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Document 62020CC0003

Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 29 de abril de 2021.
Processo penal contra AB e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rīgas rajona tiesa.
Reenvio prejudicial — Protocolo (n.o 7) Relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia — Membro de um órgão do Banco Central Europeu — Governador de um banco central nacional de um Estado‑Membro — Imunidade de jurisdição penal — Acusação relacionada com as atividades exercidas no âmbito da função no Estado‑Membro.
Processo C-3/20.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:344

 CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 29 de abril de 2021 ( 1 )

Processo C‑3/20

LR Ģenerālprokuratūras Krimināltiesiskā departamenta Sevišķi svarīgu lietu izmeklēšanas nodaļa

contra

AB,

CE e

MM investīcijas SIA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rīgas rajona tiesa (Tribunal de Primeira Instância de Riga, Letónia)]

«Reenvio prejudicial — Artigo 343.o TFUE — Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu — Artigo 39.o — Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia — Artigo 22.o, primeiro parágrafo — Membro de um órgão de decisão do Banco Central Europeu — Governador do banco central de um Estado‑Membro — Artigo 11.o, alínea a) — Imunidade de jurisdição — Manutenção da imunidade após a cessação das funções — Atos de pessoal da União praticados na sua qualidade oficial — Imunidade funcional — Artigo 130.o TFUE — Independência do BCE, do SEBC e dos bancos centrais dos Estados‑Membros — Artigo 18.o — Acordo comum — Artigo 4.o, n.o 3, TUE — Princípio da cooperação leal — Artigo 17.o — Levantamento da imunidade pelo BCE — Interesses da União — Imunidade na fase judicial do processo — Imunidade relativamente a medidas de coação públicas»

I. Introdução

1.

Pode o governador de um banco central nacional, que é simultaneamente membro do Conselho do BCE, ser sujeito a procedimento penal num Estado‑Membro ou a isso opõe‑se o regime de imunidade de direito da União? É esta a questão que se coloca no presente processo de reenvio prejudicial, que tem origem num processo penal instaurado na Letónia contra o ex‑governador do banco central desse país, por crimes de corrupção e de branqueamento de capitais relacionado com um procedimento de supervisão prudencial, que tinha por objeto um banco letão.

2.

Nos termos do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo (n.o 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia (a seguir «Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União») ( 2 ), os funcionários e outros agentes da União gozam de imunidade em todos os Estados‑Membros no que diz respeito aos atos por si praticados na sua qualidade oficial. O presente processo confere ao Tribunal de Justiça a possibilidade de determinar o alcance desta imunidade.

3.

A primeira particularidade do presente caso consiste no facto de os governadores dos bancos centrais dos Estados‑Membros serem autoridades nacionais, mas, simultaneamente, enquanto membros do Conselho do BCE, no quadro do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), definirem a política monetária da zona euro e exercerem, nessa função também, desde a criação da união bancária, atribuições de supervisão nos termos do Regulamento MUS ( 3 ). Assim, para se poder esclarecer se o governador do banco central, ora acusado, beneficia de imunidade nos termos do referido protocolo, impõe‑se distinguir claramente essas diferentes funções.

4.

Em segundo lugar, importa esclarecer que relevância assume, relativamente à admissibilidade de adoção de medidas no âmbito de um processo penal contra um ex‑governador de um banco central, como é o caso do arguido no processo principal, a circunstância de o BCE, os bancos centrais nacionais e os membros dos seus órgãos de decisão exercerem as suas atribuições com total independência, nos termos do artigo 130.o TFUE. Por último, impõe‑se encontrar no presente caso um equilíbrio equitativo entre o interesse dos Estados‑Membros no exercício da ação penal e o interesse da União no bom funcionamento das suas instituições.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

5.

A direção do SEBC vem tratada no artigo 129.o, n.o 1, TFUE:

«O SEBC é dirigido pelos órgãos de decisão do Banco Central Europeu, que são o Conselho do Banco Central Europeu e a Comissão Executiva.»

6.

O artigo 130.o TFUE consagra a independência do BCE, do SEBC e dos bancos centrais dos Estados‑Membros:

«No exercício dos poderes e no cumprimento das atribuições e deveres que lhes são conferidos pelos Tratados e pelos Estatutos do SEBC e do BCE, o Banco Central Europeu, os bancos centrais nacionais, ou qualquer membro dos respetivos órgãos de decisão não podem solicitar ou receber instruções das instituições, órgãos ou organismos da União, dos Governos dos Estados‑Membros ou de qualquer outra entidade. As instituições, órgãos ou organismos da União, bem como os Governos dos Estados‑Membros, comprometem‑se a respeitar este princípio e a não procurar influenciar os membros dos órgãos de decisão do Banco Central Europeu ou dos bancos centrais nacionais no exercício das suas funções.»

7.

O artigo 282.o, n.o 1, TFUE define o SEBC:

«O Banco Central Europeu e os bancos centrais nacionais constituem o Sistema Europeu de Bancos Centrais (adiante designado “SEBC”). O Banco Central Europeu e os bancos centrais nacionais dos Estados‑Membros cuja moeda seja o euro, que constituem o Eurosistema, conduzem a política monetária da União.»

8.

O artigo 283.o, n.o 1, TFUE determina quem é membro do Conselho do BCE:

«O Conselho do Banco Central Europeu é composto pelos membros da Comissão Executiva do Banco Central Europeu e pelos governadores dos bancos centrais nacionais dos Estados‑Membros cuja moeda seja o euro.»

9.

O artigo 343.o TFUE contém a base dos privilégios e imunidades da União:

«A União goza, no território dos Estados‑Membros, dos privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão, nas condições definidas no Protocolo de 8 de abril de 1965 relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia. O mesmo regime é aplicável ao Banco Central Europeu e ao Banco Europeu de Investimento.»

2. Estatutos do SEBC e do BCE

10.

O Protocolo (n.o 4) relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu ( 4 ) incide, no seu artigo 12.o‑1, sobre as responsabilidades dos órgãos de decisão do BCE:

«O Conselho do BCE adota as orientações e toma as decisões necessárias ao desempenho das atribuições cometidas ao SEBC pelos Tratados e pelos presentes Estatutos. O Conselho do BCE define a política monetária da União incluindo, quando for caso disso, as decisões respeitantes a objetivos monetários intermédios, taxas de juro básicas e aprovisionamento de reservas no SEBC, estabelecendo as orientações necessárias à respetiva execução.

[…]

Na medida em que tal seja considerado possível e adequado e sem prejuízo do disposto no presente artigo, o BCE recorrerá aos bancos centrais nacionais para que estes efetuem operações que sejam do âmbito das atribuições do SEBC.»

11.

O artigo 14.o dos Estatutos do SEBC e do BCE tem por objeto os bancos centrais dos Estados‑Membros:

«[…]

14.o‑2.   Os estatutos dos bancos centrais nacionais devem prever, designadamente, que o mandato de um governador de um banco central nacional não seja inferior a cinco anos.

Um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave. O governador em causa ou o Conselho do BCE podem interpor recurso da decisão de demissão para o Tribunal de Justiça com fundamento em violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação. Esses recursos devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação da decisão ou da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tiver tomado conhecimento da decisão.

14.o‑3.   Os bancos centrais nacionais constituem parte integrante do SEBC, devendo atuar em conformidade com as orientações e instruções do BCE. O Conselho do BCE tomará as medidas adequadas para assegurar o cumprimento das orientações e instruções do BCE e pode exigir que lhe seja prestada toda a informação necessária.

14.o‑4.   Os bancos centrais nacionais podem exercer outras funções, além das referidas nos presentes Estatutos, salvo se o Conselho do BCE decidir, por maioria de dois terços dos votos expressos, que essas funções interferem com os objetivos e atribuições do SEBC. Cabe aos bancos centrais nacionais a responsabilidade e o risco pelo exercício dessas funções, que não são consideradas funções do SEBC.»

12.

O artigo 39.o dos Estatutos do SEBC e do BCE tem por objeto os privilégios e imunidades:

«O BCE goza, no território dos Estados‑Membros, dos privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão, nas condições definidas no Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia.»

13.

O artigo 44.o dos Estatutos do SEBC e do BCE respeita ao Conselho Geral do BCE:

«44.o‑1.   Sem prejuízo do disposto no n.o 1 do artigo 129.o [TFUE], é constituído um Conselho Geral como terceiro órgão de decisão do BCE.

44.o‑2.   O Conselho Geral é composto pelo Presidente e pelo Vice‑Presidente do BCE e pelos governadores dos bancos centrais nacionais […]»

3. Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União

14.

O artigo 8.o do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União prevê o regime de imunidade dos membros do Parlamento Europeu pelas opiniões ou votos emitidos:

«Os membros do Parlamento Europeu não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções.»

15.

O artigo 9.o deste protocolo prevê a imunidade dos membros do Parlamento Europeu durante as respetivas sessões:

«Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam:

a)

No seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país.

b)

No território de qualquer outro Estado‑Membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.

Beneficiam igualmente de imunidade, quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu.

A imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e não pode também constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros.»

16.

O artigo 10.o, primeiro parágrafo, deste mesmo protocolo reporta‑se aos representantes dos Estados‑Membros:

«Os representantes dos Estados‑Membros que participam nos trabalhos das instituições da União, bem como os seus conselheiros e peritos, gozam, durante o exercício das suas funções e durante as viagens com destino ou em proveniência de local de reunião, dos privilégios, imunidades e facilidades usuais.»

17.

O artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União tem o seguinte teor:

«No território de cada Estado‑Membro e independentemente da sua nacionalidade, os funcionários e outros agentes da União:

a)

Gozam de imunidade de jurisdição no que diz respeito aos atos por eles praticados na sua qualidade oficial, incluindo as suas palavras e escritos, sem prejuízo da aplicação das disposições dos Tratados relativas, por um lado, às normas sobre a responsabilidade dos funcionários e agentes perante a União e, por outro, à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para decidir sobre os litígios entre a União e os seus funcionários e outros agentes. Continuarão a beneficiar desta imunidade após a cessação das suas funções.»

18.

O artigo 17.o deste protocolo determina:

«Os privilégios, imunidades e facilidades são concedidos aos funcionários e outros agentes da União exclusivamente no interesse desta.

Cada instituição da União deve levantar a imunidade concedida a um funcionário ou outro agente, sempre que considere que tal levantamento não é contrário aos interesses da União.»

19.

O artigo 18.o do mesmo protocolo prevê:

«Para efeitos da aplicação do presente Protocolo, as instituições da União cooperarão com as autoridades responsáveis dos Estados‑Membros interessados.»

20.

Consta o seguinte do artigo 22.o, primeiro parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União:

«O presente Protocolo é igualmente aplicável ao Banco Central Europeu, aos membros dos seus órgãos e ao seu pessoal, sem prejuízo do disposto no Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu.»

4. Regulamento MUS

21.

Desde 4 de novembro de 2014 que o BCE exerce as atribuições específicas que lhe foram conferidas pelo Regulamento MUS no que diz respeito às políticas de supervisão prudencial das instituições de crédito ( 5 ).

22.

O vigésimo oitavo e vigésimo nono considerandos deste regulamento têm o seguinte teor:

«(28)

As atribuições de supervisão não conferidas ao BCE deverão continuar a incumbir às autoridades nacionais. A essas atribuições deverão corresponder os poderes para [a] prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento de atividades terroristas […]

(29)

O BCE deverá, sempre que adequado, cooperar plenamente com as autoridades nacionais que sejam competentes […] na luta contra o branqueamento de capitais.»

23.

O artigo 4.o deste mesmo regulamento enuncia as atribuições conferidas ao BCE:

«1.   Nos termos do artigo 6.o, cabe ao BCE […] exercer em exclusivo, para fins de supervisão prudencial, as seguintes atribuições relativamente à totalidade das instituições de crédito estabelecidas nos Estados‑Membros participantes:

a)

Conceder e revogar a autorização a instituições de crédito, sob reserva do disposto no artigo 14.o;

[…]

d)

Assegurar o cumprimento dos atos a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, que impõem requisitos prudenciais às instituições de crédito em matéria de requisitos de fundos próprios, titularização, limites aos grandes riscos, liquidez, alavancagem financeira, e divulgação pública de informações sobre essas matérias;

e)

Assegurar o cumprimento dos atos a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, que impõem requisitos às instituições de crédito para implementarem disposições adequadas em matéria de governo das sociedades, incluindo requisitos de adequação e de idoneidade das pessoas responsáveis pela gestão de instituições de crédito, processos de gestão dos riscos, mecanismos de controlo interno, políticas e práticas de remuneração, bem como processos internos eficazes de avaliação da adequação do capital, incluindo modelos baseados nas notações internas (Método IRB);

f)

Efetuar exercícios de revisão e avaliação pelo supervisor […], a fim de determinar se os dispositivos, as estratégias, os processos e os mecanismos implementados pelas instituições de crédito e os fundos próprios por elas detidos asseguram uma boa gestão e cobertura dos seus riscos, e, com base nesse processo de revisão, impor às instituições de crédito requisitos específicos de fundos próprios adicionais, requisitos específicos de divulgação de informações, requisitos específicos de liquidez e outras medidas que à luz da legislação aplicável da União possam ser adotadas pelas autoridades competentes;

[…]»

24.

