C:2019:772 (a seguir «Acórdão Google»), n.os 53 a 65.

( 38 ) Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31).

( 39 ) Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1), e retificação (JO 2018, L 127, p. 2).

( 40 ) Para referir um exemplo clássico, já no Acórdão de 20 de fevereiro de 1979, Rewe‑Zentral (Cassis de Dijon) (120/78, EU:C:1979:42), o Tribunal de Justiça alargou a lista de justificações possíveis para a manutenção dos obstáculos ao comércio em comparação com a prevista pelos Tratados e deixou a lista em aberto.

( 41 ) V., por exemplo, Comissão Europeia, Study on economic value of EU quality schemes, geographical indications (GIs) and traditional specialities guaranteed (TSGs), Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2021.

( 42 ) Tal como já foi explicado, o Reino da Dinamarca não contesta a existência de tal competência. O Reino da Dinamarca alega apenas que não foi exercida aquando da adoção do Regulamento n.o 1151/2012.

( 43 ) Trata‑se de uma denominação inventada.

( 44 ) V., a este respeito, Davies, G., «Free Movement, the Quality of Life and the Myth that the Court Balances Interests», in Koutrakos, P. e o. (eds.), Exceptions from EU Free Movement Law: Derogation, Justification and Proportionality, Hart Publishing, Oxford, 2016, p. 214.

( 45 ) A ideia contemporânea de proteção das indicações geográficas como direitos de propriedade intelectual tem as suas raízes no conceito francês de terroir, que foi desenvolvido em relação ao vinho. Este conceito reporta‑se às tentativas de fraude no mercado vitivinícola francês após a destruição das vinhas pela filoxera. V. Calboli, I., «Geographical Indications between Trade, Development, Culture, and Marketing: Framing a Fair(er) System of Protection in the Global Economy?», in Calboli, I. e Wee Loon, N.‑L. (eds.), Geographical Indications at the Crossroads of Trade, Development, and Culture, Focus on Asia‑Pacific, Cambridge University Press, Cambridge, 2017, p. 3. V. também, por exemplo, Chaisse, J. e o. (eds.), Wine Law and Policy: From National Terroirs to a Global Market, Brill Nijhoff, Leiden, 2021; Zappalaglio, A., The Transformation of EU Geographical Indications Law: The Present, Past and Future of the Origin Link, Routledge, Londres, 2021.

( 46 ) V., a este respeito, Acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (Acordo de Lisboa revisto) (C‑389/15, EU:C:2017:798, n.o 15).

( 47 ) V. ainda, por exemplo, Kireeva, I., «The new European Regulation on Quality Schemes for Agricultural Products and Foodstuffs», in McMahon, J.A. e Cardwell, M.N. (eds.), Research Handbook on EU Agricultural Law, Edward Elgar, 2015, p. 285; Nathon, N., «The Protection of Geographical Indications for Agricultural Products in the European Union», in Sundara Rajan, M.T. (ed.), The Cambridge Handbook of Intellectual Property in Central and Eastern Europe, Cambridge University Press, 2019, p. 349.

( 48 ) V., a este respeito, Acórdãos de 8 de setembro de 2009, Budějovický Budvar (C‑478/07, EU:C:2009:521, n.o 114), e de 22 de dezembro de 2010, Bayerischer Brauerbund (C‑120/08, EU:C:2010:798, n.o 59).

( 49 ) V., a este respeito, Acórdãos de 9 de junho de 1998, Chiciak e Fol (C‑129/97 e C‑130/97, EU:C:1998:274, n.os 25 e 26), e de 8 de setembro de 2009, Budějovický Budvar (C‑478/07, EU:C:2009:521, n.o 107).

( 50 ) O Tribunal de Justiça declarou também que as indicações geográficas e as marcas registadas prosseguem objetivos diferentes. V. Acórdão de 20 de setembro de 2017, The Tea Board/EUIPO (C‑673/15 P a C‑676/15 P, EU:C:2017:702, n.o 62).

( 51 ) V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no processo Syndicat interprofessionnel de défense du fromage Morbier (C‑490/19, EU:C:2020:730, n.o 29).

( 52 ) Relativamente às diferenças entre as abordagens da União e as abordagens do Canadá e dos Estados Unidos para a proteção das indicações geográficas, v., por exemplo, Matthews, A., «What Outcome to Expect on Geographical Indications in the TTIP Free Trade Agreement Negotiations with the United States?», e O’Connor, B., «The Legal Protection of GIs in TTIP: Is There an Alternative to the CETA Outcome», in Arfini, F. (ed.), Intellectual Property Rights for Geographical Indications. What is at Stake in the TTIP?, Cambridge Scholars Publishing, Newcastle upon Tyne, 2016, pp. 1 e 19.

