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Document 62019CJ0710

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 17 de dezembro de 2020.
G. M. A. contra État belge.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État (Bélgica).
Reenvio prejudicial — Livre circulação de pessoas — Artigo 45.o TFUE — Cidadania da União — Diretiva 2004/38/CE — Direito de residência por mais de três meses — Artigo 14.o, n.o 4, alínea b) — Pessoas à procura de emprego — Prazo razoável para tomar conhecimento das propostas de emprego que possam interessar às pessoas à procura de emprego e para adotar as medidas que lhe permitam ser contratadas — Obrigações impostas pelo Estado‑Membro de acolhimento às pessoas à procura de emprego durante esse período — Requisitos do direito de residência — Obrigação de continuar à procura de emprego e de ter hipóteses genuínas de ser contratado.
Processo C-710/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:1037

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

17 de dezembro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Livre circulação de pessoas — Artigo 45.o TFUE — Cidadania da União — Diretiva 2004/38/CE — Direito de residência por mais de três meses — Artigo 14.o, n.o 4, alínea b) — Pessoas à procura de emprego — Prazo razoável para tomar conhecimento das propostas de emprego que possam interessar às pessoas à procura de emprego e para adotar as medidas que lhe permitam ser contratadas — Obrigações impostas pelo Estado‑Membro de acolhimento às pessoas à procura de emprego durante esse período — Requisitos do direito de residência — Obrigação de continuar à procura de emprego e de ter hipóteses genuínas de ser contratado»

No processo C‑710/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica), por Decisão de 12 de setembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de setembro de 2019, no processo

G. M. A.

contra

État belge,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, L. Bay Larsen, M. Safjan e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de G. M. A., por A. Valcke, avocat,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck, C. Pochet e M. Jacobs, na qualidade de agentes, assistidas por F. Motulsky, avocat,

em representação do Governo dinamarquês, por M. Wolff e J. Nymann‑Lindegren, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por Z. Lavery e S. Brandon, na qualidade de agentes, assistidos por K. Apps, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por D. Martin, B.‑R. Killmann e E. Montaguti, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de setembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.o TFUE, dos artigos 15.o e 31.o da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77, e retificação no JO 2004, L 229, p. 35), e dos artigos 41.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe G. M. A. ao État belge (Estado belga) a respeito da recusa deste último de reconhecer a G. M. A. um direito de residência no território belga por mais de três meses enquanto pessoa à procura de emprego.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 9 da Diretiva 2004/38 tem o seguinte teor:

«Os cidadãos da União deverão ter o direito de residir no Estado‑Membro de acolhimento por período não superior a três meses sem estarem sujeitos a quaisquer condições ou formalidades além das de possuir um bilhete de identidade ou passaporte válido, sem prejuízo de um tratamento mais favorável aplicável às pessoas à procura de emprego, conforme reconhecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça.»

4

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva:

«Os cidadãos da União têm o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período até três meses sem outras condições e formalidades além de ser titular de um bilhete de identidade ou passaporte válido.»

5

O artigo 7.o, n.os 1 e 3, da referida diretiva prevê:

«1.   Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)

Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)

Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

c)

esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional, e

disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; ou

d)

Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).

[…]

3.   Para os efeitos da alínea a) do n.o 1, o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma atividade assalariada ou não assalariada mantém o estatuto de trabalhador assalariado ou não assalariado nos seguintes casos:

a)

Quando tiver uma incapacidade temporária de trabalho, resultante de doença ou acidente;

b)

Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado depois de ter tido emprego durante mais de um ano e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego;

c)

Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado no termo de um contrato de trabalho de duração determinada inferior a um ano ou ficar em situação de desemprego involuntário durante os primeiros 12 meses, e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego. Neste caso, mantém o estatuto de trabalhador assalariado durante um período não inferior a seis meses;

d)

Quando seguir uma formação profissional. A menos que o interessado esteja em situação de desemprego involuntário, a manutenção do estatuto de trabalhador assalariado pressupõe uma relação entre a atividade profissional anterior e a formação em causa.»

