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Document 62019CJ0885

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 8 de novembro de 2022.
Fiat Chrysler Finance Europe e Irlanda contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Auxílio concedido pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno e ilegal e que ordena a sua recuperação — Decisão fiscal antecipada (tax ruling) — Vantagem — Natureza seletiva — Princípio da plena concorrência — Quadro de referência — Direito nacional aplicável — Tributação dita “normal”.
Processos apensos C-885/19 P e C-898/19 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:859

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

8 de novembro de 2022 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Auxílio concedido pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno e ilegal e que ordena a sua recuperação — Decisão fiscal antecipada (tax ruling) — Vantagem — Natureza seletiva — Princípio da plena concorrência — Quadro de referência — Direito nacional aplicável — Tributação dita “normal”»

Nos processos apensos C‑885/19 P e C‑898/19 P,

que têm por objeto dois recursos de um acórdão do Tribunal Geral interpostos ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, que deram entrada em 4 de dezembro de 2019,

Fiat Chrysler Finance Europe, estabelecida no Luxemburgo (Luxemburgo), representada por N. de Boynes, avocat, M. Doeding, solicitor, M. Engel, Rechtsanwalt, F. Hoseinian, advokat, G. Maisto, A. Massimiano, avvocati, J. Rodríguez, abogado, M. Severi, avvocato, e M. A. Thomson, solicitor,

recorrente (C‑885/19 P)

recorrente em primeira instância (C‑898/19 P),

Irlanda, representada por M. Browne, A. Joyce e J. Quaney, na qualidade de agentes, assistidos por B. Doherty, BL, P. Gallagher, SC, e S. Kingston, SC,

recorrente (C‑898/19 P)

interveniente em primeira instância (C‑885/19 P),

sendo as outras partes nos processos:

Grão‑Ducado do Luxemburgo, representado por A. Germeaux e T. Uri, na qualidade de agentes, assistidos por J. Bracker, A. Steichen e D. Waelbroeck, avocats,

recorrente em primeira instância (C‑898/19 P),

Comissão Europeia, representada por P.‑J. Loewenthal e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância (C‑885/19 P e C‑898/19 P),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan e P. G. Xuereb, presidentes de secção, S. Rodin, F. Biltgen, N. Piçarra, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl (relator), I. Ziemele e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de maio de 2021,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de dezembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

Através dos respetivos recursos, a Fiat Chrysler Finance Europe, anteriormente denominada Fiat Finance and Trade Ltd (a seguir «FFT») (C‑885/19 P), e a Irlanda (C‑898/19 P) requerem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de setembro de 2019, Luxemburgo e Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (T‑755/15 e T‑759/15, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2019:670), que negou provimento aos respetivos recursos de anulação que interpuseram da Decisão (UE) 2016/2326 da Comissão, de 21 de outubro de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.38375 (2014/C ex 2014/NN) concedido pelo Luxemburgo à Fiat (JO 2016, L 351, p. 1; a seguir «decisão controvertida»).

I. Antecedentes do litígio

2

Para efeitos do presente processo, os antecedentes do litígio, como apresentados nos n.os 1 a 46 do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

A. Quanto à decisão antecipada concedida pelas autoridades fiscais luxemburguesas a pedido da FFT

3

Em 14 de março de 2012, o consultor fiscal da FFT enviou às autoridades fiscais luxemburguesas uma carta na qual solicitava que fosse aprovado um acordo em matéria de preços de transferência.

4

Em 3 de setembro de 2012, as autoridades fiscais luxemburguesas adotaram uma decisão antecipada a favor da FFT (a seguir «decisão antecipada em causa»). A referida decisão constava de uma carta na qual foi indicado que, «no que respeita à carta, datada de 14 de março de 2012, relativa às atividades de financiamento intragrupo da FFT, confirma[‑se] que a análise dos preços de transferência foi realizada nos termos da Circular n.o 164/2, de 28 de janeiro de 2011, e respeita o princípio da plena concorrência».

B. Quanto ao procedimento administrativo na Comissão

5

Em 19 de junho de 2013, a Comissão Europeia enviou ao Grão‑Ducado do Luxemburgo um primeiro pedido de prestação de informações pormenorizadas sobre as práticas nacionais em matéria de decisões fiscais antecipadas (ruling fiscal). A este primeiro pedido de informações seguiu‑se uma vasta troca de correspondência entre o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Comissão até à adoção, por esta última, em 24 de março de 2014, de uma decisão de injunção para a prestação de informações por parte do Grão‑Ducado do Luxemburgo.

6

Em 11 de junho de 2014, a Comissão deu início a um procedimento formal de investigação como previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativo à decisão antecipada em causa.

C. Quanto à decisão controvertida

7

Em 21 de outubro de 2015, a Comissão adotou a decisão controvertida.

1.   Descrição feita pela Comissão da decisão antecipada em causa

8

Na secção 2 da decisão controvertida, intitulada «Descrição da medida», a Comissão descreveu, em primeiro lugar, a FFT, que foi a beneficiária da decisão antecipada em causa, que fazia parte do grupo automóvel Fiat/Chrysler (a seguir «grupo Fiat/Chrysler»). A Comissão indicou que a FFT prestava serviços de tesouraria e de financiamento às sociedades do referido grupo sediadas na Europa, com exceção das sociedades sediadas em Itália, e que operava a partir do Luxemburgo, onde estava estabelecida a sua sede social. A Comissão indicou que a FFT era especialmente ativa no financiamento pelo mercado e nos investimentos de fundos líquidos, nas relações com os agentes do mercado financeiro, nos serviços de coordenação e de aconselhamento financeiros prestados às empresas do grupo, nos serviços de gestão de tesouraria prestados às empresas do grupo, no financiamento intersociedades a curto prazo e médio prazo e na coordenação com as demais sociedades de financiamento (considerandos 34 a 51 da decisão controvertida).

9

Em segundo lugar, a Comissão indicou que a decisão antecipada em causa surgiu na sequência, por um lado, da carta de 14 de março de 2012 do consultor fiscal da FFT dirigida à administração fiscal luxemburguesa, que continha um pedido de aprovação de um acordo em matéria de preços de transferência, e, por outro, de um relatório sobre os preços de transferência que continha uma análise dos preços de transferência elaborada pelo consultor fiscal em apoio do pedido de adoção de uma decisão antecipada apresentado pela FFT (considerandos 9, 53 e 54 da decisão controvertida).

10

A Comissão descreveu que a decisão antecipada em causa autorizava um método de afetação dos lucros à FFT dentro do grupo Fiat/Chrysler, o que permitia à FFT determinar anualmente o montante do seu imposto sobre as sociedades a pagar no Grão‑Ducado do Luxemburgo. A Comissão especificou que a decisão antecipada era vinculativa durante um período de cinco anos, entre o exercício fiscal de 2012 e o exercício fiscal de 2016 (considerandos 52 e 54 da decisão controvertida).

2.   Descrição das regras luxemburguesas e das orientações da OCDE em matéria de preços de transferência

11

A Comissão indicou que a decisão antecipada em causa tinha sido aprovada com fundamento no artigo 164.o, n.o 3, do code des impôts sur les revenus luxembourgeois (Código dos Impostos sobre o Rendimento luxemburguês) (a seguir «Código dos Impostos») e da Circular L.I.R. n.o 164/2 du directeur des contributions luxembourgeoises, du 28 janvier 2011 (Circular L.I.R. n.o 164/2 do Diretor das contribuições luxemburguesas, de 28 de janeiro de 2011) (a seguir «Circular n.o 164/2»). A este respeito, a Comissão, por um lado, salientou que esta disposição estabelecia o princípio da plena concorrência no direito fiscal luxemburguês, segundo o qual as transações entre sociedades de um mesmo grupo (a seguir «sociedades integradas») devem ser remuneradas como se tivessem sido aceites por sociedades independentes negociando em circunstâncias comparáveis em condições de plena concorrência (a seguir «sociedades autónomas»). Por outro lado, a Comissão salientou que a Circular n.o 164/2 especificava, nomeadamente, como determinar uma remuneração de plena concorrência no que respeita, em particular, às sociedades de financiamento de grupo (considerandos 74 a 83 da decisão controvertida).

12

Por outro lado, a Comissão expôs os princípios da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às administrações fiscais, adotados pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE (a seguir «Orientações da OCDE»), e indicou que os preços de transferência se referiam aos preços faturados para transações comerciais entre diversas entidades do mesmo grupo de sociedades. A Comissão afirmou que, para evitar que as sociedades multinacionais fossem incitadas do ponto de vista financeiro a declarar o mínimo possível de lucros nos territórios em que a tributação é mais significativa, as administrações fiscais apenas devem aceitar os preços de transferência entre as sociedades integradas quando, em conformidade com o princípio da plena concorrência, as transações tivessem sido remuneradas como se tivessem sido aceites por sociedades autónomas que negociem, em circunstâncias comparáveis, em condições de plena concorrência (considerandos 84 a 87 da decisão controvertida).

