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Document 62019CJ0884

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 2 de dezembro de 2021.
Comissão Europeia e GMB Glasmanufaktur Brandenburg GmbH contra Xinyi PV Products (Anhui) Holdings Ltd.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Dumping — Importações de vidro solar originário da China — Regulamento (CE) n.o 1225/2009 — Artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c) — Tratamento de empresa que opera em condições de economia de mercado — Recusa — Conceito de “distorções importantes, herdadas do antigo sistema de economia centralizada”, na aceção do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão — Benefícios fiscais.
Processos apensos C-884/19 P e C-888/19 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:973

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

2 de dezembro de 2021 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Dumping — Importações de vidro solar originário da China — Regulamento (CE) n.o 1225/2009 — Artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c) — Tratamento de empresa que opera em condições de economia de mercado — Recusa — Conceito de “distorções importantes, herdadas do antigo sistema de economia centralizada”, na aceção do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão — Benefícios fiscais»

Nos processos apensos C‑884/19 P e C‑888/19 P,

que têm por objeto dois recursos de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos em 3 e 4 de dezembro de 2019,

Comissão Europeia, representada inicialmente por L. Flynn, T. Maxian Rusche e A. Demeneix, e em seguida por L. Flynn e T. Maxian Rusche, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Xinyi PV Products (Anhui) Holdings Ltd, com sede em Anhui (China), representada por Y. Melin e B. Vigneron, avocats,

recorrente em primeira instância,

GMB Glasmanufaktur Brandenburg GmbH, com sede em Tschernitz (Alemanha), representada por R. MacLean, solicitor,

interveniente em primeira instância (C‑884/19 P),

e

GMB Glasmanufaktur Brandenburg GmbH, com sede em Tschernitz (Alemanha), representada por R. MacLean, solicitor,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Xinyi PV Products (Anhui) Holdings Ltd, com sede em Anhui (China), representada por Y. Melin e B. Vigneron, avocats,

recorrente em primeira instância,

Comissão Europeia, representada inicialmente por L. Flynn, T. Maxian Rusche e A. Demeneix, e em seguida por L. Flynn e T. Maxian Rusche, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância (C‑888/19 P),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, S. Rodin e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de julho de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

Com os respetivos recursos, a Comissão Europeia e a GMB Glasmanufaktur Brandenburg GmbH (a seguir «GMB») pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de setembro de 2019, Xinyi PV Products (Anhui) Holdings/Comissão (T‑586/14 RENV, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2019:668), através do qual o Tribunal Geral anulou o Regulamento de Execução (UE) n.o 470/2014 da Comissão, de 13 de maio de 2014, que institui um direito antidumping definitivo e estabelece a cobrança definitiva do direito provisório instituído sobre as importações de vidro solar originário da República Popular da China (JO 2014, L 142, p. 1, e retificação no JO 2014, L 253, p. 4, a seguir «regulamento controvertido»).

Quadro jurídico

Acordo antidumping

2

Com a Decisão 94/800/CE, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO 1994, L 336, p. 1), o Conselho da União Europeia aprovou o Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marrakech em 15 de abril de 1994, bem como os acordos que figuram nos anexos 1 a 3 desse acordo, entre os quais figura o Acordo sobre a aplicação do artigo VI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 (JO 1994, L 336, p. 103, a seguir «Acordo antidumping»).

3

O artigo 2.o do Acordo antidumping enuncia as regras que regulam a «[d]eterminação de dumping».

Direito da União

4

À data dos factos na origem do litígio, as disposições que regulavam a adoção de medidas antidumping pela União Europeia figuravam no Regulamento (CE) n.o 1225/2009 do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da Comunidade Europeia (JO 2009, L 343, p. 51, e retificação no JO 2010, L 7, p. 22, a seguir «regulamento de base»).

5

Nos termos do considerando 6 do regulamento de base:

«Na determinação do valor normal para países que não tenham uma economia de mercado, afigura‑se prudente estabelecer regras para a escolha adequada do país terceiro com economia de mercado que será utilizado para o efeito e, sempre que não seja possível encontrar um país terceiro adequado, dispor que o valor normal pode ser estabelecido numa base razoável.»

6

O artigo 2.o, n.os 1 a 6, deste regulamento estabelece as regras aplicáveis à determinação do valor normal.

7

O artigo 2.o, n.o 7, do referido regulamento dispõe:

«a)

No caso de importações provenientes de países que não têm uma economia de mercado [([i]ncluindo a Albânia, a Arménia, o Azerbaijão, a Bielorrússia, a Coreia do Norte, a Geórgia, a Moldávia, a Mongólia, o Quirguizistão, o Tajiquistão, o Turquemenistão e o Usbequistão)], o valor normal é determinado com base no preço ou no valor calculado num país terceiro com economia de mercado ou no preço desse país terceiro para outros países, incluindo países da Comunidade, ou, sempre que tal não seja possível, a partir de qualquer outra base razoável, incluindo o preço efetivamente pago ou a pagar na Comunidade pelo produto similar, devidamente ajustado, se necessário, a fim de incluir uma margem de lucro razoável.

[…]

b)

Nos inquéritos antidumping relativos a importações originárias da República Popular da China, do Vietname e do Cazaquistão, bem como de todos os países sem economia de mercado que sejam membros da OMC na data do início do inquérito, o valor normal é determinado de acordo com o disposto nos n.os 1 a 6, caso se prove, com base em pedidos devidamente fundamentados, apresentados por um ou mais produtores objeto de inquérito e segundo os critérios e procedimentos enunciados na alínea c), a prevalência de condições de economia de mercado para esse produtor ou produtores no que se refere ao fabrico e à venda do produto similar em causa. Se não for este o caso, aplicam‑se as regras definidas na alínea a);

c)

Uma queixa apresentada com base na alínea b) deve […] conter prova bastante de que o produtor opera em condições de economia de mercado, ou seja se:

as decisões das empresas relativas aos preços, aos custos [dos] fatores de produção, incluindo, por exemplo, matérias‑primas, ao custo das tecnologias e da mão de obra, à produção, vendas e investimento, são adotadas em resposta a sinais do mercado que refletem a oferta e a procura e sem uma interferência significativa do Estado a este respeito e se os custos dos principais fatores de produção refletem substancialmente valores do mercado,

as empresas têm um único tipo de registos contabilísticos básicos sujeitos a auditorias independentes, conformes às normas internacionais em matéria de contabilidade, devidamente fiscalizados e aplicáveis para todos os efeitos,

os custos de produção e a situação financeira das empresas não são objeto de distorções importantes, herdadas do antigo sistema de economia centralizada, nomeadamente no que se refere à amortização dos ativos, a outras deduções do ativo, a trocas diretas de bens e a pagamentos sob a forma de compensação de dívidas,

as empresas em questão beneficiam de uma aplicação correta da legislação aplicável em matéria de propriedade e falência, que garanta uma certeza e estabilidade jurídicas ao exercício de atividades por parte das empresas, e

as operações cambiais são realizadas a taxas de mercado.

[…]»

Antecedentes do litígio

8

Os antecedentes do litígio, conforme resultam do acórdão recorrido, podem ser resumidos nos seguintes termos.

9

A Xinyi PV Products (Anhui) Holdings Ltd (a seguir «Xinyi PV»), sociedade com sede na China, aí produz e exporta para a União vidro solar abrangido pelo regulamento controvertido. Tem como único acionista a Xinyi Solar (Hong Kong) Ltd, com sede em Hong Kong (China), a qual está cotada na Bolsa de Hong Kong.

