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Document 62019CJ0901

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 10 de junho de 2021.
    CF e DN contra Bundesrepublik Deutschland.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof Baden-Württemberg.
    Reenvio prejudicial — Política comum em matéria de asilo e de proteção subsidiária — Diretiva 2011/95/UE — Condições de concessão da proteção subsidiária — Artigo 15.o, alínea c) — Conceito de “ameaça grave e individual” contra a vida ou a integridade física de um civil resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado interno ou internacional — Regulamentação nacional que exige um número mínimo de vítimas civis (mortos e feridos) na região em causa.
    Processo C-901/19.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:472

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    10 de junho de 2021 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Política comum em matéria de asilo e de proteção subsidiária — Diretiva 2011/95/UE — Condições de concessão da proteção subsidiária — Artigo 15.o, alínea c) — Conceito de “ameaça grave e individual” contra a vida ou a integridade física de um civil resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado interno ou internacional — Regulamentação nacional que exige um número mínimo de vítimas civis (mortos e feridos) na região em causa»

    No processo C‑901/19,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg (Tribunal Administrativo Superior de Bade‑Vurtemberga, Alemanha), por Decisão de 29 de novembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de dezembro de 2019, no processo

    CF,

    DN

    contra

    Bundesrepublik Deustschland,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: A. Prechal, presidente de secção, N. Wahl, F. Biltgen, L. S. Rossi (relatora) e J. Passer, juízes,

    advogado‑geral: P. Pikamäe,

    secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

    vistos os autos e após a audiência de 19 de novembro de 2020,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de CF e DN, por A. Kazak, Rechtsanwältin,

    em representação do Governo alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo francês, por E. de Moustier e D. Dubois, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo neerlandês, por K. Bulterman e M. Noort, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por J. Tomkin e M. Wasmeier, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de fevereiro de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, alínea f), e do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

    2

    Este pedido foi apresentado no contexto de dois litígios que opõem CF e DN, nacionais afegãos, à Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha), representada pelo Bundesminister des Innern, für Bau und Heimat (Ministro Federal do Interior, da Construção e do Território, Alemanha), ele próprio representado pelo diretor da Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Autoridade Federal das Migrações e dos Refugiados, Alemanha), a respeito do indeferimento por esta última do pedido de asilo de CF e DN.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Os considerandos 6, 12, 13, e 33 a 35 da Diretiva 2011/95 enunciam:

    «(6)

    As conclusões de Tampere preveem […] que o estatuto de refugiado deverá ser completado por medidas relativas a formas subsidiárias de proteção que proporcionem um estatuto adequado a todas as pessoas que necessitem de tal proteção.

    […]

    (12)

    O principal objetivo da presente diretiva consiste em assegurar, por um lado, que os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional e, por outro, que exista em todos os Estados‑Membros um nível mínimo de benefícios à disposição dessas pessoas.

    (13)

    A aproximação das normas sobre o reconhecimento do estatuto de refugiado e do estatuto de proteção subsidiária, bem como das normas relativas ao seu conteúdo, deverá contribuir para limitar os movimentos secundários de requerentes de proteção internacional entre os Estados‑Membros, nos casos em que tais movimentos são exclusivamente devidos às diferenças existentes entre os seus regimes jurídicos.

    […]

    (33)

    Importa igualmente adotar normas relativas à configuração e ao conteúdo do estatuto da proteção subsidiária. A proteção subsidiária deverá completar e suplementar a proteção dos refugiados consagrada na Convenção [relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951].

    (34)

    É necessário estabelecer os critérios comuns a preencher pelos requerentes de proteção internacional para poderem beneficiar de proteção subsidiária. Tais critérios deverão ser estabelecidos com base nas obrigações internacionais previstas em instrumentos relativos aos direitos do homem e em práticas existentes nos Estados‑Membros.

    (35)

    Os riscos aos quais uma população ou um grupo da população de um país estão geralmente expostos não suscitam em geral, por si mesmos, uma ameaça individual que se possa qualificar como uma ofensa grave.»

