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Document 62019TJ0246

Acórdão do Tribunal Geral (Quinta Secção alargada) de 9 de novembro de 2022.
Reino do Camboja e Cambodia Rice Federation (CRF) contra Comissão Europeia.
Medidas de salvaguarda — Mercado do arroz — Importações de arroz índica originário do Camboja e de Mianmar — Regulamento (UE) n.° 978/2012 — Conceito de “produtores da União” — Conceito de “produtos similares ou diretamente concorrentes” — Dificuldades graves — Direitos de defesa — Factos e considerações essenciais — Erros manifestos de apreciação.
Processo T-246/19.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2022:694

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada)

9 de novembro de 2022 ( *1 )

«Medidas de salvaguarda — Mercado do arroz — Importações de arroz índica originário do Camboja e de Mianmar — Regulamento (UE) n.o 978/2012 — Conceito de “produtores da União” — Conceito de “produtos similares ou diretamente concorrentes” — Dificuldades graves — Direitos de defesa — Factos e considerações essenciais — Erros manifestos de apreciação»

No processo T‑246/19,

Reino do Camboja,

Cambodia Rice Federation (CRF), com sede em Phnom Penh (Camboja),

representados por R. Antonini, E. Monard e B. Maniatis, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Biolan, H. Leupold e E. Schmidt, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Ente Nazionale Risi, com sede em Milão (Itália), representado por F. Di Gianni e A. Scalini, advogados,

e por

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada),

composto, na deliberação, por: S. Papasavvas, presidente, D. Spielmann, U. Öberg (relator), R. Mastroianni e R. Norkus, juízes,

secretário: I. Kurme, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 30 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, os recorrentes, o Reino do Camboja e a Cambodia Rice Federation (CRF), pedem a anulação do Regulamento de Execução (UE) 2019/67 da Comissão, de 16 de janeiro de 2019, que institui medidas de salvaguarda relativamente às importações de arroz índica originário do Camboja e de Mianmar (JO 2019, L 15, p. 5), através do qual a Comissão Europeia restabeleceu os direitos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações desse arroz por um período de três anos e instituiu uma redução progressiva da taxa dos direitos aplicáveis (a seguir «regulamento impugnado»).

Antecedentes do litígio

2

No âmbito do Regulamento (UE) n.o 978/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo à aplicação de um sistema de preferências pautais generalizadas e que revoga o Regulamento (CE) n.o 732/2008 do Conselho (JO 2012, L 303, p. 1; a seguir «Regulamento SPG»), a União Europeia concede aos países em desenvolvimento um acesso preferencial ao seu mercado sob a forma de redução dos direitos ordinários da Pauta Aduaneira Comum, que é composto por um regime geral e por dois regimes especiais.

3

Por força do regime especial denominado «Tudo Menos Armas», as importações de arroz índica originário do Camboja e de Mianmar (a seguir «produto em causa») na União beneficiavam, ao abrigo do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento SPG, de uma suspensão total dos direitos da Pauta Aduaneira Comum.

4

Em 16 de fevereiro de 2018, a República Italiana, posteriormente apoiada por outros Estados‑Membros, apresentou um pedido à Comissão, ao abrigo do artigo 22.o e do artigo 24.o, n.o 2, do Regulamento SPG, no qual solicitou a adoção de medidas de salvaguarda em relação ao produto em causa.

5

Em 16 de março de 2018, a Comissão deu início a um inquérito de salvaguarda em relação às importações do produto em causa, a fim de recolher as informações necessárias para a realização de uma avaliação aprofundada.

6

O inquérito incidiu sobre as cinco últimas campanhas de comercialização, ou seja, sobre um período compreendido entre 1 de setembro de 2012 e 31 de agosto de 2017 (a seguir «período de inquérito»).

7

Em 5 de novembro de 2018, a Comissão comunicou um documento de informação geral, destinado a informar as partes interessadas, entre as quais o Governo do Camboja, dos factos e considerações essenciais com base nos quais estava previsto restabelecer temporariamente os direitos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações do produto em causa, na sequência do inquérito de salvaguarda realizado com fundamento no artigo 22.o do Regulamento SPG (a seguir «documento de informação geral»).

8

Em particular, no documento de informação geral, antes de mais, a Comissão definiu o produto em causa como sendo o arroz índica branqueado ou semibranqueado originário do Camboja e de Mianmar, importado a granel ou em embalagens, e classificado, nesse momento, nas subposições da Nomenclatura Combinada (NC) 10063027, 10063048, 10063067 e 10063098.

9

A Comissão determinou igualmente que o arroz índica branqueado ou semibranqueado produzido na União era similar ou diretamente concorrente do produto em causa, tendo este as mesmas características físicas, técnicas e químicas de base, sendo destinado às mesmas utilizações e vendido através de canais de comercialização semelhantes ou idênticos, ao mesmo tipo de clientela, retalhistas ou transformadores, estabelecidos na União.

10

Quanto à definição da indústria da União, a Comissão indicou que esta indústria era composta por moageiros de arroz que transformavam o arroz cultivado ou produzido na União, que estava em concorrência direta com o produto em causa. Contrariamente ao pedido da República Italiana, a Comissão excluiu os produtores de arroz desta definição e da avaliação do prejuízo, considerando‑os fornecedores de matéria‑prima, e não moageiros de produtos similares ou diretamente concorrentes, embora tenha salientado que era possível que as importações do produto em causa também afetassem fortemente a situação destes últimos. Assinalou igualmente que tinham sido enviados questionários a alguns produtores de arroz, mas que, dada a elevada fragmentação do setor, os resultados apenas permitiam obter uma imagem muito limitada da situação.

11

Em seguida, a Comissão estabeleceu a evolução do consumo de arroz índica na União com base em dados convertidos em equivalente de arroz branqueado e recolhidos junto dos Estados‑Membros, bem como em estatísticas sobre as importações disponibilizadas pelo Eurostat. Constatou uma diminuição de 6 % durante o período de inquérito.

12

No âmbito da análise da evolução das importações do produto em causa, a Comissão teve em consideração um aumento significativo do volume das importações provenientes do Camboja e um aumento de 9,7 pontos percentuais das quotas de mercado detidas pelo Camboja, e indicou que este representava 25 % do total das importações no final do período de inquérito.

13

No âmbito da comparação dos preços, a Comissão procedeu a uma análise da subcotação. Teve em conta os preços médios das importações provenientes do Camboja e os preços de venda unitários da indústria da União e verificou que os preços das referidas importações induziram uma subcotação significativa dos preços da União correspondente a 22 %.

14

Assim, a Comissão considerou que as importações provenientes do Camboja tinham aumentado substancialmente em termos absolutos e em quotas de mercado durante o período de inquérito. Acrescentou que o preço de importação médio ponderado conjunto tinha diminuído durante o período de inquérito, o que ocasionou uma subcotação significativa dos preços da União.

15

Para determinar a existência de dificuldades graves sentidas pela indústria da União, a Comissão avaliou indicadores macroeconómicos, como a evolução das quotas de mercado da indústria da União, que perderam mais de 20 pontos percentuais, dos volumes de produção, que sofreram uma quebra de quase 40 %, das existências, que aumentaram 4 %, e da superfície destinada ao cultivo de arroz índica, que decresceu 37 %.

16

A Comissão indicou igualmente que avaliou indicadores microeconómicos, como a evolução da capacidade de produção, difícil de avaliar tendo em conta a possibilidade de os moageiros utilizarem a sua capacidade de moagem tanto para o arroz índica como para o arroz japónica, quer o arroz seja cultivado na União ou importado, a rentabilidade dos moageiros da União, que se manteve a um nível estável, mas baixo, bem como os preços unitários do arroz índica dos moageiros incluídos na amostra, que aumentaram 7 %. Precisou que, sob a pressão das importações do produto em causa a baixo preço, os moageiros da União tinham concentrado as suas vendas em volumes mais pequenos de arroz índica branqueado e semibranqueado e tinham‑se centrado nos produtos de marca, o que tinha permitido preservar um nível estável de rentabilidade a expensas da quota de mercado.

17

Por último, a Comissão afastou a possibilidade de outros fatores, como as importações provenientes de países terceiros e as dificuldades estruturais do setor do arroz italiano, terem enfraquecido o nexo de causalidade entre as dificuldades graves da indústria da União e as importações do produto em causa.

18

Nas suas observações de 16 de novembro de 2018 sobre o documento de informação geral, o Governo do Camboja contestou, nomeadamente, os cálculos da Comissão relativos à análise da subcotação. Alegou, em particular, que os custos pós‑importação não tinham sido adicionados para calcular o preço de exportação do Reino Camboja e que a subcotação dos preços tinha por base uma comparação entre preços médios, sem considerar o diferente estádio de comercialização.

19

Segundo o inquérito de salvaguarda, a Comissão concluiu que o produto em causa era importado em volumes e a preços que causavam dificuldades graves à indústria da União. Adotou o regulamento impugnado baseando‑se, além de nas definições e informações presentes no documento de informação geral e retomadas no referido regulamento, nos elementos seguintes.

20

Assim, antes de mais, a Comissão precisou, em resposta aos comentários das partes interessadas na sequência da comunicação do documento de informação geral, que, no que se refere à definição do produto similar ou diretamente concorrente, o arroz índica aromático ou naturalmente perfumado também devia ser incluído no âmbito do inquérito.

21

Em seguida, no que respeita à análise da subcotação, a Comissão, nos considerandos 35 a 39 do regulamento impugnado, indicou que reviu os seus cálculos da subcotação dos preços, de modo a ter em conta os comentários do Reino do Camboja posteriores à comunicação do documento de informação geral. Assim, ajustou os preços da indústria da União para ter em conta os custos de transporte do arroz do sul, que indicou como sendo a Itália e Espanha, para o norte da Europa, tendo considerado que a concorrência relativa ao arroz índica semibranqueado e branqueado ocorria maioritariamente no norte da Europa. Teve em conta um montante de 49 euros por tonelada, calculado com base em informações constantes da denúncia da República Italiana e verificadas durante o inquérito no local. Ajustou igualmente os preços de importação tendo em conta os custos pós‑importação, estimados em cerca de 2 % do preço de importação, baseando‑se nos dados obtidos no âmbito de um inquérito anterior relativo a outro produto alimentar (as satsumas). A Comissão acrescentou que teve em conta as diferenças do estádio de comercialização e comparou os preços de venda do arroz branqueado comercializado a granel com os preços de venda do arroz embalado. Chegou à conclusão de que a subcotação dos preços era de 13 % para as vendas a granel e de 14 % para as vendas em embalagens.

22

Por último, no que respeita à situação dos produtores da União, a Comissão precisou, no considerando 74 do regulamento impugnado, que, embora fosse verdade que estes podiam mudar de produção entre o arroz índica e o arroz japónica, porém, essa mudança assentava em considerações de ordem económica, tais como a procura e o preço de mercado. Neste contexto, indicou que o inquérito tinha confirmado que, perante o aumento da concorrência das importações a baixo preço do produto em causa, certos produtores não tinham tido outra alternativa senão passar para a produção de arroz japónica, pelo que não se tratava nem de uma mudança cíclica ou de uma escolha deliberada, mas de um ato de autodefesa. Segundo a Comissão, a médio prazo, esta solução não será viável, visto que a mudança de produção do arroz índica para o arroz japónica provocou uma oferta excedentária de arroz japónica no mercado e uma pressão sobre os preços deste tipo de arroz. Concluiu que, os agricultores atravessavam assim, globalmente, uma situação difícil, embora esta constatação tenha tido uma pertinência limitada, pois a indústria da União era constituída por moageiros e não por produtores de arroz, que eram fornecedores da matéria‑prima.

Pedidos das partes

23

Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular o regulamento impugnado;

condenar a Comissão nas despesas.

24

A Comissão, apoiada pela República Italiana e pelo Ente Nazionale Risi, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar os recorrentes nas despesas.

Questão de direito

25

Os recorrentes invocam seis fundamentos de recurso.

26

O primeiro, segundo e terceiro fundamentos são relativos à violação do artigo 22.o, n.os 1 e 2, e do artigo 23.o do Regulamento SPG, na medida em que, em primeiro lugar, a Comissão interpretou erradamente o conceito de «produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes»; em segundo lugar, os fatores e os cálculos que serviram de base à conclusão relativa às «dificuldades graves» causadas à indústria da União padecem de erros; e, em terceiro lugar, a análise da subcotação e os ajustamentos que aí foram introduzidos estão errados.

27

O quarto fundamento é relativo à violação do artigo 22.o do Regulamento SPG, na medida em que a análise, efetuada pela Comissão, do nexo de causalidade entre as importações em causa e as dificuldades graves causadas à indústria da União padece de irregularidades.

28

O quinto e sexto fundamentos são relativos à violação dos direitos de defesa dos recorrentes e dos artigos 14.° e 17.° do Regulamento Delegado (UE) n.o 1083/2013 da Comissão, de 28 de agosto de 2013, que estabelece regras relativas ao procedimento de suspensão temporária de preferências pautais e de adoção de medidas de salvaguarda gerais ao abrigo do Regulamento SPG (JO 2013, L 293, p. 16; a seguir «regulamento delegado»), lido em conjugação com o artigo 38.o do Regulamento SPG, na medida em que a Comissão não comunicou certos factos e considerações essenciais, ou os dados pormenorizados na base dos mesmos, que fundamentaram a sua decisão de restabelecer os direitos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações do produto em causa.

29

O Tribunal Geral considera oportuno começar por apreciar a argumentação dos recorrentes relativa, em primeiro lugar, a uma interpretação errada do conceito de «produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes»; em segundo lugar, a erros que viciam a análise da subcotação e os ajustamentos que aí foram introduzidos; e, em terceiro lugar, a uma violação dos direitos de defesa e do artigo 17.o do regulamento delegado.