10

No âmbito do processo que conduziu à adoção do regulamento controvertido, a Xinyi PV apresentou, em 21 de maio de 2013, um pedido de admissão ao benefício do tratamento de empresa que opera em condições de economia de mercado (a seguir «TEM»), na aceção do artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c), do regulamento de base.

11

Após ter recebido as respostas da Xinyi PV ao questionário antidumping e a um pedido de informações complementares, a Comissão procedeu a uma verificação das informações transmitidas à sede chinesa desta sociedade entre 21 e 26 de junho de 2013. No final do mês de junho e em julho de 2013, a Xinyi PV apresentou, segundo a Comissão e em conformidade com os pedidos desta última, informações complementares.

12

Por carta de 22 de agosto de 2013, a Comissão informou a Xinyi PV que entendia não poder aceder ao seu pedido de admissão ao benefício do TEM uma vez que, embora esta sociedade preenchesse os requisitos previstos no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro, segundo, quarto e quinto travessões, do regulamento de base, não preenchia, em contrapartida, o requisito previsto no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, deste regulamento (a seguir «carta de 22 de agosto de 2013»). A Comissão convidou a Xinyi PV a apresentar as suas observações.

13

Em 1 de setembro de 2013, a Xinyi PV apresentou as suas observações contestando as apreciações da Comissão.

14

Por carta de 13 de setembro de 2013, a Comissão informou a Xinyi PV da sua decisão final de indeferir o seu pedido de admissão ao benefício do TEM (a seguir «carta de 13 de setembro de 2013»).

15

Resulta das cartas de 22 de agosto e 13 de setembro de 2013, conforme reproduzidas por excertos nos n.os 63 a 65 do acórdão recorrido, que esse indeferimento se baseou na consideração de que a Xinyi PV não cumpria o critério de concessão enunciado no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, segundo o qual os custos de produção e a situação financeira das empresas não devem ser objeto de distorções importantes herdadas do antigo sistema de economia centralizada (a seguir «terceiro critério de concessão do TEM»). Com efeito, segundo a Comissão, a Xinyi PV beneficiou de dois regimes fiscais vantajosos, seja‑a saber, por um lado, o programa «2 Free 3 Halve», que permite às sociedades de capitais estrangeiros beneficiarem de uma isenção fiscal total (0 %) durante dois anos e, durante os três anos seguintes, de uma taxa de imposto de 12,5 %, em vez da taxa normal de imposto de 25 %, e, por outro, o regime fiscal das empresas de alta tecnologia, em aplicação do qual a sociedade está sujeita a uma taxa de imposto reduzida de 15 %, em vez da taxa normal de 25 %.

16

Em 26 de novembro de 2013, a Comissão adotou o Regulamento (UE) n.o 1205/2013, que institui um direito antidumping provisório sobre as importações de vidro solar originário da República Popular da China (JO 2013, L 316, p. 8, a seguir «regulamento provisório»).

17

Nos considerandos 34 a 47 deste regulamento, a Comissão recordou as razões pelas quais quatro empresas ou grupos de empresas que tinham colaborado no inquérito, entre os quais figurava a Xinyi PV, tinham visto ser‑lhes recusado o TEM. O considerando 43 tinha, em particular, a seguinte redação:

«[N]enhum dos quatro produtores‑exportadores, quer individualmente, quer em grupo [de empresas], demonstrou que não se encontrava sujeito a distorções importantes, herdadas do antigo sistema de economia centralizada. Assim, estas empresas, ou grupos de empresas, não satisfizeram o terceiro critério TEM. Mais especificamente, todos os quatro produtores‑exportadores, ou grupos de produtores‑exportadores, beneficiaram de regimes fiscais preferenciais.»

18

Em 13 de maio de 2014, a Comissão adotou o regulamento controvertido mediante o qual impôs um direito antidumping definitivo sobre as importações de produtos de vidro solar fabricados pela Xinyi PV.

19

No considerando 34 desse regulamento, a Comissão confirmou a conclusão de que todos os pedidos de TEM devem ser rejeitados, como se estabelece nos considerandos 34 a 47 do regulamento provisório. Em especial, o considerando 33 do regulamento controvertido mencionava o seguinte:

«[A Xinyi PV] alegou que as vantagens recebidas sob a forma de regimes fiscais preferenciais e de subvenções não representam uma parte significativa do seu volume de negócios. A este respeito, é de salientar que este argumento, juntamente com outros, fora já abordado na [carta de 13 de setembro de 2013], na qual a Comissão notificou a Parte relativamente à determinação do TEM. Em especial, foi sublinhado que devido à natureza desta vantagem, o valor absoluto da vantagem recebida durante o [período de inquérito] é irrelevante para avaliar se a distorção é “importante”. Esta alegação é, por conseguinte, rejeitada.»

Tramitação processual anterior ao presente recurso e acórdão recorrido

20

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de agosto de 2014, a Xinyi PV pediu a anulação do regulamento controvertido na parte que lhe diz respeito. Em apoio do seu recurso, invocou quatro fundamentos, sendo o primeiro dos quais, subdividido em duas partes, relativo à violação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

21

Por Acórdão de 16 de março de 2016, Xinyi PV Products (Anhui) Holdings/Comissão (T‑586/14, EU:T:2016:154), o Tribunal Geral julgou procedente a primeira parte deste primeiro fundamento, com o fundamento, em substância, de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que as distorções resultantes de benefícios fiscais conferidos pelas autoridades chinesas à Xinyi PV tinham sido «herdadas do antigo sistema de economia centralizada». Por conseguinte, sem examinar a segunda parte do referido fundamento, o Tribunal Geral anulou o regulamento controvertido na parte em que dizia respeito à Xinyi PV.

22

Este acórdão foi anulado pelo Acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings (C‑301/16 P, EU:C:2018:132), com o fundamento de que o Tribunal Geral tinha cometido vários erros de direito na interpretação dão requisito relativo à existência de distorções «herdadas do antigo sistema de economia centralizada» fixado no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base. O Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal Geral e reservou para final a decisão quanto às despesas.

23

Na sequência da remessa do processo ao Tribunal Geral, este retomou a instância. A Xinyi PV, a Comissão e a GMB apresentaram as suas observações sobre as consequências a retirar do Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings (C‑301/16 P, EU:C:2018:132) para a solução do litígio e responderam por escrito às questões colocadas pelo Tribunal Geral. Foi realizada nova audiência.

24

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou procedente a segunda parte do primeiro fundamento invocado pela Xinyi PV por entender que o indeferimento, por parte da Comissão, do pedido de admissão do benefício do TEM daquela sociedade estava viciado por um erro manifesto de apreciação quanto à existência de distorções importantes dos custos de produção e da situação financeira da referida sociedade. O Tribunal Geral anulou, então, o regulamento controvertido, sem examinar os outros três fundamentos invocados por esta última.

Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

25

No seu recurso interposto no processo C‑884/19 P, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido;

julgar improcedente o primeiro fundamento do recurso em primeira instância;

remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre o segundo a quarto fundamentos do recurso em primeira instância; e

reservar para final a decisão quanto às despesas da presente instância e das instâncias anteriores relacionadas com a mesma, ou seja, as de primeira instância e a do recurso anterior.