    4

    O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

    a)

    “Proteção internacional”, o estatuto de refugiado e o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g);

    b)

    “Beneficiário de proteção internacional”, uma pessoa a quem foi concedido o estatuto de refugiado ou o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g);

    […]

    f)

    “Pessoa elegível para proteção subsidiária”, o nacional de um país terceiro ou um apátrida que não possa ser considerado refugiado, mas em relação ao qual se verificou existirem motivos significativos para acreditar que, caso volte para o seu país de origem ou, no caso de um apátrida, para o país em que tinha a sua residência habitual, correria um risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o, e ao qual não se aplique o artigo 17.o, n.os 1 e 2, e que não possa ou, em virtude dos referidos riscos, não queira pedir a proteção desse país;

    g)

    “Estatuto de proteção subsidiária”, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como pessoa elegível para proteção subsidiária;

    […]»

    5

    O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Apreciação dos factos e circunstâncias», dispõe:

    «1.   Os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido.

    […]

    3.   A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

    a)

    Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido […];

    b)

    As declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;

    c)

    A situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave;

    […]

    4.   O facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição, ou de ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, constitui um indício sério do receio fundado do requerente de ser perseguido ou do risco real de sofrer ofensa grave, a menos que haja motivos sérios para considerar que essa perseguição ou ofensa grave não se repetirá.

    […]»

    6

    O artigo 8.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Proteção interna», tem a seguinte redação:

    «1.   Ao apreciarem o pedido de proteção internacional, os Estados‑Membros podem determinar que um requerente não necessita de proteção internacional se, numa parte do país de origem, o requerente:

    a)

    Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou

    b)

    Tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 7.o,

    e puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país, e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar‑se.

    2.   Ao examinarem se um requerente tem receio fundado de ser perseguido ou se encontra perante um risco real de ofensa grave, ou tem acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave numa parte do país de origem em conformidade com o n.o 1, os Estados‑Membros devem, no momento em que tomam a decisão sobre o pedido, ter em conta as condições gerais nessa parte do país e a situação pessoal do requerente, em conformidade com o artigo 4.o […]»

    7

    Nos termos do artigo 15.o da Diretiva 2011/95, sob a epígrafe «Ofensas graves»:

    «São ofensas graves:

    a)

    A pena de morte ou a execução; ou

    b)

    A tortura ou a pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou

    c)

    A ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno.»

    8

    O artigo 18.o desta diretiva, sob a epígrafe «Concessão do estatuto de proteção subsidiária», enuncia:

    «Os Estados‑Membros concedem o estatuto de proteção subsidiária ao nacional de um país terceiro ou ao apátrida elegível para proteção subsidiária nos termos dos capítulos II e V.»

    Direito alemão

    9

    A Diretiva 2011/95 foi transposta para o direito alemão pela Asylgesetz (Lei relativa ao Direito de Asilo, BGBl. 2008 I p. 1798) na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «AsylG»).

    10

    O § 3e da AsylG, sob a epígrafe «Proteção interna», fixa os requisitos exigidos para a existência de uma alternativa de proteção interna e prevê:

    «(1)   Não é concedido o estatuto de refugiado a um estrangeiro se o mesmo,

    1.

    numa parte do país de origem, não tiver receio fundado de ser perseguido ou tiver acesso a proteção contra a perseguição, tal como definida no § 3d e

    2.

    puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país, e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar‑se.

    (2)   Para determinar se uma parte do país de origem preenche os requisitos do número anterior, devem ser tidas em conta as condições gerais nessa parte do país e a situação pessoal do estrangeiro, em conformidade com o artigo 4.o da Diretiva 2011/95/UE, no momento em que é tomada a decisão sobre o pedido. Para esse efeito, devem ser obtidas informações precisas e atualizadas junto de fontes pertinentes, designadamente o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo.»

    11

    O § 4, n.os 1 e 3, da AsylG, ao transpor os artigos 2.o e 15.o da Diretiva 2011/95, define as condições de concessão da proteção subsidiária nos seguintes termos:

    «(1)   Entende‑se que um estrangeiro é elegível para proteção subsidiária quando em relação ao mesmo se verificou existirem motivos significativos para acreditar que corre um risco de sofrer uma ofensa grave no seu país de origem. São ofensas graves:

    1.

    A pena de morte ou a execução,

    2.

    A tortura ou a pena ou tratamento desumano ou degradante ou

    3.

    A ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno.

    […]

    (3)   Os §§ 3c a 3e aplicam‑se mutatis mutandis. Em vez de perseguição, proteção contra perseguição ou receio fundado de ser perseguido, deve ler‑se risco de ofensa grave, proteção contra a ofensa grave ou o risco real de ofensa grave; em vez de estatuto de refugiado deve ler‑se estatuto da proteção subsidiária.»