O artigo 6.o do Regulamento MUS regula a cooperação entre o BCE e as autoridades nacionais competentes, que, nos termos do n.o 1 deste artigo, compõem o mecanismo único de supervisão. Segundo o artigo 6.o, n.o 4, distingue‑se, em matéria de supervisão, entre as instituições de crédito mais e menos significativas, sendo que estas últimas continuam, como regra, a ser supervisionadas pelas autoridades nacionais. Excecionam‑se as atribuições de supervisão a que se refere o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), que são sempre exercidas pelo BCE. O artigo 6.o, n.os 5 e 6, apresenta os seguintes excertos:

«5.   No que respeita às instituições de crédito a que se refere o n.o 4 […]

a)

O BCE emite regulamentos, orientações ou instruções gerais, dirigidos às autoridades nacionais competentes, de acordo com os quais as autoridades nacionais competentes exercem as suas atribuições previstas no artigo 4.o, à exceção do n.o 1, alíneas a) e c), e adotam as decisões de supervisão.

[…];

b)

Quando necessário para garantir a aplicação coerente de elevados padrões de supervisão, o BCE pode, a qualquer momento, por iniciativa própria e após consulta às autoridades nacionais competentes ou a pedido de uma autoridade nacional competente, decidir exercer diretamente todos os poderes relevantes em relação a uma ou mais das instituições de crédito a que se refere o n.o 4 […];

c)

O BCE supervisiona o funcionamento do sistema […];

[…]

6.   Sem prejuízo do n.o 5 do presente artigo, as autoridades nacionais competentes exercem e são responsáveis pelas atribuições de supervisão a que se refere o artigo 4.o, n.o 1, alíneas b), d) a g), e i), adotando todas as decisões de supervisão relevantes dirigidas às instituições de crédito a que se refere o n.o 4, primeiro parágrafo […]

[…]

As autoridades nacionais competentes informam periodicamente o BCE sobre as atividades realizadas no âmbito do presente artigo.

[…]»

25.

Entre os poderes específicos de supervisão do BCE conta‑se a revogação da autorização, nos termos do artigo 14.o, n.o 5, deste regulamento:

«Sob reserva do disposto no n.o 6, o BCE pode revogar a autorização nos casos previstos na legislação aplicável da União, por sua própria iniciativa, na sequência de consultas com a autoridade nacional competente do Estado‑Membro participante em que a instituição de crédito está estabelecida, ou sob proposta dessa autoridade nacional competente […]

Caso a autoridade nacional competente que propôs a autorização nos termos do n.o 1 considere que essa autorização deve ser revogada de acordo com a legislação nacional aplicável, apresenta ao BCE uma proposta nesse sentido. O BCE toma uma decisão sobre a revogação proposta tendo plenamente em conta a justificação apresentada pela autoridade nacional competente.»

26.

O artigo 26.o do Regulamento MUS tem por objeto o Conselho de Supervisão:

«1.   O planeamento e a execução das atribuições conferidas ao BCE estão integralmente a cargo de um órgão interno composto por um Presidente e um Vice‑Presidente, nomeados nos termos do n.o 3, por quatro representantes do BCE, nomeados nos termos do n.o 5, e por um representante da autoridade nacional competente para a supervisão das instituições de crédito de cada Estado‑Membro participante (“Conselho de Supervisão”). Todos os membros do Conselho de Supervisão agem no interesse da União como um todo.

Caso a autoridade competente não seja um banco central, o membro do Conselho de Supervisão referido no presente número pode decidir fazer‑se acompanhar de um representante do Banco Central do Estado‑Membro. Para efeitos do procedimento de votação estabelecido no n.o 6, os representantes das autoridades de qualquer um dos Estados‑Membros são, no seu conjunto, considerados como um único membro.

[…]

8.   Sem prejuízo do artigo 6.o, o Conselho de Supervisão efetua os trabalhos preparatórios respeitantes às atribuições de supervisão conferidas ao BCE e propõe ao Conselho do BCE projetos de decisão completos a adotar por este último […]»

5. Diretiva CRD

27.

A Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento («Capital Requirements Directive», a seguir «Diretiva CRD») ( 6 ) regula, no seu artigo 18.o, os pressupostos materiais da revogação da autorização como segue:

«As autoridades competentes só podem revogar a autorização concedida a uma instituição de crédito caso essa instituição de crédito:

[…]

c)

Deixe de reunir as condições de concessão da autorização;

d)

Deixe de cumprir os requisitos prudenciais enunciados nas partes III, IV ou VI do Regulamento (UE) n.o 575/2013 ou impostos por força do artigo 104.o, n.o 1, alínea a), ou do artigo 105.o da presente diretiva, ou deixe de oferecer garantias de poder cumprir as suas obrigações para com os seus credores e, em especial, deixe de garantir a segurança dos ativos que lhe tenham sido confiados pelos seus depositantes;

e)

Se encontre em qualquer outra situação em que o direito nacional preveja a revogação; ou

f)

Cometa uma das infrações a que se refere o artigo 67.o, n.o 1.»

6. Regulamento‑Quadro do MUS

28.

O Regulamento (UE) n.o 468/2014 do Banco Central Europeu, de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o Banco Central Europeu e as autoridades nacionais competentes e com as autoridades nacionais designadas ( 7 ), incide, no seu artigo 83.o, sobre a «[d]ecisão do BCE de revogar uma autorização». Os n.os 1 e 2 deste artigo têm o seguinte teor:

«1.   O BCE tomará a decisão sobre a revogação de uma autorização sem demora injustificada. Para esse efeito, pode aceitar ou rejeitar o projeto de decisão de revogação em causa.

2.   Ao tomar a sua decisão, o BCE terá em consideração todos os elementos seguintes: a) a sua avaliação das circunstâncias que fundamentam a revogação; b) se for caso disso, o projeto de decisão de revogação da ANC; c) a consulta à ANC relevante e, caso a ANC não seja a autoridade nacional de resolução, à autoridade nacional de resolução (juntamente com a ANC, as “autoridades nacionais”); d) quaisquer comentários submetidos pela instituição de crédito […]»

B.   Direito letão

29.

O artigo 120.o do Kriminālprocesa likums (Código de Processo Penal, Letónia) ( 8 ) inclui uma lista das autoridades que gozam de imunidade. O Banco da Letónia e o seu governador não figuram nessa lista.

30.

O artigo 404.o deste código estabelece, como regra, que o Ministério Público transmite à autoridade competente uma proposta de autorização para instaurar um processo penal contra uma pessoa que, por força da lei, beneficia de imunidade penal quando considere que existem elementos que permitem demonstrar a sua responsabilidade penal. À proposta devem ser juntas informações sobre os elementos de prova demonstrativos da culpa da pessoa cujo levantamento da imunidade é requerido.

31.

O Krimināllikums (Código Penal, Letónia) ( 9 ) prevê e pune como ilícitos penais, nomeadamente, o branqueamento de capitais (artigo 195.o) e a corrupção (artigo 320.o).

III. Matéria de facto e processo principal

32.

AB, o arguido no processo principal (a seguir «arguido»), foi governador do Latvijas Banka (Banco Central da Letónia) desde 21 de dezembro de 2001. Nesta função podia participar nas reuniões do Conselho da Finanšu un kapitāla tirgus komisija (Comissão dos Mercados Financeiros e de Capitais, Letónia, a seguir «FKTK»), que é a entidade que, na Letónia, autoriza e supervisiona as instituições de crédito.

33.

A Trasta Komercbanka AS (a seguir «Trasta Komercbanka») é uma instituição de crédito de direito letão, à qual a FKTK concedeu, em 1991, uma autorização para a prestação de serviços financeiros. A partir de 4 de novembro de 2014 a FKTK passou a exercer as atribuições de supervisão conferidas ao BCE, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alíneas b), d) a g) e i), do Regulamento MUS, relativamente à Trasta Komercbanka ( 10 ).

34.

No seguimento de proposta da FKTK, de 5 de fevereiro de 2016, o BCE, por Decisão de 3 de março de 2016, substituída por Decisão de 11 de julho de 2016, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), em conjugação com o artigo 14.o, n.o 5, do Regulamento MUS e o artigo 83.o, n.o 1, do Regulamento‑Quadro do MUS, revogou a autorização da Trasta Komercbanka como instituição de crédito ( 11 ).

35.

No dia 15 de fevereiro de 2018, o Korupcijas novēršanas un apkarošanas birojs (Serviço de Prevenção e Luta Contra a Corrupção, Letónia) instaurou um inquérito penal contra o arguido, por suspeita da prática de crime de corrupção no quadro do procedimento de supervisão relativo à Trasta Komercbanka, que foi iniciado na Letónia e que antecedeu a revogação da respetiva autorização.

36.

Por um lado, imputa‑se concretamente ao arguido ter beneficiado, entre 20 e 30 de agosto de 2010, de uma viagem de recreio no valor de 7490 euros, paga pelo presidente do Conselho de Supervisão e acionista da Trasta Komercbanka. Em contrapartida, o arguido, recorrendo nomeadamente a informações, por si licitamente obtidas devido à posição que ocupava, acerca das medidas de supervisão e de controlo adotadas pela FKTK relativamente à Trasta Komercbanka, aconselhou ilicitamente, antes do final de 2015, o referido sujeito. Terá sido matéria do referido aconselhamento: em primeiro lugar, a incapacidade da Trasta Komercbanka para garantir duradouramente um verdadeiro sistema de controlo interno para cumprir as exigências da lei letã de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo; em segundo lugar, o aumento do capital social necessário para garantir uma participação qualificada; e, em terceiro lugar, as diligências necessárias para atrair investidores (acionistas). Estas questões deram origem a diversos controlos efetuados pela FKTK durante o período compreendido entre 29 de julho de 2009 e 31 de dezembro de 2015, imputando‑se ao arguido ter ajudado a elaborar as respostas a dar às questões colocadas pela FKTK no contexto dos controlos e ter aconselhado sobre a forma como a Trasta Komercbanka se deveria comportar no âmbito dos controlos.

37.

Por outro lado, imputa‑se ao arguido ter aceitado, entre 23 de agosto de 2012 e 9 de maio de 2013, uma proposta de suborno que lhe foi apresentada pelo vice‑presidente e acionista da Trasta Komercbanka, no montante de 500000 euros, tendo recebido metade deste montante (250000 euros) pessoalmente ou através de um intermediário coarguido. Em contrapartida, o arguido, após o dia 23 de agosto de 2012 e até 31 de dezembro de 2015, aconselhou a Trasta Komercbanka a respeito da supervisão efetuada pela FKTK, ajudando ainda aquela sociedade a apresentar a sua posição na sua correspondência com a FKTK. A conduta do arguido terá contribuído para que a FKTK revogasse parte das restrições anteriormente aplicadas à Trasta Komercbanka. O arguido não terá recebido o remanescente do suborno porque a FKTK manteve uma parte das restrições, tendo, além disso, aplicado outras restrições às atividades da Trasta Komercbanka.

38.

No contexto ainda das duas imputações do Korupcijas novēršanas un apkarošanas birojs (Serviço de Prevenção e Luta Contra a Corrupção, Letónia), o arguido, até à proposta da FKTK de revogar a autorização da Trasta Komercbanka, não participou nas reuniões do Conselho da referida FKTK, em que foram abordadas questões relativas à supervisão da Trasta Komercbanka. Assim, o arguido, violando os seus deveres, absteve‑se assim de impedir que os rácios de adequação dos fundos próprios e de cobertura das necessidades de liquidez da Trasta Komercbanka se deteriorassem e que ocorresse um possível branqueamento de capitais nessa instituição de crédito.

39.

Por último, imputa‑se ao arguido ter investido dissimuladamente através de uma empresa coarguida, em 2012 e 2013, um montante significativo do suborno obtido, no valor de 250000 euros, na aquisição de um imóvel.

40.

Em 28 de junho de 2018, o procurador junto do Rīgas rajona tiesa (Tribunal de Primeira Instância de Riga, Letónia) deduziu acusação pela prática do crime de recebimento de suborno, tendo essa acusação sido ampliada em 24 de maio de 2019, passando a ter também por objeto a prática do crime de branqueamento de capitais.

41.

No dia 20 de dezembro de 2019, terminou o último mandato do arguido, como governador do Banco da Letónia.

42.

O Rīgas rajona tiesa (Tribunal de Primeira Instância de Riga) deu início ao processo‑crime em primeira instância e tem agora de decidir acerca da abertura da audiência de instrução no âmbito do processo penal.

IV. Questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

43.

Uma vez que o Rīgas rajona tiesa (Tribunal de Primeira Instância de Riga) tem dúvidas, neste contexto, acerca da aplicabilidade e do alcance das imunidades consagradas no Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, proferiu, em 20 de dezembro de 2019, Despacho através do qual suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 267.o TFUE, as seguintes questões, para decisão prejudicial:

«1)   O artigo 11.o, alínea a), e o artigo 22.o, primeiro parágrafo, do Protocolo [r]elativo aos Privilégios e Imunidades da União aplicam‑se à função de membro do Conselho do Banco Central Europeu, exercida pelo governador de um banco central de um Estado‑Membro, concretamente o presidente do Banco da Letónia?