26

No seu recurso interposto no processo C‑888/19 P, a GMB pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento do recurso em primeira instância;

remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre os outros fundamentos do recurso em primeira instância; e

condenar a Xinyi PV nas despesas por si efetuadas no presente processo, bem como no processo em primeira instância e no processo do recurso anterior.

27

Na sua resposta aos dois recursos, a Xinyi PV pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento aos dois recursos; e

condenar a Comissão e a GMB nas despesas.

28

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de março de 2020, os processos C‑884/19 P e C‑888/19 P foram apensados para efeitos da fase oral e do acórdão.

Quanto aos presentes recursos

29

Em apoio dos seus respetivos recursos, a Comissão e a GMB invocam, cada uma, três fundamentos que, no essencial, se sobrepõem. Estes fundamentos são relativos, os primeiros, a erros de direito que viciam a interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base e a repartição do ónus da prova, os segundos, a erros de direito na aplicação desta disposição e, os terceiros, a irregularidades processuais.

30

Deverá começar‑se por examinar os primeiros fundamentos invocados em apoio dos presentes recursos.

Argumentos das partes

31

Com o primeiro fundamento de recurso no processo C‑884/19 P e a primeira parte do primeiro fundamento de recurso no processo C‑888/19 P, a Comissão e a GMB alegam, respetivamente, em substância, que, nos n.os 55 a 61, 67 e 68 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu erros de direito na interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base e, segundo a Comissão, do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), desse regulamento. Com a segunda parte do primeiro fundamento de recurso no processo C‑888/19 P, a GMB acusa, além disso, o Tribunal Geral de ter cometido, nos n.os 68, 69 e 72 desse acórdão, um erro de direito quanto à repartição do ónus da prova para a aplicação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do referido regulamento.

32

Num primeiro momento, a Comissão, com o seu primeiro fundamento de recurso, e a GMB, com a primeira parte do seu primeiro fundamento de recurso, alegam que o Tribunal Geral teve erradamente em conta, para efeitos da interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, os elementos enumerados para efeitos do cálculo do valor normal no artigo 2.o, n.os 1 a 6, desse regulamento e estabeleceu uma ligação entre a distorção importante da situação financeira da empresa e os fatores relativos ao fabrico e à venda do produto similar em causa.

33

Em primeiro lugar, a Comissão e, em substância, a GMB observam que o Tribunal Geral inverteu erradamente a ordem lógica das fases de determinação do valor normal num inquérito que visava a China. Contrariamente à abordagem seguida pelo Tribunal Geral, o artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base não é pertinente para efeitos da interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c), terceiro travessão, deste regulamento. Com efeito, a sua aplicação, no âmbito de um inquérito que visa a China, é a consequência do cumprimento dos requisitos previstos no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do referido regulamento, que conjuga indicadores de nível macroeconómico e microeconómico. Entre estes, só o critério visado na primeira parte do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro travessão, do mesmo regulamento exige uma incidência concreta sobre os preços e os custos.

34

Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou, no Acórdão de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal (C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.os 47 a 50 e 53), que o artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base reflete uma abordagem própria da ordem jurídica da União. Por conseguinte, não pode estabelecer‑se nenhuma correspondência entre esta disposição e o artigo 2.o do Acordo antidumping, o qual foi transposto para a ordem jurídica da União no artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base.

35

Em segundo lugar, a Comissão e a GMB consideram que, nos n.os 58 e 59 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral justificou erradamente a sua interpretação à luz da lista que figura no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, que visa as distorções «nomeadamente no que se refere à amortização dos ativos, a outras deduções do ativo, a trocas diretas de bens e a pagamentos sob a forma de compensação de dívidas».

36

Com efeito, como o Tribunal Geral referiu no n.o 59 do acórdão recorrido, essa lista é puramente indicativa.

37

Em todo o caso, segundo a Comissão, de entre os elementos que figuram na referida lista, só as trocas diretas de bens são mencionadas no artigo 2.o, n.o 3, segundo parágrafo, do regulamento de base, sem, aliás, fazer parte dos elementos utilizados para o cálculo do valor normal segundo o método fixado no artigo 2.o, n.os 1 a 6, desse regulamento.

38

Na sua contestação ao recurso no processo C‑884/19 P, a GMB acrescenta que os elementos enumerados na lista indicativa designam fatores que têm uma incidência direta na situação financeira de uma empresa e não nos seus custos de produção, pelo que esses elementos não podiam justificar a ligação com o artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base. Além disso, o Tribunal Geral absteve‑se de apresentar uma fundamentação suficiente da comparação que efetuou entre essa disposição e o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, desse regulamento.

39

Em terceiro lugar, a Comissão e a GMB consideram que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nos n.os 59 a 61 do acórdão recorrido, na medida em que aplicou, por analogia, o Acórdão de 19 de julho de 2012, Conselho/Zhejiang Xinan Chemical Industrial Group (C‑337/09 P, EU:C:2012:471, n.os 79 a 82). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça limitou‑se a interpretar a primeira parte do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro travessão, do regulamento de base. Ora, a redação, a finalidade e o objeto desta disposição diferem dos do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, deste regulamento.

40

Em quarto lugar, a Comissão e a GMB observam, em substância, que a interpretação adotada pelo Tribunal Geral priva o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base de uma parte do seu efeito útil. Com efeito, nesta disposição, o legislador da União adotou dois critérios distintos, ou seja, por um lado, a existência de distorções importantes dos custos de produção de uma sociedade que pede o TEM e, por outro, a existência de distorções importantes da sua situação financeira. Ora, a interpretação seguida pelo Tribunal Geral equivale a subordinar a existência de distorções importantes da situação financeira à demonstração de que essa distorção provoca distorções importantes dos custos de produção.

41

A Comissão sublinha, neste contexto, que o critério que visa a situação financeira é amplo e abrange uma apreciação global que não se refere obrigatoriamente de forma estrita aos custos de produção ou aos preços. O legislador da União pressupôs assim que, se a situação financeira for objeto de distorções importantes, a empresa não opera em condições de economia de mercado e, por conseguinte, os seus custos ou os seus preços são suscetíveis de ser objeto de uma distorção global. É o que acontece quando a empresa está isenta de impostos.

42

Em quinto lugar, a Comissão considera que o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), quarto e quinto travessões, do regulamento de base confirma a sua interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, deste regulamento. Por um lado, os critérios referidos nesse quarto e quinto travessões são abstratos e não requerem nenhuma apreciação da incidência real sobre a possibilidade de calcular o valor normal com base nos n.os 1 a 6 desse artigo. Por outro, a tomada em consideração do rácio «isenção fiscal/volume de negócios» conduziria a discriminações injustificadas entre os beneficiários de uma mesma medida fiscal.

43

A GMB invoca também a estrutura do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base para salientar que os cinco travessões desta disposição enunciam critérios específicos. Daqui decorre que a situação financeira constitui um fator ligado ao fabrico e à venda do produto similar em causa.