    Factos no processo principal e questões prejudiciais

    12

    CF e DN são dois cidadãos afegãos, originários da província de Nangarhar. O Serviço Federal para a Migração e os Refugiados indeferiu os pedidos de asilo por eles apresentados. As ações intentadas pelos interessados nos tribunais administrativos de Karlsruhe e Friburgo (Alemanha) foram julgadas improcedentes.

    13

    CF e DN interpuseram recurso no Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg (Tribunal Administrativo Superior de Bade‑Vurtemberga, Alemanha), pedindo que lhes fosse concedida proteção subsidiária, em conformidade com o § 4 da AsylG.

    14

    Neste contexto, este órgão jurisdicional pretende obter esclarecimentos a respeito dos critérios aplicáveis para a concessão da proteção subsidiária em caso de ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil resultante de «violência indiscriminada em situações de conflito armado», na aceção do artigo 15.o, alínea c), conjugado com o artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2011/95.

    15

    Com efeito, apesar dos esclarecimentos prestados no seu Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji (C‑465/07, EU:C:2009:94, n.o 35), o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou quanto aos critérios aplicáveis para determinar o nível de violência exigido para estabelecer a existência das ameaças graves e individuais devido a violência indiscriminada em situações de conflito armado. Além disso, a jurisprudência dos outros órgãos jurisdicionais na matéria não é uniforme. Embora, por vezes, se proceda a uma apreciação global baseada em todas as circunstâncias do caso concreto, outras abordagens assentam numa análise essencialmente fundada no número de vítimas civis.

    16

    Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, para se concluir que uma pessoa não especificamente afetada devido a circunstâncias próprias à sua situação pessoal foi objeto de ameaça grave e individual, a jurisprudência do Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha) relativa ao § 4, n.o 1, primeiro período, e segundo período, ponto 3, da AsylG, que transpõe o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, em conjugação com o artigo 2.o, alínea f), dessa diretiva, afasta‑se sensivelmente da jurisprudência que se baseia numa apreciação global das circunstâncias específicas de cada caso, efetuada pelos órgãos jurisdicionais de outros Estados‑Membros e pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

    17

    Segundo o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal), a constatação de ameaças graves e individuais pressupõe necessariamente uma avaliação quantitativa do «risco de morte e de lesões», expresso na relação entre o número de vítimas na zona em causa e o número total de indivíduos que conta a população dessa zona, devendo o resultado obtido obrigatoriamente atingir um certo valor mínimo. Se esse valor não for atingido, não é exigida uma avaliação adicional da intensidade do risco e nem sequer uma apreciação global das circunstâncias específicas do caso poderá levar a que se conclua pela existência de ameaça grave e individual.

    18

    Quanto à situação de CF e de DN, o órgão jurisdicional de reenvio observa não ter adquirido a convicção de que estes últimos, devido à sua situação pessoal, são especificamente afetados pela violência que grassa na província de Nangarhar. Todavia, tendo em conta a situação geral em matéria de segurança nessa província, nomeadamente o facto de a região ser o teatro de combates entre diversas partes muito fragmentadas no conflito (incluindo grupos terroristas) e estreitamente ligadas à população civil, e que nenhuma das partes está em condições de controlar efetivamente a região ou de proteger a população civil que é vítima dos rebeldes e das forças governamentais, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, se voltarem, CF e DN correm um risco real, devido à sua mera presença, de sofrerem ameaças graves e individuais de violência indiscriminada gerada pelo conflito. Além disso, tendo em conta o seu perfil particularmente vulnerável, se CF e DN tivessem de regressar ao Afeganistão, também não disporiam de uma alternativa aceitável de refúgio no interior do país, uma vez que seria, de forma geral, pouco razoável que se instalassem noutros locais equacionáveis (como Cabul, Herat e Mazar‑i‑Sharif).

    19

    Assim, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se for feita uma apreciação global que também atenda a outras circunstâncias geradoras de riscos, o nível atual de violência que grassa na Província de Nangarhar seria tão elevado, que os recorrentes no processo principal, que não têm acesso à proteção no interior do país, seriam gravemente ameaçados devido à sua mera presença no território em questão. Em contrapartida, se a constatação da existência de ameaças graves e individuais dependesse principalmente do número de vítimas civis, os pedidos dos referidos recorrentes no processo principal destinados a obter a proteção subsidiária deveriam ser indeferidos.