13

A Comissão também recordou que as Orientações da OCDE enumeram cinco métodos para estabelecer uma aproximação dos preços de plena concorrência para as transações e a distribuição dos lucros entre as sociedades integradas. No entanto, só dois destes métodos eram, segundo a Comissão, pertinentes para a decisão, a saber, o método do preço comparável de mercado e o método da margem líquida da operação (considerandos 88 e 89 da decisão controvertida).

3.   Apreciação da decisão fiscal antecipada em causa

14

Na secção 7 (considerandos 185 a 347) da decisão controvertida, a Comissão apresentou os motivos pelos quais, em sua opinião, a decisão antecipada em causa preenchia todos os requisitos constantes do artigo 107.o, n.o 1, TFUE para poder ser qualificada de auxílio de Estado na aceção desta disposição.

15

No que se refere mais especificamente ao requisito da existência de uma vantagem seletiva, a Comissão considerou que a decisão antecipada em causa conferia semelhante vantagem seletiva à FFT, na medida em que implicou uma redução do imposto devido pela interessada ao Luxemburgo, afastando‑se do imposto que esta deveria ter pago ao abrigo do sistema comum do imposto sobre as sociedades (considerando 190 da decisão controvertida). A Comissão chegou a esta conclusão no final de um exame concomitante da vantagem e da seletividade, estruturado de acordo com as três etapas criadas pelo Tribunal de Justiça para determinar se uma medida fiscal é seletiva (considerando 192 da decisão controvertida e n.o 119 do acórdão recorrido).

16

No que diz respeito à primeira etapa, ligada à determinação do sistema de referência, a Comissão considerou que, no caso concreto, o referido sistema era o sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo, que tem por objetivo a tributação dos lucros de todas as sociedades residentes no Luxemburgo. A este respeito, a Comissão especificou que este sistema geral se aplicava às sociedades nacionais e às sociedades estrangeiras residentes no Luxemburgo, incluindo às sucursais luxemburguesas das sociedades estrangeiras. A Comissão considerou que o facto de existir uma diferença em matéria de cálculo dos lucros tributáveis entre as sociedades autónomas e as sociedades integradas não tinha nenhum impacto no objetivo do sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo, que consistia em tributar os lucros de todas as sociedades residentes no Luxemburgo, quer sejam ou não sociedades integradas, e que os dois tipos de sociedades se encontram numa situação factual e jurídica comparável à luz do objetivo intrínseco deste sistema. A Comissão rejeitou todos os argumentos apresentados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT segundo os quais o artigo 164.o do Código dos Impostos ou a Circular n.o 164/2 constituem o sistema de referência pertinente, bem como o seu argumento segundo o qual o sistema de referência a tomar em consideração para apreciar a seletividade da decisão antecipada em causa apenas devia incluir as empresas sujeitas às regras em matéria de preços de transferência (considerandos 193 a 215 da decisão controvertida).

17

No que respeita à segunda etapa, a Comissão indicou que a questão de saber se uma medida fiscal constitui uma derrogação do sistema de referência coincide em geral com a constatação de que foi conferida uma vantagem ao beneficiário através dessa medida. Em seu entender, quando uma medida fiscal provoca uma redução injustificada do imposto devido pelo beneficiário que, na falta dessa medida, deveria pagar um imposto mais elevado nos termos do sistema de referência, essa redução constitui, ao mesmo tempo, a vantagem conferida pela medida fiscal e a derrogação do sistema de referência. Além disso, a Comissão recordou que, segundo a jurisprudência, no caso de uma medida individual, a identificação da vantagem económica permite, em princípio, presumir a sua seletividade (considerandos 216 a 218 da decisão controvertida).

18

No que se refere à determinação da vantagem, a Comissão considerou, em substância, que uma medida fiscal que leva uma sociedade pertencente a um grupo a faturar preços de transferência que não refletem os que seriam faturados em condições de livre concorrência, ou seja, preços negociados por empresas independentes em circunstâncias comparáveis em virtude do princípio da plena concorrência, confere uma vantagem a essa sociedade, na medida em que consegue uma redução da sua matéria coletável e, por conseguinte, do imposto exigível em resultado da aplicação do sistema geral do imposto sobre as sociedades. Segundo a Comissão, o Tribunal de Justiça reconheceu assim, no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Commission (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), o princípio da plena concorrência, a saber, «[o] princípio segundo o qual as transações realizadas entre sociedades de um mesmo grupo deveriam ser remuneradas como se fossem acordadas por sociedades independentes a negociar em circunstâncias comparáveis e em condições de plena concorrência», como critério de referência para determinar se uma sociedade de um grupo beneficia de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE devido a uma medida fiscal que determina os seus preços de transferência e, por conseguinte, a sua matéria coletável. Por conseguinte, a Comissão considerou que, no presente caso, devia verificar se o método aprovado pela administração fiscal luxemburguesa na decisão antecipada em causa para efeitos da determinação dos lucros tributáveis da FFT no Luxemburgo se afasta de um método que resulta numa aproximação fiável de um resultado baseado no mercado e, por conseguinte, do princípio da plena concorrência. Nesta hipótese, segundo a Comissão, devia considerar‑se que a decisão antecipada em causa confere uma vantagem seletiva à FFT na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE (considerandos 222 a 227 da decisão controvertida).

19

A Comissão considerou assim que o princípio da plena concorrência faz necessariamente parte da sua apreciação, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, das medidas fiscais concedidas a empresas integradas, independentemente da questão de saber se um Estado‑Membro incorporou este princípio no seu sistema jurídico nacional. A Comissão especificou, em resposta aos argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo suscitados no âmbito do procedimento administrativo, que não tinha examinado se a decisão antecipada em causa respeitava o princípio da plena concorrência, como definido no artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos ou na Circular n.o 164/2, mas que tinha tentado determinar se a administração fiscal luxemburguesa tinha conferido uma vantagem seletiva à FFT, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (considerandos 228 a 231 da decisão controvertida).

20

Atendendo a estas considerações, e pelas razões expostas nos considerandos 241 a 301 da decisão controvertida, a Comissão considerou que determinadas opções metodológicas validadas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e subjacentes à análise dos preços de transferência na decisão antecipada em causa conduziam a uma redução do imposto sobre as sociedades que as sociedades autónomas tinham de pagar (considerandos 234 a 240 da decisão controvertida).

21

A título subsidiário, a Comissão considerou que, de qualquer modo, a decisão antecipada em causa conferia uma vantagem seletiva, incluindo à luz de um sistema de referência mais limitado, invocado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT, composto pelo artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e pela Circular n.o 164/2, que consagram o princípio da plena concorrência no direito fiscal luxemburguês (considerandos 315 a 317 da decisão controvertida). Além disso, a Comissão rejeitou o argumento da FFT segundo o qual, para demonstrar a existência de um tratamento seletivo a seu favor decorrente da decisão antecipada em causa, a Comissão devia ter comparado essa decisão antecipada com a prática da administração fiscal luxemburguesa com base na Circular n.o 164/2, em especial, com as decisões antecipadas concedidas a outras sociedades de financiamento e de tesouraria que o Grão‑Ducado do Luxemburgo tinha apresentado à Comissão para servirem de amostra representativa da sua prática em matéria de decisão antecipada (considerandos 318 a 336 da decisão controvertida).

22

No âmbito da terceira etapa da sua análise, a Comissão entendeu que nem o Grão‑Ducado do Luxemburgo nem a FFT tinham apresentado nenhum motivo que pudesse justificar o tratamento preferencial da FFT resultante da decisão antecipada em causa, e que, em qualquer caso, não tinha sido possível identificar nenhum motivo que pudesse ser considerado diretamente resultante dos princípios fundadores do sistema de referência ou que resultasse de mecanismos inerentes ao sistema necessários para o seu funcionamento e para a sua eficácia (considerandos 337 e 338 da decisão controvertida).