44

Num segundo momento, com a segunda parte do primeiro fundamento de recurso no processo C‑888/19 P, a GMB alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nos n.os 68, 69 e 72 do referido acórdão, na medida em que declarou que a Comissão devia ter dado mais explicações na sua decisão de indeferimento do pedido de admissão ao benefício do TEM da Xinyi PV ao abordar a incidência concreta das distorções da situação financeira desta última. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral transferiu erradamente para a Comissão o ónus da prova de que os requisitos de concessão do TEM tinham sido preenchidos, quando esse ónus recai, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, sobre a parte que pede a concessão desse estatuto. Segundo a GMB, contrariamente ao que deixam entender os n.os 72 e 73 do acórdão recorrido, cabia à Xinyi PV demonstrar que os regimes fiscais preferenciais em causa não implicavam distorções importantes da sua situação financeira, e não à Comissão demonstrar o contrário, uma vez que esta última instituição está apenas obrigada a apreciar os elementos de prova apresentados pela Xinyi PV, o que, aliás, fez, no caso em apreço.

45

A Xinyi PV contesta todos estes argumentos.

46

Em primeiro lugar, a Xinyi PV compreende a argumentação da Comissão no sentido de que, segundo esta instituição, os termos «no que se refere ao fabrico e à venda do produto similar em causa», que figura no artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base, dizem unicamente respeito à primeira parte do primeiro critério de concessão do TEM, previsto no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro travessão, deste regulamento. Ora, tal leitura seria incompatível com a própria redação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do referido regulamento, que incide especificamente sobre os custos de produção do produto similar. Além disso, a Comissão não explicou qual é a finalidades dos outros quatro critérios de concessão do TEM, se não permitem basear‑se nos custos e nos preços de venda em vigor na China durante o período de inquérito quando esses custos e preços de venda sejam adequados para calcular o valor normal. A Comissão procede a uma interpretação destes outros critérios que está desligada da finalidade do artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c), do mesmo regulamento.

47

Em segundo lugar, a Xinyi PV considera, em substância, que o Tribunal Geral podia, com razão, no presente processo, estabelecer um paralelo com o processo que deu origem ao Acórdão de 19 de julho de 2012, Conselho/Zhejiang Xinan Chemical Industrial Group (C‑337/09 P, EU:C:2012:471). Com efeito, em ambos os processos, as instituições da União tinham recusado examinar as provas apresentadas em apoio de um pedido de admissão ao benefício do TEM.

48

Além disso, como no âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro travessão, do regulamento de base, a Comissão deve, no âmbito do terceiro travessão desta disposição, apreciar sempre a incidência da distorção ou da não distorção nos preços ou nos custos do produtor. A Comissão não pode limitar‑se a uma apreciação abstrata e imprecisa.

49

Em terceiro lugar, no que respeita à argumentação relativa ao efeito útil dos termos «situação financeira» que figura no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, a Xinyi PV contrapõe que, embora distorções importantes da situação financeira de uma empresa tenham incidência nos seus preços e não nos seus custos, a interpretação dada pelo Tribunal Geral não priva estes termos do seu efeito útil.

50

Em quarto lugar, quanto ao artigo 2.o, n.o 7, alínea c), quarto e quinto travessões, do regulamento de base, é evidente que o facto, pertinente no âmbito do quarto travessão desta disposição, de uma sociedade não estar sujeita a um processo de falência falseia os seus custos e os seus preços. Do mesmo modo, o eventual benefício, pertinente no âmbito do quinto travessão da referida disposição, de uma taxa cambial mais vantajosa do que a taxa de mercado aquando da compra ou da venda de divisas estrangeiras tem repercussão, respetivamente, nos custos e nos preços da sociedade.

51

Nas suas contestação e réplica apresentadas no processo C‑884/19 P, respetivamente, a Comissão e a GMB referem que não existe nenhuma exigência geral que seja comum aos cinco critérios de concessão do TEM que figuram nos cinco travessões do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base e que imponha a demonstração de uma verdadeira distorção dos custos de produção.

52

A este respeito, a Comissão sublinha, nomeadamente, que, tendo em conta a redação do artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c), do regulamento de base, a exigência segundo a qual as condições de uma economia de mercado devem prevalecer para o produtor em causa, no que se refere ao fabrico e à venda do produto similar, não faz nenhuma referência aos custos de produção nem à inexistência de verdadeira distorção desses custos. A Comissão e a GMB consideram, em substância, que esta exigência visa simplesmente o contexto em que o produtor opera, ao passo que os cinco critérios enumerados no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), deste regulamento abordam diferentes aspetos deste contexto. A Xinyi PV admite, aliás, que o quarto e quinto critérios implicam automaticamente uma incidência nos custos. Para a Comissão e a GMB, o mesmo deve suceder com o terceiro critério.

53

A Comissão salienta ainda que nenhuma interpretação diferente pode ser deduzida da finalidade do artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base, que visa evitar a tomada em consideração dos preços e dos custos em vigor nos países que não têm uma economia de mercado, na medida em que esses parâmetros não são, nesse caso, a resultante normal das forças que se exercem no mercado. Trata‑se, portanto, de uma disposição preliminar, enquanto os critérios enunciados no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), deste regulamento visam determinar se uma sociedade que pede o TEM está unicamente sujeita às leis normais do mercado. Esta natureza preliminar seria desvirtuada se houvesse que subordinar, como fez o Tribunal Geral, todos estes critérios à demonstração de uma incidência real nos custos de produção para cada produto específico produzido e exportado pela sociedade para cada período de inquérito.

54

A GMB acrescenta que a prática decisória da Comissão vem confirmar a possibilidade de recusar o TEM ao abrigo do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base devido a distorções que têm incidência unicamente na situação financeira do operador em causa, por exemplo devido à existência de um regime fiscal preferencial. Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal Geral que o artigo 2.o, n.os 1 a 6, e o artigo 2.o, n.o 7, deste regulamento formam dois conjuntos de regras distintas.

Apreciação do Tribunal de Justiça

Observações preliminares

55

Quanto ao artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base, na sequência do que é enunciado no considerando 6 do mesmo regulamento, introduz um regime especial que estabelece regras pormenorizadas no que respeita ao cálculo do valor normal relativamente às importações provenientes de países que não têm uma economia de mercado (v., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal, C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.o 47).

56

Assim, de acordo com o artigo 2.o, n.o 7, alínea a), do regulamento de base, no caso de importações provenientes de países que não têm uma economia de mercado, em derrogação das regras estabelecidas no artigo 2.o, n.os 1 a 6, do mesmo regulamento, o valor normal é, em princípio, determinado com base no preço ou no valor calculado num país terceiro com economia de mercado, ou seja, segundo o método do país análogo. O objetivo desta disposição é, pois, evitar a tomada em consideração dos preços e dos custos em vigor nos países que não têm uma economia de mercado, na medida em que esses parâmetros não são, nesse caso, a resultante normal das forças que se exercem no mercado [Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings, C‑301/16 P, EU:C:2018:132, n.o 64 e jurisprudência referida].

57

No entanto, por força do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base, no caso de inquéritos antidumping relativos a importações provenientes, nomeadamente, da China, o valor normal é determinado de acordo com o disposto nos n.os 1 a 6 do artigo 2.o deste regulamento e, por conseguinte, não com base no método do país análogo, se for provado, com base em pedidos devidamente fundamentados, apresentados por um ou mais produtores que são objeto do inquérito e de acordo com os critérios e procedimentos enunciados no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do referido regulamento, que prevaleceram as condições de economia de mercado para esse produtor ou produtores no que se refere ao fabrico e à venda do produto similar em causa [Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings, C‑301/16 P, EU:C:2018:132, n.o 65 e jurisprudência referida].