Quanto às acusações relativas ao conceito de «produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes»

30

Os recorrentes alegam uma violação do artigo 22.o, n.os 1 e 2, e do artigo 23.o do Regulamento SPG, na medida em que a Comissão interpretou erradamente o conceito de «produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes», limitando‑o por referência à origem das matérias‑primas. Assim, apenas considerou os produtores de arroz índica branqueado ou semibranqueado transformado a partir de arroz em casca produzido ou cultivado na União.

31

Ora, segundo os recorrentes, embora o produto que pode ser objeto de medidas de salvaguarda seja um produto «originário de um país beneficiário», o mesmo não sucede com os «produtos similares ou diretamente concorrentes». O artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento SPG não justifica nenhuma restrição baseada na matéria‑prima utilizada para produzir o produto similar ou diretamente concorrente. A Comissão só deveria ter tido em conta as características físicas, técnicas e químicas de base do produto em causa, a sua utilização, os canais de comercialização e o tipo de clientela.

32

Todos os moageiros de arroz da União são assim visados, incluindo os que produzem arroz branqueado ou semibranqueado a partir de arroz em casca que não provém da União. Ora, ao ter em conta apenas os produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes fabricados a partir de matérias‑primas produzidas na União, a Comissão só recolheu informações sobre dificuldades graves junto de uma parte dos produtores em causa.

33

A Comissão alega que, por força do artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento SPG, os «produtos similares ou diretamente concorrentes» são determinados com base no «produto considerado».

34

O «produto considerado» é o arroz índica branqueado ou semibranqueado originário do Camboja e de Mianmar. Ora, para ser considerado originário de um país, o arroz deve aí ter sido cultivado ou colhido. Por conseguinte, o corolário do «produto considerado» é o arroz índica branqueado ou semibranqueado produzido na União a partir de arroz cultivado ou colhido na União. Por conseguinte, os argumentos dos recorrentes devem ser julgados improcedentes.

35

A Comissão acrescenta que, mesmo que tivesse cometido um erro na definição da indústria da União e tivesse considerado que os produtores da União de arroz índica branqueado ou semibranqueado produzido a partir de arroz importado deviam ser incluídos na definição da indústria da União, o inquérito teria chegado à mesma conclusão.

36

A República Italiana alega que, nos termos do artigo 22.o, n.o 3, do Regulamento SPG, o conceito de «produtores da União» é puramente económico. Assim, há que centrar a atenção nos produtores que sofrem uma deterioração económica ou financeira da sua situação. Por conseguinte, a origem da matéria‑prima é fundamental. Alega igualmente que o argumento dos recorrentes a este respeito é novo, uma vez que não foi invocado no decurso do procedimento administrativo, de maneira que é inadmissível.

37

O Ente Nazionale Risi remete, em substância, para os argumentos da Comissão.

38

A título preliminar, no que respeita à alegação da República Italiana de que certos argumentos dos recorrentes deveriam ser afastados por terem sido invocados pela primeira vez no Tribunal Geral, este Tribunal recorda que, segundo a jurisprudência, nada impede um interessado de invocar contra uma decisão impugnada um fundamento jurídico não suscitado na fase do procedimento administrativo (v., por analogia, Acórdão de 11 de maio de 2005, Saxonia Edelmetalle e ZEMAG/Comissão, T‑111/01 e T‑133/01, EU:T:2005:166, n.os 67 e 68 e jurisprudência referida).

39

Por conseguinte, os argumentos dos recorrentes relativos à tomada em consideração dos produtores da União que utilizam arroz em casca produzido ou cultivado fora da União não podem ser julgados inadmissíveis.

40

Em seguida, o Tribunal Geral refere que as medidas de salvaguarda em causa no presente processo fazem parte das medidas de defesa comercial referidas no artigo 207.o, n.o 1, TFUE [v., neste sentido, Parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre com Singapura), de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376, n.os 10, 42 e 43, e Acórdão de 20 de outubro de 2021, Novolipetsk Steel/Comissão, T‑790/19, não publicado, EU:T:2021:706, n.os 43, 44, 68 e 76], como resulta, por outro lado, do aviso de início do inquérito de salvaguarda emitido pela Comissão.

41

Ora, no domínio da política comercial comum, e particularmente em matéria de medidas de defesa comercial, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as instituições da União dispõem de um amplo poder de apreciação em razão da complexidade das situações económicas e políticas que devem examinar, pelo que a fiscalização jurisdicional desse amplo poder de apreciação deve ser limitada à verificação da observância das regras processuais, da exatidão material dos factos tidos em conta, da inexistência de erro manifesto de apreciação desses factos ou da inexistência de desvio de poder (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Hubei Xinyegang Special Tube, C‑891/19 P, EU:C:2022:38, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida).

42

A este respeito, resulta de jurisprudência constante que a fiscalização pelo Tribunal Geral dos elementos probatórios em que as instituições da União baseiam as suas considerações não constitui uma nova apreciação dos factos que substitui a dessas instituições. Essa fiscalização não interfere no amplo poder de apreciação das instituições no domínio da política comercial, antes se limita a verificar se esses elementos são suscetíveis de apoiar as conclusões por elas extraídas. Cabe, portanto, ao Tribunal Geral não só verificar a exatidão material das provas invocadas, a sua fiabilidade e coerência, mas também determinar se essas provas constituem todos os dados pertinentes a ter em consideração na avaliação de uma situação complexa e se são suscetíveis de suportar as conclusões delas extraídas (v. Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Hubei Xinyegang Special Tube, C‑891/19 P, EU:C:2022:38, n.o 37 e jurisprudência referida; v., igualmente, por analogia, Acórdão de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 39).

43

Nos termos do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento SPG, caso um produto originário de um dos países beneficiários de qualquer dos regimes preferenciais referidos no artigo 1.o, n.o 2, seja importado em volumes e/ou a preços que causem, ou ameacem causar, dificuldades graves aos produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes, os direitos normais da Pauta Aduaneira Comum podem ser restabelecidos relativamente a esse produto.

44

Resulta desta disposição que a determinação da existência ou do risco de dificuldades graves enfrentadas pelos produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes se baseia em elementos de prova positivos e inclui um exame objetivo, por um lado, do volume e/ou dos preços das importações em causa e, por outro, da incidência dessas importações nos referidos produtores.

45

O conceito de «produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes», conforme referido no artigo 22.o do Regulamento SPG, tem caráter jurídico e deve ser interpretado com base em elementos objetivos. Tratando‑se de uma questão jurídica, o juiz da União deve exercer uma fiscalização plena no que respeita à interpretação da mesma.

46

A este respeito, o Tribunal Geral assinala que, embora o conceito de «produtores da União» não esteja expressamente definido no Regulamento SPG, é imediatamente apresentado por referência aos produtos específicos que devem ser fabricados pela indústria em causa. Assim, só os produtores da União «de produtos similares ou diretamente concorrentes» das importações originárias de um país beneficiário de um dos regimes preferenciais são visados no artigo 22.o do referido regulamento.

47

A escolha do produto estrangeiro objeto do inquérito de salvaguarda determina, assim, o âmbito da análise do ramo de produção nacional ou, por outras palavras, dos produtos similares ou diretamente concorrentes dos produtos importados, o que, por sua vez, permite identificar os «produtores» destes últimos. Por conseguinte, existe um nexo entre os produtos importados e os produtores da União que beneficiam do mecanismo de salvaguarda. É com base nisto que a Comissão determina se os produtores da União sofreram ou correm o risco de sofrer dificuldades graves devido ao facto de as importações serem objeto das medidas de salvaguarda.

48

Nestas circunstâncias, a apreciação do mérito da definição por parte da Comissão dos produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes deve ser efetuada à luz das características do produto importado conforme definido pela Comissão.

49

Por conseguinte, o Tribunal Geral apreciará, em primeiro lugar, a definição do produto importado adotada pela Comissão no âmbito do inquérito de salvaguarda e, em segundo lugar, a conformidade da interpretação dos conceitos de «produtos similares ou diretamente concorrentes» e de «produtores da União», adotada pela Comissão, à luz do artigo 22.o do Regulamento SPG.

Quanto à definição do produto importado adotada pela Comissão no regulamento impugnado

50

No caso em apreço, resulta dos considerandos 13 e 14 do regulamento impugnado que a Comissão definiu o produto importado em causa como sendo o arroz índica branqueado ou semibranqueado originário do Camboja e de Mianmar, pertencente às subposições NC 10063027, 10063048, 10063067 e 10063098.

51

A este respeito, em primeiro lugar, o Tribunal Geral salienta que o conceito de «produto em causa», acolhido no regulamento impugnado, constitui a tradução concreta do conceito geral de «produto considerado», que figura no artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento SPG, uma vez que o regulamento impugnado tem por objeto a execução deste artigo no domínio em causa. Daqui resulta que os elementos constitutivos do conceito de «produto considerado», na aceção do Regulamento SPG, determinam necessariamente aqueles que devem ser atribuídos ao «produto em causa», na aceção do regulamento impugnado (v., por analogia, Acórdão de 17 de março de 2016, Portmeirion Group, C‑232/14, EU:C:2016:180, n.o 38 e 39).

52

Embora o Regulamento SPG não precise expressamente o alcance do conceito de «produto considerado», resulta do n.o 1 do artigo 22.o do referido regulamento que o ponto de partida para a adoção de medidas de salvaguarda consiste nas dificuldades graves causadas ou que podem vir a ser causadas pela importação, em certos volumes e/ou a certos preços, de um «produto originário de um país beneficiário» de um dos regimes preferenciais visados pelo referido regulamento. Por conseguinte, há que interpretar o conceito de «produto considerado», que figura no n.o 2 do artigo 22.o do Regulamento SPG, à luz do n.o 1 do mesmo artigo.

53

O considerando 23 e o artigo 33.o do Regulamento SPG preveem que as regras relativas à definição do conceito de produto originário são fixadas pelo Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1993, L 253, p. 1).

54

Uma vez que o Regulamento n.o 2454/93 foi revogado, estas disposições devem ser lidas no sentido de que remetem, atualmente, para o Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1), que deve ser lido em conjugação com o Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 da Comissão, de 28 de julho de 2015, que completa o Regulamento n.o 952/2013 a respeito das regras de execução de determinadas disposições do Código Aduaneiro da União (JO 2015, L 343, p. 1), e com o Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015, que estabelece as regras de execução do Regulamento n.o 952/2013 (JO 2015, L 343, p. 558). Estes definem, nomeadamente, o que se deve entender por produto «originário» de um país.

55

Assim, nos termos do artigo 41.o do Regulamento Delegado 2015/2446, consideram‑se produtos originários de um país beneficiário do sistema de preferências generalizadas os produtos inteiramente obtidos nesse país, na aceção do artigo 44.o do referido regulamento, e os produtos obtidos nesse país que incorporem matérias que aí não tenham sido inteiramente obtidas, desde que essas matérias tenham sido objeto de operações de complemento de fabrico ou de transformação suficientes, na aceção do artigo 45.o do referido regulamento.

56

O artigo 44.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Delegado 2015/2446 precisa que são considerados inteiramente obtidos num país beneficiário as plantas e os produtos vegetais aí cultivados ou colhidos.

57

O artigo 47.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento Delegado 2015/2446 acrescenta, no entanto, que as operações de descasque, de branqueamento total ou parcial de arroz, bem como de polimento e de glaciagem de cereais e de arroz são consideradas operações de complemento de fabrico ou de transformação insuficientes para conferir o caráter de produto originário, independentemente de estarem ou não satisfeitos as condições do artigo 45.o do referido regulamento.

58

Resulta destas disposições que, para ser considerado originário de um país beneficiário de um dos regimes preferenciais, o arroz deve aí ter sido cultivado ou colhido, ou mesmo ter sido objeto de certas operações de complemento de fabrico ou de transformações, com exclusão das operações de descasque, de branqueamento total ou parcial, de polimento e de glaciagem.

59

Em segundo lugar, o Tribunal Geral constata que existem principalmente três variedades de arroz. O arroz de grão redondo, o arroz de grão semi‑longo, também conhecido por japónica, e o arroz de grão longo, também conhecido por índica.

60

Para poderem ser consumidas, as diferentes variedades de arroz devem ser transformadas. Como resulta do capítulo 10 do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1), são geralmente distinguidas quatro fases de transformação do arroz:

o arroz paddy (arroz em casca): o arroz provido da sua casca, após a debulha.

o arroz descascado: o arroz a que apenas foi eliminada a casca.

o arroz semibranqueado: o arroz a que se eliminou a casca, uma parte do germe e a totalidade ou parte das camadas exteriores do pericarpo, mas não as camadas interiores;

o arroz branqueado: o arroz inteiramente transformado a que se eliminou a casca, a totalidade das camadas exteriores e interiores do pericarpo, a totalidade do germe, no caso do arroz longo e médio, e pelo menos uma parte, no caso do arroz redondo, mas em que podem subsistir estrias brancas longitudinais em 10 % dos grãos, no máximo.

61

Assim, tanto o arroz branqueado como o arroz semibranqueado são obtidos pela transformação do arroz em casca. Sendo este último arroz um arroz que se apresenta como quando é colhido, ainda com casca, esta transformação exige, pelo menos, uma operação de descasque.

62

Uma vez que o descasque é uma operação considerada insuficiente para conferir o caráter de produto originário ao arroz, como resulta do artigo 47.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento Delegado 2015/2446 e do n.o 57, supra, o arroz índica branqueado ou semibranqueado deve ser produzido num país beneficiário a partir de arroz em casca cultivado ou colhido nesse país para ser qualificado de produto «originário» do referido país, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, e do artigo 33.o do Regulamento SPG.

63

No caso em apreço, o produto considerado é, assim, o arroz índica branqueado ou semibranqueado originário do Camboja e de Mianmar, produzido a partir de arroz que aí foi cultivado ou colhido.

Quanto ao conceito de «produtos similares ou diretamente concorrentes» e à definição da indústria da União

64

A título preliminar, o Tribunal Geral salienta que, contrariamente aos domínios antidumping ou antissubvenções, os inquéritos de salvaguarda não estão limitados aos produtores da União de «produtos similares». Os produtores de produtos «diretamente concorrentes» devem igualmente ser considerados.