2)   Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, essas disposições continuam a assegurar a essa pessoa imunidade contra um processo penal mesmo depois de ter deixado o lugar de governador do banco central de um Estado‑Membro e, portanto, o lugar de membro do Conselho do Banco Central Europeu?

3)   Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, essa imunidade apenas se refere à imunidade “de jurisdição”, conforme indicado no artigo 11.o, alínea a), do Protocolo [r]elativo aos Privilégios e Imunidades da União, ou também se refere às ações penais, incluindo à notificação do despacho de acusação e a obtenção das provas? Caso a imunidade se aplique à ação penal, essa circunstância afeta a possibilidade de utilizar as provas?

4)   Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o artigo 11.o, alínea a), do Protocolo [r]elativo aos Privilégios e Imunidades da União, conjugado com o artigo 17.o do mesmo protocolo, permite ao titular do processo ou, na fase correspondente do processo, ao tribunal apreciar a existência de um interesse da União Europeia no contexto do referido processo e, apenas caso essa existência seja apurada — ou seja, se as atuações em causa do arguido estiverem relacionadas com o exercício das suas funções numa instituição da União Europeia —, pedir à instituição em causa, concretamente o Banco Central Europeu, o levantamento da imunidade da referida pessoa?

5)   A existência de um interesse da União Europeia, quando da aplicação das disposições do Protocolo [r]elativo aos Privilégios e Imunidades da União, deve estar sempre diretamente relacionado com as decisões tomadas ou com os atos praticados no exercício das funções numa instituição da União Europeia? Com efeito, pode esse funcionário ser objeto de um ato processual penal se a acusação de que foi objeto não estiver relacionada com as suas funções numa instituição da União Europeia, mas com as atividades desenvolvidas no contexto das suas funções num Estado‑Membro?»

44.

Pronunciaram‑se acerca das questões prejudiciais, tanto por escrito como na audiência realizada no dia 26 de janeiro de 2021, o arguido, a República da Letónia, a República Italiana, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. Na audiência tomaram ainda posição o coarguido CE e o LR Ģenerālprokuratūras Krimināltiesiskā departamenta Sevišķi svarīgu lietu izmeklēšanas nodaļa (Serviço de Investigação para os Processos de Especial Relevância do Departamento Penal da Procuradoria‑Geral da República da Letónia).

V. Apreciação jurídica

45.

O órgão jurisdicional de reenvio tem em mãos um processo penal instaurado contra o ex‑governador do Banco Central da Letónia, no qual este é acusado, nomeadamente, de suborno no âmbito de um procedimento de supervisão prudencial que tinha por objeto um banco letão. Segundo o direito letão, o referido órgão jurisdicional de reenvio não pode proceder à abertura da audiência de instrução no âmbito do processo penal se a isso se opuser a imunidade do arguido.

46.

O direito letão não prevê a imunidade do Banco Central da Letónia ou dos respetivos órgãos. Contudo, nos termos do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, os funcionários e outros agentes da União gozam no território dos Estados‑Membros de imunidade de jurisdição no que diz respeito «aos atos por eles praticados na sua qualidade oficial». Nos termos do seu artigo 22.o, primeiro parágrafo, o protocolo é igualmente aplicável ao BCE, aos membros dos seus órgãos e ao seu pessoal. Segundo o artigo 282.o, n.o 1, primeiro período, TFUE, os bancos centrais nacionais integram o SEBC e os respetivos governadores — na medida em que os respetivos Estados‑Membros integrem o Eurosistema ( 12 ) — são membros do Conselho do BCE, o órgão de decisão hierarquicamente mais elevado no BCE.

47.

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende apurar, através das suas cinco questões prejudiciais, se as disposições do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, em particular a imunidade de jurisdição respeitante aos atos praticados na qualidade oficial, prevista no seu artigo 11.o, alínea a), se aplica, nas circunstâncias factuais do processo principal, ao ex‑governador do Banco Central letão, entretanto acusado, e quais são as consequências concretas que daí decorrem para o processo penal pendente.

48.

Para este efeito, importa esclarecer, em resposta às primeiras três questões prejudiciais, sob que pressupostos a imunidade de jurisdição respeitante a atos praticados na qualidade oficial, prevista no artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, se aplica a um governador de um banco central nacional, e com que alcance. A este propósito, importa nomeadamente esclarecer — dando‑se assim resposta à primeira parte da terceira questão prejudicial — se o artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União abrange também medidas no âmbito de um processo penal (v., infra, A).

49.

Seguidamente, em resposta à quarta questão prejudicial, importa apreciar como e, no caso concreto, através de quem se determina se os atos imputados ao arguido se encontram abrangidos pela imunidade prevista no artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, e em que condições pode essa imunidade ser levantada (v., infra, B).

50.

Neste contexto, há que incidir, também, sobre a questão de saber se, no caso específico de um governador de um banco central, a imunidade pode, eventualmente, ser mais abrangente. Esta questão é suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio através da sua quinta questão prejudicial, com a qual pretende, no essencial, apurar se o direito da União impede que sejam adotadas medidas no quadro de um processo penal contra um governador de um banco central, quando este não atuou no exercício das suas funções de direito da União (v., infra, C).

51.

Por último, no quadro da resposta à segunda parte da terceira questão prejudicial, importa esclarecer qual é a consequência da violação da imunidade prevista no artigo 11.o, alínea a), do protocolo (v., infra, D).

A.   Quanto à aplicabilidade do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União e ao alcance da imunidade em causa (primeira a terceira questões prejudiciais)

1. Quanto às disposições aplicáveis do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União (primeira e segunda questões prejudiciais)

52.

Tal como já foi decidido, o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidade da União é, por força do seu artigo 22.o, primeiro parágrafo, igualmente aplicável ao BCE, aos membros dos seus órgãos e ao seu pessoal. O principal órgão de decisão do BCE é o Conselho do BCE, o qual, nos termos do artigo 283.o, n.o 1, TFUE, é composto pelos membros da Comissão Executiva do Banco Central Europeu e pelos governadores dos bancos centrais nacionais dos Estados‑Membros cuja moeda seja o euro ( 13 ).

53.

A acusação em causa no processo principal tem por objeto atos praticados entre meados de 2010 e o final de 2015 e, por conseguinte, em parte numa altura anterior à adesão da Letónia à zona euro, em 1 de janeiro de 2014, e, concomitantemente, anterior à participação do arguido no Conselho do BCE. Contudo, nos termos do artigo 44.o‑2, primeiro período, dos Estatutos do SEBC e do BCE, os governadores dos bancos centrais são membros do Conselho Geral, o qual, segundo o artigo 44.o‑1 dos mesmos estatutos, é o terceiro órgão de decisão do BCE. Destarte, o arguido era membro do referido Conselho Geral desde a adesão da Letónia à União Europeia, em 1 de maio de 2004, e, portanto, durante todo o período abrangido pela acusação.

54.

O Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidade da União prevê imunidades para três grupos distintos de pessoas, com alcances diferentes entre si segundo o seu objeto, por um lado, e o seu âmbito de proteção, por outro.

55.

Em primeiro lugar, o protocolo prevê, para os membros do Parlamento Europeu, o regime de imunidade descrito nos artigos 8.o e 9.o A imunidade a que se refere o artigo 8.o cinge‑se, quanto ao seu objeto, às opiniões e aos votos emitidos na qualidade oficial, mas confere proteção no sentido de as pessoas em causa não poderem ser procuradas, detidas ou perseguidas. Nos termos do artigo 9.o, a imunidade em causa, quanto ao seu objeto, limita‑se temporalmente ao período de duração das sessões do Parlamento Europeu, sendo, contudo, que, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), durante o referido período essa imunidade só implica, no território de qualquer outro Estado‑Membro que não o de origem, a não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.

56.

Em segundo lugar, nos termos do artigo 10.o do mesmo protocolo, os representantes do Estados‑Membros que participam nos trabalhos das instituições da União «gozam […] dos privilégios, imunidades e facilidades usuais». Esta referência deve ser entendida como uma remissão para a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (a seguir «CVRD») e, em especial, para os seus artigos 29.o a 31.o Nos termos deste artigo 29.o da CVRD, a «pessoa do agente diplomático» é inviolável. Esta disposição não prevê qualquer limitação do objeto da imunidade. De resto, o diplomata «[n]ão poderá ser objeto de qualquer forma de detenção ou prisão». Por último, o artigo 31.o, n.o 1, da CVRD prevê que o agente diplomático goza de imunidade de jurisdição penal, civil e administrativa no Estado acreditador, sem qualquer limitação em função da natureza dos atos ( 14 ). Nos termos do artigo 31.o, n.o 2, da CVRD, o agente diplomático também não é obrigado a prestar depoimento como testemunha.

57.

Em terceiro lugar, o artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União aplica‑se a todos os demais funcionários e outros agentes da União. A imunidade aí prevista limita‑se, quanto ao seu objeto, aos atos por eles praticados «na sua qualidade oficial» e, quanto ao seu âmbito de aplicação, à «jurisdição» dos Estados‑Membros.

58.

Os artigos 8.o e 9.o do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União não são manifestamente aplicáveis, in casu.

59.

Contudo, os governadores dos bancos centrais dos Estados‑Membros também não caem no âmbito de aplicação do artigo 10.o do protocolo. Pois, justamente quando atuam na sua função de membros dos órgãos de decisão do BCE, não devem ser considerados «representantes dos Estados‑Membros». Especificamente no domínio do SEBC, o Tribunal de Justiça já decidiu que prevalece uma distinção menos acentuada do ordenamento jurídico da União e dos ordenamentos jurídicos nacionais ( 15 ). Os governadores dos bancos centrais nacionais estão sujeitos neste sistema muito integrado a um desdobramento funcional ou a um estatuto híbrido ( 16 ). Poder‑se‑ão tecer considerações paralelas a propósito da União Bancária. Como membros do Conselho do BCE, executam atribuições da supervisão bancária europeia ( 17 ). Mas nesta função não devem ser considerados representantes das autoridades nacionais. De resto, as imunidades diplomáticas dos representantes dos Estados‑Membros aplicam‑se apenas relativamente ao Estado acreditador e não relativamente ao Estado acreditante.

60.

Por conseguinte, aos governadores dos bancos centrais nacionais aplica‑se exclusivamente o regime de imunidade consagrado no artigo 11.o, alínea a), do protocolo.

2. Quanto à limitação da imunidade aos «atos […] praticados na […] qualidade oficial»

61.

Nos termos do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, «os funcionários e outros agentes da União […] [g]ozam de imunidade de jurisdição no que diz respeito aos atos por eles praticados na sua qualidade oficial, incluindo as suas palavras e escritos […]». Ao contrário da já referida imunidade diplomática pessoal (imunidade ratione personae), a mencionada disposição aplica‑se, não a certa pessoa genericamente, mas sim apenas aos atos praticados com uma certa relação material, ou seja, os atos que revelem natureza de serviço. Está assim em causa a chamada imunidade funcional, também denominada, por isso, imunidade ratione materiae. A mera circunstância de se assumir a qualidade de agente da União não basta, portanto, para que se aplique esta imunidade ( 18 ).

62.

Isto significa, para os governadores dos bancos centrais nacionais, atendendo ao seu desdobramento funcional ou ao estatuto híbrido a que se encontram sujeitos no SEBC e na União Bancária, que o artigo 11.o, alínea a), do protocolo, em regra, só se lhes aplica na medida em que tenham atuado como funcionários da União ( 19 ).

63.

A limitação do alcance da imunidade dos agentes da União justifica‑se pelo facto de a União, nos termos do artigo 343.o TFUE, só gozar «dos privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão». Por conseguinte, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, através dos privilégios e imunidades concedidos à União, se visam evitar os entraves ao seu bom funcionamento e à sua independência ( 20 ). O artigo 17.o, primeiro parágrafo, do protocolo confirma o caráter limitado das imunidades da União, ao determinar que as imunidades são concedidas aos funcionários e outros agentes da União exclusivamente no interesse desta ( 21 ), e não no próprio interesse dos agentes. Desta forma, as imunidades são funcionais não apenas em relação ao seu objeto mas também em relação ao seu sentido e ao seu objetivo.

64.

Para o funcionamento sem entraves e para a independência das instituições da União é imprescindível que se conceda imunidade para atos oficiais. Pois se os agentes da União não gozassem de imunidade de jurisdição relativamente aos Estados‑Membros, pela prática de atos praticados no exercício de funções, primeiro, correriam o risco de as autoridades dos Estados‑Membros agirem judicialmente contra eles precisamente por causa desses atos ( 22 ). Uma situação deste tipo poderia eventualmente conduzir a um excesso de cautela ou mesmo à paralisação da atividade das instituições da União.

65.

Segundo, constituiria um entrave ao bom funcionamento e à independência das instituições da União se as respetivas atividades pudessem ser apreciadas à luz do direito interno dos Estados‑Membros ( 23 ). Uma situação deste tipo poderia constituir um óbice ao cumprimento das suas atribuições. É por este motivo que o artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União exclui a jurisdição dos Estados‑Membros para os atos praticados pelos funcionários e outros agentes da União na sua qualidade oficial.