58

Como resulta dos diferentes regulamentos em que se baseia o artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base, esta disposição destina‑se a permitir aos produtores sujeitos às condições de uma economia de mercado que emergiram, nomeadamente, na China beneficiar de um estatuto que corresponda à sua situação individual, e não à situação conjuntural do país onde estão estabelecidos [Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings, C‑301/16 P, EU:C:2018:132, n.o 66 e jurisprudência referida].

59

Como tal, o ónus da prova recai sobre o produtor que pretende beneficiar do TEM nos termos do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base. Para esse efeito, o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro parágrafo, do mesmo regulamento prevê que uma queixa apresentada por tal produtor deve conter prova bastante, especificada nesta última disposição, de que opera em condições de economia de mercado. Logo, não incumbe às instituições da União provar que o produtor não cumpre as condições previstas para beneficiar do referido estatuto. Em contrapartida, compete a essas instituições apreciar se os elementos fornecidos pelo produtor em causa são suficientes para demonstrar que os critérios enunciados no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro parágrafo, estão preenchidos para lhe reconhecer o benefício do TEM, competindo ao juiz da União verificar se esta apreciação está viciada por erro manifesto [v., neste sentido, Acórdãos de 2 de fevereiro de 2012, Brosmann Footwear (HK) e o./Conselho, C‑249/10 P, EU:C:2012:53, n.o 32, e de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings, C‑301/16 P, EU:C:2018:132, n.o 67 e jurisprudência referida].

60

No caso em apreço, é pacífico que o pedido da Xinyi PV destinado a que seja admitida ao benefício do TEM foi indeferido apenas pelo facto de essa empresa não ter demonstrado que cumpria o terceiro critério de concessão do TEM, enunciado no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

61

Ao abrigo dessa disposição, o produtor em causa deve apresentar provas bastantes suscetíveis de demonstrar que os seus custos de produção e a sua situação financeira não são objeto de distorções importantes, herdadas do antigo sistema de economia centralizada, nomeadamente no que se refere à amortização dos ativos, a outras deduções do ativo, a trocas diretas de bens e a pagamentos sob a forma de compensação de dívidas.

62

Resulta da letra da referida disposição que a mesma impõe dois requisitos cumulativos, relativos, um, à existência de distorções importantes dos custos de produção e da situação financeira da empresa em causa e, outro, ao facto de as referidas distorções se revelarem herdadas do antigo sistema de economia centralizada [Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings, C‑301/16 P, EU:C:2018:132, n.o 70].

63

O acórdão recorrido tem apenas por objeto o primeiro destes requisitos, tendo o Tribunal Geral considerado que a Comissão cometeu um erro manifesto na sua apreciação a este respeito.

64

A este respeito, o Tribunal Geral, no n.o 55 do acórdão recorrido, considerou que, tendo em conta a redação do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base, os critérios enunciados no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), deste último visam o fabrico e a venda do produto similar em causa. Considerando que esta precisão se insere no contexto do artigo 2.o do referido regulamento, que estabelece as regras relativas ao cálculo do valor normal, o Tribunal Geral declarou, no n.o 57 do acórdão recorrido, que todos os critérios enunciados no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do mesmo regulamento «reflete a vontade de verificar se o operador que requer o estatuto TEM opera, relativamente à produção e venda do produto similar em causa, em conformidade com princípios que permitam calcular o valor normal.».

65

Foi neste contexto que, nos n.os 58 a 61 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral interpretou o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base no sentido de que, tratando‑se de circunstâncias ou de medidas relativas à situação financeira da empresa do ponto de vista geral, a Comissão deve ainda apreciar, à luz dos elementos apresentados durante o procedimento administrativo, se essas circunstâncias ou essas medidas estão efetivamente na origem de distorções importantes dos fatores que determinam os elementos relativos ao fabrico e à venda do produto similar.

66

No caso em apreço, o Tribunal Geral considerou, em substância, nos n.os 66 a 72 do acórdão recorrido, que a Comissão não se podia basear apenas no benefício fiscal da Xinyi PV e no facto de essa vantagem poder atrair investidores para o capital, para afastar o terceiro critério de concessão do TEM. Para este efeito, salientou, no n.o 67 desse acórdão, que esses motivos visavam, quando muito, a situação financeira desta sociedade do ponto de vista eminentemente abstrato, sem relação com os elementos expressamente mencionados no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base ou com outros elementos relativos ao fabrico e à venda do produto similar em causa, cuja distorção importante resultante da vantagem controvertida poria em causa a possibilidade de calcular validamente o valor normal em aplicação do artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento.

67

Decorre destas considerações que o Tribunal Geral, em substância, interpretou o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base no sentido de que a existência de distorções importantes da situação financeira global do produtor em causa só pode levar ao indeferimento, pela Comissão, de um pedido de admissão ao benefício do TEM desse produtor se essas distorções tiverem incidência na produção ou na venda do produto similar em causa, o que cabe à Comissão apreciar.

68

Com o primeiro fundamento de recurso no processo C‑884/19 P, bem como com a primeira parte do primeiro fundamento de recurso no processo C‑888/19 P, a Comissão e a GMB contestam esta interpretação que, segundo os seus pontos de vista, está viciada por vários erros de direito. Com a segunda parte do primeiro fundamento de recurso neste último processo, a GMB acusa também o Tribunal Geral de ter invertido erradamente o ónus da prova.

69

Importa, por conseguinte, examinar sucessivamente estas duas alegações.

Quanto aos erros de direito invocados no que respeita à interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base

70

De acordo com jurisprudência constante, para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 12 de setembro de 2019, Comissão/Kolachi Raj Industrial, C‑709/17 P, EU:C:2019:717, n.o 82 e jurisprudência referida).

71

É à luz desta jurisprudência que há que proceder à interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, que enuncia o terceiro critério de concessão do TEM, e, mais especificamente, do requisito relativo à existência de distorções importantes dos custos de produção e da situação financeira da empresa em causa.

72

Em primeiro lugar, no que respeita à interpretação literal desta condição, importa recordar que, como resulta do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base e do n.o 61 do presente acórdão, o produtor em causa deve apresentar provas bastantes suscetíveis de demonstrar que «os [seus] custos de produção e a [sua] situação financeira […] não são objeto de distorções importantes».

73

A utilização da conjunção «e» implica inequivocamente que cabe a esse produtor demonstrar, por um lado, a inexistência de distorções importantes dos seus custos de produção e, por outro, a inexistência de distorções importantes da sua situação financeira. A referida condição baseia‑se, portanto, em dois sub‑requisitos cumulativos e distintos.

74

Esta circunstância implica que o TEM não pode ser concedido se não se verificar um desses sub‑requisitos, quer se trate do relativo à inexistência de distorções importantes, herdadas do antigo sistema de economia centralizada, dos custos de produção do produtor em causa ou do relativo à inexistência de distorções importantes da situação financeira do mesmo.

75

Ora, ao subordinar a possibilidade de indeferir um pedido de admissão ao benefício do TEM dada a existência de distorções importantes da situação financeira do produtor em causa, na aceção do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, à constatação de que essas distorções afetam o fabrico e a venda do produto similar em causa, a interpretação efetuada pelo Tribunal Geral, conforme exposta nos n.os 64 a 67 do presente acórdão, vem confundir os referidos sub‑requisitos cumulativos e distintos e priva de pertinência a referência às distorções importantes da situação financeira do produtor em causa.

76

A circunstância de esta disposição enunciar uma lista de parâmetros suscetíveis de dar lugar a distorções abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, «nomeadamente no que se refere à amortização dos ativos, a outras deduções do ativo, a trocas diretas de bens e a pagamentos sob a forma de compensação de dívidas», não contradiz esta interpretação.