65

Em todo o caso, mesmo no domínio antidumping, nem sempre foram aceites pelo Tribunal Geral argumentos destinados a demonstrar que o «produto considerado» objeto de um inquérito apenas devia abranger «produtos similares», na aceção do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento (UE) 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping de países não membros da União Europeia (JO 2016, L 176, p. 21; a seguir «Regulamento Antidumping»), nomeadamente «produto[s] idêntico[s], ou seja, análogo[s] em todos os aspetos ao produto considerado, ou, quando não exista[m] ta[is] produto[s], [outros] produto que, embora não sendo análogo[s] em todos os aspetos, apresente[m] características muito semelhantes às do produto considerado» (Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Portmeirion Group, C‑232/14, EU:C:2015:583, n.o 49).

66

Assim, tendo a jurisprudência confirmado que, no âmbito de um inquérito antidumping, o conceito de «produto similar» devia ser entendido em sentido amplo, o mesmo deve acontecer com o conceito de «produto similar ou diretamente concorrente» no domínio conexo das medidas de salvaguarda.

67

No caso em apreço, resulta das considerações enunciadas no título 2.2 do regulamento impugnado e dos elementos dos autos que a Comissão considerou que o arroz índica branqueado ou semibranqueado transformado a partir de arroz em casca cultivado ou colhido na União constituía o «produto similar ou diretamente concorrente», que teve em conta para efeitos da avaliação da existência de dificuldades graves enfrentadas pelos produtores da União.

68

A Comissão baseou‑se nas características físicas, técnicas e químicas de base dos produtos, na sua utilização final, nos seus canais de distribuição para determinar os produtos similares ou diretamente concorrentes do produto em causa. No entanto, acrescentou um critério adicional, designadamente o critério da origem da matéria‑prima.

69

Tendo aplicado o critério de origem a todos os produtos similares ou diretamente concorrentes, a Comissão, nos considerandos 22 e 23 do regulamento impugnado, definiu a indústria da União por referência à origem dos abastecimentos em arroz em casca dos moageiros da União, destinado às operações de transformação, e excluiu os produtores de arroz, considerando‑os unicamente fornecedores de matérias‑primas. Nos seus articulados e na audiência, a Comissão precisou assim ter excluído da análise do prejuízo os moageiros da União que produzem arroz índica branqueado ou semibranqueado a partir de arroz em casca importado.

70

A este respeito, em primeiro lugar, no que respeita ao conceito de «produtos similares ou diretamente concorrentes», o Tribunal Geral constata que o Regulamento SPG se limita a definir, no seu artigo 22.o, n.o 2, o conceito de «produto similar» como um produto idêntico, ou seja, análogo em todos os aspetos ao produto considerado, ou, quando não exista tal produto, um outro produto que, embora não sendo análogo em todos os aspetos, apresente características muito semelhantes às do produto considerado.

71

Tendo em conta a redação do artigo 22.o, n.os 1 e 2, do Regulamento SPG, o produto originário de um país beneficiário, ou produto considerado, constitui o ponto de partida da definição de «produto similar». Como resulta do n.o 64, supra, uma vez que o Regulamento SPG visa tanto os «produtos similares» como os produtos «diretamente concorrentes», há que aplicar à determinação dos «produtos similares ou diretamente concorrentes» critérios equivalentes aos que são pertinentes para a determinação do produto considerado.

72

No entanto, esta disposição não deve ser entendida no sentido de que as regras de origem do produto considerado se aplicam implicitamente aos produtos similares ou aos produtos diretamente concorrentes.

73

Com efeito, há que constatar, como alegam corretamente os recorrentes, que, embora o legislador da União tenha tido o cuidado de precisar expressamente a importância do critério de origem em relação aos produtos originários de um país beneficiário de um dos regimes pautais preferenciais, não fez o mesmo para os produtos dos produtores da União. A remissão expressa para as regras de origem apenas no que respeita aos produtos importados contrasta com a falta de precisão neste sentido em relação a produtos similares ou diretamente concorrentes.

74

Além disso, resulta expressamente do considerando 23 e do artigo 33.o do Regulamento SPG que as regras de origem aplicáveis aos produtos importados têm por objetivo garantir que o sistema de preferências pautais generalizadas só beneficie os países que dele são os beneficiários designados.

75

A redação do artigo 22.o, n.os 1 e 2, do Regulamento SPG é completamente diferente, uma vez que este não indica, nem sugere, que a análise da incidência das importações de um produto originário de um país beneficiário na situação económica ou financeira dos produtores da União deve, em qualquer circunstância, ter em conta a origem dos produtos fabricados por estes e assim limitar os dos produtores da União que podem beneficiar da proteção prevista nesta disposição.

76

Ora, a interpretação da Comissão, segundo a qual a origem dos produtos dos produtores da União é um fator essencial para a determinação dos «produtos similares ou diretamente concorrentes», teria como consequência privar alguns desses produtores, que fabricam produtos dos quais um elemento é um elemento importado ou cuja matéria‑prima sofreu uma transformação que a priva da qualificação de «produtos originários», na aceção do Regulamento Delegado 2015/2446, da possibilidade de solicitarem a adoção de medidas de salvaguarda ou de serem incluídos num inquérito de salvaguarda apenas pelo facto de o seu produto não ser «originário» da União ao mesmo título que os produtos considerados. Não se pode admitir que essa limitação tenha sido pretendida pelo legislador da União.

77

Assim, a Comissão considera incorretamente que deve ser aplicado aos «produtos similares ou diretamente concorrentes» o requisito de origem dos produtos importados de países que beneficiam de preferências pautais, na aceção do artigo 33.o do Regulamento SPG e do Regulamento Delegado 2015/2446.

78

Em segundo lugar, para determinar o que se deve entender por «produtos similares ou diretamente concorrentes», na aceção do Regulamento SPG, devemo‑nos inspirar nos critérios pertinentes para a determinação, nomeadamente, do «produto similar» ou do «produto em causa», ao abrigo do Regulamento Antidumping, uma vez que, tal como no domínio antidumping, os critérios de determinação no âmbito de um inquérito de salvaguarda visam, no essencial, assegurar a existência de um grau de concorrência suficiente entre o produto em causa e o produto similar ou diretamente concorrente (v., por analogia, Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Rusal Armenal/Conselho, T‑512/09 RENV, EU:T:2017:26, n.o 150).

79

Isto é tanto mais assim no caso em apreço quanto, conforme referido nos n.os 64 e 65, supra, os inquéritos de salvaguarda não estão limitados aos produtores da União de «produtos similares», devendo os produtores de produtos «diretamente concorrentes» ser igualmente considerados.

80

A definição de produto similar ou diretamente concorrente no âmbito de um inquérito de salvaguarda tem por objeto ajudar na elaboração da lista de produtos dos produtores da União que serão eventualmente objeto da avaliação do prejuízo. Para efeitos desta operação, a Comissão pode ter em conta vários fatores, como as características físicas, técnicas e químicas dos produtos, a sua utilização, a sua permutabilidade, a perceção que deles têm os consumidores, os canais de distribuição, o processo de fabrico, os custos de produção e a qualidade (v., por analogia, Acórdãos de 11 de julho de 2013, Hangzhou Duralamp Electronics/Conselho, T‑459/07, não publicado, EU:T:2013:369, n.o 69 e jurisprudência referida, e de 25 de janeiro de 2017, Rusal Armenal/Conselho, T‑512/09 RENV, EU:T:2017:26, n.o 151 e jurisprudência referida).

81

Daqui decorre necessariamente que os produtos que não são idênticos ao produto considerado podem ser reagrupados na mesma definição do produto similar ou diretamente concorrente e ser objeto, em conjunto, de um inquérito de salvaguarda (v., por analogia, Acórdão de 28 de fevereiro de 2017, JingAo Solar e o./Conselho, T‑158/14, T‑161/14 e T‑163/14, não publicado, EU:T:2017:126, n.o 86 e jurisprudência referida).

82

A similitude entre os produtos deve ser medida tendo em conta, designadamente, as preferências dos utilizadores finais, dado que a procura do produto de base por parte das empresas de transformação é função da procura dos utilizadores finais (v., por analogia, Acórdão de 15 de outubro de 1998, Industrie des poudres sphériques/Conselho, T‑2/95, EU:T:1998:242, n.o 213).

83

É à luz destas considerações que deve ser efetuada a apreciação do mérito da inclusão de um produto específico na lista dos produtos similares ou diretamente concorrentes, ou da sua exclusão da referida lista.

84

Assim, a questão determinante no caso em apreço consiste em saber se o arroz índica branqueado ou semibranqueado produzido na União é, independentemente da origem do arroz em casca a partir do qual é transformado, similar ou diretamente concorrente do arroz índica branqueado ou semibranqueado originário do Camboja. Como resulta dos n.os 71 e 78 a 82, supra, há que apreciar, para o efeito, vários fatores, como as características, a utilização e os canais de distribuição deste último em face das características do arroz índica branqueado ou semibranqueado originário do Camboja, bem como a permutabilidade entre si.

85

Uma vez que a Comissão já considerou que era esse o caso do arroz índica branqueado ou semibranqueado transformado a partir de arroz em casca cultivado ou colhido na União, há que apreciar se o mesmo sucede com o arroz índica branqueado ou semibranqueado produzido na União a partir de arroz em casca importado.

86

Ora, a este respeito, o Tribunal Geral constata que o arroz índica branqueado ou semibranqueado transformado a partir de arroz em casca importado para a União apresenta as mesmas características físicas, técnicas e químicas de base, serve as mesmas utilizações finais, é produzido pelos mesmos operadores, é vendido através dos mesmos canais comerciais e está em concorrência com o arroz índica branqueado ou semibranqueado transformado a partir de arroz em casca cultivado ou colhido na União.

87

Com efeito, por um lado, a Comissão indicou, no considerando 64 do regulamento impugnado, que, de um modo geral, os consumidores não diferenciam entre produtos da União e produtos importados e que os consumidores que compram arroz nos retalhistas desconhecem geralmente a sua origem.

88

Além disso, a Comissão indicou, no considerando 18 do regulamento impugnado, quer seja produzido na União quer seja importado, o arroz índica branqueado ou semibranqueado tem as mesmas características físicas, técnicas e químicas de base, tem as mesmas utilizações e é vendido, através de canais de comercialização semelhantes ou idênticos, ao mesmo tipo de clientela. Ora, há que salientar que, se o arroz índica produzido num país terceiro a partir de arroz em casca originário desse país tem as mesmas características de base que o arroz índica produzido na União a partir de arroz em casca originário da União, o mesmo deve suceder com arroz índica produzido na União a partir de arroz em casca importado de um país terceiro.

89

Por outro lado, como resulta das respostas às questões do Tribunal Geral na audiência e na ata da audiência, no caso em apreço não é contestado que, do ponto de vista dos moageiros, o arroz índica branqueado ou semibranqueado é permutável e substituível por outro arroz índica branqueado ou semibranqueado, independentemente da sua origem, na medida em que os moageiros podem transformar tanto o arroz produzido na União como o arroz importado. Na audiência, a Comissão indicou, ainda, que se tratava de um mesmo produto, só a origem era diferente.

90

O arroz índica branqueado ou semibranqueado, independentemente da origem da matéria‑prima que serviu para a sua transformação, apresenta, assim, características físicas, técnicas e químicas de base e tem a mesma utilização. Por outras palavras, um arroz índica branqueado ou semibranqueado é permutável ou substituível por outro arroz índica branqueado ou semibranqueado, tanto pelos moageiros da União como pelos consumidores.

91

Assim, independentemente da origem da matéria‑prima a partir da qual foi transformado, o arroz índica branqueado ou semibranqueado produzido na União deve ser qualificado de produto similar ou diretamente concorrente do arroz índica branqueado ou semibranqueado originário do Camboja.

92

Uma vez que a análise da Comissão deve ter em conta todos os produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes a fim de obter uma representação fiável da sua situação económica, a Comissão estava obrigada, no âmbito da análise dos efeitos das importações do arroz índica provenientes do Camboja nos preços da indústria da União, a ter em consideração todos os moageiros da União que produzem arroz índica branqueado ou semibranqueado, independentemente da origem do arroz em casca que transformam. Não é o que sucede no caso em apreço.

93

Por conseguinte, como alegam corretamente os recorrentes, a definição errada dos produtores da União viciou igualmente de erro a análise da existência de dificuldades graves, uma vez que a Comissão excluiu uma parte dos produtores da avaliação do prejuízo.

94

Qualquer outra interpretação equivaleria a dar à Comissão a possibilidade de influenciar, arbitrariamente, o resultado do cálculo das margens de subcotação, procedendo à exclusão de um ou de vários tipos do produto em causa e, portanto, de determinados produtores da União.

95

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral assinala que a limitação, feita pela Comissão, do conceito de «produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes» apenas aos moageiros da União que transformam arroz índica originário da União visa, na realidade, incluir, indiretamente, os produtores de arroz da União na análise do prejuízo atribuído aos moageiros de arroz. Com efeito, ao limitar a definição dos produtores da União que devem ser tidos em conta para efeitos da avaliação do prejuízo por referência à origem da matéria‑prima transformada em arroz índica branqueado ou semibranqueado, a Comissão alargou efetivamente o âmbito de proteção aos produtores de arroz da União, uma vez que só estes são realmente afetados pelo arroz cultivado na União. Ora, tal interpretação não se pode justificar face à definição da indústria da União que figura nos considerandos 22 e 23 do regulamento impugnado, que apenas visa expressamente os moageiros da União.

96

A Comissão poderia ter alargado expressamente, no âmbito do seu amplo poder de apreciação, a definição da indústria da União aos produtores de produtos similares ou diretamente concorrentes, como a República Italiana a convidou a fazer no decurso do inquérito. No entanto, deveria então tê‑los incluído explicitamente na análise do prejuízo e apresentado elementos de prova das dificuldades graves que enfrentam ou correm o risco de enfrentar.