6

O artigo 8.o da mesma diretiva impõe uma série de formalidades administrativas às categorias de pessoas a que se refere o artigo 7.o desse diploma.

7

O artigo 14.o, n.os 1, 2 e 4, da Diretiva 2004/38 dispõe:

«1.   Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se refere o artigo 6.o, desde que não se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

2.   Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se referem os artigos 7.o, 12.o e 13.o enquanto preencherem as condições neles estabelecidas.

[…]

4.   Em derrogação dos n.os 1 e 2 e sem prejuízo do disposto no capítulo VI, em caso algum pode ser tomada uma medida de afastamento contra cidadãos da União ou membros das suas famílias se:

[…]

b)

Os cidadãos da União entraram no território do Estado‑Membro de acolhimento para procurar emprego. Neste caso, os cidadãos da União e os membros das suas famílias não podem ser afastados enquanto os cidadãos da União comprovarem que continuam a procurar emprego e que têm hipóteses genuínas de serem contratados.»

Direito belga

8

O artigo 39/2, n.o 2, da loi du 15 décembre 1980 sur l’accès au territoire, le séjour, l’établissement et l’éloignement des étrangers (Lei de 15 de dezembro de 1980, relativa ao Acesso ao Território, à Permanência, à Residência e à Expulsão dos Estrangeiros) (Moniteur belge de 31 de dezembro de 1980, p. 14584), na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «Lei de 15 de dezembro de 1980»), prevê:

«O Conseil [du contentieux des étrangers (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros, Bélgica)] pronuncia‑se, por acórdão, sobre os recursos de anulação interpostos por violação de formalidades essenciais ou impostas sob pena de nulidade, excesso ou desvio de poder.»

9

Nos termos do artigo 40.o, n.o 4, da Lei de 15 de dezembro de 1980:

«Os cidadãos da União têm o direito de residir no Reino por um período superior a três meses desde que cumpram o requisito definido no artigo 41.o, [primeiro parágrafo], e:

1° se, no Reino, forem trabalhadores assalariados ou não assalariados ou nele entrarem para procurar emprego, desde que estejam em condições de provar que continuam a procurar emprego e têm hipóteses genuínas de ser contratados;

[…]»

10

Nos termos do artigo 50.o do arrêté royal sur l’accès au territoire, le séjour, l’établissement et l’éloignement des étrangers, du 8 octobre 1981 (Decreto Real de 8 de outubro de 1981 relativo ao Acesso ao Território, à Permanência, à Residência e à Expulsão de Estrangeiros) (Moniteur belge de 27 de outubro de 1981, p. 13740):

«§ 1er. Os cidadãos da União que pretendam permanecer no território do Reino por mais de três meses e que demonstrem ter a sua cidadania em conformidade com o artigo 41.o, [primeiro parágrafo], da [Lei de 15 de dezembro de 1980] deverão apresentar um pedido de autorização de residência à administração da comuna em que residem por documento conforme ao modelo constante do anexo 19.

[…]

§ 2. No momento da apresentação do pedido ou o mais tardar no prazo de três meses após o pedido, os cidadãos da União deverão […] apresentar os seguintes documentos:

[…]

3° candidato a um emprego:

a)

inscrição no serviço de emprego competente ou cópia de cartas de candidatura; e

b)

prova de que, atenta a situação pessoal do interessado, designadamente os diplomas que obteve, as eventuais formações profissionais que frequentou ou previstas e a duração do período de desemprego, tem hipóteses genuínas de ser contratado;

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

Em 27 de outubro de 2015, G. M. A., de nacionalidade grega, apresentou, na qualidade de pessoa à procura de emprego, ao abrigo do disposto no artigo 50.o, n.o 1, do Decreto Real relativo ao Acesso ao Território, à Permanência, à Residência e à Expulsão de Estrangeiros, um pedido de autorização de residência na Bélgica, a fim de obter um direito de residência por mais de três meses nesse Estado‑Membro. Do pedido de decisão prejudicial não se infere a data em que G. M. A. entrou no território do referido Estado‑Membro.