23

A Comissão concluiu então, à luz das considerações acima apresentadas, que a decisão antecipada em causa tinha concedido à FFT uma vantagem seletiva, na medida em que implicou uma redução do imposto devido pela FFT, a título principal, ao abrigo do sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo, em comparação com as sociedades autónomas e, a título subsidiário, ao abrigo do sistema de tributação das sociedades integradas (considerandos 339 e 340 da decisão controvertida). Considerou que o beneficiário da vantagem era o grupo Fiat/Chrysler no seu conjunto, uma vez que a FFT formava uma unidade económica com as outras entidades deste grupo e que a redução do imposto devido pela FFT tinha necessariamente tido por efeito diminuir as condições de preço dos empréstimos intragrupo concedidos pela FFT (considerandos 341 a 345 da decisão controvertida).

24

O artigo 1.o da decisão controvertida tinha a seguinte redação:

«[A decisão antecipada em causa], que permite [à FFT] fixar a sua matéria coletável no Luxemburgo numa base anual por um período de cinco anos, constitui um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE, que é incompatível com o mercado interno e que foi executado ilegalmente pelo [Grão‑Ducado do] Luxemburgo em violação do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE.»

II. Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

25

Através de petições apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 29 e em 30 de dezembro de 2015, a FFT (processo T‑759/15) e o Grão‑Ducado do Luxemburgo (processo T‑755/15) interpuseram recursos de anulação da decisão controvertida.

26

Por Despacho do presidente da Sétima Secção Alargada do Tribunal Geral de 18 de julho de 2016, foi admitida a intervenção da Irlanda em apoio dos pedidos da FFT e do Grão‑Ducado do Luxemburgo.

27

Por Despacho do presidente da Sétima Secção Alargada do Tribunal Geral de 27 de abril de 2018, ouvidas as partes, os processos T‑755/15 e T‑759/15 foram apensados para efeitos da fase oral do processo.

28

Em apoio dos respetivos recursos, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT invocaram cinco séries de fundamentos de recurso, relativos, em substância:

a primeira série, à violação dos artigos 4.o e 5.o TUE, bem como do artigo 114.o TFUE, na parte em que a análise da Comissão conduziu a uma harmonização fiscal disfarçada (terceira parte do primeiro fundamento no processo T‑755/15);

a segunda série, à violação do artigo 107.o TFUE, do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE, bem como dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, por a Comissão ter considerado que a decisão antecipada em causa concedeu uma vantagem, designadamente pelo facto de a referida decisão antecipada não ser conforme com o princípio da plena concorrência (segunda parte do primeiro fundamento e primeira parte do segundo fundamento no processo T‑755/15; segunda e terceira acusações da primeira parte do primeiro fundamento; primeira parte do segundo fundamento, bem como terceiro e quarto fundamentos no processo T‑759/15);

a terceira série, à violação do artigo 107.o TFUE, por a Comissão ter constatado que esta vantagem era seletiva (primeira parte do primeiro fundamento no processo T‑755/15 e primeira acusação da primeira parte do primeiro fundamento no processo T‑759/15);

a quarta série, à violação do artigo 107.o TFUE e do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE, por a Comissão ter constatado que a medida em causa restringia a concorrência e falseava as trocas comerciais entre os Estados‑Membros (segunda parte do segundo fundamento no processo T‑755/15; segunda parte do primeiro fundamento e segunda parte do segundo fundamento no processo T‑759/15), e

a quinta série, à violação do princípio da segurança jurídica e dos direitos de defesa, por a Comissão ter ordenado a recuperação do auxílio em causa (terceiro fundamento no processo T‑759/15).

29

Depois de ter apensado os processos T‑755/15 e T‑759/15 para efeitos do acórdão, o Tribunal Geral, no acórdão, rejeitou todos estes fundamentos e, por conseguinte, negou integralmente provimento a estes recursos.

30

No que se refere à segunda série de fundamentos, nomeadamente àqueles que são relativos à errada aplicação do princípio da plena concorrência ao controlo dos auxílios de Estado, o Tribunal Geral começou por salientar que, no contexto da determinação da situação fiscal de uma sociedade integrada, os preços das transações intragrupo não são determinados em condições de mercado. Considerou que, para determinar a eventual existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, quando procede ao exame de uma medida fiscal concedida a essa sociedade integrada, a Comissão pode comparar a carga fiscal que resulta para esta última da aplicação dessa medida fiscal com a carga fiscal que resulta da aplicação das regras normais de tributação do direito nacional a uma sociedade que exerce as suas atividades em condições de mercado, quando o direito fiscal nacional não proceda a uma distinção entre as «empresas» integradas e as «empresas» autónomas para efeitos da sua sujeição ao imposto sobre as sociedades e pretenda deste modo tributar o lucro das primeiras como se este lucro resultasse de transações efetuadas a preços de mercado (n.os 140 e 141 do acórdão recorrido).

31

Neste âmbito, o Tribunal Geral sublinhou que o princípio da plena concorrência constitui um «instrumento» ou, como a Comissão referiu no considerando 225 da decisão controvertida, um «critério de referência» que permite verificar se os preços das transações intragrupo aceites pelas autoridades nacionais correspondem aos preços praticados em condições de mercado, para determinar se uma sociedade integrada beneficia, ao abrigo de uma medida fiscal que determina os seus preços de transferência, de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (n.o 143 do acórdão recorrido).

32

Em seguida, o Tribunal Geral salientou que a decisão antecipada em causa dizia respeito à determinação do lucro tributável da FFT ao abrigo do Código dos Impostos, e que este código visa tributar o lucro que provém da atividade económica dessa «empresa» integrada como se este lucro resultasse de transações efetuadas a preços de mercado. Nesta base, o Tribunal Geral considerou que a Comissão podia comparar o lucro tributável da FFT, resultante da aplicação da decisão antecipada em causa, com o lucro tributável, resultante da aplicação das regras normais de tributação do direito luxemburguês, de uma empresa que se encontre numa situação factual comparável e que exerça as suas atividades em condições de livre concorrência (n.os 145 e 148 do acórdão recorrido). Neste contexto, o Tribunal Geral indicou que a Comissão não podia ser censurada por ter utilizado um método de determinação dos preços que considera apropriado, embora esteja obrigada a justificar a sua escolha metodológica (n.o 146 do acórdão recorrido).

33

Por último, o Tribunal Geral rejeitou aos argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da FFT que questionavam esta conclusão.

34

Em primeiro lugar, no que se refere aos argumentos segundo os quais a Comissão não apresentou nenhum fundamento jurídico para o princípio da plena concorrência aplicado na decisão controvertida e não especificou o respetivo conteúdo, o Tribunal Geral declarou que a Comissão tinha efetivamente indicado, primeiro, que o princípio da plena concorrência faz necessariamente parte do exame, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, das medidas fiscais concedidas às sociedades de um grupo e, segundo, que este princípio é um princípio geral de igualdade de tratamento em matéria de tributação que é abrangido pela aplicação deste artigo (n.os 150 e 151 do acórdão recorrido). No que se refere ao conteúdo do princípio da plena concorrência, o Tribunal Geral considerou que resultava da decisão controvertida que se tratava de um instrumento que permite fiscalizar se as transações intragrupo são remuneradas como se tivessem sido negociadas entre empresas autónomas (n.o 155 do acórdão recorrido).

35

Em segundo lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual o princípio da plena concorrência aplicado na decisão controvertida era um critério alheio ao direito fiscal luxemburguês e permitia assim à Comissão realizar, em definitivo, uma harmonização disfarçada em matéria de fiscalidade direta em violação da autonomia fiscal dos Estados‑Membros, o Tribunal Geral entendeu que este argumento devia ser rejeitado, porquanto o recurso a este princípio era autorizado pelo facto de as regras fiscais luxemburguesas preverem que a tributação das sociedades integradas e das sociedades autónomas é idêntica. Daqui resulta que, ao ter aplicado este critério ao caso em apreço, a Comissão não excedeu as suas competências (n.os 156 a 158 do acórdão recorrido).

36

Em terceiro lugar, no que se refere ao argumento segundo o qual a Comissão afirmou indevidamente, na decisão controvertida, que existe um princípio geral de igualdade de tratamento em matéria de tributação, o Tribunal Geral considerou que esta formulação da Comissão não devia ser isolada do seu contexto e não podia assim ser interpretada no sentido de que a Comissão reconheceu que existe um princípio de igualdade de tratamento perante o imposto inerente ao artigo 107.o, n.o 1, TFUE (n.os 160 a 161 do acórdão recorrido).

III. Pedidos das partes

A. Processo C‑885/19 P

37

Por meio do presente recurso, a FFT conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido;

anular a decisão controvertida ou, a título subsidiário, se o Tribunal de Justiça não estiver em condições de se pronunciar a título definitivo, remeter o processo ao Tribunal Geral, e

condenar a Comissão nas despesas relativas ao presente recurso e ao processo que correu no Tribunal Geral.

38

A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao presente recurso e

condenar a FFT nas despesas.