    20

    Nestas condições, o Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg (Tribunal Administrativo Superior de Bade‑Vurtemberga, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O artigo 15.o, alínea c) e o artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2011/95 opõem‑se à interpretação e aplicação de uma disposição de direito nacional segundo a qual uma ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado (no sentido de que, pela sua mera presença no território em causa, o civil correria um risco real de exposição a tal ameaça), nos casos em que essa pessoa não é especificamente visada devido às circunstâncias concretas da sua situação pessoal, só pode existir se já tiver sido confirmado um número mínimo de vítimas civis (mortos e feridos)?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão prejudicial: deve a apreciação da questão de saber se tal ameaça se irá concretizar ser efetuada com base na ponderação global de todas as circunstâncias do caso concreto? Na negativa: que outros requisitos são impostos pelo direito da União para efetuar essa apreciação?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    21

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à interpretação de uma regulamentação nacional segundo a qual, caso um civil não seja especificamente visado devido às circunstâncias concretas da sua situação pessoal, a constatação da existência de uma ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física desse civil em razão de «violência indiscriminada em situações de conflito armado», na aceção desta disposição, depende da condição de a relação entre o número de vítimas na zona em causa e o número total da população existente nessa zona ter atingido um determinado limiar.

    22

    Para responder a esta questão, importa recordar que a Diretiva 2011/95, adotada com fundamento, nomeadamente, no artigo 78.o, n.o 2, alínea b), TFUE, visa, designadamente, instituir um regime uniforme de proteção subsidiária. A este respeito, resulta do considerando 12 desta diretiva que um dos seus principais objetivos é assegurar que todos os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional (v. Acórdão de 23 de maio de 2019, Bilali, C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 35 e jurisprudência referida).

    23

    A este respeito, resulta do artigo 18.o da Diretiva 2011/95, lido em conjugação com a definição dos termos «[p]essoa elegível para proteção subsidiária», constante do artigo 2.o, alínea f), desta, e dos termos «[e]statuto de proteção subsidiária», constante do artigo 2.o, alínea g), desta, que o estatuto de proteção subsidiária a que se refere esta diretiva deve, em princípio, ser concedido a qualquer nacional de um país terceiro ou apátrida que, caso volte para o seu país de origem ou para o país da sua residência habitual, corre um risco real de sofrer ofensas graves na aceção do artigo 15.o da referida diretiva (v. Acórdão de 23 de maio de 2019, Bilali, C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 36 e jurisprudência referida).

    24

    Importa igualmente recordar que, como salientou o advogado‑geral no n.o 16 das suas conclusões, a Diretiva 2011/95 revogou e substituiu a Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L304, p. 12), com efeitos a partir de 21 de dezembro de 2013, e que esta alteração de norma não deu lugar a nenhuma alteração do regime jurídico da concessão da proteção subsidiária nem sequer na numeração das disposições em causa. Assim, a redação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 é rigorosamente idêntica à do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2004/83, pelo que a jurisprudência respeitante a esta segunda disposição é pertinente para interpretar a primeira [v., neste sentido, Acórdão de 13 de janeiro de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑507/19, EU:C:2021:3, n.o 37].

    25

    O artigo 15.o da Diretiva 2011/95 prevê três tipos de «ofensas graves» cuja ocorrência pode implicar a concessão de proteção subsidiária à pessoa que as sofre. No que diz respeito aos motivos que constam da alínea a), a saber, «pena de morte ou execução» e, na alínea b), risco de «tortura ou […] tratamento desumano», estas «ofensas graves» cobrem situações em que o requerente da proteção subsidiária está especificamente exposto ao risco de uma ofensa deste tipo particular (Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji, C‑465/07, EU:C:2009:94, n.o 32).

    26

    Em contrapartida, como o Tribunal de Justiça precisou, a ofensa definida no artigo 15.o, alínea c), desta diretiva, constituída por uma «ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física» do requerente, cobre um risco de ofensa «mais geral» do que os motivos referidos nas alíneas a) e b) do mesmo artigo. Assim sendo, é mais genericamente visada a «ameaça […] contra a vida ou a integridade física» de um civil, e não violências determinadas. Além disso, tal ameaça é inerente a uma situação geral de conflito armado que origine «violência indiscriminada», o que implica que pode afetar pessoas independentemente da sua situação pessoal (Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji, C‑465/07, EU:C:2009:94, n.os 33 e 34).