66.

Além disso, assegura‑se desta forma a competência exclusiva do Tribunal de Justiça da União Europeia para a fiscalização da legalidade dos atos das instituições da União, à qual se refere o artigo 263.o TFUE. Com efeito, se um funcionário atua no exercício de funções, é a própria instituição que atua. Por conseguinte, não pode um tal ato ser objeto de apreciação pelos Estados‑Membros.

67.

Ambos os objetivos da imunidade por atos oficiais são flanqueados pelo artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE. Segundo o mesmo, na relação externa, é a própria União, e não os seus agentes, que responde por atos praticados no exercício de funções. Nos termos do artigo 268.o TFUE, é ao Tribunal de Justiça que cabe a competência exclusiva para conhecer da verificação de uma tal responsabilidade ( 24 ).

3. Quanto à limitação da imunidade à «jurisdição» dos Estados‑Membros (primeira parte da terceira questão prejudicial)

68.

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se o artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União exclui apenas a instauração de processos judiciais que tenham por objeto atos praticados por agentes da União na sua qualidade oficial ou se também é inadmissível o exercício da ação penal em relação a esses atos, anterior ao processo judicial propriamente dito.

69.

Resulta desde logo do teor do artigo 11.o, alínea a), do protocolo que não podem ser instaurados processos judiciais por atos oficiais praticados pelas pessoas em causa. A imunidade abrange atos de qualquer domínio jurídico e, portanto, abrange também a jurisdição penal ( 25 ).

70.

Contudo, ao contrário do entendimento propugnado pela Letónia, a imunidade a que se refere o artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União não se cinge ao processo judicial em sentido estrito, antes abrangendo também a fase de inquérito.

71.

É o que se extrai dos textos de algumas versões linguísticas desta disposição, que nem sempre contêm referência à componente «judicial» ( 26 ). Desde logo, a própria fase de inquérito pode conter elementos judiciais, por exemplo, sob a forma de atos cuja competência se encontre pontualmente atribuída a um juiz de instrução criminal. Porém, uma vez que o alcance da imunidade não pode depender da concreta configuração do processo penal e da distribuição das competências entre as autoridades de ação penal e os tribunais, segundo as leis dos vários Estados‑Membros, importa partir do princípio que a imunidade se aplica, em geral, a todas as medidas de coação adotadas por autoridades públicas no âmbito de uma investigação criminal ( 27 ).

72.

Assim, concretamente, são inadmissíveis nos termos do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, sem prévio levantamento da imunidade, a detenção do arguido, a prestação de declarações de arguido e a realização de buscas junto do arguido. O mesmo aplica‑se relativamente a medidas comparáveis no quadro de processos administrativos ou cíveis que tenham por objeto a prática de atos oficiais por um agente da União ( 28 ).

73.

O Tribunal de Justiça confirmou recentemente este entendimento do alcance do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União ao salientar que, segundo esta disposição, os funcionários da União não podem ser sujeitos, pela prática de atos oficiais, designadamente, a medidas privativas de liberdade ( 29 ).

74.

Esta interpretação encontra ainda apoio no artigo 19.o do Estatuto dos Funcionários, segundo o qual os funcionários da União carecem de autorização quando devam prestar declarações em juízo sobre atividades oficiais ou factos de que tenham tido conhecimento por causa das respetivas funções. Daqui resulta, a contrario sensu, que o legislador da União partiu do princípio de que, de outro modo, a imunidade de jurisdição obsta à prestação de declarações por funcionário, seja como testemunha ou arguido.

75.

Em contrapartida, a natureza funcional da imunidade consagrada no artigo 11.o, alínea a), do protocolo impede que se a entenda como uma proibição geral de investigação ou de julgamento.

76.

Em primeiro lugar, se se tivesse querido excluir a hipótese de os agentes da União serem de uma qualquer forma visados em inquéritos penais, ter‑se‑ia determinado isso mesmo, de forma expressa, no Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União. De certa forma, é nesse sentido que pode ser lido o artigo 8.o do protocolo, a propósito dos membros do Parlamento Europeu. Diz‑se aí que estes não podem, por causa das opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções, «ser procurados […] ou perseguidos».

77.

Em segundo lugar, a proibição sequer de investigar ou de julgar casos que pudessem eventualmente ficar abrangidos pelo artigo 11.o, alínea a), do protocolo estaria, na prática, a ser estabelecida em função da pessoa do funcionário da União em causa. Mas dessa forma esbater‑se‑iam as fronteiras relativamente à imunidade pessoal ( 30 ).

78.

Em terceiro lugar, como foi corretamente referido pelo Governo italiano, ficar‑se‑ia logo à partida impedido de verificar a existência de uma eventual relação com as atribuições oficiais de uma instituição da União se as autoridades de ação penal, sempre que estivessem em causa atos de agentes da União, nem sequer pudessem dar início à investigação dos factos relevantes.

79.

Por último, em quarto lugar, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União não pode ser interpretado de forma a tornar excessivamente difícil, ou mesmo impossível, conduzir inquéritos penais no território dos Estados‑Membros ( 31 ). Por outras palavras, a natureza funcional e, por conseguinte, limitada dos privilégios e das imunidades consagrados no protocolo deve assegurar um equilíbrio adequado entre os interesses da União na sua independência e na sua funcionalidade, por um lado, e o interesse dos Estados‑Membros na efetividade da sua prossecução penal. Contudo, uma proibição genérica de investigação extravasaria o necessário «ao cumprimento da sua missão», na aceção do artigo 343.o TFUE.

80.

É certo que não se pode excluir que, em determinados casos, o simples facto de se abrir inquérito contra um funcionário da União por atos oficiais possa, desde logo, pôr em causa a independência ou o bom funcionamento das instituições da União. Mas é por isso que o artigo 18.o do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União prevê que, para efeitos da aplicação do protocolo, as instituições da União cooperarão com as autoridades responsáveis dos Estados‑Membros interessados. Desta forma, pretende‑se evitar qualquer conflito na interpretação e na aplicação das disposições do protocolo ( 32 ) e assegurar, de forma geral, que não se frustram os objetivos do protocolo. Neste sentido, o artigo 18.o do protocolo precisa o princípio consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE ( 33 ).

81.

É por isso que as autoridades nacionais de ação penal e os juízes de instrução criminal têm o dever de informar, logo na fase inicial do processo, a instituição da União para a qual o arguido trabalha acerca do inquérito que corra termos e, se for caso disso, solicitar o levantamento da imunidade ( 34 ). Pois a referida instituição tem de ter a possibilidade de avaliar se existe o risco de serem colocados entraves ao seu bom funcionamento e à sua independência ( 35 ). Poderá verificar‑se uma exceção, no limite, nos casos em que é manifesto que não se verifica qualquer relação entre os atos objeto do inquérito e as atribuições e os deveres do arguido decorrentes do direito da União. Contudo, atendendo à estreita imbricação entre competências nacionais e da União no domínio do SEBC e da supervisão bancária europeia, afigura‑se difícil conceber que um ato de um governador de um banco central, que aparentemente foi praticado no exercício de funções, afinal possa ser classificado como sendo exclusivamente de competência nacional.

82.

Se a instituição da União entender que inexiste qualquer relação entre os factos imputados e as atribuições do funcionário ou o interesse da União na manutenção da imunidade, na aceção do artigo 17.o, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, o inquérito pode prosseguir. A pessoa afetada pode, neste caso, nos termos do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto dos Funcionários e, eventualmente, do artigo 91.o do mesmo, reclamar ou interpor recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia, que decidirá, então, se a imunidade foi ou não indevidamente rejeitada ou levantada. O Tribunal de Justiça já decidiu, a este propósito, que uma tal decisão da instituição constitui um «ato que causa prejuízo», já que produz efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar, direta e imediatamente, os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica ( 36 ). Neste sentido, a decisão que rejeita ou levanta a imunidade preenche todos os pressupostos de ato recorrível, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE ( 37 ), de modo que também pode ser impugnada por interessados não abrangidos pelo Estatuto dos Funcionários, como é o caso dos agentes do BCE e dos governadores dos bancos centrais nacionais.

83.

Já se a instituição considerar que existe uma relação com as atribuições exercidas e que seria contrário aos seus interesses levantar a imunidade, pode o juiz de instrução criminal competente, logo no âmbito do inquérito, caso não pretenda aceitar a referida decisão, dirigir ao Tribunal de Justiça um «pedido de cooperação judiciária» ( 38 ). Está aqui em causa uma forma de processo específica, com a abreviatura «IMM» (pedido relativo às imunidades, «demande relative aux immunités»). Neste contexto, o Tribunal de Justiça aprecia se a instituição podia rejeitar o levantamento da imunidade ( 39 ).

84.

Por último, caso as autoridades ou os órgãos jurisdicionais nacionais se recusem a apelar, eles próprios, nos termos descritos, aos órgãos da União ou ao Tribunal de Justiça, pode o próprio interessado na manutenção da imunidade instaurar um procedimento «IMM» no Tribunal de Justiça, com vista à declaração de que beneficia dessa imunidade ( 40 ). Além disso, pode ser alegado o incumprimento da obrigação de cooperação leal na aplicação do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União ( 41 ).

85.

Mesmo que isso não suceda, o tribunal nacional tem o dever, nos termos do artigo 18.o do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, de, antes do início do julgamento, submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, ao abrigo do artigo 267.o TFUE ( 42 ) — como sucedeu in casu.

86.

Resulta de todo o exposto que a imunidade de jurisdição, no que diz respeito aos atos praticados por agentes da União na sua qualidade oficial, na aceção do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, abrange a adoção de medidas de coação públicas no âmbito de um procedimento criminal, mas não obsta em termos gerais à instauração e à condução de inquérito penal.

4. Conclusão intercalar

87.

Nos termos do artigo 22.o, primeiro parágrafo, em conjugação com o artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, os governadores dos bancos centrais dos Estados‑Membros encontram‑se abrangidos pelo respetivo âmbito de aplicação, sempre que atuem oficialmente na qualidade de titulares de cargos da União no domínio do SEBC ou da União Bancária, nomeadamente nas respetivas funções de membros do Conselho Geral do BCE ou do Conselho do BCE.

88.

A imunidade de jurisdição, na aceção artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, abrange não só os processos judiciais em sentido estrito, que tenham por objeto atos oficiais, mas também a adoção de medidas de coação públicas no âmbito de procedimento criminais relativos a esses atos. Contudo, não obsta, em termos gerais, à instauração e à condução de inquéritos penais que tenham por objeto os referidos atos.

89.

Resulta ainda da redação da referida disposição que o benefício da imunidade de jurisdição se mantém «após a cessação das suas funções». Desta forma, esclarece‑se que a imunidade vigora mesmo após a cessação do mandato. Contudo, só tem por objeto os atos oficiais praticados durante o mandato. É irrelevante quando é posto em causa o ato praticado durante esse mandato.

B.   Quanto aos pressupostos concretos da imunidade de jurisdição nos termos do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União (quarta questão prejudicial)

90.

Através da quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, como se deve apreciar se o arguido, no caso concreto, goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, qual a relevância que assume a existência de um interesse da União e em que circunstâncias tem o referido órgão jurisdicional de pedir ao BCE o levantamento da imunidade.

91.

A fim de se determinar se certo ato foi praticado na qualidade oficial, nos termos do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, importa atender ao nexo que existe entre o ato praticado e as obrigações e atribuições do agente da União ( 43 ). Neste sentido, questiona o órgão jurisdicional de reenvio se pode, ele próprio, apreciar se esse nexo se verifica.

92.

Desta forma, importa, num primeiro momento, esclarecer quem tem competência para apreciar se existe algum nexo com as atribuições da instituição da União ou dos seus agentes (v., infra, 1). Num segundo momento, importa determinar os critérios ao abrigo dos quais se deve apreciar esse nexo (v., infra, 2). Por último, importa, num terceiro momento, apurar quais são as circunstâncias que, no caso concreto e no quadro da referida avaliação, devem ser chamadas à colação (v., infra, 3).

1. Quanto à competência para apreciar o nexo com as atribuições da União

93.

É certo que, na prática, são as autoridades de ação penal ou os tribunais dos Estados‑Membros que, inicialmente, se encontram confrontados com a questão de saber se a imunidade de um agente da União pode impedir o prosseguimento dos autos. São apenas essas entidades que dispõem das informações necessárias sobre a matéria de facto das quais pode resultar sequer uma eventual relação com as atribuições de uma instituição da União. Por conseguinte, é da própria natureza das coisas que são as autoridades ou os tribunais nacionais os primeiros a debruçarem‑se sobre a questão da verificação ou não de imunidade, ao abrigo do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União.

94.

Contudo, isto não significa que possam decidir autonomamente se existe ou não um nexo entre os atos em investigação e as atribuições oficiais de um agente da União. Têm, isso sim, de se dirigir ao Tribunal de Justiça, logo que constatem que certa conduta pode, prima facie, cair no âmbito de aplicação do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União ( 44 ).

95.