39

A Irlanda conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido;

anular a decisão controvertida, e

condenar a Comissão nas despesas.

B. Processo C‑898/19 P

40

Por meio do presente recurso, a Irlanda conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido;

anular a decisão controvertida, e

condenar a Comissão nas despesas.

41

A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao presente recurso e

condenar a Irlanda nas despesas.

42

A FFT conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

julgar o presente recurso procedente e

condenar a Comissão a suportar as suas despesas relativas à contestação, bem como à sua posterior participação no processo iniciado com a interposição do presente recurso.

43

O Grão‑Ducado do Luxemburgo conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

deferir os pedidos da Irlanda;

anular o acórdão recorrido;

anular a decisão controvertida, e

condenar a Comissão nas despesas que suportou.

IV. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

44

Em 9 de março de 2020, o presidente do Tribunal de Justiça convidou as partes a pronunciarem‑se sobre a eventual apensação dos processos C‑885/19 P e C‑898/19 P para efeitos da posterior tramitação.

45

Por cartas de 16 de março de 2020, a FFT, a Irlanda, a Comissão e o Grão‑Ducado do Luxemburgo informaram o Tribunal de Justiça de que não se opunham a que estes processos fossem apensados. Por carta de 14 de abril de 2020, a Comissão indicou, no entanto, que, em seu entender, depois de examinado o conteúdo dos articulados apresentados pelas partes, não era oportuno apensar os referidos processos para efeitos da posterior tramitação.

46

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de abril de 2020, as partes foram informadas de que não havia que apensar os processos naquela fase processual.

V. Quanto aos presentes recursos

47

Por razões de conexão, há que apensar os presentes processos para efeitos do acórdão, em conformidade com o disposto no artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

A. Quanto ao presente recurso no processo C‑898/19 P

48

Em apoio do presente recurso no processo C‑898/19 P, que há que examinar em primeiro lugar, a Irlanda, à qual o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT se associam, invoca cinco fundamentos.

49

Através do primeiro fundamento do presente recurso, que se subdivide em oito partes, a Irlanda alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e um erro de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE na sua abordagem relativa à utilização do princípio da plena concorrência feita pela Comissão na decisão controvertida. Através do seu segundo fundamento, a Irlanda alega que o Tribunal Geral cometeu um erro no exame que realizou a respeito da seletividade da decisão antecipada em causa. O terceiro fundamento é relativo à violação do dever de fundamentação. O quarto fundamento é relativo à violação do princípio da segurança jurídica. Por último, o quinto e último fundamento é relativo à violação dos artigos 4.o e 5.o TUE, bem como do artigo 114.o TFUE pelo facto de as regras em matéria de auxílios de Estado terem, no presente caso, sido utilizadas para harmonizar as regras dos Estados‑Membros em matéria de tributação direta.

50

A Comissão conclui pela inadmissibilidade parcial do presente recurso e acrescenta que, seja como for, os fundamentos invocados em seu apoio devem ser afastados por serem improcedentes.

1.   Quanto à admissibilidade

51

A Comissão alega que o presente recurso é parcialmente inadmissível. Alega, em substância, que a parte essencial da argumentação apresentada pela Irlanda no âmbito dos fundamentos primeiro e terceiro a quinto se destina principalmente a pôr em causa a decisão controvertida, a prática geral da Comissão respeitante às decisões fiscais antecipadas e determinados documentos desta Instituição que descrevem a abordagem da Comissão em relação a estas decisões, mais do que questionar números concretos do acórdão recorrido.

52

A este respeito, resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 169.o, n.o 2, do Regulamento de Processo que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar com precisão os pontos da fundamentação do acórdão cuja anulação é requerida, bem como os argumentos jurídicos específicos em que esse pedido se baseia, sob pena de inadmissibilidade do recurso que tem por objeto uma decisão do Tribunal Geral ou do fundamento em causa (Acórdão de 23 de novembro de 2021, Conselho/Hamas, C‑833/19 P, EU:C:2021:950, n.o 50 e jurisprudência referida).

53

No caso em apreço, o presente recurso identifica com suficiente precisão, em cada um dos seus fundamentos, os números do acórdão recorrido que são contestados e apresenta os motivos pelos quais, segundo a Irlanda, estes números não estão suficientemente fundamentados e padecem de erros de direito, o que permite assim que o Tribunal de Justiça fiscalize a respetiva legalidade. Em especial e como a Comissão reconhece, resulta dos articulados da Irlanda que os fundamentos que apresenta em apoio do seu presente recurso têm expressamente por objeto as considerações do Tribunal Geral que figuram nomeadamente nos n.os 113, 140 a 142, 145, 147, 149, 150 a 152, 161 e 180 a 184 do acórdão recorrido.

54

Daqui resulta que há que afastar a exceção de inadmissibilidade parcial do presente recurso invocada pela Comissão.

2.   Quanto ao mérito

55

Há que começar por examinar as partes cinco e seis do primeiro fundamento, bem como o quinto fundamento.

a)   Argumentação das partes

56

No âmbito da quinta parte do primeiro fundamento, a Irlanda alega que o quadro de referência à luz do qual há que procurar a eventual existência de uma vantagem seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve assentar no sistema fiscal nacional em causa e não num sistema fiscal hipotético. Alega que o princípio da plena concorrência só pode ser aplicado para verificar a existência de semelhante vantagem numa situação como a do caso em apreço se este princípio estiver previsto no regime fiscal nacional constitutivo da tributação «normal». Com efeito, quando se coloca a questão de saber se uma medida derroga o regime fiscal «normal», há que tomar em consideração as regras que são concretamente aplicadas no Estado‑Membro em causa e não regras externas a esse sistema ou hipotéticas. Ora, no caso em apreço, o Tribunal Geral não cumpriu este requisito quando homologou, nos n.os 141 e 145 do acórdão recorrido, a utilização pela Comissão do princípio da plena concorrência com base no objetivo presumido do direito fiscal luxemburguês. O Tribunal Geral terá assim ignorado as regras específicas do direito nacional que se aplicam às sociedades integradas no âmbito da elaboração de decisões fiscais antecipadas através das quais a administração fiscal de um Estado‑Membro toma posição, a pedido de uma sociedade integrada, sobre os preços de transferência aplicáveis a esta última.

57

Através da sexta parte do primeiro fundamento, a Irlanda acusa o Tribunal Geral de ter considerado, no n.o 142 do acórdão recorrido, que foi com razão que a Comissão se referiu na decisão controvertida ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416). Segundo a Irlanda, este acórdão não fundamenta a conclusão da Comissão segundo a qual o princípio da plena concorrência decorre do artigo 107.o, n.o 1, TFUE independentemente da questão de saber se foi ou não incorporado no direito nacional. Pelo contrário, no processo que deu origem a este acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que o facto de derrogar o princípio da plena concorrência não era pertinente, porque este princípio tinha sido incorporado no direito nacional em causa, a saber, no direito belga.

58

Através do seu quinto fundamento, que tem por objeto os n.os 100 a 117 do acórdão recorrido, a Irlanda acusa o Tribunal Geral de ter rejeitado a sua argumentação segundo a qual a decisão controvertida equivale, em violação dos artigos 3.o a 5.o TUE e do artigo 114.o TFUE, a consagrar uma harmonização fiscal disfarçada contrária às regras de repartição das competências. Em seu entender, a Comissão invocou na decisão controvertida regras que não fazem parte do regime fiscal nacional, tendo em simultâneo ignorado as disposições deste que são aplicáveis. A Irlanda salienta que, se a Comissão obtiver ganho de causa no presente processo, o princípio da plena concorrência, como concebido pela Comissão, impõe‑se a todos os Estados‑Membros, independentemente daquilo que esteja previsto na sua própria legislação fiscal.

59

A Comissão considera que a argumentação desenvolvida pela Irlanda não procede. Esta argumentação, que em grande parte se baseia numa leitura errada e enviesada do acórdão recorrido, é, seja como for, improcedente.