97

Resulta do exposto que a Comissão cometeu um erro de direito e um erro manifesto de apreciação ao limitar arbitrariamente o âmbito do seu inquérito relativo ao prejuízo causado à indústria da União unicamente aos moageiros de arroz índica branqueado ou semibranqueado transformado a partir de arroz em casca cultivado ou colhido na União.

98

Por outro lado, os argumentos da Comissão de que, apesar desses erros, o inquérito de salvaguarda teria chegado à mesma conclusão não podem ser admitidos.

99

Com efeito, segundo a jurisprudência, a legalidade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o ato foi adotado, pelo que o Tribunal Geral não pode substituir os fundamentos invocados durante o processo de inquérito por outros fundamentos invocados pela primeira vez perante si (v. Acórdão de 3 de setembro de 2015, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Comissão, C‑398/13 P, EU:C:2015:535, n.o 22 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2017, Changmao Biochemical Engineering/Conselho, T‑442/12, EU:T:2017:372, n.o 153 e jurisprudência referida). Ora, constituem fundamentos invocados pela primeira vez no Tribunal Geral as apreciações formuladas pela Comissão nos seus articulados e na audiência, relativas ao facto de os volumes das importações de arroz índica para a União serem pouco elevados.

100

As acusações dos recorrentes relativas a uma interpretação errada do conceito de «produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes» pela Comissão devem, assim, ser julgadas procedentes.

101

A título subsidiário, o Tribunal Geral apreciará igualmente, no entanto, os argumentos dos recorrentes relativos à análise da subcotação e aos ajustamentos que aí foram introduzidos, bem como à violação dos seus direitos de defesa.

Quanto às acusações relativas à análise da subcotação e aos ajustamentos

102

Os recorrentes alegam, em substância, uma violação do artigo 22.o, n.os 1 e 2, e do artigo 23.o do Regulamento SPG, na medida em que, quando comparou os preços das importações provenientes do Camboja com os preços da União, a Comissão ajustou erradamente os preços da União e baseou‑se em dados incertos para ajustar os custos posteriores à importação.

103

A este respeito, os recorrentes alegam que nada permite confirmar a alegação da Comissão de que, caso a produção de arroz branqueado ou semibranqueado seja realizada no sul da Europa, a respetiva concorrência exerce‑se essencialmente no norte. Os dados do Eurostat sobre as importações provenientes do Camboja e algumas respostas aos questionários enviados pela Comissão indicam que uma parte significativa das importações diz respeito ao sul da Europa. O ajustamento de todos os preços da União torna assim desigual a comparação com os preços das importações provenientes do Camboja, na medida em que estes últimos não foram objeto do mesmo ajustamento. Segundo os recorrentes, a Comissão devia assim ter comparado os preços do Reino do Camboja após importação com os preços à saída da fábrica dos moageiros da União.

104

Os recorrentes acrescentam que, no domínio antidumping, o ajustamento dos custos de transporte só pode ser feito em caso de circunstâncias excecionais e deve ser limitado às vendas que são especificamente afetadas pelas referidas circunstâncias. Ora, no presente processo, nenhuma circunstância excecional justifica a exclusão do método normal de cálculo da subcotação. Em todo o caso, a Comissão devia ter identificado a proporção das vendas da indústria da União que justificava um ajustamento.

105

Por outro lado, os recorrentes contestam a validade e a fiabilidade dos dados de base em que a Comissão se fundou para determinar que os custos de transporte na União ascendiam a um montante uniforme de 49 euros por tonelada e que os custos posteriores à importação proveniente do Camboja correspondiam a cerca de 2 % do preço de importação. Quanto a estes últimos, os recorrentes alegam que, admitindo que a Comissão se baseou nos dados recolhidos num inquérito de salvaguarda relativo a satsumas que data de 2004, os custos considerados não são atuais e as condições de transporte de satsumas são diferentes das do arroz.

106

A Comissão afirma que o Regulamento SPG não exige qualquer análise da subcotação, uma vez que o artigo 22.o, n.o 1, do referido regulamento apenas faz referência a importações «em volumes e/ou preços» que causam dificuldades graves. Por conseguinte, a exigência de prova exigida e o nível de pormenor dessa análise são mais baixos num inquérito realizado no âmbito do Regulamento SPG do que no âmbito de um inquérito antidumping.

107

Quanto ao ajustamento dos preços da União, a Comissão alega que a concorrência entre o arroz índica originário da União e o arroz originário do Camboja é efetuada no norte da Europa, quer as circunstâncias do caso concreto sejam consideradas excecionais ou não. O facto de o sul da Europa consumir principalmente arroz japónica, enquanto o norte privilegia o arroz índica, é um facto evidente, ilustrado pela repartição geográfica das exportações de arroz índica do Camboja para a União. Este ajustamento de um montante de 49 euros por tonelada baseia‑se, além disso, em elementos de prova objetivos e constitui uma prática corrente, incluindo nos processos antidumping.

108

Acrescenta que, mesmo que o ajustamento dos custos de transporte na União não tivesse sido tido em conta, os preços do Camboja teriam, em todo o caso, implicado uma subcotação dos preços dos produtores da União de, pelo menos, 5,4 % em relação às vendas a granel e de 8,5 % assem relação às vendas em embalagens, o que, conjuntamente com os outros fatores apreciados pela Comissão, bastaria para demonstrar a existência de dificuldades graves, na aceção do artigo 22.o do Regulamento SPG.

109

Quanto ao ajustamento dos preços de importação, a Comissão precisa que, não tendo os recorrentes indicado um montante concreto dos custos posteriores à importação, se baseou em dados de 2014 provenientes de um reexame por caducidade de medidas antidumping instituídas sobre determinados citrinos preparados ou conservados.

110

A República Italiana partilha dos argumentos da Comissão e acrescenta que a apreciação das dificuldades graves se pode basear exclusivamente nos volumes e nas quotas de mercado. Por outro lado, o artigo 22.o do Regulamento SPG não exige que a causa das dificuldades graves identificadas pela Comissão seja exclusiva, nem que seja certa.

111

O Ente Nazionale Risi partilha, em substância, dos argumentos da Comissão.

112

O Tribunal Geral constata que resulta da leitura conjugada do artigo 22.o, n.o 1, e do artigo 23.o, alínea j), do Regulamento SPG que os preços dos produtos importados e dos produtos similares ou diretamente concorrentes são um dos fatores essenciais que a Comissão pode, nomeadamente, ter em conta no âmbito da análise destinada a determinar a existência de dificuldades graves causadas ou que podem vir a ser causadas aos produtores da União pelas importações em causa.

113

Ora, o Regulamento SPG não contém uma definição do conceito de preço e não prevê a obrigação expressa de realização de uma análise da subcotação dos preços nem método de cálculo no que respeita à determinação do efeito das importações do produto em causa na indústria da União.

114

Em contrapartida, os artigos 22.° e 23.° do Regulamento SPG referem‑se às condições que permitem determinar que os volumes e/ou os preços das importações de um produto considerado causam ou podem causar dificuldades graves aos produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes e, in fine, restabelecer os direitos da Pauta Aduaneira Comum a fim de pôr temporariamente termo à deterioração da situação económica e/ou financeira dos produtores da União.

115

Por conseguinte, há que considerar que não existe um mas vários métodos de análise que permitem apreciar se as condições estabelecidas nos artigos 22.° e 23.° do Regulamento SPG estão reunidas. Ora, a escolha entre diferentes métodos de cálculo pressupõe a apreciação de situações económicas complexas, pelo que a Comissão dispõe de um certo poder de apreciação quando escolhe o método segundo o qual se deve verificar se essas condições estão reunidas.

116

No entanto, o Tribunal Geral recorda que, embora o Tribunal de Justiça reconheça à Comissão uma ampla margem de apreciação em matérias económicas complexas, isso não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a interpretação, pela Comissão, de dados de natureza económica.

117

Com efeito, como resulta da jurisprudência referida no n.o 42, supra, cabe ao juiz da União, nomeadamente, não só verificar a exatidão material das provas invocadas, a sua fiabilidade e coerência, mas também determinar se essas provas constituem todos os dados pertinentes a ter em consideração na avaliação de uma situação complexa e se são suscetíveis de suportar as conclusões delas extraídas.

118

No caso em apreço, resulta dos considerandos 61, 64, 76 e 77 do regulamento impugnado que a Comissão se baseou tanto nos volumes como nos preços das importações de arroz índica branqueado ou semibranqueado originário do Camboja para concluir que estas causavam dificuldades graves aos produtores da União de produtos similares ou diretamente concorrentes, o que, de resto, confirmou na audiência.

119

A este respeito, como foi indicado nos n.os 13 a 21, supra, a Comissão procedeu a uma análise da subcotação, nos termos da qual, no documento de informação geral, verificou que os preços das importações provenientes do Camboja induziram uma subcotação dos preços da União correspondente a 22 %.

120

Na sequência da comunicação deste documento, o Reino do Camboja perguntou, nomeadamente, se os custos posteriores à importação tinham sido tidos em conta no cálculo da margem de subcotação. Em resposta às observações das partes interessadas, entre as quais as do Reino do Camboja, a Comissão reviu os seus cálculos da subcotação e ajustou, por um lado, os preços da indústria da União para ter em conta um montante uniforme de 49 euros por tonelada a título de custos de transporte do arroz do sul para o norte da Europa e, por outro, os preços de importação tendo em conta os custos posteriores à importação, estimados em cerca de 2 % do preço de importação. Após ter indicado que tinha igualmente tido em conta as diferenças de estádio de comercialização e comparado os preços de venda do arroz branqueado comercializado a granel com os preços do arroz vendido em embalagens, chegou à conclusão de que a subcotação dos preços era de 13 % em relação às vendas a granel e de 14 % em relação às vendas em embalagens.

121

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral constata que, apesar desses ajustamentos efetuados durante o procedimento administrativo, as conclusões da Comissão sobre a deterioração da situação económica da indústria da União causada pelas importações do arroz índica proveniente do Camboja se baseiam numa subcotação dos preços antes dos ajustamentos, ou seja, uma subcotação de 22 %, como resulta dos considerandos 56, 60 e 63 do regulamento impugnado.

122

É certo que, nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral a título de medidas de organização do processo, a Comissão indicou não ter corrigido essas menções de uma subcotação de 22 %, e que as margens de subcotação especificadas nos considerandos 56, 60 e 63 do regulamento impugnado deviam ser lidas como sendo de 13 % em relação às vendas a granel e de 14 % em relação às vendas em embalagens. No entanto, o Tribunal Geral salienta que, embora os considerandos 56 e 60 do regulamento impugnado sejam idênticos aos considerandos 41 e 44 do documento de informação geral, o considerando 63 do regulamento impugnado foi acrescentado posteriormente e que a subcotação de 22 % foi tida em conta pela Comissão no momento da adoção do regulamento impugnado.

123

Por conseguinte, a Comissão cometeu um erro de facto ao concluir, no regulamento impugnado, que a situação da indústria da União se tinha deteriorado em termos económicos, na medida em que esta esteve sujeita a uma subcotação significativa dos preços, igual a 22 %.

124

Em segundo lugar, o Tribunal Geral recorda que, como acertadamente refere a Comissão, se uma parte pede ajustamentos destinados a tornar comparáveis os preços de importação e os preços da indústria da União com vista à determinação da margem de subcotação, esta parte deve fazer prova de que o seu pedido é justificado. Assim, quando um produtor reivindica a aplicação de um ajustamento, em princípio em baixa, cabe a este operador indicar e demonstrar que as condições para a concessão de tal ajustamento estão satisfeitas (v., por analogia, Acórdão de 26 de outubro de 2016, PT Musim Mas/Conselho, C‑468/15 P, EU:C:2016:803, n.o 82 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi nos processos apensos Changshu City Standard Parts Factory e Ningbo Jinding Fastener/Conselho, C‑376/15 P e C‑377/15 P, EU:C:2016:928, n.o 97 e jurisprudência referida).

125

De igual modo, cabe à Comissão, quando considere que deve efetuar um ajustamento, basear‑se em provas ou, no mínimo, em indícios convergentes, que permitam demonstrar a existência do fator ao abrigo do qual o ajustamento é feito e determinar a sua incidência na comparabilidade dos preços (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de fevereiro de 2012, Conselho e Comissão/Interpipe Niko Tube e Interpipe NTRP, C‑191/09 P e C‑200/09 P, EU:C:2012:78, n.os 58 e 61 e jurisprudência referida, e de 10 de março de 2009, Interpipe Niko Tube e Interpipe NTRP/Conselho, T‑249/06, EU:T:2009:62, n.o 180 e jurisprudência referida).

126

No caso em apreço, nos considerandos 34 e 35 do regulamento impugnado, a Comissão indicou que o Reino do Camboja «[tinha questionado] a metodologia adotada pela [própria] para calcular as margens de subcotação», que «[o] Camboja alegou que os custos pós‑importação não [tinham sido] adicionados para calcular o preço de exportação do Camboja» e que, «[t]endo em conta os argumentos recebidos […], [tinha decidido] rever os cálculos da subcotação dos preços, de modo a incluir os custos pós‑importação ou de transporte pertinentes».

127

Por conseguinte, há que concluir que, na sequência das observações sobre o documento de informação geral, a Comissão aceitou a necessidade de proceder a ajustamentos à análise da subcotação. Em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 42 e 125, supra, cabia‑lhe, portanto, basear‑se em provas, ou em indícios convergentes, que permitissem demonstrar a existência dos fatores com base nos quais os ajustamentos tinham sido efetuados e determinar a sua incidência na comparabilidade dos preços, e o Tribunal Geral deve apreciar a fiabilidade, a coerência e a pertinência dos elementos de prova invocados pela Comissão em apoio das suas conclusões.