12

Em 18 de março de 2016, esse pedido foi indeferido por decisão do Office des étrangers (Serviço de Estrangeiros, Bélgica) (a seguir «Serviço»), pelo facto de que G. M. A. não satisfazia os requisitos impostos pela legislação belga para beneficiar de um direito de residência por mais de três meses (a seguir «decisão do Serviço»). Com efeito, segundo o Serviço, a documentação apresentada por G. M. A. não deixava antever que este tivesse hipóteses genuínas de ser contratado no território belga. Por conseguinte, foi ordenado a G. M. A. que abandonasse o território belga no prazo de 30 dias após a notificação da referida decisão.

13

Por Acórdão de 28 de junho de 2018, o Conseil du contentieux des étrangers (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros, Bélgica) (a seguir «CCE»), a saber, o órgão jurisdicional competente para, em primeira instância, apreciar da legalidade das decisões do Serviço, negou provimento ao recurso que G. M. A. interpôs da decisão do Serviço.

14

G. M. A. interpôs então recurso de cassação no órgão jurisdicional de reenvio, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica), tendo alegado, em primeiro lugar, que do artigo 45.o TFUE, interpretado à luz do Acórdão de 26 de fevereiro de 1991, Antonissen (C‑292/89, EU:C:1991:80), decorre que os Estados‑Membros têm a obrigação de conceder um «prazo razoável» às pessoas à procura de emprego provenientes de outro Estado‑Membro, para que essas pessoas possam tomar conhecimento das propostas de emprego suscetíveis de lhes convir e adotar as medidas necessárias para serem contratadas. Segundo uma interpretação conjugada por analogia do artigo 7.o, n.o 3, e dos artigos 11.o e 16.o da Diretiva 2004/38, esse prazo nunca poderia ser inferior a seis meses.

15

Além disso, as pessoas à procura de emprego, durante todo esse período, não eram obrigadas a fazer prova de que tinham hipóteses genuínas de ser contratadas.

16

Em segundo lugar, G. M. A. alegou que, posteriormente à adoção da decisão do Serviço, a saber, em 6 de abril de 2016, foi contratado pelo Parlamento Europeu na qualidade de estagiário. Esta circunstância demonstrava que tinha hipóteses genuínas de ser contratado e que, portanto, podia ter beneficiado de um direito de residência por mais de três meses.

17

Ora, ao não tomar em consideração a contratação de G. M. A., o CCE violou os artigos 15.o e 31.o da Diretiva 2004/38, bem como os artigos 41.o e 47.o da Carta. Com efeito, resulta dessas disposições que os órgãos jurisdicionais competentes para fiscalizar a legalidade de uma decisão administrativa relativa ao direito de residência de um cidadão da União devem proceder a um exame exaustivo de todas as circunstâncias pertinentes e tomar em consideração todos os elementos de facto levados ao seu conhecimento, ainda que posteriores à decisão em causa.

18

Atendendo a estas considerações, G. M. A. alegou que o CCE deveria ter afastado a aplicação da regra processual nacional que transpôs incorretamente para direito belga os artigos 15.o e 31.o da Diretiva 2004/38, a saber, o artigo 39/2, n.o 2, da Lei de 15 de dezembro de 1980, com base no qual esse órgão jurisdicional não teve em consideração a sua contratação como estagiário, posterior à decisão do Serviço.

19

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a solução do litígio no processo principal depende da forma como o Tribunal de Justiça interpretar o artigo 45.o TFUE, os artigos 15.o e 31.o da Diretiva 2004/38, bem como os artigos 41.o e 47.o da Carta. Com efeito, se estas disposições devessem ser interpretadas no sentido preconizado por G. M. A., este deveria beneficiar de um direito de residência, no território belga, de duração superior a três meses.