60

No que se refere, em primeiro lugar, à quinta parte do primeiro fundamento, a Comissão alega que, uma vez que a argumentação da Irlanda visa contestar as constatações do Tribunal Geral que figuram no n.o 145 do acórdão recorrido, segundo as quais, ao abrigo do Código dos Impostos, primeiro, a tributação das sociedades integradas e das sociedades autónomas no Luxemburgo é idêntica no que se refere ao imposto sobre as sociedades e, segundo, o direito luxemburguês visa tributar o lucro que resulta da atividade económica dessa sociedade integrada como se resultasse de transações realizadas a preços de mercado, a referida argumentação se destina, em definitivo, a pôr em causa constatações que não podem ser objeto de reexame no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

61

A Comissão considera que, seja como for, aquilo que importa no caso em apreço não é saber se o direito fiscal e o direito das sociedades procedem frequentemente a uma distinção entre as sociedades autónomas e as sociedades de grupo, mas se estes direitos procedem a uma distinção entre estas sociedades quando haja que determinar o respetivo lucro tributável no âmbito do sistema geral do imposto sobre as sociedades. Como o Tribunal Geral constatou acertadamente no n.o 145 do acórdão recorrido, o Código dos Impostos não procede a semelhante distinção. Foi assim com razão que o Tribunal Geral constatou que a legislação fiscal luxemburguesa visa tributar o lucro que resulta da atividade económica de tal sociedade integrada como se este resultasse de transações realizadas a preços de mercado.

62

Em segundo lugar, a Comissão alega, em resposta à sexta acusação do primeiro fundamento do presente recurso interposto pela Irlanda, que foi de modo juridicamente bastante que o Tribunal Geral se baseou no Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), para concluir que, quando o sistema fiscal de um Estado‑Membro trata do mesmo modo em matéria de imposto sobre as sociedades as sociedades que pertencem a um grupo e as sociedades autónomas, uma medida em matéria de preços de transferência que permite que uma sociedade de grupo valorize as suas transações intragrupo abaixo do nível da plena concorrência concede uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

63

O critério de referência que o Tribunal de Justiça aplicou para constatar a existência de uma vantagem nos n.os 95 e 96 naquele acórdão é precisamente o mesmo que a Comissão apresentou na secção 7.2.2.1 da decisão controvertida e que o Tribunal Geral avalizou nos n.os 141 e 145 do acórdão recorrido, a saber, o tratamento das sociedades autónomas no âmbito das regras fiscais de direito comum. Segundo a Comissão, não há dúvidas de que o Tribunal de Justiça aplicou assim, no Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), o princípio da plena concorrência. Ainda que este princípio não esteja expressamente mencionado neste acórdão, a Comissão considera que a utilização das expressões «que exerça as suas atividades em condições de livre concorrência», no n.o 95 do referido acórdão, e «preços de transferência», no n.o 96 do mesmo acórdão, não permite que se faça uma interpretação diversa.

64

Em terceiro lugar, a Comissão indica, em resposta ao quinto fundamento, que apreciou a decisão antecipada em causa à luz do regime geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo e que, se o acórdão recorrido for confirmado no que se refere à constatação relativa à existência de uma vantagem seletiva, tal significa apenas que os Estados‑Membros que tributam as sucursais ou as filiais das sociedades multinacionais ao abrigo das suas regras comuns como se se tratasse de entidades distintas não podem escapar ao controlo das suas decisões fiscais antecipadas sob a perspetiva da regulamentação dos auxílios de Estado apenas pelo facto de a sua legislação nacional não codificar expressamente os critérios objetivos de atribuição dos lucros a essas sucursais ou filiais.

b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

1) Considerações preliminares

65

Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as intervenções dos Estados‑Membros nos domínios que não foram objeto de harmonização no direito da União não estão excluídas do âmbito de aplicação das disposições do Tratado FUE relativas ao controlo dos auxílios de Estado. Os Estados‑Membros devem assim abster‑se de adotar qualquer medida fiscal que possa constituir um auxílio de Estado que seja incompatível com o mercado interno (Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 26 e jurisprudência referida).

66

A este respeito, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os seguintes requisitos. Primeiro, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou de uma intervenção realizada através de recursos do Estado. Segundo, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Terceiro, essa intervenção deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Quarto, essa intervenção deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 30 e jurisprudência referida).

67

No que respeita ao requisito respeitante à seletividade da vantagem, este impõe que se determine se, no âmbito de um determinado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras, que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, numa situação factual e jurídica comparável e que estão assim sujeitas a uma tratamento diferenciado que pode, em substância, ser qualificado de discriminatório (Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 28 e jurisprudência referida).

68

Para qualificar uma medida fiscal nacional de «seletiva», a Comissão tem de identificar, num primeiro momento, o sistema de referência, a saber, o regime fiscal «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, e demonstrar, num segundo momento, que a medida fiscal em causa derroga este sistema de referência, uma vez que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, atendendo ao objetivo prosseguido por este último, numa situação factual e jurídica comparável. O conceito de «auxílio de Estado» não visa, contudo, as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável e, por conseguinte, a priori seletivas, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar, num terceiro momento, que esta diferenciação se justifica, no sentido de que resulta da natureza ou da estrutura do sistema em que estas medidas se inscrevem (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida).

69

A este respeito, há que recordar que a determinação do quadro de referência reveste uma importância acrescida no caso das medidas fiscais, porque a existência de uma vantagem económica, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, só pode ser afirmada em relação a uma tributação dita «normal». Assim, a determinação de todas as empresas que se encontram numa situação factual e jurídica comparável depende da definição prévia do regime jurídico à luz de cujo objetivo deve, sendo caso disso, ser examinada a comparabilidade da situação factual e jurídica respetiva das empresas que são beneficiadas pela medida em causa e daquelas que não o são (Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 60 e jurisprudência referida).

70

Há, no entanto, que precisar que a técnica regulamentar não pode ser decisiva para provar a seletividade de uma medida fiscal, pelo que nem sempre é necessário que esta tenha revestido uma natureza derrogatória face a um regime fiscal comum ou normal. Com efeito, como resulta nomeadamente do n.o 101 do Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), mesmo uma medida que não tenha formalmente natureza derrogatória e que se baseie em critérios, em si mesmos, de natureza geral, pode ser seletiva se provocar, de facto, uma discriminação entre sociedades que se encontram numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal em causa (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.os 32 e 33 e jurisprudência referida).

71

Para efeitos da apreciação do caráter seletivo de uma medida fiscal, é assim necessário que o regime fiscal comum ou o sistema de referência aplicável no Estado‑Membro em causa esteja corretamente identificado na decisão da Comissão e seja examinado pelo juiz chamado a conhecer de uma contestação relativa a essa identificação. Constituindo a determinação do sistema o ponto de partida do exame comparativo que deve ser realizado no contexto da apreciação da seletividade, um erro cometido no momento em que feita esta determinação é efetuada vicia necessariamente toda a análise da condição relativa à seletividade (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 61 e jurisprudência referida).

72

Neste contexto, em primeiro lugar, há que especificar que a determinação do quadro de referência, que deve ser efetuada no final de um debate contraditório com o Estado‑Membro em causa, deve decorrer de um exame objetivo do conteúdo, da articulação e dos efeitos concretos das normas aplicáveis ao abrigo do direito nacional desse Estado (Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 62 e jurisprudência referida).

73

Em segundo lugar, fora dos domínios nos quais o direito fiscal da União é objeto de harmonização, é o Estado‑Membro em causa que determina, através do exercício das suas competências próprias em matéria de fiscalidade direta e no respeito da sua autonomia fiscal, as características constitutivas do imposto, as quais definem, em princípio, o sistema de referência ou o regime fiscal «normal», a partir do qual há que analisar o requisito relativo à seletividade. É o que sucede nomeadamente com a determinação da matéria coletável do imposto e com o seu facto gerador (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.os 38 e 39 e Comissão/Hungria, C‑596/19 P, EU:C:2021:202, n.os 44 e 45).

74

Daqui resulta que só o direito nacional aplicável no Estado‑Membro em causa deve ser tomado em consideração para identificar o sistema de referência em matéria de fiscalidade direta, constituindo esta própria identificação um requisito prévio indispensável para apreciar não só a existência de uma vantagem mas também a questão de saber se esta reveste uma natureza seletiva.

75

No caso em apreço, a argumentação da Irlanda sintetizada nos n.os 56 a 58 do presente acórdão suscita a questão de saber se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando confirmou, pelos motivos recordados nos n.os 30 a 36 do referido acórdão, o sistema de referência adotado pela Comissão na decisão controvertida.

76

A este respeito, há que salientar que, nos termos do considerando 228 da decisão controvertida, a Comissão entendeu que o princípio da plena concorrência faz necessariamente parte da apreciação, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, das medidas fiscais concedidas a empresas de um grupo, independentemente da questão de saber se um Estado‑Membro incorporou este princípio no seu sistema jurídico nacional.

77

A Comissão indicou, no mesmo considerando 228, que este princípio da plena concorrência é aplicado para determinar se os lucros tributáveis de uma sociedade pertencente a um grupo para efeitos do cálculo do imposto sobre as sociedades foram calculados aplicando um método que se aproxima das condições de mercado, a fim de que essa sociedade não beneficie de um tratamento mais favorável, em aplicação do sistema geral do imposto sobre as sociedades, do que aquele que é reservado às sociedades não integradas cujos lucros tributáveis são determinados pelo mercado.