    27

    Por outras palavras, como salientou o advogado‑geral no n.o 20 das suas conclusões, a constatação da existência de «ameaça grave e individual», na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, não depende da condição de o requerente da proteção subsidiária fazer prova de que é visado especificamente devido às circunstâncias concretas da sua situação pessoal.

    28

    Com efeito, neste contexto, o termo «individual» deve ser interpretado no sentido de que abrange as ofensas contra civis independentemente da respetiva identidade, quando o grau de violência indiscriminada que caracteriza o conflito armado em curso, apreciado pelas autoridades nacionais competentes que se devam pronunciar sobre um pedido de proteção subsidiária ou pelos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro chamados a apreciar uma decisão de indeferimento de tal pedido, seja de um nível tão elevado que haja motivos significativos para acreditar que um civil que volte para o país em causa ou, eventualmente, para a região em causa poderia correr, pelo simples facto de se encontrar no território destes, um risco real de sofrer a ameaça grave a que se refere o artigo 15.o, alínea c), da diretiva (Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji, C‑465/07, EU:C:2009:94, n.o 35).

    29

    No caso em apreço, como salientado no n.o 18 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio não adquiriu a convicção de que os recorrentes no processo principal, devido à sua situação pessoal, são especificamente afetados pela violência que grassa na província de Nangarhar. Em contrapartida, considera que, tendo em conta a situação geral em matéria de segurança nessa província, caso voltassem, pela sua mera presença, os recorrentes corriam um risco real de sofrer ameaças graves e individuais devido à violência indiscriminada gerada pelo conflito.

    30

    No entanto, como foi igualmente recordado no n.o 17 do presente acórdão, por força da jurisprudência do Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal), a constatação de tais ameaças graves e individuais pressupõe necessariamente uma avaliação quantitativa do «risco de morte e ferimento», expresso pela relação entre o número de vítimas na zona em causa e o número total de indivíduos que conta a população desta zona, relação essa que deve obrigatoriamente atingir um determinado limiar mínimo. Se este limiar mínimo não for alcançado, não será feita nenhuma apreciação global das circunstâncias específicas do caso concreto.

    31

    Ora, a este respeito, por um lado, há que considerar que o critério adotado pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal), segundo o qual a constatação da existência de «ameaça grave e individual», na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, pressupõe que o número de vítimas já confirmadas, em relação a toda a população na região em causa, atinja um determinado limiar, pode efetivamente ser considerado pertinente para concluir pela existência de tais ameaças.

    32

    Com efeito, uma elevada proporção entre o número total de civis que vivem na região em causa e as vítimas efetivas da violência perpetrada pelas partes no conflito contra a vida ou a integridade física dos civis nessa região pode levar à conclusão de que, no futuro, poderia haver mais vítimas civis na referida região. Tal constatação permitiria, assim, demonstrar a existência das ameaças graves previstas no artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95.

    33

    Todavia, cumpre observar, por outro lado, que essa constatação não pode ser o único critério determinante para concluir pela existência de uma «ameaça grave e individual», na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95. Em especial, a inexistência dessa conclusão não é, por si só, suficiente para excluir sistematicamente, e em quaisquer circunstâncias, a existência de um risco de tais ameaças, na aceção desta disposição, e para, por esse motivo, conduzir automaticamente e sem exceção à exclusão da proteção subsidiária.

    34

    Com efeito, tal abordagem colidiria, em primeiro lugar, com as finalidades da Diretiva 2011/95, que visam conferir proteção subsidiária a qualquer pessoa que necessite dessa proteção. Em especial, como resulta dos considerandos 6 e 12 desta diretiva, o seu objetivo principal consiste, nomeadamente, em assegurar que todos os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional, oferecendo‑lhes um estatuto adequado.

    35

    Ora, a aplicação sistemática, pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro, de um critério meramente quantitativo, que é ele próprio incerto quanto à sua fiabilidade, tendo em conta a dificuldade concreta de encontrar fontes de informação objetivas e independentes perto das zonas de conflito armado, como é o caso do número mínimo de vítimas civis, feridas ou mortas, para recusar a concessão da proteção subsidiária, pode levar as autoridades nacionais a recusarem a concessão da proteção internacional em violação da obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de identificar as pessoas que tenham efetivamente necessidade dessa proteção internacional.