20

Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 45.o [TFUE] ser interpretado e aplicado no sentido de que o Estado‑Membro de acolhimento tem a obrigação, primeiro, de conceder um prazo razoável a uma pessoa à procura de emprego para lhe permitir tomar conhecimento das ofertas de emprego que possam ser adequadas à sua situação e tomar as medidas necessárias para poder ser contratad[a], segundo, de reconhecer que o prazo para a procura de emprego não pode, em caso algum, ser inferior a seis meses e, terceiro, de autorizar que uma pessoa à procura de emprego esteja presente no seu território durante todo aquele período sem lhe exigir que apresente prova de uma hipótese [genuína] de ser contratad[a]?

2)

Devem os artigos 15.o e 31.o da Diretiva [2004/38] e os artigos 41.o e 47.o da [Carta], bem como os princípios gerais do primado do direito da União […] e do efeito útil das diretivas, ser interpretados e aplicados no sentido de que os órgãos jurisdicionais nacionais do Estado‑Membro de acolhimento têm a obrigação, no âmbito de um recurso de anulação que tem por objeto uma decisão por meio da qual é recusado a um cidadão da União um direito de residência de duração superior a três meses, de tomar em consideração novos elementos ocorridos depois de as autoridades nacionais terem tomado a decisão, num momento em que estes elementos são suscetíveis de conduzir a uma alteração da situação da pessoa em causa da qual resultaria a impossibilidade de limitar os direitos de residência dessa pessoa no Estado‑Membro de acolhimento?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

21

A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Neste sentido, incumbe ao Tribunal de Justiça, sendo caso disso, reformular as questões que lhe são submetidas. A circunstância de um órgão jurisdicional nacional ter, no plano formal, formulado uma questão prejudicial com base em certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões [Acórdão de 23 de abril de 2020, Land Niedersachsen (Períodos anteriores de atividade pertinente), C‑710/18, EU:C:2020:299, n.o 18].

22

No presente caso, embora, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretenda apenas uma interpretação do artigo 45.o TFUE, importa ter presente que o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38 se refere especificamente às pessoas à procura de emprego. Com efeito, segundo essa disposição, os cidadãos da União não podem ser objeto de uma medida de afastamento se, por um lado, entraram no território do Estado‑Membro de acolhimento para aí procurar emprego e, por outro, estiverem em condições de provar que aí continuam a procurar emprego e que têm hipóteses genuínas de ser contratados.

23

Consequentemente, há que entender que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 45.o TFUE e o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38 devem ser interpretados no sentido de que o Estado‑Membro de acolhimento é obrigado a conceder um prazo razoável às pessoas à procura de emprego para poderem tomar conhecimento das propostas de emprego suscetíveis de lhes convir e para tomarem as medidas necessárias para serem contratadas, nunca podendo esse prazo ser inferior a seis meses, e que, durante o referido período, o Estado‑Membro de acolhimento pode exigir às pessoas à procura de emprego que façam prova de que estão à procura de emprego e de que têm hipóteses genuínas de ser contratadas.

24

No que respeita, em primeiro lugar, à questão de saber se o Estado‑Membro de acolhimento é obrigado a conceder às pessoas à procura de emprego um «prazo razoável» que lhes permita tomar conhecimento das propostas de emprego suscetíveis de lhes convir e adotar as medidas necessárias para serem contratadas, importa referir que o conceito de «trabalhador», na aceção do artigo 45.o TFUE, tem um significado autónomo no âmbito do direito da União, não podendo ser interpretado de forma restritiva (Acórdão de 21 de fevereiro de 2013, N., C‑46/12, EU:C:2013:97, n.o 39). Em especial, uma pessoa que verdadeiramente procura um emprego deve ser qualificada de «trabalhador» (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2014, Saint Prix, C‑507/12, EU:C:2014:2007, n.o 35).