128

A este respeito, o cálculo da subcotação do preço das importações é realizado para efeitos da determinação da existência de um prejuízo sofrido pela indústria da União devido a essas importações e é utilizado, mais amplamente, para avaliar esse prejuízo e determinar a margem de prejuízo, a saber, o nível de eliminação do referido prejuízo. A apreciação objetiva do impacto das importações impõe que se proceda a uma comparação equitativa entre o preço do produto em causa e o preço do produto similar da referida indústria nas vendas efetuadas no território da União. A fim de garantir a equidade desta comparação, os preços devem ser comparados no mesmo estádio de comercialização. Com efeito, uma comparação efetuada entre os preços obtidos em fases comerciais distintas, ou seja, sem incluir todos os custos associados ao estádio de comercialização que devem ser tidos em conta, dará necessariamente origem a resultados artificiais que não permitirão uma apreciação correta do prejuízo da indústria da União. Tal comparação equitativa constitui um requisito da legalidade do cálculo do prejuízo desta indústria (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 10 de abril de 2019, Jindal Saw et Jindal Saw Italia/Comissão, T‑300/16, EU:T:2019:235, n.o 239 e jurisprudência referida).

129

Primeiro, no que respeita ao ajustamento dos preços da União para ter em conta os custos de transporte do sul para o norte da União num montante uniforme de 49 euros por tonelada, o Tribunal Geral recorda que a prática que consiste em comparar os preços «à saída da fábrica», sem custos de transporte, dos produtos da indústria da União aos preços «custo, seguro, frete» (CAF) à fronteira da União das importações foi várias vezes reconhecida pela jurisprudência (v., por analogia, Acórdãos de 30 de novembro de 2011, Transnational Company Kazchrome e ENRC Marketing/Conselho e Comissão, T‑107/08, EU:T:2011:704, n.o 55 e de 10 de abril de 2019, Jindal Saw e Jindal Saw Italia/Comissão, T‑300/16, EU:T:2019:235, n.os 243 a 249; Conclusões do advogado‑geral G. Slynn no processo França/Comissão, 181/85, EU:C:1986:491, pp. 708 e 709).

130

Na fase do processo no Tribunal Geral, a Comissão invoca circunstâncias excecionais que justificam esse ajustamento, tendo por objetivo ter em conta os custos necessários para levar o produto para o local onde se exerce a concorrência, nomeadamente, o norte da Europa, e remete para a sua prática implementada no seu Regulamento de Execução (UE) 2019/1688, de 8 de outubro de 2019, que institui um direito antidumping definitivo e cobra definitivamente o direito provisório instituído sobre as importações de misturas de ureia com nitrato de amónio originárias da Rússia, de Trindade e Tobago e dos Estados Unidos da América (JO 2019, L 258, p. 21), e no seu Regulamento de Execução (UE) 2019/576, de 10 de abril de 2019, que institui um direito antidumping provisório sobre as importações de misturas de ureia com nitrato de amónio originárias da Rússia, de Trindade e Tobago e dos Estados Unidos da América (JO 2019, L 100, p. 7).

131

Ora, como alegam corretamente os recorrentes, nos considerandos 108 a 110 do Regulamento de Execução 2019/1688 e nos considerandos 127 e 129 do Regulamento de Execução 2019/576, a Comissão precisou que a sua prática habitual consistia em comparar o preço CAF fronteira da União dos produtores‑exportadores ao preço à saída da fábrica dos produtores da União. Resulta igualmente destes considerandos que a Comissão se afasta desta abordagem padrão e ajusta determinadas vendas da indústria da União quando circunstâncias excecionais o justifiquem. Indica, assim, que pode limitar o ajustamento à proporção das vendas abrangidas pela situação excecional.

132

No caso em apreço, a Comissão não alega de modo algum a existência de tais circunstâncias excecionais no regulamento impugnado, que justificariam que, no que respeita às vendas de arroz índica na União, se deveriam ter em conta os custos de transporte do sul para o norte da Europa. Apenas invoca as circunstâncias do caso em apreço na fase da tréplica, embora tenha invocado tais circunstâncias específicas no próprio texto dos regulamentos de execução que cita.

133

Por outro lado, a Comissão não comunicou nenhum elemento de prova nem indício fiável e pertinente em apoio da sua afirmação de que é um «facto evidente» que o local onde se exerce a concorrência do arroz índica na União é o norte da Europa, pelo que era necessário ter em conta os preços da indústria da União após o encaminhamento da totalidade do arroz índica branqueado ou semibranqueado do sul para o norte da Europa e não ajustar os custos de transporte em função da proporção das vendas de arroz nas diferentes zonas geográficas da União.

134

Com efeito, antes de mais, embora, no considerando 36 do regulamento impugnado, a Comissão tenha indicado que o «sul» da Europa era composto por Itália e Espanha, definiu‑o, na contestação, como sendo composto por Itália, Espanha e Grécia, à qual acrescentou, posteriormente, Portugal.

135

Em seguida, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral a título de medidas de organização do processo, a Comissão apresentou duas publicações em que esse facto «evidente» é mencionado e explicitado por estatísticas.

136

Ora, por um lado, o Tribunal Geral constata que se trata de uma ficha de informação sobre o arroz elaborada pela Comissão, na qual se afirma, sem que esta afirmação seja apoiada por elementos de prova, que «o arroz índica (grão longo) é o arroz “tradicional” asiático, representando [cerca de] 25 % da produção de arroz na União e sendo principalmente consumido no norte da Europa».

137

Por outro lado, a Comissão apresentou um quadro, publicado num artigo datado de dezembro de 1995 e relativo à qualidade do arroz na União, que estabelece uma estimativa quantificada do consumo de arroz índica e de arroz japónica nos anos de 1993 e 1994 em cada um dos doze países então membros da União.

138

Esse quadro fornece informações sobre os hábitos de consumo de arroz na União há 30 anos, podendo esses hábitos ter mudado de forma significativa, como alegaram corretamente os recorrentes nas suas observações sobre as respostas da Comissão e na audiência. Resulta igualmente desse documento que Itália, Espanha, Grécia e Portugal continuam com cerca de 11,8 % do consumo de arroz índica da União e a própria Comissão reconheceu que 12 % das importações provenientes do Camboja iam para esses países do «sul».

139

Por último, embora, no considerando 36 do regulamento impugnado, a Comissão indique que se baseou em informações constantes da denúncia e verificadas durante o inquérito no local, há que constatar que a denúncia da República Italiana não contém nenhuma informação sobre os custos de transporte na União de tal montante e que as verificações que a Comissão efetuou no decurso do inquérito no local não fazem parte dos autos.

140

Na contestação, a Comissão precisou que os elementos de prova objetivos que justificam um ajustamento dos custos de transporte na União no montante de 49 euros por tonelada, nomeadamente, uma declaração da associação italiana dos moageiros de arroz (AIRI), verificada no local em dois moageiros italianos que faziam parte da amostra, figuravam nos autos, mas não eram acessíveis aos recorrentes devido a um pedido de tratamento confidencial. Acrescentou que, mesmo na falta de ajustamento dos custos de transporte, a análise demonstrou a existência de uma subcotação dos preços dos produtores da União de, pelo menos, 5,4 % em relação às vendas a granel e 8,5 % em relação às vendas em embalagens.

141

É certo que o acesso das partes às informações sobre as decisões da Comissão está, nos termos do artigo 17.o, n.o 3, do regulamento delegado, como resulta do n.o 171, infra, expressamente restringido pelo caráter confidencial dessas informações. Os princípios que regem o direito à informação das partes devem, por conseguinte, ser conciliados com o respeito pelo princípio da proteção da confidencialidade, e em particular com a obrigação de as instituições respeitarem o sigilo comercial (v., por analogia, Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no processo Donex Shipping e Forwarding, C‑104/19, EU:C:2020:159, n.o 61 e jurisprudência referida).

142

Não obstante, segundo a jurisprudência referida no n.o 99, supra, a legalidade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o ato foi adotado, pelo que o Tribunal Geral não pode substituir os fundamentos invocados durante o processo de inquérito por outros fundamentos invocados pela primeira vez perante si. Ora, é esse o caso das apreciações da Comissão formuladas nos seus articulados, nas quais afirma, sem mais precisões, que, na falta de ajustamento dos custos de transporte, os preços das importações provenientes do Camboja teriam, ainda assim, conduzido a uma subcotação dos preços dos produtores da União de, pelo menos, 5,4 % em relação às vendas a granel e de 8,4 % em relação às vendas em embalagens.

143

A recusa em divulgar as informações em causa não pode, além disso, ser justificada por um fundamento invocado no decurso do processo no Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 1 de junho de 2017, Changmao Biochemical Engineering/Conselho, T‑442/12, EU:T:2017:372, n.o 153).

144

Em todo o caso, já foi declarado que as informações necessárias para apreciar se, tendo em conta a estrutura do mercado, um ajustamento controvertido é adequado não são dados confidenciais, na medida em que se trata de definir, motivando‑o, o estádio de comercialização dos produtos da União correspondente ao dos produtos importados e proceder a um ajustamento adequado para ter em conta todos os respetivos custos (v., por analogia, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Zhejiang Xinshiji Foods e Hubei Xinshiji Foods/Conselho, T‑122/09, não publicado, EU:T:2011:46, n.o 86).

145

Por conseguinte, a Comissão não pode validamente invocar a confidencialidade de todas as informações que permitiram concluir por um ajustamento dos custos de transporte na União num montante uniforme de 49 euros por tonelada.

146

O Tribunal Geral observa, por outro lado, que, em 8 de fevereiro de 2022, na sequência de questões e do pedido de apresentação de documentos do Tribunal Geral a título de medidas de organização do processo, a Comissão reiterou que a declaração da AIRI era confidencial.

147

No entanto, em 10 de fevereiro de 2022, indicou ter obtido a confirmação da AIRI de que, tendo em conta o tempo decorrido desde o procedimento administrativo, o pedido de confidencialidade relativo à declaração sobre as despesas de transporte não se mantinha. Acrescentou que apresentaria a referida declaração em 18 de fevereiro de 2022, nas suas respostas às questões do Tribunal Geral, e que todas as partes poderiam aceder à mesma.

148

Ora, resulta dos elementos dos autos que a Comissão apenas apresentou uma troca de mensagens de correio eletrónico entre a própria e o Ente Nazionale Risi, em que se encontra uma captura de ecrã que representa um quadro dos custos de transporte do arroz a granel e em sacos grandes. O montante de 49 euros é aí referido como correspondendo aos custos de transporte do arroz em sacos grandes encaminhados de Itália para a Bélgica. Em contrapartida, o documento de origem do qual esses dados provêm, ou os cálculos que permitiram chegar a esses dados, não foi comunicado ao Tribunal Geral.

149

A repartição geográfica subjacente ao «facto evidente» segundo o qual a concorrência do arroz índica branqueado ou semibranqueado na União era exercida a norte da Europa não é corroborada por elementos de prova fiáveis e pertinentes. O mesmo sucede com a opção da Comissão de aplicar à totalidade da produção de arroz índica na União a taxa uniforme de 49 euros por tonelada a título de custos de transporte, sem limitar o ajustamento a uma certa proporção das vendas de arroz índica branqueado e semibranqueado da União que necessitavam efetivamente desse transporte do sul para o norte da Europa.

150

Segundo, quanto ao ajustamento dos preços de importação, a Comissão indicou, no considerando 36 do regulamento impugnado, que se baseou em «dados obtidos no âmbito de um inquérito anterior relativo a outro produto alimentar, nomeadamente, as satsumas». Em contrapartida, não comunicou elementos de prova fiáveis e coerentes, nem indícios convergentes, quanto ao inquérito em causa e aos dados que permitiram concluir que os custos posteriores à importação deviam ser estimados, no caso em apreço, em cerca de 2 % do preço de importação.

151

Com efeito, embora os recorrentes tenham referido a hipótese de que se tratava de um inquérito de 2003/2004, e deduzido acusações sobre a utilização desses dados anteriores, a Comissão, na fase da contestação, refutou esta hipótese e precisou que se tratava de dados de 2014 provenientes de uma reapreciação da caducidade de medidas antidumping instituídas sobre determinados citrinos preparados ou conservados.

152

É certo que, num processo relativo a importações de citrinos preparados ou conservados originários da China, já foi considerado que um ajustamento a 2 % do preço de importação era modesto, pelo que era razoável supor que apenas incluía as despesas efetuadas até à chegada da mercadoria ao armazém do importador (Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Zhejiang Xinshiji Foods e Hubei Xinshiji Foods/Conselho, T‑122/09, não publicado, EU:T:2011:46, n.o 85).

153

No entanto, mesmo admitindo que os recorrentes deviam ter compreendido que o ajustamento em causa tinha sido retirado de um inquérito de 2014 e apenas incluía as despesas efetuadas até à chegada da mercadoria ao armazém do importador, nenhum dos elementos que lhes foram comunicados durante o procedimento administrativo ou que figuram no regulamento impugnado versa sobre a questão de saber por que razão essa fase da cadeia de distribuição dos produtos importados é o equivalente do nível «norte da Europa» da indústria da União, nem em que medida os preços de transporte de satsumas são equivalentes aos do arroz, produto seco menos facilmente perecível, e, por conseguinte, por que razão este ajustamento é adequado no caso em apreço.

154

O Tribunal Geral constata, assim, que os elementos invocados pela Comissão para justificar este ajustamento não são suficientemente convincentes, ou são inexistentes, e não podem ser considerados provas, nem indícios convergentes, que permitam demonstrar a existência do fator com base no qual o ajustamento dos preços de importação foi efetuado e determinar a sua incidência na comparabilidade entre os preços.

155

Terceiro, quanto ao ajustamento da análise da subcotação a fim de ter em conta as diferenças de estádio de comercialização e comparar os preços do arroz branqueado vendido a granel com os preços do arroz vendido em embalagens, há que salientar que a Comissão não apresentou nenhum elemento de prova em apoio deste ajustamento, nem indícios que permitam demonstrar a existência dos fatores com base nos quais esse ajustamento foi efetuado e determinar a sua incidência na comparabilidade entre os preços.