78

Por outro lado, resulta da sistemática da decisão controvertida, especialmente da análise do sistema de referência efetuada nos seus considerandos 193 a 209, que a Comissão tomou em consideração a circunstância de que o sistema geral de tributação das sociedades no Luxemburgo não procede a uma distinção entre as sociedades integradas e as sociedades não integradas, uma vez que este sistema tem por objetivo tributar todas as sociedades residentes.

79

Foi à luz destas considerações que o Tribunal Geral, por seu lado, indicou, no n.o 161 do acórdão recorrido, que a afirmação que figura no considerando 228 da decisão controvertida, segundo o qual o princípio da plena concorrência é um princípio geral de igualdade de tratamento em matéria de tributação que é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, não devia ser isolada do seu contexto e não podia ser interpretada no sentido de que a Comissão afirmou que existe um princípio geral de igualdade de tratamento perante o imposto inerente ao artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

80

Como resulta do n.o 141 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que o princípio da plena concorrência é aplicável quando o direito fiscal nacional pertinente não faz nenhuma distinção entre as «empresas» integradas e as «empresas» autónomas para efeitos de sujeição ao imposto sobre as sociedades, dado que, nesta hipótese, este direito pretende tributar o lucro resultante da atividade económica de tal «empresa» integrada como se resultasse de transações efetuadas a preços de mercado. Tendo sido identificado este fundamento jurídico, o Tribunal Geral considerou, em substância, no n.o 145 do acórdão recorrido, que este princípio era aplicável ao caso em apreço, uma vez que o Código dos Impostos visava tributar as sociedades integradas e as sociedades autónomas do mesmo modo a título do imposto sobre as sociedades.

2) Quanto à existência de um erro de direito quando da determinação do regime fiscal «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa

81

Há que começar por afastar a argumentação da Comissão segundo a qual a recorrente, através das suas acusações, contesta na realidade as constatações do Tribunal Geral relativas ao direito nacional aplicável, que figuram nomeadamente no n.o 145 do acórdão recorrido, constatações de facto que não podem ser objeto de reexame no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral ao abrigo da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

82

É certo que, no que se refere ao exame, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, das apreciações deste último sobre o direito nacional, que, no domínio dos auxílios de Estado, constituem apreciações de facto, o Tribunal de Justiça só é competente para verificar se este direito foi desvirtuado [Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 78 e jurisprudência referida].

83

No entanto, no presente caso, através da argumentação que desenvolve, a Irlanda não pretende questionar a interpretação do direito nacional feita pelo Tribunal Geral, antes convidando o Tribunal de Justiça a determinar se foi sem cometer um erro de direito que o Tribunal Geral fez sua a delimitação do quadro de referência pertinente como parâmetro decisivo para efeitos do exame da existência de uma vantagem seletiva, sem ter em conta as regras específicas previstas no direito luxemburguês em matéria de preços de transferência aplicáveis às sociedades integradas.

84

Com efeito, a Irlanda limita‑se a contestar a aplicação que o Tribunal Geral fez do critério jurídico que visa determinar se uma decisão fiscal antecipada como a que está em causa confere uma vantagem seletiva.

85

Ora, a questão de saber se o Tribunal Geral delimitou adequadamente o sistema de referência pertinente e, por extensão, aplicou corretamente um critério jurídico, como o princípio da plena concorrência, é uma questão de direito que pode ser fiscalizada pelo Tribunal de Justiça na fase de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral. Com efeito, os argumentos por meio dos quais é questionada a escolha do sistema de referência no âmbito da primeira etapa da análise da existência de uma vantagem seletiva são admissíveis, porque esta análise decorre de uma qualificação jurídica do direito nacional que se baseia numa disposição do direito da União [v., por analogia, Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.os 80 e 81].

86

No que se refere ao mérito da argumentação da Irlanda, há que recordar que, como resulta, em substância, do considerando 210 da decisão controvertida, a FFT e o Grão‑Ducado do Luxemburgo alegaram perante a Comissão que o sistema de referência devia incluir apenas as sociedades de grupo, ou as sociedades de grupo que exerçam atividades de financiamento, abrangidas pelo artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos, pelo que a decisão antecipada em causa devia ser comparada com as decisões antecipadas respeitantes ao período 2010‑2013 e que diziam respeito a outros 21 contribuintes, que lhe foram comunicadas em 15 de janeiro de 2014. Segundo o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT, uma vez que o tratamento concedido à FFT era conforme com o artigo 164, n.o 3, do Código dos Impostos luxemburguês, com a Circular n.o 164/2 e com a prática administrativa na matéria, não era concedida nenhuma vantagem seletiva ao abrigo desta decisão antecipada.

87

A Comissão considerou, no entanto, nos considerandos 211 a 215 da decisão controvertida, que não havia que tomar estas disposições específicas em consideração para determinar qual era o sistema de referência pertinente, tendo indicado, para este efeito, que semelhante tomada em consideração seria contrária ao objetivo do sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo, que esta Instituição já havia identificado, nos considerandos 193 a 209 da decisão controvertida, como sistema de referência. No caso em apreço, a Comissão considerou que este sistema tinha por objetivo tributar os lucros de todas as sociedades que estão sob a sua competência fiscal, quer se trate de sociedades integradas ou de sociedades não integradas (considerandos 198 e 212 da decisão controvertida).

88

A Comissão indicou que não ia examinar se a decisão antecipada em causa respeitava o princípio da plena concorrência como definido no artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos ou na Circular n.o 164/2 (considerando 229 da decisão controvertida). Com efeito, se se pudesse demonstrar que o método aprovado pela administração fiscal luxemburguesa através desta decisão antecipada para efeitos da determinação dos lucros tributáveis da FFT no Luxemburgo se afastava de um método que conduz a uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado e, por conseguinte, do princípio da plena concorrência, considerar‑se‑ia que a referida decisão conferia uma vantagem seletiva à FFT na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (considerando 231 da decisão controvertida).

89

Resulta dos n.os 149 a 151 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral homologou a metodologia da Comissão que consistiu, em substância, em considerar que, perante um sistema fiscal que prossegue o objetivo de tributar os lucros de todas as sociedades residentes, quer sejam ou não integradas, a aplicação do princípio da plena concorrência para efeitos da aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE se justifica independentemente da incorporação deste princípio no direito nacional.

90

Há assim que determinar se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando validou a abordagem da Comissão que consistiu, em substância, em não tomar este princípio em consideração, como previsto no artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e especificado na Circular n.o 164/2 que o concretiza, no âmbito do exame levado a cabo ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, especialmente quando definiu o sistema de referência a fim de determinar se a decisão antecipada em causa conferiu uma vantagem seletiva a quem dela beneficiou.

91

A este respeito, quando afastou a pertinência do artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos luxemburguês e da Circular n.o 164/2, a Comissão aplicou um princípio da plena concorrência diferente daquele que é definido em direito luxemburguês. A Comissão limitou‑se assim a identificar, no objetivo prosseguido pelo sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo, a expressão abstrata deste princípio e a examinar a decisão antecipada em causa sem tomar em consideração o modo como o referido princípio está concretamente incorporado neste direito no que se refere especialmente às sociedades integradas.

92

Ao homologar semelhante abordagem, o Tribunal Geral não tomou em consideração o requisito previsto na jurisprudência acima referida nos n.os 68 a 74 do presente acórdão, segundo o qual, a fim de determinar se, devido a uma medida fiscal, uma empresa obteve uma vantagem seletiva, a Comissão tem de proceder a uma comparação com o sistema de tributação habitualmente aplicável no Estado‑Membro em causa, no final de um exame objetivo do conteúdo, da articulação e dos efeitos concretos das normas aplicáveis ao abrigo do direito nacional desse Estado. Ao atuar deste modo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando aplicou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

93

É certo, e todas as partes estão de acordo quanto a este facto, que o direito nacional aplicável às sociedades no Luxemburgo visa, em matéria de tributação das sociedades integradas, conduzir a uma aproximação fiável do preço de mercado. Embora este objetivo corresponda, regra geral, ao do princípio da plena concorrência, a verdade é que, não havendo harmonização no direito da União, as modalidades concretas da aplicação deste princípio são definidas pelo direito nacional e devem ser tomadas em consideração para identificar o quadro de referência para efeitos da determinação da existência de uma vantagem seletiva.