( 53 ) Para uma lista dos acordos internacionais relevantes celebrados pela União para proteger a denominação «Feta» em países terceiros, v. o registo GIview, disponível em https://ec.europa.eu.

( 54 ) V. Regulamento n.o 1151/2012, considerandos 20 e 27.

( 55 ) A União foi bem‑sucedida na negociação da proteção da denominação «Feta» nos acordos assinados com o Canadá, a China e Singapura. V. nota 53 das presentes conclusões.

( 56 ) Para uma discussão mais pormenorizada, v., por exemplo, Gangjee, D.S. (ed.), Research Handbook on Intellectual Property and Geographical Indications, Edward Elgar, 2016; Blakeney, M., The Protection of Geographical Indications: Law and Practice, segunda edição, Edward Elgar, 2019.

( 57 ) V. Regulamento (UE) 2019/1753 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, sobre a ação da União na sequência da sua adesão ao Ato de Genebra do Acordo de Lisboa relativo às denominações de origem e às indicações geográficas (JO 2019, L 271, p. 1), considerando 5.

( 58 ) V. n.o 43 das presentes conclusões.

( 59 ) V., por exemplo, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.os 119 e 124), e de 18 de maio de 2021, Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 176).

( 60 ) V., por exemplo, Acórdãos de 31 de outubro de 2019, Comissão/Reino Unido (C‑391/17, EU:C:2019:919), e de 31 de outubro de 2019, Comissão/Países Baixos (C‑395/17, EU:C:2019:918). Contudo, nestes dois casos, o Tribunal de Justiça considerou que a violação do artigo 4.o, n.o 3, TUE consistia na recusa pelo respetivo Estado‑Membro em compensar a perda de recursos próprios tradicionais da União resultante das decisões dos governos dos países e territórios ultramarinos pelos quais os Estados‑Membros em causa eram responsáveis. Outro caso em que o Tribunal de Justiça declarou a existência de uma violação autónoma do artigo 4.o, n.o 3, TUE diz respeito a uma situação em que um Estado‑Membro não comunicou à Comissão as informações necessárias durante o procedimento pré‑contencioso por incumprimento. V., por exemplo, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Suécia (Estações de tratamento de águas residuais) (C‑22/20, EU:C:2021:669, n.o 149), e de 8 de março de 2022, Comissão/Reino Unido (Luta contra a fraude por subavaliação) (C‑213/19, EU:C:2022:167, n.o 598).

( 61 ) Para um exemplo clássico, v. Acórdão de 9 de dezembro de 1997, Comissão/França (C‑265/95, EU:C:1997:595) (normalmente designado por processo dos «morangos espanhóis», em que o Tribunal de Justiça declarou que a República Francesa não cumprira as obrigações decorrentes das regras em matéria de livre circulação da União, em conjugação com o atual artigo 4.o, n.o 3, TUE, e das organizações comuns de mercado dos produtos agrícolas, ao não tomar todas as medidas necessárias e proporcionadas para que ações de particulares não entravassem a livre circulação das frutas e produtos hortícolas).

( 62 ) V., por exemplo, Acórdãos de 15 de novembro de 2005, Comissão/Dinamarca (C‑392/02, EU:C:2005:683, n.o 69), e de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.o 121).

( 63 ) V., por exemplo, Acórdãos de 30 de maio de 2006, Comissão/Irlanda (C‑459/03, EU:C:2006:345, n.os 168 a 182), e de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.os 122 a 129).

( 64 ) V., por exemplo, Acórdãos de 14 de dezembro de 1971, Comissão/França (7/71, EU:C:1971:121, n.o 49), e de 11 de setembro de 2014, Comissão/Alemanha (C‑525/12, EU:C:2014:2202, n.o 24).

( 65 ) C‑374/89, EU:C:1991:60, n.os 12 a 16.

( 66 ) V., por exemplo, De Baere, G. e Roes, T., «EU loyalty as good faith», International & Comparative Law Quarterly, volume 64, 2015, p. 829; Cremona, M. (ed.), Structural Principles in EU External Relations Law, Hart Publishing, Oxford, 2018; Van Elsuwege, P., «The Duty of Sincere Cooperation and Its Implications for Autonomous Member State Action in the Field of External Relations», in Varju, M. (ed.), Between Compliance and Particularism: Member State Interests and European Union Law, Springer, 2019, p. 283; Eckes, C., «Disciplining Member States: EU Loyalty in External Relations», Cambridge Yearbook of European Legal Studies, volume 22, 2020, p. 85.

( 67 ) C‑45/07, EU:C:2009:81.

( 68 ) C‑246/07, EU:C:2010:203.

( 69 ) C‑620/16, EU:C:2019:256.

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