Neste sentido, importa começar por recordar que a imunidade respeitante a atos oficiais, nos termos do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, visa, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, evitar que as atividades oficiais das instituições e dos seus agentes possam ser apreciadas à luz do direito interno dos Estados‑Membros. Desta forma, pretende‑se também assegurar a competência exclusiva do Tribunal de Justiça da União Europeia para a fiscalização da legalidade dos atos das instituições da União, à qual se refere o artigo 263.o TFUE ( 45 ).

96.

Só o Tribunal de Justiça pode, em caso de dúvida, decidir de forma vinculativa o que se encontra ou não abrangido pelas atribuições e obrigações dos agentes da União ( 46 ). Ora, se competisse aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros apreciar se existe ou não relação com uma atribuição da União, então acabariam por ser estes a decidir o que se encontra ou não abrangido pelas atribuições das instituições da União.

97.

É certo que a situação é diferente no caso da inviolabilidade parlamentar, consagrada no artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União. Sucede que, neste caso, se prevê expressamente que a mesma depende do direito nacional ( 47 ). Uma vez que só os tribunais nacionais têm poderes para determinar a abrangência da imunidade parlamentar concedida nos termos do respetivo direito interno, só eles podem decidir se determinada conduta se encontra coberta por essa imunidade.

98.

Quando está em causa uma situação abrangida pelo artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, deve então o tribunal nacional, se ponderar instaurar um processo contra um agente da União, ao abrigo do artigo 18.o desse mesmo protocolo, apelar ao Tribunal de Justiça, por via do processo de reenvio prejudicial ao qual se reporta o artigo 267.o TFUE ( 48 ). De outra forma, existe o risco de um órgão jurisdicional nacional apreciar a conduta de uma instituição da União, em violação do artigo 263.o TFUE.

99.

Só se o Tribunal de Justiça concluir que, nas circunstâncias de facto comunicadas pelo tribunal nacional, inexiste um nexo com as atribuições de uma instituição da União é que este pode iniciar o processo penal. De outro modo, é necessário pedir previamente à instituição da União em causa que levante a imunidade, nos termos do artigo 17.o, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União ( 49 ). Desta forma, concede‑se‑lhe a possibilidade de apreciar se a imunidade é necessária para a conservação da sua capacidade de funcionamento e independência. É justamente esta apreciação que o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União se destina a possibilitar ( 50 ).

100.

Esta é a segunda razão pela qual o tribunal nacional não pode decidir sozinho que não existe nexo entre um ato e as atribuições da União que incumbem a um arguido e, por conseguinte, que não se aplica o artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União. Pois, se não fosse assim, o tribunal nacional estaria a antecipar‑se à apreciação pela instituição em causa ou estaria mesmo a impedi‑la. Há aqui, portanto, uma diferença entre a situação de imunidade nos termos do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União e as situações a que se refere o artigo 8.o desse mesmo protocolo, para a quais não se prevê que o Parlamento aprecie se a imunidade dos membros é ou não necessária num caso concreto ( 51 ).

101.

Assim, resulta que o nexo de certo ato com as atribuições de um agente da União, nos termos necessários para a verificação de um ato praticado na «qualidade oficial», na aceção do artigo 11.o, alínea a), do protocolo, constitui uma questão autónoma de direito da União que deve ser apreciada pelo Tribunal de Justiça ( 52 ). O que, naturalmente, em nada altera a circunstância de só o órgão jurisdicional nacional responsável pelo processo poder apurar a matéria de facto com relevância para a referida apreciação. Contudo, ter‑se‑á de limitar a subsumir os factos por si apurados de acordo com os critérios que para este efeito tenham sido estabelecidos pelo Tribunal de Justiça ( 53 ).

2. Quanto aos critérios para a determinação do nexo necessário com atribuições da União

102.

O Tribunal de Justiça só por uma vez teve, até ao momento, a oportunidade de se debruçar acerca da questão de saber quando certa atuação se relaciona com as atribuições de um agente da União em termos tais que estejam em causa «atos praticados na […] qualidade oficial», na aceção do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União ( 54 ). Nos Acórdãos Sayag e Zürich decidiu, a este propósito, que a imunidade de jurisdição só abrange os atos que pela sua própria natureza devam ser considerados como participação daquele que invoca a imunidade na execução das atribuições da instituição à qual pertence ( 55 ). Os atos têm necessariamente de resultar, com base numa relação interna direta, das atribuições da instituição ( 56 ).

103.

A fim de tornar estes critérios aplicáveis é necessário questionar quais os atos que, segundo o sentido e o objetivo da imunidade para atos oficiais, devem estar por ela abrangidos.

104.

Parece então dever‑se verificar se a atuação em causa é «necessária» ( 57 ) à atribuição oficial, se esta lhe é causal ou se são conexas ( 58 ). Pois o funcionamento sem entraves e a independência das instituições da União poderiam ser afetados se os agentes da União pudessem recear ser responsabilizados civil ou criminalmente por atos que, sem pertencerem ao cerne da sua atividade estatutária, a servem ou lhe são necessários ( 59 ).

105.

Porém, como já foi referido, a imunidade por atos oficiais visa especialmente evitar que a atuação das instituições da União possa ser apreciada pelas autoridades e pelos tribunais nacionais, interferindo‑se assim no bom funcionamento e na independência das instituições da União. Por conseguinte, tem‑se de assumir existir nexo entre certa atuação e as atribuições das instituições da União sempre que a apreciação dessa atuação exija a apreciação do conjunto de deveres do agente, apreciação esta que, nos termos expostos, supra ( 60 ), só pode competir, não às autoridades ou aos tribunais nacionais, mas sim, e unicamente, às instituições da União e, em última análise, ao Tribunal de Justiça.

106.

Este entendimento do nexo necessário não restringe desproporcionadamente os legítimos interesses dos Estados‑Membros no exercício da ação penal. Pois a atuação na qualidade oficial e a imunidade que lhe é inerente, nos termos do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União — eventualmente depois de essa imunidade ter sido reconhecida pelo Tribunal de Justiça — não implicam que a pessoa em causa não possa, definitivamente, ser investigada e condenada. Efetivamente, as autoridades ou tribunais dos Estados‑Membros podem pedir à instituição em causa, nos termos do artigo 17.o, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, que levante a imunidade. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as instituições da União, nos termos do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 18.o do protocolo, têm o dever de aceder a esse pedido, se a União não tiver, no caso concreto, interesse na imunidade ( 61 ). Se recusarem indevidamente o levantamento, pode ainda o Tribunal de Justiça vir a autorizar a ação penal ( 62 ).

107.

Neste sentido, a imunidade prevista no artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União distingue‑se da imunidade dos membros do Parlamento Europeu, à qual se refere o artigo 8.o do mesmo protocolo, a qual não pode ser levantada ( 63 ). Mas esta especificidade parece constituir precisamente a razão pela qual o Tribunal de Justiça decidiu que o nexo deve ser direto e impor‑se manifestamente ( 64 ). Deste modo, não se afigura adequada uma interpretação tão restritiva do nexo, nos casos a que se reporta o artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União.

108.

Em todo o caso, não se pode negar verificar‑se uma atuação na qualidade oficial com fundamento na sua potencial ilicitude ( 65 ). É, desde logo, assim, porque a ilicitude da atuação é, justamente, aquilo que está em apreciação no processo em causa. Caso se assumisse precipitadamente essa ilicitude e, portanto, se levantasse a imunidade de jurisdição nos Estados‑Membros, poder‑se‑ia acabar em última análise por ter uma situação na qual sempre seria um tribunal nacional e não o Tribunal de Justiça a apreciar a ilicitude da atuação de uma instituição da União. Em muitas acusações particularmente graves — por exemplo, homicídio —, a regra será negar‑se a imunidade, mas isto porque a prática de um tal ato não exige que se aprecie o círculo de deveres funcionais da União que incumbem ao arguido, sendo manifesto que não existe qualquer nexo com as atribuições de direito da União da pessoa em questão — não porque o ato é ilícito ( 66 ).

109.

A potencial ilicitude de uma atuação só deve ser considerada no plano do eventual levantamento da imunidade. Caso se afigure provável a prática de uma atuação ilícita, têm de verificar‑se interesses particularmente ponderosos para que se possa justificar a manutenção da imunidade.

110.

Do mesmo modo, ao contrário do que parece admitir o órgão jurisdicional de reenvio no quadro da primeira parte da quinta questão prejudicial, é irrelevante a existência de interesses especiais da União, para efeitos de estabelecimento de um nexo entre certa atuação e atribuições da União. É certo que, segundo a regra geral consagrada no artigo 17.o, primeiro parágrafo, do protocolo, os privilégios e as imunidades são concedidos exclusivamente no interesse da União. Porém, daqui apenas resulta, no âmbito da questão em torno da manutenção da imunidade, que esta se encontra delimitada funcionalmente e que, portanto, só é suscetível de se aplicar a atos praticados na qualidade oficial ( 67 ). Já a existência ou não de interesses da União só deve ser verificada no quadro de um eventual levantamento da imunidade. O artigo 17.o, segundo parágrafo, do protocolo esclarece, a este propósito, que cada instituição deve levantar a imunidade sempre que tal levantamento não contrarie os interesses da União. Não obstante, a instituição em causa não tem que provar que a ação penal pode implicar entraves ao seu bom funcionamento e à sua independência, a fim de justificar a mera manutenção da imunidade funcional ( 68 ).

111.

Concluindo, deve‑se entender por «atos […] praticados na […] qualidade oficial», na aceção do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, os atos que, com fundamento numa relação interna direta, devam ser considerados como resultando necessariamente das atribuições das instituições e que, por isso, pela sua própria natureza, representam uma participação de uma das pessoas abrangidas pela disposição em causa na realização das atribuições da instituição a que pertence. É o caso quando a fiscalização jurisdicional de tal ato exige uma apreciação do conjunto de deveres da instituição em causa ou dos seus agentes, para a qual o Tribunal de Justiça tem competência exclusiva.

3. Quanto à verificação do nexo necessário no caso em apreço

112.

A fim de se poder responder utilmente à questão concreta submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio — ou seja, saber se o artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União obsta à abertura da audiência de instrução no processo principal —, importa seguidamente analisar se, no caso concreto, se verifica o nexo necessário, na medida em que essa análise seja possível em face da matéria de facto comunicada. Além disso, importa ainda referir os pressupostos de facto cuja verificação o órgão jurisdicional de reenvio ainda terá de apreciar ( 69 ).

113.

Neste contexto, pode gerar dificuldade, em particular, a qualificação dos atos de um governador de um banco central nacional no âmbito de SEBC e da supervisão bancária europeia como subsumíveis às atribuições nacionais ou às atribuições de direito da União, atendendo à forte integração, na prática, de ambos os sistemas ( 70 ). Esta circunstância ilustra, por um lado, a obrigação de fazer intervir o BCE logo numa fase inicial de um tal processo ( 71 ) e realça, por outro, a necessidade de deixar ao Tribunal de Justiça a apreciação do nexo que se verifica com as atribuições da União ( 72 ).

114.

Resulta da decisão de reenvio, em primeiro lugar, que se imputa ao arguido ter este, desde meados de 2010 até ao fim de 2015, contra a entrega de dinheiro e de prestações em espécie, aconselhado a Trasta Komercbanka em assuntos relacionados com a supervisão da FKTK e ajudado a elaborar as respostas a dar às questões colocadas pela FKTK, recorrendo para o efeito a informações que obteve da FKTK por força do seu cargo oficial. Em segundo lugar, imputa‑se ao arguido, até à proposta da FKTK de revogar a autorização da Trasta Komercbanka, apresentada em 5 de fevereiro de 2016, não ter participado nas reuniões do conselho da referida FKTK, em que foram abordadas questões relativas à supervisão da Trasta Komercbanka, sendo que, desta forma, o arguido se absteve de impedir que os rácios de adequação dos fundos próprios e de cobertura das necessidades de liquidez da Trasta Komercbanka se deteriorassem e que ocorresse um possível branqueamento de capitais nessa instituição de crédito. Em terceiro lugar, imputa‑se ao arguido ter este, em 2012 e 2013, investido num imóvel o dinheiro auferido como contrapartida dos referidos atos, com o objetivo de dissimular a sua origem.

a) Quanto às imputações relativas ao período anterior a 4 de novembro de 2014

115.

No quadro do SEBC, os governadores dos bancos centrais nacionais exercem designadamente atribuições da União quando, na qualidade de membros do Conselho do BCE, decidem acerca de medidas de política monetária. Efetivamente, é o Conselho do BCE que, nos termos do artigo 129.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 12.o‑1, primeiro parágrafo, dos Estatutos do SEBC e do BCE, define a política monetária da União ( 73 ). Por seu turno, o Conselho Geral do BCE, nos termos do artigo 141.o, n.o 2, TFUE, coordena as políticas monetárias dos Estados‑Membros com o objetivo de garantir a estabilidade dos preços.

116.