77

Com efeito, além de, como o Tribunal Geral corretamente salientou no n.o 59 do acórdão recorrido, a utilização do advérbio «nomeadamente» evidenciar o caráter puramente indicativo dessa lista, esta não estabelece nenhuma relação explícita entre os parâmetros que enuncia e os fatores tidos em conta para efeitos do cálculo do valor normal nos termos do artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base.

78

Daqui resulta que, tendo em conta a sua redação, o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base não contém nenhuma indicação destinada a ligar a apreciação da existência de distorções importantes da situação financeira do produtor em causa aos seus custos de produção ou aos seus fatores pertinentes para efeitos da determinação do valor normal em aplicação do artigo 2.o, n.os 1 a 6, deste regulamento.

79

Pelo contrário, esta redação deixa entender que o terceiro critério de concessão do TEM visa a situação financeira no sentido amplo do produtor em causa e não diz necessariamente respeito, em termos estritos, aos custos de produção ou aos preços.

80

Por conseguinte, como alegam, em substância, a Comissão e a GMB, a interpretação efetuada pelo Tribunal Geral contradiz a redação clara do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

81

Em segundo lugar, o contexto e a economia geral do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base também põem em causa a interpretação seguida pelo Tribunal Geral e corroboram a exposta no n.o 79 do presente acórdão.

82

Em primeiro lugar, quanto à ligação estreita que o Tribunal Geral estabeleceu entre essa disposição e o artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base, importa recordar que, segundo a jurisprudência referida nos n.os 55 a 57 do presente acórdão, o artigo 2.o, n.o 7, deste regulamento estabelece um regime específico, que é derrogatório das regras gerais de cálculo do valor normal previstas no artigo 2.o, n.os 1 a 6, do referido regulamento. Este regime específico aplica‑se às importações provenientes de países que não têm uma economia de mercado.

83

Ora, o referido regime específico baseia‑se, em princípio, no método do país análogo em conformidade com o artigo 2.o, n.o 7, alínea a), do regulamento de base, que continua a aplicar‑se supletivamente, por força do artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c), deste regulamento, também nos inquéritos antidumping relativos às importações provenientes, nomeadamente, da China. Apenas no caso de um produtor chinês demonstrar, de forma juridicamente bastante, que preenche todos os cinco requisitos fixados no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do referido regulamento é que esse método não lhe será aplicado e que a Comissão será obrigada a calcular o valor normal, no que respeita a esse produtor, em conformidade com o método previsto no artigo 2.o, n.os 1 a 6, do mesmo regulamento, para importações provenientes de países que têm uma economia de mercado [v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings, C‑301/16 P, EU:C:2018:132, n.o 80].

84

Assim, tratando‑se de um inquérito antidumping relativo às importações provenientes da China, a aplicação das regras gerais do artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base pressupõe que todos os requisitos previstos no artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c), deste regulamento tenham sido preenchidos.

85

Ora, ao subordinar, nos n.os 57 e 61 do acórdão recorrido, a aplicação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base a uma análise, ao nível do produtor em causa, para verificar se o mesmo opera em conformidade com princípios que permitem um cálculo do valor normal ou se a aplicação dessas regras gerais daria lugar a resultados artificiais, o Tribunal Geral confundiu os regimes estabelecidos, respetivamente, no artigo 2.o, n.os 1 a 6, e no artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base, e, ao fazê‑lo, ignorou a sistemática dessas disposições.

86

Além disso, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou, no n.o 61 do acórdão recorrido, essa interpretação também não se pode basear numa analogia com o n.o 82 do Acórdão de 19 de julho de 2012, Conselho/Zhejiang Xinan Chemical Industrial Group (C‑337/09 P, EU:C:2012:471), no qual o Tribunal de Justiça declarou, no que respeita ao artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro travessão, do regulamento de base, que enuncia o primeiro critério de concessão do TEM, que o caráter significativo, ou não, de uma interferência estatal nas decisões do produtor em causa relativas aos preços e aos custos dos fatores de produção deve ser avaliado em relação à finalidade dessa disposição, a qual visa assegurar que o produtor opera em condições de economia de mercado e, designadamente, que os custos a que está sujeito e os preços que pratica são a resultante do livre jogo das forças do mercado.

87

Ora, o primeiro critério de concessão do TEM, enunciado no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro travessão, do regulamento de base, visa expressamente as decisões do produtor relativas aos preços e aos custos dos fatores de produção (v., neste sentido, Acórdão de 19 de julho de 2012, Conselho/Zhejiang Xinan Chemical Industrial Group, C‑337/09 P, EU:C:2012:471, n.o 79), ao contrário do terceiro critério de concessão do TEM em causa nos presentes processos. Em todo o caso, no Acórdão de 19 de julho de 2012, Conselho/Zhejiang Xinan Chemical Industrial Group (C‑337/09 P, EU:C:2012:471), o Tribunal de Justiça não estabeleceu nenhuma relação direta entre as condições de concessão do TEM previstas no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base e as disposições do artigo 2.o, n.os 1 a 6, deste regulamento.

88

Em segundo lugar, é certo que, como salientou o Tribunal Geral no n.o 54 do acórdão recorrido, decorre do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base que a concessão do TEM está subordinada à demonstração, com base em pedidos devidamente fundamentados apresentados pelo produtor em causa e em conformidade com os critérios e procedimentos enunciados no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), deste regulamento, de que «[…]as condições de economia de mercado para esse [produtor] [prevalecem], no que respeita ao fabrico e à venda do produto similar em causa».

89

Todavia, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou nos n.os 55 e 57 do acórdão recorrido, não se pode daí deduzir que todos os cinco critérios enunciados no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base visam o fabrico e a venda do produto similar em causa, a ponto de o terceiro travessão dessa disposição exigir, como dá a entender o n.o 60 desse acórdão, que, perante medidas relativas à situação financeira da empresa de um ponto de vista geral, a Comissão aprecie ainda se essas medidas estão efetivamente na origem de uma distorção importante que tenha uma incidência na produção ou na venda do produto similar em causa.

90

Com efeito, nada na estrutura do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base sugere que cada um dos cinco critérios enunciados nessa disposição deve ser apreciado expressamente em relação aos fatores que influenciam diretamente o fabrico e a venda do produto similar em causa. Assim, há que observar, como salientou o advogado‑geral no n.o 67 das suas conclusões, que, entre esses critérios, figuram, por exemplo, nos quarto e quinto travessões da referida disposição, critérios relativos à sujeição a leis em matéria de falência e à propriedade e às operações cambiais. Ora, estes critérios estão, por definição, desprovidos de relação direta com o fabrico e a venda do produto similar em causa, mesmo que, como reconhece, de resto, o conjunto das partes nos presentes recursos, seja possível presumir que estes fatores podem indiretamente repercutir‑se nos custos ou nos preços do produtor em causa.

91

De forma análoga, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 68 das suas conclusões, o critério relativo à existência de distorções importantes da situação financeira do produtor em causa deve, atendendo ao seu enunciado geral e tendo em conta a sistemática do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base, ser entendido no sentido de abranger, em sentido lato, todas as medidas, mesmo de ordem geral, como regimes fiscais preferenciais, que implicam distorções importantes da situação financeira desse produtor. Isto é tanto mais assim quanto se pode presumir, perante tais medidas, que as mesmas são suscetíveis de distorcer os custos e os preços do referido produtor, sem prejuízo da possibilidade de o produtor em causa fazer prova em contrário.