156

Resulta de tudo o que precede que a Comissão não se baseou em elementos de prova, nem em indícios, fiáveis e pertinentes que permitam fundamentar a sua decisão de efetuar ajustamentos no âmbito da análise da subcotação.

157

Por conseguinte, há também que julgar procedentes as acusações dos recorrentes relativas à existência de erros manifestos de apreciação, na medida em que a Comissão procedeu a ajustamentos nos preços da União e nos preços de importação.

Quanto às acusações relativas a uma violação dos direitos de defesa dos recorrentes e à obrigação de comunicar os factos e considerações essenciais ou os dados pormenorizados na base dos mesmos

158

Os recorrentes invocam, em substância, uma violação dos seus direitos de defesa, bem como do artigo 17.o, n.os 1 a 4, do regulamento delegado, conjugado com o artigo 38.o, n.o 3, do Regulamento SPG, na medida em que a Comissão não divulgou, antes da adoção da decisão de restabelecer os direitos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações do arroz índica originário do Camboja, determinados factos e considerações essenciais, ou os dados pormenorizados na base dos mesmos, em que se apoiou a sua decisão final.

159

Antes de mais, os recorrentes alegam que a Comissão não lhes comunicou a análise da subcotação, nem os ajustamentos efetuados após as observações que se seguiram à comunicação do documento de informação geral, nem os dados de base a eles relativos, respeitantes aos custos posteriores à importação, aos custos de transporte do arroz do sul para o norte da Europa, bem como a distinção entre os preços de venda a granel e os preços de venda em embalagens.

160

A Comissão também não comunicou os dados que fundamentaram o cálculo dos indicadores de consumo e de prejuízo, como as quotas de mercado e os volumes de vendas, a evolução da produção da União, das importações e dos seus preços, incluindo os dados recebidos dos Estados‑Membros e do Eurostat e os números estabelecidos com base nos mesmos, nem a análise através da qual aplicou a taxa de conversão do arroz semibranqueado em equivalente de arroz branqueado.

161

Ora, estes elementos são manifestamente factos e considerações essenciais, e os dados utilizados a este respeito são dados pormenorizados na base dos mesmos, pelo que, nos termos do artigo 17.o, n.os 1 a 4, do regulamento delegado, a Comissão tinha a obrigação de os divulgar, incluindo os dados publicamente acessíveis.

162

Em seguida, os recorrentes alegam que, se é certo que as suas observações após a comunicação do documento de informação geral permitiram reduzir fortemente a margem de subcotação de 22 % para 13 % em relação às vendas a granel e para 14 % em relação às vendas em embalagens, não está excluído que a comunicação da análise da subcotação e dos ajustamentos que aí foram feitos, dos dados de base a este respeito, bem como dos outros elementos importantes, lhes permitisse formular observações adicionais. Ao não comunicar essas informações, facto reconhecido pela Comissão, esta privou‑os da possibilidade de apresentarem as suas observações a esse respeito, o que poderia tê‑la levado a modificar algumas das suas conclusões e acarretar uma diminuição suplementar da margem de subcotação, ou mesmo pôr em causa a análise do nexo de causalidade entre as dificuldades graves alegadas e as importações do arroz índica branqueado ou semibranqueado originário do Camboja.

163

Por último, segundo os recorrentes, nenhum dos elementos não comunicados era confidencial. Mesmo admitindo que alguns o eram, deveriam, nos termos do artigo 38.o, n.os 3 e 5, do Regulamento SPG, ter sido objeto de um pedido de tratamento confidencial e, em todo o caso, ter sido comunicados em termos gerais ou sob a forma de resumo.

164

Antes de mais, a Comissão alega que a análise da subcotação e os dados que lhe estão subjacentes podiam ser compreendidos pelos recorrentes à luz das informações que figuram no documento de informação geral, referentes ao preço das importações provenientes do Camboja e aos preços unitários dos moageiros da União incluídos na amostra. Embora admita não ter comunicado os ajustamentos da referida análise e os elementos subjacentes, acrescenta que foram efetuados na sequência das observações das partes interessadas sobre o documento de informação geral e acarretaram uma diminuição da subcotação, pelo que são favoráveis aos recorrentes. Precisa, além disso, que a subcotação dos preços é apenas um dos elementos que foram tidos em conta para apreciar as dificuldades graves causadas à indústria da União.

165

A Comissão acrescenta que os dados subjacentes ao ajustamento relativo aos custos de transporte do sul para o norte da Europa não eram acessíveis aos recorrentes devido a um pedido de tratamento confidencial.

166

Em seguida, no que respeita aos indicadores de consumo e de prejuízo, embora a Comissão reconheça que se trata de factos essenciais, alega que estavam incluídos no documento de informação geral. Quanto aos dados com base nos quais esses indicadores foram calculados, não se trata, de modo algum, de factos nem de considerações essenciais que devem ser comunicados aos recorrentes. Por outro lado, estes puderam efetuar os seus próprios cálculos com base nas informações incluídas no documento de informação geral ou publicamente acessíveis.

167

A este respeito, a Comissão refere‑se igualmente ao artigo 16.o, n.o 1, do regulamento delegado e ao artigo 12.o, n.o 1, da Decisão (UE) 2019/339 do Presidente da Comissão Europeia, de 21 de fevereiro de 2019, relativa à função e ao mandato do conselheiro auditor em determinados processos comerciais (JO 2019, L 60, p. 20), que preveem a possibilidade de um conselheiro auditor intervir a pedido das partes, a fim de apreciar, nomeadamente, a recusa em facultar o acesso ao processo constituído e os litígios relativos à confidencialidade dos documentos.

168

Resulta destas disposições que os recorrentes deviam ter pedido, durante o procedimento administrativo, o acesso aos dados que estiveram na origem dos indicadores de consumo e de prejuízo, bem como do cálculo relativo à taxa de conversão do arroz. Por conseguinte, deixaram de ter fundamento para se queixarem da sua não comunicação no Tribunal Geral.

169

Por último, a Comissão afirma que as eventuais irregularidades devidas à não comunicação de certas informações aos recorrentes não podem conduzir à anulação do regulamento impugnado, uma vez que os recorrentes não demonstraram que o procedimento administrativo poderia ter conduzido a um resultado diferente se essas informações lhes tivessem sido comunicadas.

170

A República Italiana e a Ente Nationale Risi remetem, em substância, para os argumentos da Comissão.

171

O artigo 17.o do regulamento delegado, sob a epígrafe «Divulgação», dispõe:

«1.   A Comissão deve divulgar os dados pormenorizados na base dos factos e considerações essenciais em que se apoiam as suas decisões.

2.   A divulgação deve ser efetuada por escrito. Deve conter as conclusões da Comissão e refletir a sua intenção de reintroduzir ou não direitos normais da Pauta Aduaneira Comum.

3.   A divulgação, que terá devidamente em conta a proteção de informações confidenciais, deve ser efetuada assim que possível e, em geral, o mais tardar 45 dias antes da decisão definitiva da Comissão sobre qualquer proposta de instituição de medidas definitivas e, de qualquer modo, de forma oportuna para que as partes apresentem observações e para que a Comissão tome em conta tais observações. Caso a Comissão não possa divulgar determinados factos ou considerações nesse momento, devem estes ser divulgados posteriormente, no mais curto prazo possível.

4.   A divulgação não deve prejudicar qualquer decisão posterior que possa vir a ser tomada, no entanto, caso essa decisão se baseie em factos ou considerações diferentes, estes devem ser divulgados no mais curto prazo possível.

5.   As observações apresentadas após a divulgação só devem ser tomadas em consideração se forem recebidas no prazo fixado pela Comissão para cada caso, que será de, pelo menos, 14 dias, tendo devidamente em conta a urgência da questão.»

172

Antes de mais, o Tribunal Geral salienta que esta disposição não condiciona minimamente a obrigação de comunicação da Comissão a qualquer pedido das partes interessadas, que vise os dados pormenorizados na base dos factos e considerações essenciais em que se apoia a previsão de uma medida de salvaguarda e de que os recorrentes gostariam de tomar conhecimento.

173

A interpretação que a Comissão faz desta disposição, segundo a qual os recorrentes deveriam ter pedido o acesso aos dados em causa, baseia‑se no regime do processo antidumping, no âmbito do qual o Regulamento Antidumping confere a determinadas pessoas interessadas direitos e garantias processuais, cujo exercício depende, todavia, da participação ativa dessas pessoas no próprio processo, que deve, pelo menos, manifestar‑se na apresentação de um pedido escrito num prazo determinado (Acórdão de 9 de julho de 2020, Donex Shipping and Forwarding, C‑104/19, EU:C:2020:539, n.o 70).

174

Se é certo que a possibilidade de receber uma informação final e, em seguida, apresentar observações a este respeito esteja, no âmbito do Regulamento Antidumping, subordinada à apresentação de um pedido à Comissão, tal pedido não é, em contrapartida, exigido pelo artigo 17.o do regulamento delegado.

175

Em seguida, o Tribunal Geral constata que o artigo 16.o do regulamento delegado e o artigo 12.o, n.o 1, da Decisão 2019/339 têm por objeto a intervenção de um conselheiro auditor durante a fase administrativa e visam a situação específica em que as partes em causa apresentaram um pedido de acesso ao processo constituído ou a um documento específico, que esse acesso foi recusado pela Comissão e há que decidir, nomeadamente, um litígio relativo à confidencialidade de certos documentos.

176

Ora, este direito de as partes interessadas pedirem por escrito o acesso ao processo durante a fase administrativa e a questão da eventual intervenção do conselheiro auditor em caso de recusa ou de litígio sobre a confidencialidade de certos documentos são distintos da obrigação da Comissão de comunicar os dados pormenorizados na base dos factos e considerações essenciais em que fundamentou a sua decisão definitiva, na aceção do artigo 17.o do regulamento delegado.

177

Por conseguinte, contrariamente ao que a Comissão alega, os recorrentes não estavam sujeitos a nenhuma obrigação prévia de pedir, durante o procedimento administrativo, o acesso às informações previstas no artigo 17.o do regulamento delegado para poderem invocar no Tribunal Geral uma violação desta disposição e dos seus direitos de defesa.

178

Por último, o Tribunal Geral recorda que, segundo a jurisprudência, os direitos de defesa incluem o direito de ser ouvido e o direito de acesso ao processo e figuram entre os direitos fundamentais que fazem parte integrante da ordem jurídica da União e são consagrados pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 28 e jurisprudência referida).

179

Uma vez que os processos de inquérito que precedem a adoção de regulamentos que instituem medidas de salvaguarda podem afetar as partes afetadas de maneira individual e acarretar para estas consequências desfavoráveis, a Comissão tem de respeitar determinados princípios e garantias processuais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2019, Jindal Saw e Jindal Saw Italia/Comissão, T‑300/16, EU:T:2019:235, n.os 74 e 76).

180

Assim, resulta de jurisprudência constante que, no cumprimento do dever de informação, as instituições da União devem atuar com toda a diligência necessária, procurando fornecer às empresas em causa, desde que fique garantido o respeito pelo segredo dos negócios, indicações úteis para a defesa dos seus interesses e escolhendo, se for caso disso oficiosamente, as modalidades adequadas para tal comunicação. Em todo o caso, as empresas interessadas devem ter tido a possibilidade, no procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e circunstâncias alegados e sobre os factos e considerações essenciais com base nos quais a Comissão adota as suas decisões e aprecia a existência de dificuldades graves causadas ou que possam ser causadas à indústria da União que resultam das importações de um produto originário de um país beneficiário (v., por analogia, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Conselho e Comissão/Interpipe Niko Tube e Interpipe NTRP, C‑191/09 P e C‑200/09 P, EU:C:2012:78, n.o 76 e jurisprudência referida).

181

Em particular, o direito de ser ouvido garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (Acórdãos de 4 de abril de 2019, OZ/BEI, C‑558/17 P, EU:C:2019:289, n.o 53, e de 25 de junho de 2020, HF/Parlamento, C‑570/18 P, EU:C:2020:490, n.o 58).

182

A utilidade da apresentação do ponto de vista do interessado exige assim que esse ponto de vista possa ser apresentado em tempo útil para que a Comissão possa tomar conhecimento do mesmo e, com toda a atenção exigida, apreciar a respetiva pertinência para o conteúdo do ato em vias de ser adotado.

183

No âmbito das medidas de salvaguarda adotadas com base no Regulamento SPG, o artigo 17.o do regulamento delegado estabelece certas modalidades quanto ao exercício do direito de as partes interessadas comunicarem as suas observações e materializa assim o direito de serem ouvidas. Este artigo prevê, no seu n.o 1, a obrigação de a Comissão divulgar os dados pormenorizados na base dos factos e considerações essenciais em que se apoiam as suas decisões.

184

Essa obrigação impõe‑se, a fortiori, em relação aos próprios factos e considerações essenciais, tanto mais que os n.os 3 e 4 do artigo 17.o do regulamento delegado referem expressamente a divulgação dos «factos e considerações».

185

Este artigo dispõe igualmente, no seu n.o 3, que a divulgação deve ser efetuada assim que possível e, em geral, o mais tardar 45 dias antes da decisão definitiva da Comissão. De qualquer modo, deve ocorrer de forma oportuna para que as partes apresentem observações e para que a Comissão as tome em conta. Este artigo prevê, além disso, no seu n.o 4, que, sempre que a Comissão tencione tomar uma decisão posterior com base em factos e considerações diferentes dos divulgados anteriormente, deve divulgá‑los no mais curto prazo possível.

186

A redação do artigo 17.o do regulamento delegado não contém nenhuma indicação que permita conferir a esta divulgação caráter puramente indicativo. Algumas versões linguísticas desta disposição, como as versões inglesa e francesa, que utilizam, respetivamente, os verbos «shall» e«doivent» ou o presente do indicativo, referem‑se assim expressamente a uma obrigação, para a Comissão, de divulgar os dados pormenorizados na base dos factos e considerações essenciais em que se apoiam as suas decisões, no respeito pelos prazos.