94

Além disso, ao aceitar, no n.o 113 do acórdão recorrido, que a Comissão possa invocar regras que não fazem parte do direito luxemburguês, embora tenha recordado, no n.o 112 desse acórdão, que esta Instituição não dispunha, nesta fase do desenvolvimento do direito da União, de uma competência que lhe permita definir de maneira autónoma a tributação dita «normal» de uma empresa integrada, fazendo abstração das regras fiscais nacionais, o Tribunal Geral violou as disposições do Tratado FUE relativas à adoção pela União Europeia de medidas de aproximação das legislações dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade direta, especialmente o artigo 114.o, n.o 2, TFUE e o artigo 115.o TFUE. Com efeito, a autonomia de um Estado‑Membro em matéria de fiscalidade direta, como reconhecida por jurisprudência constante, recordada no n.o 73 do presente acórdão, só pode ser plenamente assegurada se, fora de qualquer medida de aproximação deste tipo, o exame efetuado ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE não se basear exclusivamente nas regras de tributação normais adotadas pelo legislador do Estado‑Membro em causa.

95

A este respeito, há que sublinhar, em primeiro lugar, que, não havendo harmonização a este respeito, a eventual fixação dos métodos e dos critérios que permitem determinar um resultado de «plena concorrência» se enquadra no poder de apreciação dos Estados‑Membros. Embora os Estados‑Membros da OCDE reconheçam o mérito do recurso ao princípio da plena concorrência para determinar a atribuição correta dos lucros das sociedades entre diferentes países, existem diferenças significativas entre estes Estados no âmbito da aplicação detalhada dos métodos de determinação dos preços de transferência. Como a própria Comissão recordou no considerando 88 da decisão controvertida, as Orientações da OCDE enumeram cinco métodos para provar uma aproximação dos preços de plena concorrência para as transações e da distribuição dos lucros entre as sociedades integradas.

96

Por outro lado, ainda que se admita que existe, no domínio da fiscalidade internacional, um certo consenso segundo o qual as transações entre sociedades economicamente ligadas, especialmente as transações intragrupo, devem ser apreciadas para efeitos fiscais como se tivessem sido realizadas entre sociedades economicamente independentes, e que, por conseguinte, numerosas autoridades nacionais competentes em matéria fiscal se inspiram nas Orientações da OCDE para elaborar e controlar os preços de transferência, só são pertinentes, sem prejuízo dos desenvolvimentos constantes dos n.os 120 a 122 do presente acórdão, as disposições nacionais para efeitos da análise da questão de saber se determinadas transações devem ser examinadas à luz do princípio da plena concorrência e, sendo caso disso, se os preços de transferência, que constituem a matéria coletável dos rendimentos tributáveis devidos por um contribuinte e a sua repartição entre os Estados em causa, se afastam ou não de um resultado de plena concorrência. Não podem assim ser tomados em consideração, no âmbito do exame da existência de uma vantagem fiscal seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, e para efeitos da determinação da carga fiscal que habitualmente onera uma empresa, parâmetros e regras externas ao sistema fiscal nacional em causa, exceto se este último a eles se referir expressamente.

97

Esta constatação constitui uma expressão do princípio da legalidade do imposto, que faz parte do ordenamento jurídico da União como princípio geral do direito, que exige que todas as obrigações de pagamento de um imposto e todos os elementos essenciais que definem as suas características fundamentais estejam previstos na lei, devendo ser dada ao sujeito passivo a possibilidade de prever e de calcular o montante do imposto devido e determinar em que momento este lhe será exigível (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Związek Gmin Zagłębia Miedziowego, C‑566/17, EU:C:2019:390, n.o 39).

98

Em segundo lugar, o Grão‑Ducado do Luxemburgo indicou na audiência que, além da circunstância de as Orientações da OCDE não serem vinculativas para os Estados que são membros desta organização, a Circular n.o 164/2 que interpreta o artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos prevê regras específicas para calcular os preços de transferência no que se refere às sociedades de financiamento de grupo, como a FFT, que exigem que as atividades relacionadas com a detenção de participações não sejam tomadas em consideração para calcular estes preços. O considerando 79 da decisão controvertida, que figura na secção 2.3.2 desta última e que contém uma descrição do conteúdo da referida circular, confirma que este Estado‑Membro previu regras específicas para determinar uma remuneração de plena concorrência relativamente a essas sociedades e que foi dado conhecimento destas regras à Comissão no âmbito do procedimento administrativo.

99

Contudo, a análise do sistema de referência e, por extensão, da existência de uma vantagem seletiva conferida à FFT, efetuada pela Comissão, como validada pelo Tribunal Geral, não toma em consideração estas escolhas normativas, que visam especificar o âmbito do princípio da plena concorrência e a sua implementação no direito luxemburguês.

100

A este respeito, há que salientar que, em resposta a uma questão colocada na audiência, a Comissão indicou que, na decisão antecipada em causa, a administração fiscal luxemburguesa «aplicou erradamente as regras que habitualmente aplica» no que se refere ao princípio da plena concorrência e ao cálculo dos preços de transferência. Há, no entanto, que constatar que, na decisão controvertida, a Comissão, cuja abordagem foi confirmada pelo Tribunal Geral, se absteve de examinar a maneira como o princípio da plena concorrência, como consagrado em substância no artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos, tinha sido interpretado e aplicado.

101

O Tribunal Geral validou expressamente esta análise no n.o 146 do acórdão recorrido quando indicou que não se podia censurar a Comissão por ter utilizado um método de determinação dos preços de transferência que considerava apropriado no caso concreto, a fim de examinar o nível dos preços de transferência para uma transação, ou várias transações estreitamente ligadas, que faz parte da medida controvertida, bem como no n.o 147 do mesmo acórdão, no qual sublinhou que as Orientações da OCDE nas quais a Comissão se inspirou «se base[ava]m em trabalhos importantes realizados por grupos de peritos de renome», que «reflet[ia]m o consenso alcançado à escala internacional em relação aos preços de transferência» e que «revest[iam] uma importância prática indubitável na interpretação das questões relativas aos preços de transferência».

102

Em terceiro lugar, ao contrário daquilo que o Tribunal Geral considerou no n.o 142 do acórdão recorrido, o Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), não corrobora a posição segundo a qual o princípio da plena concorrência é aplicável quando o direito fiscal nacional tributa de maneira idêntica as sociedades integradas e as sociedades autónomas, independentemente da questão de saber se, e em que medida, este princípio está incorporado neste direito.

103

Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, quando um Estado‑Membro tenha optado por incorporar no seu direito nacional um método de determinação do lucro tributável das sociedades integradas análogo ao método «cost plus» da OCDE e que se destina assim a tributar estas sociedades a partir de uma base comparável àquela que resultaria da aplicação do regime de direito comum, esse Estado concede uma vantagem económica às referidas sociedades se nesse método incluir disposições que têm por efeito aligeirar a carga fiscal que em princípio essas mesmas sociedades deveriam suportar em aplicação do referido regime.

104

Assim, no referido acórdão, foi à luz das regras de tributação enunciadas no direito nacional pertinente, a saber, o direito belga, que previam um mecanismo de tributação dos lucros de acordo com o método «cost plus» da OCDE, que o Tribunal de Justiça concluiu que havia que recorrer ao princípio da plena concorrência. Assim, do mesmo acórdão não se pode deduzir que o Tribunal de Justiça pretendeu consagrar um princípio autónomo da plena concorrência que se aplica independentemente da incorporação deste último no direito nacional para efeitos do exame das medidas de natureza fiscal no âmbito da aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

105

De todas estas considerações resulta que os fundamentos do acórdão recorrido relativos ao exame do raciocínio seguido a título principal pela Comissão, segundo o qual a decisão antecipada em causa derrogou o sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo, recordados nos n.os 17 a 20 do presente acórdão, padecem de um erro de direito por o Tribunal Geral ter validado a abordagem da Comissão que, em substância, consistiu em não tomar em consideração o princípio da plena concorrência como previsto no artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e especificado na Circular n.o 164/2 que o concretiza, quando definiu o sistema de referência no âmbito do exame levado a cabo ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, para determinar se a decisão antecipada em causa concede uma vantagem seletiva à empresa que dela beneficiou.

106

No entanto, há que examinar se o erro de direito cometido pelo Tribunal Geral é suscetível de conduzir à anulação do acórdão recorrido.

107

Com efeito, a Comissão alegou que eventuais erros de que padeçam os n.os 125 a 286 do acórdão recorrido não são suscetíveis de conduzir à anulação do acórdão recorrido se a análise do Tribunal Geral que figura nos n.os 290 a 299 deste acórdão vier a ser confirmada.