Desde 4 de novembro de 2014, data da entrada em vigor do mecanismo único de supervisão, que os governadores dos bancos centrais nacionais, enquanto membros do Conselho do BCE, exercem igualmente atribuições da União em assuntos de supervisão prudencial. Pois, segundo o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento MUS, o BCE é responsável pelo funcionamento eficaz e coerente do mecanismo único de supervisão, composto pelo BCE e pelas autoridades nacionais competentes ( 74 ). Nos termos do artigo 26.o, n.o 8, do Regulamento MUS, as decisões finais respeitantes às atribuições de supervisão conferidas ao BCE através do artigo 4.o, n.o 1, do mesmo regulamento são adotadas com base nos trabalhos preparatórios realizados pelo Conselho de Supervisão do Conselho do BCE ( 75 ). Pela própria natureza das coisas, o Conselho Geral do BCE, ao qual pertencem também os governadores dos bancos centrais nacionais dos Estados‑Membros que não são membros da União Monetária, não exerce neste contexto quaisquer atribuições, já que só os bancos da zona euro são supervisionados pelo MUS.

117.

No que respeita à imputação de branqueamento de capitais, não se vislumbra em que medida esta se poderia relacionar com as funções de direito da União exercidas pelo arguido, na sua qualidade de membro de um órgão de decisão do BCE. Pois o investimento de um valor em dinheiro num projeto imobiliário não revela qualquer tipo de relação interna com áreas de atividade relacionadas com política monetária ou supervisão prudencial.

118.

De resto, no que respeita aos atos imputados que possam ter sido praticados antes de 1 de janeiro de 2014 — dia da adesão da Letónia à zona euro —, fica igualmente excluída a existência de um nexo com as funções de direito da União do arguido. Pois durante o referido período de tempo o arguido só era membro do Conselho Geral do BCE, cujo mandato se restringe à política monetária ( 76 ). Contudo, não se vislumbra qualquer relação interna dos factos imputados com medidas de política monetária.

119.

Neste sentido, também não existe nexo com as atribuições do arguido enquanto membro do Conselho do BCE entre 1 de janeiro e 3 de novembro de 2014, pois durante este período de tempo o Conselho do BCE também se limitou a assumir atribuições de política monetária. Com efeito, as atribuições de supervisão prudencial, referidas no n.o 116 das presentes conclusões, são exercidas pelo Conselho do BCE apenas desde 4 de novembro de 2014, dia no qual entrou em vigor o Regulamento MUS. Também a FKTK — da qual, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o arguido foi membro consultivo durante todo o período de tempo em causa na acusação — só exercia, antes da entrada em vigor do mecanismo único de supervisão, atribuições de supervisão no plano interno ( 77 ).

b) Quanto às imputações relativas ao período que se iniciou em 4 de novembro de 2014

120.

É certo que a Trasta Komercbanka, mesmo após a entrada em vigor do MUS, enquanto instituição de crédito menos significativa na aceção do artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento MUS, permaneceu, nos termos do artigo 6.o, n.o 6, sujeita à supervisão direta da FKTK, relativamente às atribuições de supervisão previstas no artigo 4.o, n.o 1, alíneas b), d) a g) e i), do mesmo regulamento.

121.

Contudo, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento MUS, a competência para a revogação da autorização compete em exclusivo ao BCE, ainda que se trate de uma instituição de crédito menos significativa, como é o caso da Trasta Komercbanka.

122.

É certo que a decisão de revogação da autorização da Trasta Komercbanka só foi tomada pelo Conselho do BCE a 3 de março de 2016 e, por conseguinte, tanto quanto se retira dos autos, após o período temporal em causa na acusação deduzida no processo principal. Contudo, esta decisão foi adotada, no presente caso, nos termos do artigo 14.o, n.o 5, do Regulamento MUS e do artigo 83.o, n.o 1, do Regulamento‑Quadro do MUS, sob proposta da FKTK, na sua qualidade de «autoridade nacional competente», na aceção do artigo 2.o, ponto 2, do Regulamento MUS, e da qual o arguido também era membro consultivo. Assim, é de partir do princípio que a FKTK, durante um período temporal relativamente longo que antecedeu a apresentação da referida proposta ao BCE, se dedicou a avaliar se a Trasta Komercbanka continuava a preencher os requisitos para a manutenção da autorização.

123.

Do meu ponto de vista, neste tipo de situação, as autoridades nacionais de supervisão atuam funcionalmente como instituições da União. Destarte, também os governadores de um banco central nacional, quando atuam como membros destas autoridades, devem ser considerados como tal ( 78 ).

124.

A atuação das autoridades nacionais de supervisão, no quadro do MUS, pode ser dividida em três categorias. Na primeira categoria, as autoridades nacionais de supervisão exercem as atribuições que lhes estão afetas pelo direito nacional em todas as áreas não cobertas pelo Regulamento MUS (v. artigo 1.o, quinto parágrafo, do Regulamento MUS).

125.

Na segunda categoria, as autoridades nacionais de supervisão assumem, certo, atribuições reguladas no Regulamento MUS, mas atuam como um ator autónomo. Pertence a esta categoria, por exemplo, a supervisão de instituições de crédito menos significativas, nos termos do artigo 6.o, n.o 6, do Regulamento MUS. Neste domínio, e de acordo com esta referida disposição, adotam, elas próprias, todas as decisões de supervisão relevantes, ficando apenas sujeitas, nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento MUS, a orientações gerais do BCE.

126.

Na terceira categoria, as autoridades nacionais de supervisão só atuam para o BCE a título instrutório, sem adotarem decisões autónomas que vinculem o BCE. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é exemplo disso o procedimento para autorização de participações qualificadas, nos termos dos artigos 22.o e 23.o da Diretiva CRD, em conjugação com os artigos 4.o, n.o 1, alínea c), e 15.o do Regulamento MUS ( 79 ). O Tribunal de Justiça decidiu, a este propósito, que o eventual envolvimento das autoridades nacionais no processo que conduz à adoção de uma decisão do BCE não põe em causa a sua qualificação como atos da União ( 80 ). Portanto, uma vez que a responsabilidade final recai sobre o BCE, nestes casos a atuação das autoridades nacionais de supervisão é‑lhe imputada.

127.

Resulta daqui, por um lado, que só o Tribunal de Justiça dispõe de competência para apreciar a legalidade de uma medida deste tipo, ainda que para esse efeito tenha de analisar atos praticados pela autoridade de supervisão nacional ( 81 ). Por outro lado, isto significa, igualmente, que a atuação destas autoridades tem de gozar, neste contexto, de imunidade de jurisdição relativamente aos Estados‑Membros, porque devem ser consideradas, para efeitos funcionais, como órgãos do BCE, na aceção do artigo 22.o, primeiro parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União. De outra forma, a referida atuação poderia ser apreciada pelos tribunais dos Estados‑Membros ( 82 ).

128.

É justamente este o caso do procedimento para revogação de autorização bancária, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 14.o, n.o 5, do Regulamento MUS, em conjugação com o artigo 83.o do Regulamento‑Quadro do MUS, que foi aplicado, no presente caso, à Trasta Komercbanka. Apesar de a revogação da autorização se ter verificado, nos termos do artigo 14.o, n.o 5, do Regulamento MUS, sob proposta da FKTK, e de o BCE ter tido de tomar em devida conta a referida proposta, este, nos termos do artigo 83.o, n.o 1, do Regulamento MUS, não ficou a ela vinculado. Portanto, a esse respeito, a FKTK só desempenhou uma função acessória. Assim, a apreciação da atuação da FKTK, neste contexto, também compete exclusivamente ao Tribunal de Justiça ( 83 ).

129.

Desta forma, para determinar se os atos imputados ao arguido, praticados a partir de 4 de novembro de 2014, apresentam relação com as suas atribuições de direito da União, tem o órgão jurisdicional de reenvio de apreciar se a «atividade de consultoria» cujo exercício lhe é imputado após o referido momento temporal recaiu sobre requisitos cujo incumprimento poderia implicar a revogação da autorização de uma instituição de crédito e nos quais a FKTK poderia, consequentemente, ter baseado a sua proposta, nos termos do artigo 18.o, em conjugação com o artigo 14.o, n.o 5, do Regulamento MUS.

130.

Assim, mais concretamente, o órgão jurisdicional de reenvio tem de apreciar, entre outros, se a imputação que é feita na acusação ao arguido, de ter prestado aconselhamento a propósito do aumento de capital que era necessário para assegurar uma participação qualificada, e a propósito do procedimento a seguir para captação de investidores (acionistas), apresenta relação com os requisitos de fundos próprios das instituições de crédito, cujo incumprimento pode implicar a revogação da autorização de uma instituição de crédito segundo o artigo 18.o, alínea d), da Diretiva CRD. O mesmo aplica‑se à imputação de prestação de aconselhamento a propósito da incapacidade da Trasta Komercbanka para garantir o cumprimento das exigências da lei letã de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. É certo que resulta do vigésimo oitavo e vigésimo nono considerandos do Regulamento MUS que a prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais constitui uma atribuição de supervisão de competência exclusivamente nacional. Contudo, a suspeita de branqueamento de capitais que recaia sobre um acionista constitui um aspeto que pode ter influência ao nível da revogação da autorização ( 84 ). Além disso, a revogação da autorização, nos termos do artigo 18.o, alíneas e) e f), em conjugação com o artigo 67.o, alínea o), da Diretiva CRD, também é possível em caso de incumprimento da legislação nacional aplicável.

131.

A este propósito importa esclarecer que o «aconselhamento» de um banco por um membro do órgão ao qual incumbe apreciar continuamente o cumprimento dos referidos requisitos por esse mesmo banco — neste caso, a FKTK — ou, no limite, declarar o seu incumprimento — neste caso, o Conselho do BCE — revela uma relação interna entre esses mesmos requisitos e as atribuições desse órgão quando, através da referida atuação, se dissimulam circunstâncias que implicariam a revogação da autorização. Uma atuação deste tipo por parte de um membro do Conselho do BCE constitui, possivelmente, uma violação dos seus deveres, já que não está prevista a prestação de serviços de consultoria pelo BCE a instituições de crédito e porque provavelmente o arguido desrespeitou a confidencialidade da informação à qual teve acesso. Mas é precisamente por ser assim que, no sentido acima referido, existe um nexo com os deveres do referido membro, já que a apreciação da conformidade ou desconformidade da sua atuação compete não ao órgão jurisdicional de reenvio, mas sim, em última instância, ao Tribunal de Justiça ( 85 ).

132.

Significa isto que, nos termos do artigo 17.o, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, se tem de pedir o levantamento da imunidade ao BCE ( 86 ).

133.

Ao contrário do que parece entender o órgão jurisdicional de reenvio no quadro da sua quinta questão prejudicial, através do estabelecimento de uma relação com o exercício pelo arguido de funções na União não se assume nenhuma posição acerca da verificação de algum interesse da União em que aquele goze de imunidade de jurisdição. Pois, por um lado, se não existisse qualquer nexo com as atribuições da União, também não haveria imunidade que tivesse de ser levantada. Por outro lado, o levantamento da imunidade nem sempre colide com os interesses da União, ainda que exista o necessário nexo. Pois, de outro modo, nunca se verificariam levantamentos.

134.

Por outras palavras: é perfeitamente concebível — e atendendo à posição assumida pelo BCE no presente processo, mesmo provável — que o BCE venha a levantar a imunidade do arguido, de modo a que nada obste ao exercício da ação penal na Letónia. Se o BCE, ao contrário do que é expectável, vier a recusar‑se a levantar a imunidade, então poderá o órgão jurisdicional de reenvio voltar a sujeitar essa decisão a uma apreciação pelo Tribunal de Justiça ( 87 ).

c) Conclusão intercalar

135.

Nas circunstâncias factuais comunicadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, não existe nexo entre os atos imputados ao arguido com referência ao período temporal anterior a 4 de novembro de 2014 e as suas atribuições de direito da União enquanto membro do Conselho Geral do BCE ou do Conselho do BCE. Relativamente ao período temporal que se iniciou com a entrada em vigor do MUS, no dia 4 de novembro de 2014, existe um nexo entre as suas atribuições de direito da União enquanto membro do Conselho do BCE e da FKTK, esta enquanto «autoridade nacional competente», na aceção do artigo 2.o, ponto 2, do Regulamento MUS, caso o aconselhamento prestado à Trasta Komercbanka, cuja prática é imputada ao arguido, tenha recaído sobre requisitos que possam relevar para efeitos de revogação da autorização de uma instituição de crédito. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apurar se assim foi.

C.   Quanto aos requisitos do artigo 130.o TFUE (quinta questão prejudicial)

136.

Porém, coloca‑se a questão de saber se o artigo 130.o TFUE, que regula a independência do BCE, dos bancos centrais nacionais e dos membros dos respetivos órgãos de decisão, pode constituir fundamento para uma imunidade mais ampla dos governadores dos bancos centrais. Neste sentido, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no âmbito da sua quinta questão prejudicial, se o direito da União obsta a que um governador de um banco central seja objeto de um ato processual penal mesmo que o processo em causa não esteja relacionado com as suas atribuições na União.

137.

Nos termos do artigo 130.o TFUE, os organismos e as pessoas aí enunciados não podem receber instruções de outros organismos, nem estes podem procurar influenciar aqueloutros no desempenho das suas funções. Segundo o espírito dos Tratados, a independência do BCE, dos bancos centrais nacionais e dos membros dos respetivos órgãos de decisão é condição indispensável de garantia da estabilidade dos preços, a qual constitui a principal atribuição do SEBC ( 88 ).