25

Importa também sublinhar que a livre circulação dos trabalhadores faz parte dos fundamentos da União e, assim sendo, as disposições que consagram essa liberdade devem ser interpretadas de forma lata. Em especial, uma interpretação estrita do artigo 45.o, n.o 3, TFUE comprometeria as hipóteses genuínas de o nacional de um Estado‑Membro que procura emprego vir a obtê‑lo nos outros Estados‑Membros, privando assim esta disposição do seu efeito útil (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 1991, Antonissen, C‑292/89, EU:C:1991:80, n.os 11 e 12).

26

Daqui decorre que a livre circulação dos trabalhadores implica o direito de os nacionais dos Estados‑Membros circularem livremente no território dos outros Estados‑Membros e aí residirem para procurar emprego (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 1991, Antonissen, C‑292/89, EU:C:1991:80, n.o 13), tendo a existência desse direito sido codificada pelo legislador da União no artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38. A este propósito, cumpre salientar que o efeito útil do artigo 45.o TFUE está garantido na medida em que a legislação da União, ou, na sua falta, a legislação de um Estado‑Membro, conceda aos interessados um prazo razoável que lhes permita tomar conhecimento, no território do Estado‑Membro de acolhimento, das ofertas de emprego correspondentes às suas qualificações profissionais, e tomar, eventualmente, as medidas necessárias para serem contratados (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 1991, Antonissen, C‑292/89, EU:C:1991:80, n.o 16).

27

Por conseguinte, há que reconhecer que o Estado‑Membro de acolhimento é obrigado a conceder às pessoas à procura de emprego um prazo razoável que lhes permita tomar conhecimento, no território do referido Estado‑Membro, das propostas de emprego correspondentes às suas qualificações profissionais e adotar, eventualmente, as medidas necessárias para serem contratadas.

28

No que respeita, em segundo lugar, à duração desse prazo, importa, antes de mais, recordar que resulta do artigo 6.o da Diretiva 2004/38 que todos os cidadãos da União têm o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por um período até três meses sem outras condições e formalidades além de ser titular de um bilhete de identidade ou passaporte válido.

29

O artigo 7.o dessa diretiva define, por seu turno, as situações em que um cidadão da União pode beneficiar de um direito de residência por mais de três meses.

30

Recorde‑se igualmente que o artigo 14.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva define as condições em que os cidadãos da União podem manter o direito de residência previsto, conforme o caso, no artigo 6.o ou no artigo 7.o desse diploma.

31

Em especial, por força do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, o direito de residência a que se refere o artigo 6.o deste diploma mantém‑se desde que os interessados não se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento. O artigo 14.o, n.o 2, desta diretiva prevê, designadamente, que os cidadãos da União e os membros das suas famílias beneficiam de um direito de residência por mais de três meses desde que satisfaçam as condições definidas no artigo 7.o da referida diretiva.

32

Ora, conforme resulta do n.o 22 do presente acórdão, é o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38, disposição que estabelece uma derrogação aos n.os 1 e 2 do referido artigo 14.o, que se refere especificamente às pessoas à procura de emprego.

33

Donde se conclui que o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38 determina especificamente as condições de que depende a manutenção do direito de residência dos cidadãos da União que abandonam o seu Estado‑Membro de origem com a vontade de procurar emprego no Estado‑Membro de acolhimento. Porém, esta disposição, que o legislador da União adotou com o objetivo de codificar os ensinamentos retirados do Acórdão de 26 de fevereiro de 1991, Antonissen (C‑292/89, EU:C:1991:80), relativo ao direito de residência das pessoas à procura de emprego fundado no artigo 45.o TFUE, rege também diretamente o direito de residência dos cidadãos da União que possuem a qualidade de pessoa à procura de emprego, conforme resulta, nomeadamente, do n.o 52 do Acórdão de 15 de setembro de 2015, Alimanovic (C‑67/14, EU:C:2015:597).

34

Assim, quando um cidadão da União entra no território de um Estado‑Membro de acolhimento para aí procurar emprego, o seu direito de residência rege‑se, a partir da data da sua inscrição como pessoa à procura de emprego, pelo artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38.