108

Assim, a Comissão considera que o presente recurso é inoperante na medida em que, admitindo‑se que um dos fundamentos invocados venha a ser julgado procedente, tal circunstância não pode conduzir à anulação do acórdão recorrido. Com efeito, a decisão controvertida contém um raciocínio subsidiário que assenta no artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e na Circular n.o 164/2, cuja homologação pelo Tribunal Geral não foi de modo nenhum contestada pela Irlanda.

109

A este respeito, há que salientar que, pelos motivos retomados nos n.os 290 a 299 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral validou, em substância, o raciocínio formulado «a título subsidiário» pela Comissão nos considerandos 315 a 317 da decisão controvertida, segundo o qual a decisão antecipada em causa derrogou o sistema de referência constituído pelo artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e pela Circular n.o 164/2.

110

Embora a Irlanda não tenha questionado diretamente os fundamentos retomados neste excerto do acórdão recorrido, não se pode, no entanto, considerar, como a Comissão alega, que o presente recurso deve ser julgado inoperante, por a argumentação desenvolvida pela Irlanda não ser suscetível de influenciar o dispositivo do acórdão recorrido.

111

Com efeito, como o advogado‑geral salientou no n.o 42 das suas conclusões, o raciocínio que figura nos n.os 290 a 299 do acórdão recorrido não contém uma análise destacável e autónoma face à que decorre do sistema de referência seguido pela Comissão a título principal e não permite assim sanar o erro de que este último padece. A Comissão constatou efetivamente, no considerando 317 da decisão controvertida, que a decisão antecipada tinha provocado uma diminuição do montante do imposto exigível à FFT «relativamente à situação em que o princípio da plena concorrência enunciado [no artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos] teria sido corretamente aplicado». No entanto, como o Tribunal Geral salientou no n.o 294 do acórdão recorrido, a Comissão remeteu, no que se refere a esta aplicação correta, para a sua análise principal do sistema de referência assente no sistema geral de tributação das sociedades no Luxemburgo.

112

Daqui resulta que o raciocínio no qual a Comissão se baseou a título subsidiário só aparentemente retifica o erro que cometeu na identificação do sistema de referência que devia ter constituído a base da sua análise relativa à existência de uma vantagem seletiva. Nestas circunstâncias, o erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na sua análise do raciocínio seguido a título principal pela Comissão a respeito do sistema de referência também vicia a sua análise do raciocínio subsidiário que a decisão controvertida contém sobre este aspeto.

113

Do que precede resulta que há que julgar procedentes a quinta e sexta partes do primeiro fundamento, bem como o quinto fundamento e, por conseguinte, há que anular o acórdão recorrido, não sendo necessário que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre as outras partes do primeiro fundamento nem sobre os outros fundamentos do presente recurso.

B. Quanto ao recurso interposto no processo C‑885/19 P

114

Atendendo à anulação do acórdão recorrido, não há que conhecer do mérito do recurso interposto pela FFT.

VI. Quanto aos recursos interpostos no Tribunal Geral

115

Em conformidade com o disposto no artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

116

É o que sucede no presente caso, uma vez que os fundamentos dos recursos de anulação da decisão controvertida que foram objeto de contraditório perante o Tribunal Geral e o respetivo exame não necessitam de medidas suplementares de organização do processo nem de medidas de instrução.

117

A este respeito, basta salientar que, pelos motivos enunciados nos n.os 81 a 112 do presente acórdão, a decisão controvertida deve ser anulada por a Comissão ter cometido um erro de direito quando constatou que existia uma vantagem seletiva à luz de um quadro de referência que incluía um princípio da plena concorrência que não resulta de um exame completo do direito fiscal nacional pertinente, no final de um debate contraditório a este respeito com o Estado‑Membro em causa, e que violou assim também as disposições do Tratado FUE relativas à adoção pela União de medidas de aproximação das legislações dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade direta, especialmente o artigo 114.o, n.o 2, TFUE e o artigo 115.o TFUE.

118

Como resulta da jurisprudência recordada no n.o 71 do presente acórdão, semelhante erro na determinação das regras efetivamente aplicáveis ao abrigo do direito nacional pertinente e, por conseguinte, na identificação da tributação dita «normal» à luz da qual a decisão antecipada em causa devia ser examinada vicia necessariamente todo o raciocínio relativo à existência de uma vantagem seletiva.

119

No entanto, semelhante constatação não exclui que medidas de fiscalidade direta, como as decisões fiscais antecipadas concedidas pelos Estados‑Membros, possam ser qualificadas de auxílios de Estado se todos os outros requisitos de aplicação do artigo 107, n.o 1, TFUE recordados no n.o 66 do presente acórdão estiverem preenchidos.

120

Com efeito, como foi recordado no n.o 65 do presente acórdão, as intervenções dos Estados‑Membros nos domínios que não foram objeto de harmonização no direito da União não estão excluídas do âmbito de aplicação das disposições do Tratado FUE relativas ao controlo dos auxílios de Estado.

121

Assim, os Estados‑Membros devem exercer a sua competência em matéria de fiscalidade direta, como a que detêm em matéria de adoção de decisões fiscais antecipadas, no respeito do direito da União e, nomeadamente, das regras instituídas pelo Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado. Devem, por conseguinte, abster‑se, no exercício desta competência, de adotar medidas suscetíveis de constituir auxílios de Estado incompatíveis com o mercado interno, na aceção do artigo 107.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 2021, Comissão/Bélgica e Magnetrol International, C‑337/19 P, EU:C:2021:741, n.os 161 e 162 e jurisprudência referida).

122

Em especial, depois de ter observado que um Estado‑Membro optou por aplicar o princípio da plena concorrência para determinar os preços de transferência das sociedades integradas, a Comissão, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 70 do presente acórdão, deve poder determinar que os parâmetros previstos no direito nacional na matéria são manifestamente incoerentes com o objetivo de tributação não discriminatória de todas as sociedades residentes, independentemente de serem ou não integradas, prosseguido pelo sistema fiscal nacional, conduzindo sistematicamente a uma subavaliação dos preços de transferência aplicáveis às sociedades integradas ou a algumas delas, como as sociedades de financiamento, em relação a preços de mercado para operações comparáveis efetuadas por sociedades não integradas.

123

Ora, no presente caso, como se concluiu no n.o 105 do presente acórdão, a Comissão não realizou esse exame na decisão controvertida, uma vez que a sua grelha de análise não incluiu todas as normas pertinentes que implementam o princípio da plena concorrência ao abrigo do direito luxemburguês.

124

De todas estas considerações resulta que há que julgar procedentes a primeira e terceira partes do primeiro fundamento apresentado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo no processo T‑755/15, bem como a primeira acusação do primeiro fundamento invocada pela FFT no processo T‑759/15. Por conseguinte, há que anular a decisão controvertida, não sendo necessário examinar os demais fundamentos dos recursos de anulação.

VII. Quanto às despesas

125

Por força do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

126

O artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável a um recurso de decisão do Tribunal Geral ao abrigo do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

127

No caso em apreço, no que se refere ao recurso interposto no processo C‑898/19 P, tendo a Irlanda obtido ganho de causa, há que, em conformidade com o que requereu, condenar a Comissão a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Irlanda.

128

No que se refere ao recurso interposto no processo C‑885/19 P, nos termos do artigo 149.o do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do disposto no seu artigo 190.o, em caso de não conhecimento do mérito, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Em conformidade com o disposto no artigo 142.o do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do disposto no seu artigo 184.o, neste caso, o Tribunal de Justiça decide livremente sobre as despesas. No caso em apreço, há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas relativas ao recurso interposto no processo C‑885/19 P.

129

Por outro lado, tendo os recursos interpostos no Tribunal Geral sido julgados procedentes, a Comissão é condenada a suportar a totalidade das despesas relativas ao processo que correu na primeira instância.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

Os processos C‑885/19 P e C‑898/19 P são apensados para efeitos do acórdão.

 

2)

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de setembro de 2019, Luxemburgo e Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (T‑755/15 e T‑759/15, EU:T:2019:670), é anulado.

 

3)

A Decisão (UE) 2016/2326 da Comissão, de 21 de outubro de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.38375 (2014/C ex 2014/NN) concedido pelo Luxemburgo à Fiat, é anulada.

 

4)

Não há que conhecer do mérito do recurso do acórdão do Tribunal Geral interposto no processo C‑885/19 P.

 

5)

Cada uma das partes suporta as suas próprias despesas no processo C‑885/19 P.

 

6)

A Comissão Europeia é condenada nas despesas do recurso do acórdão do Tribunal Geral no processo C‑898/19 P.

 

7)

A Comissão Europeia é condenada nas despesas do processo em primeira instância.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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