138.

É certo que esta independência pode sofrer entraves por intermédio de inquéritos e de processos penais nacionais, bem como por força da adoção, também a nível nacional, de medidas de coação contra um governador de um banco central, ainda que esses inquéritos, processos e medidas se relacionem com atribuições estritamente nacionais ou até mesmo com assuntos não oficiais. A pressão política que desta forma se pode gerar, ou o puro e simples impedimento físico de atuação da pessoa em causa — por exemplo, no caso da sua detenção —, são aptos a colocar entraves ao cumprimento independente das atribuições, no quadro do SEBC ( 89 ).

139.

Com este pano de fundo poderia ser apropriado conceder aos membros dos órgãos de decisão do BCE uma proteção mais ampla, não limitada ao exercício de funções na União, em especial em relação a medidas de coação públicas. Pois as disposições sobre a independência visam, no essencial, preservar o SEBC de todas as pressões políticas, a fim de lhe permitir prosseguir efetivamente os objetivos atribuídos às suas missões ( 90 ).

140.

Este tipo de imunidades pessoais não é totalmente desconhecido no direito da União. Assim, por exemplo, os juízes e os advogados‑gerais do Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 3.o, primeiro parágrafo, primeiro período, e do artigo 8.o do Estatuto do Tribunal de Justiça — disposições estas que não são afetadas pelo artigo 20.o do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União —, não são sujeitos a qualquer jurisdição. Diferentemente do que sucede com a imunidade diplomática, a imunidade dos membros do Tribunal de Justiça aplica‑se inclusivamente no território dos Estados‑Membros que os nomearam. Através deste regime jurídico, pretende‑se conferir especial proteção à imparcialidade dos membros do Tribunal de Justiça ( 91 ).

141.

Não obstante, não se encontra previsto qualquer alargamento da imunidade dos governadores dos bancos centrais, que extravase o alcance do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, apesar de o protocolo admitir, expressamente, essa possibilidade ( 92 ).

142.

Mas esse alargamento também não se afigura necessário.

143.

Com efeito, no que respeita ao âmbito de atribuições puramente nacional, assegura‑se já, através da abrangente obrigação de cooperação leal ( 93 ), acima exposta, que o BCE seja informado numa fase inicial das eventuais atividades de investigação das autoridades nacionais, sendo‑lhe concedida a possibilidade de apreciar se existe o risco de serem colocados entraves ao seu bom funcionamento ou à sua independência. Pois, com efeito, no que tange a um governador de um banco central, só no caso de atos que manifestamente não assumem natureza oficial é que é concebível desaplicar‑se a regra que obriga a fazer intervir a instituição da União em causa, com fundamento na manifesta inexistência de nexo com as atribuições da União afetas à pessoa em apreço ( 94 ). A partir do momento em que certo ato aparenta, externamente, ser oficial, as autoridades de ação penal nacionais têm a obrigação de fazer intervir o BCE ( 95 ).

144.

Ora, estando em causa a eventual sujeição a julgamento exclusivamente por causa da prática de atos não oficiais, não se vislumbra, prima facie, por que motivo haveria o governador de um banco central de ser poupado, ainda que temporariamente, apenas por causa do cargo que ocupa.

145.

Importa salientar, neste contexto, que o receio de uma ação penal politicamente motivada ou da instauração de processos judiciais como meio de pressão não é suscetível de justificar a imunidade da pessoa do governador de um banco central. A União Europeia é uma união de direito, que se funda nos valores enunciados no artigo 2.o TUE e que são comuns a todos os Estados‑Membros ( 96 ). Entre esses valores, destaca‑se o do Estado de direito. É isto que constitui o fundamento e justifica a confiança mútua entre os Estados‑Membros e, designadamente, entre os órgãos jurisdicionais ( 97 ).

146.

Porém, há que reconhecer que, especialmente, a detenção de um governador de um banco central — independentemente das circunstâncias, ou seja, mesmo que não seja abusiva — pode colocar entraves à independência, no sentido do artigo 130.o TFUE. Assim, o Tribunal de Justiça decidiu já, a este propósito, que a falta prolongada de participação de um membro do Conselho do BCE é suscetível de afetar gravemente o bom funcionamento deste órgão essencial do BCE ( 98 ).

147.

Contudo, sucede que o Tribunal de Justiça também já decidiu, neste contexto, que o instrumento para evitar tais entraves à independência não é fornecido pelo regime da imunidade, mas sim pela possibilidade de interposição de recurso, conferida pelo artigo 14.o‑2 dos Estatutos do SEBC e do BCE ( 99 ).

148.

Segundo esta disposição, um governador de um banco central só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave. Resulta da jurisprudência proferida pelo Tribunal de Justiça a este propósito que esta disposição se aplica a qualquer medida que implique que, em termos factuais, o cargo de governador do banco central não possa ser exercido ( 100 ). Sob este prisma, afigura‑se que, por força do próprio artigo 14.o‑2 dos Estatutos do SEBC e do BCE, fica por regra excluída a detenção de um governador de um banco central, indiferentemente do contexto em que ocorra. Só são concebíveis exceções no caso de faltas particularmente graves.

149.

Não obstante, também no caso de faltas particularmente graves, as autoridades nacionais teriam a obrigação, nos termos do artigo 4.o, n.o 3, TUE, de informar imediatamente o BCE, a fim de contribuírem para a plena eficácia do artigo 130.o TFUE. Desta forma garante‑se que o BCE pode interpor o recurso a que se refere o artigo 14.o‑2 dos Estatutos do SEBC e do BCE, caso entenda que através da medida de coação em causa se restringe injustificadamente a sua independência. Neste sentido, pode conseguir inclusivamente que sejam adotadas medidas provisórias contra as autoridades de ação penal nacionais ( 101 ). Neste contexto, incumbe em particular ao Tribunal de Justiça verificar se existem indícios suficientes de que o governador em causa cometeu uma falta grave ( 102 ). Se, porém, for este o caso, não se vislumbra por que motivo se haveria de sobrepor o bom funcionamento do Conselho do BCE aos legítimos interesses do Estado‑Membro no exercício da ação penal.

150.

Por conseguinte, as garantias do artigo 14.o‑2 dos Estatutos do SEBC e do BCE, em conjugação com o princípio da cooperação leal, tal como resulta do artigo 18.o do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União e do artigo 4.o, n.o 3, TUE, cujo respeito pode eventualmente ser imposto por intermédio de uma ação por incumprimento ( 103 ), acabam por constituir proteção suficiente contra entraves à independência do BCE, dos bancos centrais nacionais e dos respetivos membros em assuntos puramente nacionais e não oficiais, o que torna dispensável um alargamento da imunidade das pessoas em causa que extravase o teor inequívoco do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União.

151.

Mantém‑se, pois, que os governadores dos bancos centrais apenas beneficiam da imunidade prevista no artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União.

D.   Quanto às consequências jurídicas de violações da imunidade (segunda parte da terceira questão prejudicial)

152.

Por último, através da segunda parte da terceira questão prejudicial pretende o órgão jurisdicional de reenvio apurar, no essencial, se as provas obtidas mediante violação da imunidade, tal como esta se encontra consagrada no artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, ficam impedidas de ser utilizadas. Está, por exemplo, em causa prova por declarações ou resultante de buscas que, pelos motivos acima expostos, não podia ter tido recolhida sem prévio levantamento da imunidade pela instituição em causa ( 104 ).

153.

Suscita‑se desde logo a dúvida se esta questão não assume natureza meramente hipotética. Efetivamente, o pedido de decisão prejudicial não contém qualquer menção acerca de prova que possa ter sido obtida em violação da imunidade ora em causa e que possa relevar para a decisão a proferir no processo principal.

154.

Em todo o caso, no que respeita a uma eventual proibição de tratamento da prova, importa remeter novamente para o procedimento de levantamento. Logo que a imunidade tenha sido levantada, deixam à partida de existir interesses da União que, nos termos do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, possam obstar a esse tratamento da prova. Contudo, uma vez que a questão do tratamento da prova não se encontra regulada no protocolo, aplica‑se nesta parte a autonomia processual dos Estados‑Membros ( 105 ). Significa isto que, em regra, se aplicarão as disposições nacionais às quais, em situação comparável, se recorreria para responder à questão da admissibilidade de tratamento de prova obtida ilegalmente (princípio da equivalência). Não obstante, neste contexto os tribunais nacionais têm de assegurar que não se subvertem os objetivos do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União (princípio da efetividade).

VI. Conclusão

155.

Pelo exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais nos seguintes termos:

1)

Nos termos do artigo 22.o, primeiro parágrafo, em conjugação com o artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, os governadores dos bancos centrais dos Estados‑Membros encontram‑se abrangidos pelo âmbito de aplicação do referido protocolo, sempre que pratiquem atos no exercício das suas atribuições oficiais no domínio do SEBC ou da União Bancária, nomeadamente nas respetivas funções de membros do Conselho Geral do BCE ou do Conselho do BCE. Além disso, se um banco central for uma autoridade nacional competente, na aceção do artigo 2.o, ponto 2, do Regulamento MUS, ou se o seu governador for, segundo a lei nacional, membro dessa autoridade, o governador em causa encontra‑se também abrangido pelo Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, nos termos do seu artigo 22.o, primeiro parágrafo, sempre que a autoridade em causa pratique atos instrutórios em procedimento no qual o poder decisório seja da exclusiva competência do BCE. A imunidade pela prática de tais atos na qualidade oficial vale mesmo após a cessação do mandato.

2)

Deve‑se entender por «atos praticados na qualidade oficial», na aceção do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, os atos que, com fundamento numa relação interna direta, devam ser considerados como resultando necessariamente das atribuições das instituições e que, por isso, pela sua própria natureza, representam uma participação de uma das pessoas abrangidas pela disposição em causa na realização das atribuições da instituição a que pertence. É o caso quando a fiscalização jurisdicional de tal ato exige uma apreciação do conjunto dos deveres da instituição em causa ou dos seus agentes, para a qual o Tribunal de Justiça tem competência exclusiva.

3)

A imunidade da jurisdição nacional, nos termos do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, obsta a que se inicie um processo judicial ou a que sejam adotadas medidas de coação públicas contra alguma das pessoas enunciadas na referida disposição por atos praticados na respetiva qualidade oficial, antes de obtido o acordo da instituição da União à qual a pessoa em causa pertence. Contudo, esta disposição não obsta em termos gerais à instauração e à condução de inquéritos penais que tenham por objeto os referidos atos.

4)

Em caso de obtenção de prova em violação da imunidade prevista no artigo 11.o, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, aplicam‑se as disposições nacionais sobre a admissibilidade de tratamento de prova obtida ilegalmente, com respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade.


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) JO 2016, C 202, p. 266.

( 3 ) Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63).

( 4 ) JO 2016, C 202, p. 230.

( 5 ) V. artigo 33.o, n.o 2, primeiro parágrafo, deste regulamento.

( 6 ) Simultaneamente, diretiva que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338). A subsequente alteração do artigo 18.o pela Diretiva (UE) 2019/878 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019 (JO 2019, L 150, p. 253), não é relevante no presente caso.

( 7 ) BCE/2014/17 (JO 2014, L 141, p. 1).

( 8 ) Latvijas Vēstnesis (Jornal Oficial da República da Letónia) n.o 74, de 11 de maio de 2005.

( 9 ) Latvijas Vēstnesis, n.o 199/200, de 8 de julho de 1998.

( 10 ) V. artigo 6.o, n.o 6, do Regulamento MUS.

( 11 ) Este procedimento foi e é objeto de vários processos instaurados junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, v. Despacho de 12 de setembro de 2017, Fursin e o./BCE (T‑247/16, não publicado, EU:T:2017:623); Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o. (C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923); e processo pendente T‑698/16, Trasta Komercbanka e o./BCE.

( 12 ) V. artigo 283.o, n.o 1, TFUE.

( 13 ) V. Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.os 76, 79 e 81).

( 14 ) Atente‑se, contudo, às exceções previstas no artigo 31.o, n.o 1, da CVRD, a propósito de ação real sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditador [alínea a)], de ação sucessória na qual o agente diplomático figure, a título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário [alínea b)], ou de ação referente a qualquer atividade profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditador fora das suas funções oficiais [alínea c)].

( 15 ) Acórdãos de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.os 69 e 70), e de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.o 83).

( 16 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.o 70).

( 17 ) V., a este propósito, n.o 45 das presentes conclusões.

( 18 ) Acórdão de 11 de julho de 1968, Sayag e Zürich (5/68, EU:C:1968:42, p. 600). Neste sentido, o artigo 23.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto dos Funcionários prevê que, sem prejuízo das disposições do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, os interessados não estão isentos do cumprimento das suas obrigações privadas, nem da observância das leis e regulamentos de polícia em vigor.

( 19 ) V., por analogia, quanto à proteção dos arquivos de um banco central nacional nos termos do artigo 2.o do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.os 84 e 85).