35

Todavia, há que salientar que resulta da letra do artigo 6.o da Diretiva 2004/38 que essa disposição se aplica indiferenciadamente a todos os cidadãos da União, seja qual for a intenção com que esses cidadãos entrem no território do Estado‑Membro de acolhimento. Daqui decorre que, mesmo quando um cidadão da União entra no território de um Estado‑Membro de acolhimento com a intenção de aí procurar emprego, o seu direito de residência rege‑se igualmente, durante os três primeiros meses, pelo artigo 6.o da Diretiva 2004/38.

36

Nestas circunstâncias, durante o referido período de três meses a que se refere essa disposição, por um lado, não pode ser imposta nenhuma condição a esse cidadão, para além da obrigatoriedade de possuir um documento de identificação válido.

37

Por outro lado, deve entender‑se que o prazo razoável a que se refere o n.o 27 do presente acórdão começa a correr a partir do momento em que o cidadão da União em causa decidiu inscrever‑se como pessoa à procura de emprego no Estado‑Membro de acolhimento.

38

No que respeita, em segundo lugar, à possibilidade de determinar qual a duração mínima desse prazo razoável, cumpre salientar que o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38 não contém nenhuma indicação a esse respeito.

39

Nestas condições, recorde‑se, antes de mais, que, conforme resulta do n.o 26 do presente acórdão, esse prazo deve permitir garantir o efeito útil do artigo 45.o TFUE.

40

Seguidamente, no n.o 21 do Acórdão de 26 de fevereiro de 1991, Antonissen (C‑292/89, EU:C:1991:80), o Tribunal de Justiça, embora não fixando a duração mínima do que deveria ser esse prazo razoável, entendeu que um prazo de seis meses, contado desde a entrada no território do Estado‑Membro de acolhimento, como o que estava em causa no litígio que esteve na origem desse acórdão, não era suscetível de pôr em causa o referido efeito útil.

41

Por último, nesse contexto, importa atender aos objetivos da Diretiva 2004/38, que visa facilitar o exercício do direito fundamental e individual de circular e de residir que é conferido diretamente aos cidadãos da União pelo artigo 21.o, n.o 1, TFUE e reforçar esse direito (v., neste sentido, Acórdão de 11 de abril de 2019, Tarola, C‑483/17, EU:C:2019:309, n.o 23).

42

Atendendo a estas considerações, há que reconhecer que um prazo de seis meses a contar da data de inscrição não se afigura, em princípio, insuficiente e não põe em causa o efeito útil do artigo 45.o TFUE.

43

Por último, no que respeita às obrigações que o Estado‑Membro de acolhimento pode impor às pessoas à procura de emprego durante esse mesmo prazo razoável, conforme resulta do n.o 22 do presente acórdão, resulta da letra do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38 que a pessoa à procura de emprego não pode ser objeto de afastamento se conseguir demonstrar que continua a procurar emprego e que tem hipóteses genuínas de ser contratada. Esta disposição reproduz, no essencial, o princípio que decorre do n.o 21 do Acórdão de 26 de fevereiro de 1991, Antonissen (C‑292/89, EU:C:1991:80), segundo o qual o interessado não poderá ser obrigado a abandonar o território do Estado‑Membro acolhimento se, após o decurso de um prazo razoável, provar que «continua a procurar emprego e que tem efetivamente possibilidades de ser contratado».

44

Na medida em que, para evitar ter de abandonar o Estado‑Membro de acolhimento, a pessoa à procura de emprego deve, portanto, «continuar» a procurar emprego após o decurso desse prazo razoável, há que concluir que o Estado‑Membro de acolhimento pode, ainda no decurso do referido prazo, exigir que a pessoa à procura de emprego procure emprego. Todavia, no decurso desse prazo, esse Estado‑Membro não pode exigir do interessado que faça prova da existência de hipóteses genuínas de ser contratado.