187

É à luz destes princípios que há que apreciar as acusações dos recorrentes relativas às informações que a Comissão não comunicou. Para o efeito, o Tribunal Geral decide analisar as acusações relativas à não comunicação, em primeiro lugar, dos dados subjacentes aos indicadores de consumo e de prejuízo e, em segundo lugar, da análise da subcotação e dos ajustamentos que aí foram introduzidos na sequência das observações das partes interessadas sobre o documento de informação geral.

Quanto aos dados subjacentes aos indicadores de consumo e de prejuízo

188

No caso em apreço, no documento de informação geral, a Comissão comunicou às partes interessadas os factos e considerações que, em seu entender, eram essenciais e com base nos quais tencionava restabelecer temporariamente os direitos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações de arroz índica originário do Camboja, incluindo os números relativos aos indicadores de consumo e de prejuízo e a análise das tendências demonstradas por esses indicadores, como resulta dos n.os 11 a 16, supra.

189

O Tribunal Geral recorda que, como resulta dos n.os 172 a 186, supra, o artigo 17.o do regulamento delegado não sujeita a obrigação de divulgação da Comissão a qualquer participação ativa das partes interessadas no procedimento administrativo. Além disso, os direitos de defesa, cujo respeito a Comissão deve assegurar no âmbito de um inquérito destinado à adoção de medidas de salvaguarda com base no Regulamento SPG, são materializados no regulamento delegado por um sistema completo de garantias processuais que visa, nomeadamente, permitir às partes interessadas defenderem utilmente os seus interesses.

190

A este respeito, há que salientar que, no seu n.o 1, o artigo 17.o do regulamento delegado não limita a obrigação de divulgação da Comissão aos factos e considerações essenciais em que se apoiam as suas decisões, mas visa expressamente os dados pormenorizados na base dos mesmos.

191

A Comissão reconheceu que os indicadores de consumo e de prejuízo eram factos essenciais. As informações e dados subjacentes a esses indicadores são, assim, dados pormenorizados na base dos factos e considerações essenciais, que deviam ser comunicados aos recorrentes, em conformidade com o artigo 17.o do regulamento delegado.

192

No que respeita, antes de mais, às taxas de conversão do arroz semibranqueado em equivalente de arroz branqueado, resulta da nota de rodapé n.o 5 do documento de informação geral que a Comissão indicou que essa taxa de conversão era fixada pelo Regulamento (CE) n.o 1312/2008 da Comissão, de 19 de dezembro de 2008, que fixa as taxas de conversão, as despesas de transformação e o valor dos subprodutos relativos às diversas fases de transformação do arroz (JO 2008, L 344, p. 56), e que se aplicava tanto às importações como aos volumes produzidos na União. A taxa de conversão do arroz semibranqueado em arroz branqueado está fixada no artigo 1.o, n.o 3, deste regulamento, pelo que os recorrentes tiveram acesso a esta informação. Nenhuma violação dos direitos de defesa pode ser declarada a este respeito.

193

No que respeita, em seguida, aos dados que permitiram à Comissão determinar os números relativos ao consumo na União, às quotas de mercado detidas pela indústria da União e pelo Reino do Camboja, à evolução das importações de arroz índica originário do Camboja e dos seus preços, bem como à produção, às existências e à superfície destinada, pela indústria da União, ao cultivo de arroz índica, mencionados nos considerandos 19, 21, 24, 26, 33, 35, 36 e 38 do documento de informação geral e nos considerandos 25, 27, 30, 32, 47, 49, 52 e 53 do regulamento impugnado, há que constatar que apenas é indicado que esses números foram estabelecidos pela Comissão com base nos dados recebidos dos Estados‑Membros ou nos dados do Eurostat.

194

Ora, afigura‑se que os dados do Eurostat em causa ou os dados recebidos dos Estados‑Membros não figuravam no processo disponibilizado aos recorrentes e a hiperligação que figura na nota de rodapé n.o 4 do documento de informação geral remete para a apresentação geral da política agrícola comum da União relativamente aos «cereais, oleaginosas, proteaginosas e arroz», no sítio da Comissão.

195

A este respeito, a Comissão não se pode basear no n.o 372 do Acórdão de 27 de setembro de 2006, Archer Daniels Midland/Comissão (T‑329/01, EU:T:2006:268). Com efeito, resulta desse acórdão que a obra acessível ao público em causa nesse processo consistia numa publicação específica e tinha sido expressamente mencionada numa nota de rodapé na comunicação de acusações. No caso em apreço, em contrapartida, a hiperligação na nota de rodapé n.o 4 do documento de informação geral não remete diretamente para os dados disponibilizados pelo Eurostat, que tal como os dados recebidos dos Estados‑Membros, não foram comunicados aos recorrentes de outra forma.

196

Em todo o caso, mesmo admitindo que as estatísticas do Eurostat estavam disponíveis publicamente e que os recorrentes tiveram acesso aos números finais relativos aos indicadores de consumo e de prejuízo no documento de informação geral, a Comissão não explicou a metodologia seguida, sendo caso disso, para conjugar os dados recebidos dos Estados‑Membros com as estatísticas do Eurostat para elaborar os dados finais constantes do documento de informação geral e do regulamento impugnado.

197

Por conseguinte, a Comissão violou o artigo 17.o do regulamento delegado ao não comunicar em tempo útil às partes interessadas as informações do Eurostat e os dados dos Estados‑Membros obtidos para efeitos do inquérito e do cálculo dos indicadores de consumo e de prejuízo.

198

Por último, no que respeita, mais especificamente, aos dados utilizados para determinar a produção da União, a Comissão reconhece ter comunicado apenas um cálculo parcial, uma vez que os dados não refletiam as existências iniciais nem a utilização do arroz como sementes. Acrescenta, no entanto, que esse cálculo estava em conformidade com o cálculo do balanço e que os recorrentes o poderiam ter compreendido baseando‑se no balanço do arroz, ao qual tinham acesso.

199

É certo que resulta dos balanços do arroz, anexos aos articulados dos recorrentes, que os números relativos às existências finais que figuram no considerando 36 do documento de informação geral, e reproduzidos no considerando 52 do regulamento impugnado, correspondem à diferença entre, por um lado, a soma das existências de partida, da produção utilizável e das importações e, por outro, a utilização interna total e as exportações. No entanto, embora esta fórmula contabilística permita calcular as existências finais, apenas foi detalhada pela Comissão nos seus articulados apresentados no Tribunal Geral. Em contrapartida, não resulta de forma alguma do documento de informação geral e a Comissão não alega tê‑lo comunicado aos recorrentes no decurso do procedimento administrativo.

200

Por outro lado, embora os recorrentes tenham tido acesso a dois balanços do arroz que abrangiam o período de inquérito, resulta das respostas da Comissão às questões colocadas pelo Tribunal Geral a título de medidas de organização do processo que esta última se baseou noutro balanço, datado de 2018, cujos números resultavam de uma compilação de dados efetuados pela Comissão e que apresentavam algumas diferenças com os números reproduzidos nos balanços do arroz detidos pelos recorrentes. Este balanço não foi comunicado aos recorrentes durante o procedimento administrativo, nem os dados na sua base e a metodologia utilizada pela Comissão para compilar esses dados.

201

Além disso, ainda que a Comissão alegue que foi claramente indicado no considerando 18 do documento de informação geral que os dados relativos às vendas dos produtores da União tinham sido calculados com base nos balanços do arroz, acrescentando as existências de partida e a produção utilizável e deduzindo as sementes, as exportações e as existências finais, e que se trata de uma «fórmula contabilística comummente admitida», o Tribunal Geral salienta que esse considerando indica que «[o] consumo de arroz índica na União foi estabelecido com base nos dados recolhidos pela Comissão junto dos Estados‑Membros e nas estatísticas sobre importação disponibilizadas pelo Eurostat». Não é aí feita qualquer referência ao volume de vendas nem à fórmula contabilística utilizada pela Comissão.

202

De igual modo, o método de cálculo utilizado pela Comissão para chegar aos números finais relativos ao consumo na União, que figuram no considerando 19 do documento de informação geral e são reproduzidos no considerando 25 do regulamento impugnado, não é identificável no documento de informação geral.

203

Por conseguinte, os recorrentes não tinham à sua disposição os dados pormenorizados subjacentes aos indicadores de consumo e de prejuízo nem as informações úteis para reproduzir os cálculos da Comissão a este respeito, uma vez que esta não cumpriu a sua obrigação de divulgação de informações, na aceção do artigo 17.o do regulamento delegado.

204

Ora, não está excluído que os recorrentes poderiam ter assegurado melhor a sua defesa se essas irregularidades não existissem.

205

Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora não se possa exigir que o recorrente demonstre que a decisão da Comissão teria sido diferente se não se tivesse verificado a irregularidade processual em causa, mas apenas que tal hipótese não está inteiramente excluída, na medida em que o recorrente poderia ter assegurado melhor a sua defesa caso a referida irregularidade não se tivesse verificado, não deixa igualmente de ser verdade que uma irregularidade relativa aos direitos de defesa só pode conduzir à anulação do ato em causa se, devido a essa irregularidade, o procedimento administrativo pudesse ter chegado a um resultado diferente, prejudicando assim concretamente os direitos de defesa (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Conselho e Comissão/Interpipe Niko Tube e Interpipe NTRP, C‑191/09 P e C‑200/09 P, EU:C:2012:78, n.os 78 e 79 e jurisprudência referida).

206

Foi declarado que esta exigência está satisfeita quando, não tendo tido acesso aos documentos que lhe deviam ser comunicados em aplicação do respeito devido aos direitos de defesa, o recorrente não pôde apresentar utilmente as suas observações e foi assim privado da oportunidade, ainda que reduzida, de assegurar melhor a sua defesa (v., neste sentido, Acórdão de 16 de janeiro de 2019, Comissão/United Parcel Service, C‑265/17 P, EU:C:2019:23, n.o 56).

207

Em tal caso, a falta de comunicação de documentos do processo nos quais a Administração ou uma instituição da União se baseou afeta inevitavelmente, atendendo à proteção devida aos direitos de defesa, a regularidade dos atos praticados no termo de um procedimento suscetível de afetar desfavoravelmente o recorrente (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de abril de 2019, OZ/BEI, C‑558/17 P, EU:C:2019:289, n.o 78, e de 25 de junho de 2020, HF/Parlamento, C‑570/18 P, EU:C:2020:490, n.o 73).

208

Nas circunstâncias específicas do caso em apreço, a falta de acesso dos recorrentes aos cálculos dos dados do consumo e dos indicadores de dificuldades graves era, assim, suscetível de limitar a sua capacidade para apresentar observações pertinentes. O facto de não disporem, no presente caso, de certas informações relativas à metodologia de cálculo é pertinente para apreciar se o resultado do procedimento poderia ter sido diferente no caso de a Comissão ter divulgado esses cálculos.

209

Ora, o facto de dispor de todas as informações relativas aos indicadores de consumo e de prejuízo, bem como dos cálculos detalhados efetuados pela Comissão e não apenas dos dados utilizados para esses cálculos é, em geral, suscetível de permitir aos recorrentes apresentarem observações mais úteis para a sua defesa. Podem então verificar de forma precisa a maneira como a Comissão utilizou esses dados e os comparou com os seus próprios cálculos, o que lhes pode permitir identificar eventuais erros da Comissão que de outro modo seriam indetetáveis (v., por analogia, Acórdãos de 30 de junho de 2016, Jinan Meide Casting/Conselho, T‑424/13, EU:T:2016:378, n.o 208, e de 1 de junho de 2017, Changmao Biochemical Engineering/Conselho, T‑442/12, EU:T:2017:372, n.o 156).

210

Como resulta dos n.os 196 e 199 a 202, supra, a obtenção dos dados e dos métodos de cálculo subjacentes aos indicadores de consumo e de prejuízo teria constituído para os recorrentes um ganho substancial de informação, que, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, era suscetível de lhes permitir apresentar observações mais pertinentes do que as que já tinham apresentado, nomeadamente, na sequência da comunicação do documento de informação geral.

211

Por conseguinte, é possível que, devido a essa irregularidade, o procedimento administrativo pudesse ter conduzido a um resultado diferente, prejudicando assim concretamente os direitos de defesa dos recorrentes.

Quanto à análise da subcotação e aos ajustamentos

212

Resulta dos considerandos 33 a 42 do regulamento impugnado que a análise da subcotação e os ajustamentos efetuados pela Comissão são elementos essenciais dos cálculos da subcotação. Por outro lado, a Comissão indicou, nos seus articulados, que a subcotação dos preços constituía um dos elementos na origem da conclusão relativa à existência de dificuldades graves causadas à indústria da União. Confirmou igualmente na audiência que se baseou na análise da subcotação para concluir pela existência de um nexo de causalidade entre as dificuldades graves enfrentadas pela indústria da União e as importações do arroz índica branqueado ou semibranqueado originário do Camboja.

213

No que respeita, em primeiro lugar, à análise da subcotação, importa observar que, no documento de informação geral, a Comissão indicou os preços das importações provenientes do Camboja e os preços unitários dos moageiros da União incluídos na amostra.

214

Resulta dos elementos dos autos que os recorrentes compreenderam corretamente o alcance dessas informações e tiveram a possibilidade de efetuar os seus próprios cálculos no que respeita à margem de subcotação de 22 %. A não comunicação aos recorrentes do cálculo da margem de subcotação, conforme comunicada no documento de informação geral, não os privou, assim, da possibilidade de apresentarem certas observações pertinentes.

215

No entanto, como resulta dos n.os 194 a 196, supra, a Comissão não comunicou os dados do Eurostat, incluindo os que lhe permitiram estabelecer os números relativos à evolução dos preços das importações provenientes do Camboja, em violação da sua obrigação de divulgação de informações na aceção do artigo 17.o do regulamento delegado.