( 20 ) Despacho de 13 de julho de 1990, Zwartveld e o. (C‑2/88‑IMM, EU:C:1990:315, n.o 19); e Acórdãos de 19 de dezembro de 2019, Junqueras Vies (C‑502/19, EU:C:2019:1115, n.o 82); de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ (C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.o 47); e de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.os 73 e 100).

( 21 ) Despacho de 13 de julho de 1990, Zwartveld e o. (C‑2/88‑IMM, EU:C:1990:315, n.o 20), e Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ (C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.o 47).

( 22 ) V. Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo OH (Imunidade de jurisdição) (C‑758/19, EU:C:2021:86, n.o 67, com remissões).

( 23 ) V. Acórdão de 11 de julho de 1968, Sayag e Zürich (5/68, EU:C:1968:42, p. 600).

( 24 ) V. Acórdão de 10 de julho de 1969, Sayag e Zürich (9/69, EU:C:1969:37, n.os 5 a 7). Nos termos do artigo 22.o, primeiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários, na relação interna, a responsabilidade do funcionário cinge‑se a atos praticados com culpa grave.

( 25 ) V. Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo OH (Imunidade de jurisdição) (C‑758/19, EU:C:2021:86, n.o 27).

( 26 ) V., por exemplo, «fritagelse for retsforfølgning» em dinamarquês, «immune from legal proceedings» em inglês e «vrijgesteld van rechtsvervolgin» em neerlandês.

( 27 ) V. minhas Conclusões nos processos Rimšēvičs/Letónia e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2018:1030, n.o 144).

( 28 ) Também são concebíveis fora do processo penal medidas de obrigatoriedade de comparência ou de prestação de informações destinadas à salvaguarda do pagamento de multas, ou a adoção medidas cautelares.

( 29 ) Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ (C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.o 45).

( 30 ) V., a este propósito, n.os 56 e 61 das presentes conclusões.

( 31 ) V. Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.o 105).

( 32 ) Acórdãos de 21 de outubro de 2008, Marra (C‑200/07 e C‑201/07, EU:C:2008:579, n.o 42); de 6 de setembro de 2011, Patriciello (C‑163/10, EU:C:2011:543, n.o 40); e de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.o 119).

( 33 ) Acórdãos de 21 de outubro de 2008, Marra (C‑200/07 e C‑201/07, EU:C:2008:579, n.o 41), e de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.o 119).

( 34 ) V., por analogia, quanto aos arquivos da União, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.o 126).

( 35 ) V., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.o 102).

( 36 ) V. Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ (C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.os 44 a 54).

( 37 ) V., a título de mero exemplo, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão (C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.os 36 e 37).

( 38 ) V., a este propósito, Despacho de 13 de julho de 1990, Zwartveld e o. (C‑2/88‑IMM, EU:C:1990:315).

( 39 ) V., neste sentido, Despacho de 13 de julho de 1990, Zwartveld e o. (C‑2/88‑IMM, EU:C:1990:315, n.o 24); v., a este propósito, também, n.o 106 das presentes conclusões.

( 40 ) V., a este propósito, Acórdão de 16 de dezembro de 1960, Humblet/Bélgica (6/60‑IMM, EU:C:1960:48).

( 41 ) V., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.os 111 e segs.).

( 42 ) V., a este propósito, n.os 93 e segs. das presentes conclusões; neste mesmo sentido, v. Acórdão de 6 de setembro de 2011, Patriciello (C‑163/10, EU:C:2011:543, n.o 40).

( 43 ) Já neste sentido, v. Conclusões do advogado‑geral J. Gand no processo Sayag e Zürich (5/68, não publicadas, EU:C:1968:30, p. 608); v., também, quanto à emissão de opiniões na qualidade oficial, Acórdãos de 6 de setembro de 2011, Patriciello (C‑163/10, EU:C:2011:543, n.o 33), e de 17 de setembro de 2020, Troszczynski/Parlamento (C‑12/19 P, EU:C:2020:725, n.o 40).

( 44 ) V., a este propósito, n.os 81 e segs. das presentes conclusões.

( 45 ) V. n.os 65 e 66 das presentes conclusões.

( 46 ) Neste sentido, Pareceres 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.os 224, 225, 230 e 231), e 1/17 (CETA), de 30 de abril de 2019 (EU:C:2019:341, n.o 132).

( 47 ) Acórdão de 6 de setembro de 2011, Patriciello (C‑163/10, EU:C:2011:543, n.o 25).

( 48 ) V., igualmente, quanto às obrigações decorrentes do artigo 18.o do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União, n.os 80 e segs. das presentes conclusões.

( 49 ) Em regra, este procedimento deve ser adotado logo na fase de inquérito (v. n.os 81 e segs. das presentes conclusões); mas deve sê‑lo o mais tardar na presente fase, caso não se tenha ainda dado à instituição a possibilidade de apreciar se a sua independência e a sua capacidade de funcionamento podem ser comprometidas pelo processo.

( 50 ) V., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.o 102).

( 51 ) É a esta situação apenas que se refere a afirmação do Tribunal de Justiça no Acórdão de 21 de outubro de 2008, Marra (C‑200/07 e C‑201/07, EU:C:2008:579, n.o 32).

( 52 ) V., a título de exemplo, exposto pelo Tribunal de Justiça a propósito desta questão no Acórdão de 6 de setembro de 2011, Patriciello (C‑163/10, EU:C:2011:543, n.os 28 a 37).

( 53 ) V., neste sentido, Acórdãos de 6 de setembro de 2011, Patriciello (C‑163/10, EU:C:2011:543, n.o 37), e de 17 de setembro de 2020, Troszczynski/Parlamento (C‑12/19 P, EU:C:2020:725, n.o 57).

( 54 ) Se bem que esta mesma questão também se coloca no processo pendente OH (Imunidade de jurisdição) (C‑758/19, EU:C:2021:86), no qual o advogado‑geral M. Bobek apresentou as respetivas Conclusões no passado dia 2 de fevereiro de 2021.

( 55 ) Acórdão de 11 de julho de 1968, Sayag e Zürich (5/68, EU:C:1968:42, p. 600).

( 56 ) Acórdão de 10 de julho de 1969, Sayag e Zürich (9/69, EU:C:1969:37, n.o 7).

( 57 ) V. Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Comissão/RQ (C‑831/18 P, EU:C:2019:1143, n.o 54).

( 58 ) V. Conclusões do advogado‑geral J. Gand no processo Sayag e Zürich (5/68, não publicadas, EU:C:1968:30, p. 608).

( 59 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo OH (Imunidade de jurisdição) (C‑758/19, EU:C:2021:86, n.os 27, 29 e 67), que recorre ao critério da proximidade.

( 60 ) V. n.os 95, 96 e 98 das presentes conclusões.

( 61 ) V., neste sentido, Despacho de 13 de julho de 1990, Zwartveld e o. (C‑2/88‑IMM, EU:C:1990:315, n.os 22 e 25), e Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.o 101).

( 62 ) V., a este propósito, n.o 83 das presentes conclusões e Despacho de 6 de dezembro de 1990, Zwartveld e o. (C‑2/88‑IMM, EU:C:1990:440).

( 63 ) Acórdãos de 21 de outubro de 2008, Marra (C‑200/07 e C‑201/07, EU:C:2008:579, n.o 44), e de 6 de setembro de 2011, Patriciello (C‑163/10, EU:C:2011:543, n.o 27).

( 64 ) Acórdãos de 6 de setembro de 2011, Patriciello (C‑163/10, EU:C:2011:543, n.o 35), e de 17 de setembro de 2020, Troszczynski/Parlamento (C‑12/19 P, EU:C:2020:725, n.o 39); v., também, Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Troszczynski/Parlamento (C‑12/19 P, EU:C:2020:258, n.o 51).

( 65 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Junqueras Vies (C‑502/19, EU:C:2019:1115, n.o 89), e Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo OH (Imunidade de jurisdição) (C‑758/19, EU:C:2021:86, n.o 27).

( 66 ) V. Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro nos processos apensos Marra (C‑200/07 e C‑201/07, EU:C:2008:369, n.o 12).

( 67 ) V., a este propósito, n.os 63 e 64 das presentes conclusões.

( 68 ) Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.o 100).

( 69 ) V., a este propósito, n.o 101 das presentes conclusões.

( 70 ) V., quanto a este requisito, n.o 62 das presentes conclusões.

( 71 ) V. n.o 81 das presentes conclusões.

( 72 ) V., em especial, n.os 95 e 96 das presentes conclusões.

( 73 ) Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 38).

( 74 ) Acórdãos de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest (C‑219/17, EU:C:2018:1023, n.o 53), e de 2 de outubro de 2019, Crédit Mutuel Arkéa/BCE (C‑152/18 P e C‑153/18 P, EU:C:2019:810, n.o 60).

( 75 ) V., a este propósito, artigo 13.o‑G.1., primeira frase, do Regulamento Interno do BCE. O Conselho de Supervisão assume neste contexto, nos termos do artigo 26.o, n.o 1, do Regulamento MUS, o planeamento e a execução das deliberações. O papel destacado do Conselho do BCE na supervisão prudencial resulta, ainda, do artigo 7.o, n.o 7, do artigo 19.o, n.o 3, do artigo 24.o, n.os 7 e 8, e do artigo 25.o, n.os 4 e 5, do Regulamento MUS.

( 76 ) V. n.o 53 das presentes conclusões.

( 77 ) Quanto às atribuições de direito da União da FKTK, v. n.os 124 a 128 das presentes conclusões.

( 78 ) Como resulta do décimo terceiro considerando do Regulamento MUS, as autoridades nacionais competentes não têm necessariamente de ser os bancos centrais, se bem que, na realidade, é isso que acontece em muitos Estados‑Membros. É certo que, no caso da Letónia, não é o banco central que exerce a competência de supervisão no MUS, mas sim a FKTK. Contudo, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o governador do banco central, nos termos do direito letão, é membro consultivo da FKTK.

( 79 ) Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest (C‑219/17, EU:C:2018:1023, n.os 43 e 55).

( 80 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest (C‑219/17, EU:C:2018:1023, n.os 43 e 56).

( 81 ) Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest (C‑219/17, EU:C:2018:1023, n.o 57).

( 82 ) V., a este propósito, n.os 65 e 66 das presentes conclusões.

( 83 ) V., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest (C‑219/17, EU:C:2018:1023, n.o 57).

( 84 ) V. EZB, Leitfaden zur Beurteilung von Zulassungsanträgen, Zulassungsanträge im Allgemeinen; 2.a edição atualizada, janeiro de 2019, p. 29.

( 85 ) V., a este propósito, n.o 108 das presentes conclusões.

( 86 ) V., quanto a este procedimento, n.o 99 das presentes conclusões.

( 87 ) V., a este propósito, em especial, n.os 83 e 106, in fine, das presentes conclusões.

( 88 ) V., a este propósito, minhas Conclusões nos processos Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:641, n.o 59) e Rimšēvičs/Letónia e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2018:1030, n.os 5 e 76).

( 89 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.os 52, 61 e 73).

( 90 ) Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 40), e de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.o 47).

( 91 ) V. juramento previsto no artigo 2.o do Estatuto do Tribunal de Justiça.

( 92 ) V. referência no artigo 22.o, primeiro parágrafo, do protocolo, nos termos da qual se mantém inalterada a aplicabilidade dos Estatutos do SEBC e do BCE. Contudo, estes estatutos, ao contrário do Estatuto do Tribunal de Justiça, não preveem imunidades mais abrangentes para os membros dos órgãos de decisão do BCE.

( 93 ) V., a este propósito, em especial, n.os 81 a 84 das presentes conclusões.

( 94 ) V. n.o 81 das presentes conclusões.

( 95 ) V., também, n.o 113 das presentes conclusões.

( 96 ) Deste modo, o ponto de partida no contexto da CVRD é diferente. As justificações comuns para a imunidade diplomática — teoria da representatividade, teoria da extraterritorialidade e teoria da função —, na opinião dominante, não explicam uma imunidade pessoal tão abrangente como a que se encontra prevista no artigo 31.o, n.o 1, da CVRD — v., a título de mero exemplo, Ross, «Rethinking Diplomatic Immunity: A Review of Remedial Approaches to Address the Abuses of Diplomatic Privileges and Immunities», American University International Law Review, 4, n.o 1 (1989), 173 (179 e 180); Maginnis, «Limiting Diplomatic Immunity: Lessons Learned from the 1946 Convention on the Privileges and Immunities of the United Nations», 28 Brook. J. Int’l L. (2003), 989 (992). Por este motivo, pode‑se assumir que a imunidade diplomática, com a abrangência com que está prevista, se destina a fazer face ao receio de perseguição política de diplomatas ou de ameaça da mesma como meio de pressão — v. Maginnis, op. cit. (996).

( 97 ) Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 30); de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 35); e de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 43).

( 98 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.o 73).

( 99 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.os 48 e 61).

( 100 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.os 52, 61 e 73).

( 101 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.os 73 e 74).

( 102 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.o 92).

( 103 ) V. Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.os 111 e segs.).

( 104 ) V. n.o 72 das presentes conclusões.

( 105 ) V., também, a este propósito, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Junqueras Vies (C‑502/19, EU:C:2019:1115, n.o 93), e minhas Conclusões no processo Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:641, n.o 83).

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