92

Em terceiro lugar, tal interpretação está também em conformidade com a finalidade do regime especial instituído pelo artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base e recordada nos n.os 56 e 58 do presente acórdão.

93

Com efeito, esta disposição visa evitar que sejam tomados em consideração os preços e custos em vigor em países que não têm uma economia de mercado, na medida em que, nestes últimos, esses parâmetros não são a resultante normal das forças que se exercem no mercado, e isto, como salientou justamente o advogado‑geral no n.o 69 das suas conclusões, independentemente do caráter direto ou indireto das consequências que as medidas, que dão origem a distorções dos parâmetros próprios de uma economia de mercado, tenham sobre os preços e custos do produto similar em causa.

94

Decorre das considerações anteriores que a interpretação que o Tribunal Geral fez do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base enferma de erros de direito na medida em que contradiz a redação clara desta disposição e viola o contexto regulamentar, a sistemática e a finalidade da referida disposição.

95

Por conseguinte, há que julgar procedente o primeiro fundamento de recurso no processo C‑884/19 P e a primeira parte do primeiro fundamento de recurso no processo C‑888/19 P.

Quanto ao erro de direito alegado no que respeita à repartição do ónus da prova

96

Com a segunda parte do primeiro fundamento do seu recurso, a GMB acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito quanto à repartição do ónus da prova do preenchimento do terceiro critério de concessão do TEM.

97

A este respeito, há que salientar que, no n.o 60 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, tratando‑se de medidas relativas à situação financeira do produtor em causa do ponto de vista geral, incumbe à Comissão apreciar, à luz dos elementos apresentados durante o procedimento administrativo, se essas medidas estão efetivamente na origem de uma distorção dessa situação relativamente à produção ou à venda do produto similar em causa.

98

Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral faz recair sobre a Comissão o ónus de demonstrar que uma distorção importante da situação financeira do produtor em causa afeta a produção ou a venda do produto similar em causa.

99

Ora, segundo a jurisprudência referida no n.o 59 do presente acórdão, o ónus da prova do preenchimento de todos os critérios enunciados no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base incumbe ao produtor que pretenda beneficiar do TEM nos termos do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), deste regulamento. Não incumbe à Comissão provar que o produtor não cumpre os requisitos previstos para beneficiar desse estatuto, mas apreciar se os elementos fornecidos pelo produtor em causa são suficientes para demonstrar que os critérios enunciados nesse artigo 2.o, n.o 7, alínea c), estão preenchidos para lhe reconhecer o TEM.

100

Por conseguinte, o Tribunal Geral procedeu a uma inversão errada do ónus da prova, pelo que também há que julgar procedente a segunda parte do primeiro fundamento de recurso no processo C‑888/19 P.

101

Nestas circunstâncias, uma vez que os primeiros fundamentos dos recursos são procedentes, há que anular o acórdão recorrido, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos invocados em apoio dos presentes recursos.

Quanto ao litígio em primeira instância

102

Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

103

No caso em apreço, em apoio do seu recurso, a Xinyi PV invocou quatro fundamentos relativos, o primeiro, à violação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, o segundo, à violação do artigo 2.o, n.o 10, alínea i), deste regulamento, o terceiro, à violação do artigo 2.o, n.os 8 e 9, do referido regulamento e, o quarto, a violações dos direitos de defesa.

104

Tendo em conta, nomeadamente, a circunstância de que o primeiro fundamento foi objeto de debate contraditório no Tribunal Geral e que o seu exame não exige adotar nenhuma medida suplementar de organização do processo ou de instrução, o Tribunal de Justiça entende que o recurso está em condições de ser julgado no que respeita a esse fundamento e que há que decidi‑lo definitivamente (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 130, e de 16 de setembro de 2021, Comissão/Bélgica e Magnetrol International, C‑337/19 P, EU:C:2021:741, n.o 158).

Quanto à violação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base

105

Com este primeiro fundamento, a Xinyi PV acusa a Comissão de ter violado o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

106

A este respeito, importa recordar que, como decorre dos n.os 61 e 62 do presente acórdão, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, o produtor em causa deve apresentar provas bastantes suscetíveis de demonstrar que os seus custos de produção e a sua situação financeira não são objeto de distorções importantes, herdadas do antigo sistema de economia centralizada. Esta disposição impõe, portanto, dois requisitos cumulativos, relativos, um, à existência de distorções importantes dos custos de produção e da situação financeira da empresa em causa e, outro, ao facto de as referidas distorções se revelarem herdadas do antigo sistema de economia centralizada.

107

Com a primeira parte do seu primeiro fundamento, a Xinyi PV acusa a Comissão de ter viciado de ilegalidade o regulamento controvertido ao considerar que os seus benefícios fiscais constituíam distorções herdadas do antigo sistema de economia centralizada, na aceção do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

108

No caso em apreço, na carta de 13 de setembro de 2013, a Comissão considerou, em substância, que o regime de tributação do rendimento, de que fazem parte os benefícios fiscais em causa, que trata favoravelmente determinadas empresas ou determinados setores económicos considerados pelo Governo chinês como estratégicos, implica que esse regime não procede de uma economia de mercado, mas ainda amplamente de uma centralização estatal.

109

A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base deve ser entendido no sentido de que exige que o produtor demonstre, de forma juridicamente bastante, que os seus custos de produção e a sua situação financeira não são objeto de distorções significativas decorrentes de um sistema económico sem economia de mercado, quer se trate de um sistema de economia de Estado ou de um sistema, já em transição, em certos setores, para um sistema de economia de mercado [Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings, C‑301/16 P, EU:C:2018:132, n.os 85 e 95].

110

Além disso, tendo em conta o ónus da prova que recai sobre o produtor, a ligação de uma medida de concessão de benefícios fiscais aos investimentos estrangeiros em setores considerados estratégicos, como as altas tecnologias, com diferentes planos quinquenais aplicados na China é suficiente para presumir que esta medida constitui uma distorção «herdada do antigo sistema de economia centralizada», na aceção desta disposição. Com efeito, mesmo admitindo que, doravante, os planos quinquenais chineses deixarão de prever objetivos de produção definidos, aplicáveis a todos os setores da economia, contrariamente ao que acontecia quando a China ainda era um país com economia de Estado, não é menos notório que esses planos desempenham ainda, mesmo após as reformas que o sistema económico chinês conheceu, um papel fundamental na organização dessa economia, na medida em que contêm, para um grande número de setores, objetivos precisos com caráter vinculativo para todos os níveis governamentais [v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings, C‑301/16 P, EU:C:2018:132, n.os 94 e 95].

111

Ora, no caso em apreço, não se contesta que os benefícios fiscais em causa podem ser associados a diferentes planos implementados na China e que este país, apesar das reformas do seu modelo económico, ainda é considerado, como resulta do dispositivo previsto no artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c), do regulamento de base, em princípio, um país sem economia de mercado, de modo que o contexto em que esses benefícios fiscais intervêm é radicalmente diferente daquele no qual medidas eventualmente semelhantes são aplicadas em países com economia de mercado [v., neste sentido, Acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings (C‑301/16 P, EU:C:2018:132, n.o 104].