216

Quanto aos números que demonstram a evolução dos preços da União, resulta do considerando 39 do documento de informação geral e do considerando 54 do regulamento impugnado que foram estabelecidos com base nas respostas aos questionários dos moageiros da União incluídos na amostra. Embora resulte dos elementos dos autos que os recorrentes tiveram acesso a essas respostas, há que salientar que as partes sobre os preços foram indicadas como confidenciais. Como os recorrentes referem acertadamente, os dados agregados dos moageiros da União não são confidenciais e figuram no considerando 39 do documento de informação geral, reproduzido no considerando 54 do regulamento impugnado. Em contrapartida, os recorrentes não alegam que os dados individuais dos moageiros lhes deveriam ter sido comunicados, pelo que não podem invocar uma violação dos seus direitos de defesa a este propósito.

217

No que respeita, em segundo lugar, aos ajustamentos introduzidos na análise da subcotação, há que constatar que os mesmos foram mencionados pela primeira vez no regulamento impugnado. Além disso, resulta dos considerandos 34 a 37 do referido regulamento que foram adotados pela Comissão para responder às observações das partes interessadas, entre as quais o Reino do Camboja, na sequência da comunicação do documento de informação geral, e garantir uma comparação equitativa.

218

Os ajustamentos introduzidos na análise da subcotação não só são, assim, factos e considerações essenciais com base nos quais a Comissão tomou a decisão de restabelecer temporariamente os direitos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações de arroz índica originário do Camboja, mas, além disso, conduziram a uma alteração das margens de subcotação e das conclusões finais que tinham sido anteriormente comunicadas às partes interessadas no documento de informação geral.

219

Assim, os ajustamentos introduziram alterações nas tendências em que a avaliação do prejuízo se baseava, tendo a Comissão referido, além da margem de subcotação geral de 22 %, já indicada no documento de informação geral, uma nova margem de 13 % para as vendas a granel e de 14 % para as vendas em embalagens, no regulamento impugnado.

220

Nos termos do artigo 17.o, n.o 4, do regulamento delegado e à luz do direito dos recorrentes de serem ouvidos, uma vez que a decisão da Comissão se baseava em factos e considerações diferentes dos comunicados anteriormente, esta tinha a obrigação de comunicar aos recorrentes os ajustamentos introduzidos na análise da subcotação, bem como, a fortiori, a análise da subcotação após ajustamento, no mais curto prazo possível. Ora, a Comissão admite não ter transmitido qualquer elemento que permitisse aos recorrentes tomar conhecimento dos mesmos antes da adoção do regulamento impugnado e fazer valer o seu ponto de vista a seu respeito.

221

É certo que, como foi referido no n.o 141, supra, a comunicação de informações deve ser efetuada no respeito pela proteção das informações confidenciais. No entanto, a Comissão não afirmou de modo nenhum durante o procedimento administrativo, nem no regulamento impugnado, que se tratava de dados confidenciais aos quais não podia dar acesso aos recorrentes.

222

Apenas invocou a confidencialidade dos elementos de prova que justificavam o ajustamento dos preços da União na contestação. Ora, em todo o caso, resulta do n.o 145, supra, que a Comissão não podia validamente invocar a confidencialidade de todas as informações que permitiram concluir por um ajustamento dos custos de transporte na União num montante uniforme de 49 euros por tonelada.

223

Além disso, embora, por força do artigo 17.o, n.o 3, do regulamento delegado, a divulgação seja efetuada no respeito pela proteção das informações confidenciais, o respeito por estas informações não pode esvaziar do seu conteúdo essencial os direitos de defesa e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (v., neste sentido, Acórdão de 20 de março de 1985, Timex/Conselho e Comissão, 264/82, EU:C:1985:119, n.o 29).

224

Por outro lado, o artigo 38.o, n.o 5, do Regulamento SPG precisa, em substância, que os n.os 1 a 4 do referido artigo, relativos à utilização das informações, incluindo as que foram objeto de um pedido de tratamento confidencial, não obstam a que a Comissão faça referência a informações gerais e, em especial, aos motivos em que se fundamentam as decisões tomadas nos termos do Regulamento SPG, tendo contudo em conta os interesses legítimos das pessoas singulares e coletivas em causa, de forma que os segredos comerciais não sejam divulgados.

225

Segundo a jurisprudência, é em função do grau de especificidade das informações pedidas que deve ser apreciado o caráter suficiente das informações prestadas pela Comissão (v., por analogia, Acórdãos de 18 de dezembro de 1997, Ajinomoto e NutraSweet/Conselho, T‑159/94 e T‑160/94, EU:T:1997:209, n.o 93, e de 1 de junho de 2017, Changmao Biochemical Engineering/Conselho, T‑442/12, EU:T:2017:372, n.o 143).

226

Neste contexto, a Comissão deve procurar, na medida em que respeite o sigilo comercial, comunicar às partes interessadas indiciações úteis para a defesa dos seus interesses, escolhendo, se necessário oficiosamente, as modalidades adequadas de tal comunicação (v., por analogia, Acórdãos de 20 de março de 1985, Timex/Conselho e Comissão, 264/82, EU:C:1985:119, n.o 30, e de 1 de junho de 2017, Changmao Biochemical Engineering/Conselho, T‑442/12, EU:T:2017:372, n.o 141).

227

No caso em apreço, não é contestado que a Comissão não comunicou nenhuma informação sobre o ajustamento dos preços da União durante o procedimento administrativo.

228

O mesmo sucede com o ajustamento dos preços de importação e o ajustamento para ter em conta as diferenças de estádio de comercialização e comparar os preços do arroz branqueado vendido a granel com os preços do arroz vendido em embalagens, uma vez que constaram do regulamento impugnado, sem a Comissão fornecer informações sobre os cálculos que foram realizados e os dados utilizados para efetuar esses ajustamentos. Por outro lado, o regulamento impugnado não faz referência a qualquer justificação válida para fundamentar uma eventual recusa em as comunicar.

229

Uma vez que os ajustamentos introduzidos na análise da subcotação constituem factos e considerações essenciais com base nos quais a Comissão tomou a decisão de restabelecer os direitos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações de arroz índica originário do Camboja, a Comissão tinha a obrigação de os comunicar aos recorrentes, bem como os dados pormenorizados na base dos mesmos. O artigo 17.o do regulamento delegado e o direito de os recorrentes serem ouvidos foram assim violados.

230

Como resulta da jurisprudência referida nos n.os 205 a 207, supra, uma violação dos direitos de defesa pode conduzir à anulação de uma decisão adotada no termo de um procedimento quando, devido a essa irregularidade, exista a possibilidade de o procedimento administrativo ter conduzido a um resultado diferente, e os recorrentes se terem visto privados da oportunidade, ainda que reduzida, de assegurarem melhor a sua defesa se a irregularidade processual não tivesse existido.

231

Ora, no caso em apreço, os recorrentes apresentaram, durante o processo de inquérito, um certo número de observações com base nas informações de que já dispunham, algumas das quais conduziram a uma alteração aos cálculos da margem de subcotação.

232

Com efeito, resulta dos considerandos 34 e 35 do regulamento impugnado que o Reino do Camboja contestou o método utilizado pela Comissão para calcular a margem de subcotação constante do documento de informação geral e alegou que os preços de importação deviam ser ajustados incluindo os custos posteriores à importação. Em resposta a estas observações, a Comissão decidiu rever os seus cálculos para ter em conta não só os custos posteriores à importação mas igualmente os custos de transporte pertinentes na União, bem como as diferenças de estádio de comercialização com incidência na comparabilidade entre os preços, como já foi mencionado nos n.os 119, 120 e 126, supra.

233

Por outro lado, como os próprios recorrentes indicaram na audiência, apresentaram, no âmbito das suas observações sobre as respostas da Comissão às questões colocadas pelo Tribunal Geral a título de medidas de organização do processo, e em particular em resposta ao quadro da Comissão que estabelecia uma estimativa quantificada do consumo de arroz índica e de arroz japónica na União nos anos de 1993 e 1994, um quadro relativo aos anos de 1995 e 1996, que indicava hábitos de consumo diferentes, nomeadamente, em Itália e Portugal.

234

Por conseguinte, é patente que os recorrentes poderiam ter assegurado melhor a sua defesa se não existissem as irregularidades processuais relativas à não comunicação dos dados subjacentes à análise da subcotação e aos ajustamentos controvertidos e que não se pode excluir que os seus argumentos a este respeito poderiam ter influenciado o conteúdo da decisão da Comissão, em especial tendo em conta o facto de esta já ter alterado a sua posição e os cálculos da subcotação devido às observações que lhe tinham sido apresentadas pelas partes interessadas após a comunicação do documento de informação geral (v., neste sentido, Acórdão de 1 de outubro de 2009, Foshan Shunde Yongjian Housewares & Hardware/Conselho, C‑141/08 P, EU:C:2009:598, n.o 92).

235

Além disso, uma vez que uma comparação equitativa, ou seja, no mesmo estádio de comercialização, entre o preço de importação e o preço da indústria da União constitui um requisito da legalidade dos cálculos da subcotação que permitiram determinar a existência de dificuldades graves, não se pode considerar que os recorrentes estiveram em condições de fazer valer utilmente o seu ponto de vista, quando nenhum elemento que justificava essa equidade lhes tinha sido comunicado (v., por analogia, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Zhejiang Xinshiji Foods e Hubei Xinshiji Foods/Conselho, T‑122/09, não publicado, EU:T:2011:46, n.o 85).

236

Como os recorrentes sublinharam, em substância, na audiência, o facto de não disporem, no caso em apreço, de informações relativas aos ajustamentos e aos cálculos das margens de subcotação é pertinente para apreciar se o resultado do procedimento poderia ter sido diferente no caso de a Comissão os ter divulgado. Com efeito, à data da adoção do regulamento impugnado, os recorrentes apenas tinham um conhecimento geral do cálculo da margem de subcotação de 22 %. Ignoravam em especial, antes dessa data, que os preços de importação e os preços da indústria da União tinham sido objeto de ajustamentos pela Comissão. Nenhum dos elementos que lhes foram comunicados durante o procedimento administrativo era relativo à questão de saber como é que os cálculos da subcotação tinham sido revistos para atingir uma subcotação de 13 % em relação às vendas a granel e de 14 % assem relação às vendas em embalagens, nem às razões da escolha de um ajustamento na importação estimado em 2 % do preço de importação e de um ajustamento dos preços da indústria na União num montante uniforme de 49 euros por tonelada.

237

Ora, se os recorrentes tivessem tido na sua posse a análise da subcotação e os seus ajustamentos, bem como os cálculos das margens da subcotação, teriam podido, pelo menos, apresentar observações sobre os resultados a que a Comissão tinha chegado. Assim, os recorrentes teriam podido, sendo caso disso, comparar esses resultados com os seus próprios resultados. Por conseguinte, teriam podido, eventualmente, contestar de forma mais precisa o método utilizado pela Comissão e teriam tido mais hipóteses de ver as suas objeções serem tidas em conta pela Comissão.

238

A obtenção de informações relativas aos ajustamentos e aos cálculos das novas margens de subcotação, bem como aos cálculos detalhados efetuados pela Comissão, teria assim, obviamente, constituído para os recorrentes um ganho substancial de informação, que, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, era suscetível de lhes permitir apresentar observações mais pertinentes do que aquelas que o Reino do Camboja já tinha apresentado.

239

Assim, não se pode excluir que, se os recorrentes tivessem tido na sua posse os cálculos das margens de subcotação, teriam podido explorar esta informação de forma útil para o exercício dos seus direitos de defesa.

240

Por conseguinte, os recorrentes invocam com razão uma violação dos seus direitos de defesa e do artigo 17.o do regulamento delegado, e é possível que o procedimento administrativo pudesse ter conduzido a um resultado diferente, violando assim concretamente os seus direitos de defesa.

241

No âmbito da apreciação de uma violação dos direitos de defesa, não pode ser tido em conta o facto alegado pela Comissão de os recorrentes lhe poderem ter pedido, após a comunicação do documento de informação geral, que fossem tidos em conta os custos posteriores à importação. Com efeito, esse elemento não pode influenciar, sendo caso disso, a questão de saber se foi cometida uma violação dos direitos de defesa. O que importa para o respeito pelos direitos de defesa é a possibilidade de o interessado conhecer os dados pormenorizados na base dos factos e considerações essenciais em que se apoiou a decisão da Comissão de restabelecer os direitos da Pauta Aduaneira Comum. Pelos mesmos motivos, os elementos que demonstram que a comparação entre o preço de importação e o preço da indústria da União foi efetuada no mesmo estádio de comercialização têm uma importância fundamental para o exercício efetivo dos direitos de defesa (v., por analogia, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Zhejiang Xinshiji Foods e Hubei Xinshiji Foods/Conselho, T‑122/09, não publicado, EU:T:2011:46, n.os 90 e 91).

242

O facto de os ajustamentos efetuados na fase do regulamento impugnado terem sido favoráveis aos recorrentes, tendo a subcotação passado de 22 % para, respetivamente, 13 % em relação às vendas a granel e 14 % em relação às vendas em embalagens, é, assim, desprovido de interesse.

243

As acusações dos recorrentes relativas à violação dos seus direitos de defesa e do artigo 17.o do regulamento delegado devem, assim, ser julgadas procedentes.

244

Resulta de tudo o que precede que o regulamento impugnado deve ser anulado.

Quanto às despesas

245

Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas e as despesas dos recorrentes, em conformidade com os pedidos destes últimos.

246

Por outro lado, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode determinar que um interveniente diferente dos mencionados no n.o 1 suporte as suas próprias despesas.

247

Por conseguinte, há que decidir que a República Italiana e o Ente Nazionale Risi suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada)

decide:

 

1)

O Regulamento de Execução (UE) 2019/67 da Comissão, de 16 de janeiro de 2019, que institui medidas de salvaguarda relativamente às importações de arroz índica originário do Camboja e de Mianmar, é anulado.

 

2)

A Comissão Europeia é condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pelo Reino do Camboja e pela Cambodia Rice Federation (CRF).

 

3)

A República Italiana e o Ente Nazionale Risi suportarão as suas próprias despesas.

 

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de novembro de 2022.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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