    36

    Em segundo lugar, essa interpretação é suscetível de incitar os requerentes de proteção internacional a deslocarem‑se para os Estados‑Membros que não aplicam o critério de um limiar determinado de vítimas já confirmadas ou que, a esse respeito, preveem um limiar menos elevado, o que pode encorajar a prática de forum shopping com vista a contornar as normas instituídas pela Diretiva 2011/95. Ora, cabe recordar que, nos termos do considerando 13 desta diretiva, a aproximação das normas sobre o reconhecimento e conteúdo do estatuto de refugiado e do estatuto de proteção subsidiária deverá nomeadamente contribuir para «limitar os movimentos secundários de requerentes de proteção internacional entre os Estados‑Membros», nos casos em que tais movimentos são exclusivamente devidos às diferenças entre os regimes jurídicos dos Estados‑Membros.

    37

    Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que responder à primeira questão que o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à interpretação de uma regulamentação nacional segundo a qual, caso um civil não seja especificamente visado devido às circunstâncias concretas da sua situação pessoal, a constatação da existência de uma ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física desse civil em razão de «violência indiscriminada em situações de conflito armado», na aceção desta disposição, depende da condição de a relação entre o número de vítimas na zona em causa e o número total da população existente nessa zona ter atingido um determinado limiar.

    Quanto à segunda questão

    38

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar a existência de uma «ameaça grave e individual», na aceção desta disposição, é exigida uma ponderação global de todas as circunstâncias do caso concreto e, se não for esse o caso, que outros requisitos são impostos para o efeito.

    39

    Para responder a esta questão, cumpre referir, a título preliminar, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 56 das suas conclusões, que o conceito de «ameaça grave e individual» contra a vida ou a integridade física do requerente de proteção subsidiária, na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, deve ser interpretado em sentido amplo.

    40

    Assim, para determinar a existência de «ameaça grave e individual», na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, é exigida uma ponderação global de todas as circunstâncias pertinentes do caso concreto, nomeadamente as que caracterizam a situação do país de origem do requerente.

    41

    Com efeito, uma vez que está em causa um pedido de proteção internacional apresentado ao abrigo do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, ainda que nesse pedido não sejam invocados elementos específicos da situação do requerente, decorre do artigo 4.o, n.o 3, dessa diretiva que o referido pedido deve ser objeto de uma avaliação individual, para efeitos da qual deve ser tida em conta toda uma série de elementos.

    42

    Entre esses elementos figuram, nomeadamente, nos termos do artigo 4.o, n.o 3, alínea a), dessa diretiva, «todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido».

    43

    Mais especificamente, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 56 e 59 das suas conclusões, enquanto elementos que entram em linha de conta na apreciação do risco real de ofensas graves na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 também podem ser ponderados, nomeadamente, a intensidade dos confrontos armados, o nível de organização das forças armadas presentes e a duração do conflito (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2014, Diakité, C‑285/12, EU:C:2014:39, n.o 35), bem como outros elementos como a extensão geográfica da situação de violência indiscriminada, o destino efetivo do requerente caso seja expulso para o país ou região em questão e a agressão eventualmente deliberada contra civis praticada pelos beligerantes.

    44

    Daqui resulta que a aplicação sistemática, pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro, de um critério como o número mínimo de vítimas civis, feridas ou mortas, para determinar o grau de intensidade de um conflito armado, sem examinar todas as circunstâncias pertinentes que caracterizam a situação do país de origem do requerente da proteção subsidiária, é contrária às disposições da Diretiva 2011/95 por ser suscetível de levar essas autoridades a recusar conceder essa proteção, em violação da obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de identificar as pessoas que necessitam verdadeiramente da referida proteção.

    45

    Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à segunda questão que o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar a existência de uma «ameaça grave e individual», na aceção desta disposição, é exigida uma ponderação global de todas as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente as que caracterizam a situação do país de origem do requerente.

    Quanto às despesas

    46

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à interpretação de uma regulamentação nacional segundo a qual, caso um civil não seja especificamente visado devido às circunstâncias concretas da sua situação pessoal, a constatação da existência de uma ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física desse civil em razão de «violência indiscriminada em situações de conflito armado», na aceção desta disposição, depende da condição de a relação entre o número de vítimas na zona em causa e o número total da população existente nessa zona ter atingido um determinado limiar.

     

    2)

    O artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar a existência de uma «ameaça grave e individual», na aceção desta disposição, é exigida uma ponderação global de todas as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente as que caracterizam a situação do país de origem do requerente.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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