112

Daqui resulta que, no caso em apreço, a Comissão tinha o direito de presumir que as medidas em causa, que consistem em benefícios fiscais que aplicam um plano quinquenal, elemento característico das economias centralizadas e fundamental na organização económica chinesa, tinham sido herdadas do antigo sistema de economia centralizada.

113

Esta apreciação não é posta em causa pelos argumentos que a Xinyi PV retira de uma comparação dos benefícios fiscais em causa no caso em apreço com a prática da Comissão em matéria de auxílios estatais.

114

Com efeito, no que se refere aos Estados‑Membros da União, há que recordar que esses benefícios fiscais são, em princípio, incompatíveis com o mercado interno e, por conseguinte, proibidos, se puderem ser qualificados de «auxílios de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o que exige que os outros quatro requisitos aí previstos estejam preenchidos [v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings, C‑301/16 P, EU:C:2018:132, n.o 105].

115

Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

116

Com a segunda parte do seu primeiro fundamento, a Xinyi PV alega que, em todo o caso, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação dos factos e um erro de direito ao afirmar que as distorções eram importantes à luz dos seus custos de produção e da sua situação financeira, na aceção do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

117

A este respeito, por um lado, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no domínio da política comercial comum, e particularmente em matéria de medidas de defesa comercial, as instituições da União dispõem de um amplo poder de apreciação em razão da complexidade das situações económicas, políticas e jurídicas que devem examinar. Quanto à fiscalização jurisdicional de tal apreciação, deve, assim, ser limitada à verificação da observância das regras processuais, da exatidão material dos factos tomados em consideração para fazer a escolha contestada, da inexistência de erro manifesto na apreciação destes factos ou da inexistência de desvio de poder [Acórdãos de 16 de fevereiro de 2012, Conselho e Comissão/Interpipe Niko Tube e Interpipe NTRP, C‑191/09 P e C‑200/09 P, EU:C:2012:78, n.o 63, e de 11 de setembro de 2014, Gem‑Year Industrial e Jinn‑Well Auto‑Parts (Zheijiang)/Conselho, C‑602/12 P, não publicado, EU:C:2014:2203, n.o 48].

118

Por outro lado, resulta dos n.os 79, 91 e 92 do presente acórdão que, tendo em conta a redação, o contexto, a sistemática e a finalidade do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, o critério relativo à existência de distorções importantes da situação financeira do produtor em causa deve ser entendido no sentido de abranger, em sentido lato, todas as medidas, mesmo de ordem geral, que impliquem distorções importantes da situação financeira desse produtor.

119

No caso em apreço, como decorre das cartas de 22 de agosto e de 13 de setembro de 2013, referidas nos n.os 12, 14 e 15 do presente acórdão, a Comissão baseou a sua conclusão de que a Xinyi PV não tinha conseguido demonstrar que a sua situação financeira não era objeto de distorções importantes na constatação de que a mesma beneficiava de dois regimes fiscais preferenciais. Por um lado, no âmbito do programa «2 Free 3 Halve», as sociedades de capitais estrangeiros podem beneficiar de uma isenção fiscal total (0 %) durante dois anos e, durante os três anos seguintes, de uma taxa de imposto de 12,5 %, em vez da taxa normal de imposto de 25 %. Por outro, em aplicação do regime fiscal das empresas de alta tecnologia, uma sociedade está sujeita a uma taxa de imposto reduzida de 15 %, em vez da taxa normal de 25 %. Segundo a Comissão, a aplicação destes regimes fiscais afeta o montante dos lucros antes de imposto que a empresa deve realizar para atrair investidores e da sua conjugação resulta a aplicação de uma taxa de imposto sensivelmente reduzida em relação à taxa normal, que pode, nomeadamente, prosseguir o objetivo de atrair capitais a taxas reduzidas e, assim, repercutir‑se na situação financeira e económica global da empresa.

120

A este respeito, há que observar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 84 das suas conclusões e como observou a Comissão, que o capital constitui um dos fatores de produção de uma sociedade, pelo que medidas que afetem o seu custo são, por definição, suscetíveis de originar distorções importantes da sua situação financeira. É o que acontece, nomeadamente, quando o produtor em causa beneficia de regimes fiscais preferenciais.

121

Nenhum dos argumentos apresentados pela Xinyi PV, sobre o qual recaía o ónus da prova em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 59 do presente acórdão, é suscetível de demonstrar que, apesar desses regimes fiscais preferenciais, a sua situação financeira não era objeto de distorções importantes.

122

Em primeiro lugar, a Xinyi PV alega que os incentivos fiscais em causa representavam apenas 1,34 % da totalidade dos seus custos de produção e 1,14 % do seu volume de negócios durante o período de inquérito. Todavia, há que salientar que esta parte não explica por que razão os seus custos de produção e o seu volume de negócios constituem o quadro de análise pertinente para medir o impacto dos regimes fiscais preferenciais na sua situação financeira.

123

Em segundo lugar, a Xinyi PV salienta que os dois regimes fiscais preferenciais em causa não têm caráter permanente. A este respeito, há que observar que, como alega a Comissão, resulta das declarações efetuadas pela Xinyi PV durante o procedimento de inquérito que, embora o programa «2 Free 3 Halve» esteja limitado a um período de cinco anos e a admissão ao benefício do regime fiscal das empresas de alta tecnologia esteja inicialmente fixada em três anos, não deixa de ser verdade que a admissão a este último regime é renovável a pedido do beneficiário. Nestas condições, a Comissão pôde, sem cometer nenhum erro manifesto de apreciação, considerar que o benefício de pelo menos um dos dois regimes, a saber, o regime fiscal das empresas de alta tecnologia, é quase permanente.

124

Decorre do exposto que a Xinyi PV não conseguiu demonstrar que as apreciações da Comissão estão viciadas por um erro manifesto de apreciação.

125

Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento e, como tal, este último na sua totalidade.

Quanto aos demais fundamentos

126

Contrariamente ao que se concluiu quanto ao primeiro fundamento do recurso em primeira instância, o litígio não está em condições de ser julgado no que respeita ao segundo a quarto fundamentos desse recurso.

127

Com efeito, nem no Acórdão de 16 de março de 2016, Xinyi PV Products (Anhui) Holdings/Comissão (T‑586/14, EU:T:2016:154), nem no acórdão recorrido o Tribunal Geral se pronunciou sobre estes últimos fundamentos, tendo‑se este limitado, em cada um desses acórdãos, a anular o regulamento controvertido com base, respetivamente, na primeira e segunda partes do primeiro fundamento perante si suscitado, sem ter considerado necessário pronunciar‑se sobre os outros fundamentos. Ora, por um lado, tendo em conta os elementos dos autos do processo no Tribunal Geral, afigura‑se que estes fundamentos não foram objeto de instrução nem de discussões aprofundadas por ocasião dos processos que conduziram a estes dois acórdãos. Por outro, os referidos fundamentos implicam que se proceda a apreciações factuais complexas, relativamente às quais o Tribunal de Justiça considera que não dispõe de todos os elementos de facto necessários.

128

Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que este decida sobre o segundo a quarto fundamentos do recurso perante ele invocados.

Quanto às despesas

129

Sendo o processo remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de setembro de 2019, Xinyi PV Products (Anhui) Holdings/Comissão (T‑586/14 RENV, EU:T:2019:668), é anulado.

 

2)

O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia para que se pronuncie quanto ao segundo a quarto fundamentos do recurso perante ele invocados.

 

3)

Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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