45

Na medida em que, conforme resulta do n.o 27 do presente acórdão, o objetivo desse prazo razoável é permitir às pessoas que procuram emprego tomar conhecimento das propostas de emprego correspondentes às suas qualificações pessoais e adotar as medidas necessárias para serem contratadas, essa interpretação encontra apoio no facto de só no termo desse prazo as autoridades nacionais competentes poderem estar em condições de apreciar se o interessado continua à procura de emprego e tem hipóteses genuínas de ser contratado.

46

Por conseguinte, é apenas após o decurso desse mesmo prazo razoável que a pessoa à procura de emprego é obrigada a fazer prova de que não só continua à procura de emprego mas também de que tem hipóteses genuínas de ser contratada.

47

Cabe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de acolhimento apreciar os elementos de prova produzidos para o efeito pela pessoa à procura de emprego em causa. A este propósito, as referidas autoridades e os órgãos jurisdicionais deverão proceder a uma análise de conjunto de todos os elementos pertinentes, como, por exemplo, conforme sublinhou o advogado‑geral nos n.os 75 e 76 das suas conclusões, a circunstância de essa pessoa estar inscrita no organismo nacional responsável pelos candidatos a emprego, se manifestar regularmente junto dos potenciais empregadores, enviando‑lhes candidaturas, ou ainda comparecer a entrevistas de emprego. No contexto dessa apreciação, as referidas autoridades e órgãos jurisdicionais devem ter em consideração a situação do mercado de trabalho nacional no setor correspondente às qualificações pessoais da pessoa à procura de emprego em causa. Em contrapartida, o facto de este ter recusado propostas de emprego que não correspondiam às suas qualificações profissionais não pode ser tido em conta para se considerar que não satisfaz as condições definidas no artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38.

48

No presente caso, decorre das considerações acima expostas que G. M. A., quando apresentou o seu pedido de inscrição como pessoa à procura de emprego, concretamente em 27 de outubro de 2015, devia, pelo menos, dispor de um prazo razoável durante o qual as autoridades belgas apenas lhe podiam impor que demonstrasse estar à procura de emprego.

49

Ora, das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe resulta que a decisão do Serviço que recusou a G. M. A. um direito de residência por mais de três meses em território belga foi tomada porque os elementos de prova que este produziu em apoio do seu pedido não eram suscetíveis de demonstrar que tinha hipóteses genuínas de ser contratado.

50

Nessas condições, há que declarar que o artigo 45.o TFUE e o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38 se opõem a uma regulamentação nacional que impõe tal condição às pessoas à procura de emprego que se encontrem numa situação como a de G. M. A.

51

Em face das considerações precedentes, há que responder à primeira questão nos seguintes termos:

O artigo 45.o TFUE e o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38 devem ser interpretados no sentido de que um Estado‑Membro de acolhimento é obrigado a conceder um prazo razoável a um cidadão da União, que começa a correr quando esse cidadão da União se inscreve como pessoa à procura de emprego, para lhe permitir conhecer as propostas de emprego suscetíveis de lhe interessar e de tomar as medidas necessárias para ser contratado.

Durante esse período, o Estado‑Membro de acolhimento pode exigir que a pessoa à procura de emprego faça prova de que está à procura de emprego. Só após o decurso do referido prazo é que esse Estado‑Membro pode exigir que a pessoa à procura de emprego demonstre que não só continua à procura de emprego mas também que tem hipóteses genuínas de ser contratada.

Quanto à segunda questão

52

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 15.o e 31.o da Diretiva 2004/38, os artigos 41.o e 47.o da Carta, bem como os princípios do primado e do efeito útil devem ser interpretados no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de acolhimento, no contexto da apreciação do recurso interposto de uma decisão através da qual foi recusada a uma pessoa à procura de emprego a concessão de um direito de residência de duração superior a três meses, são obrigados a exercer uma fiscalização de plena jurisdição e a tomar em consideração elementos surgidos depois da referida decisão, quando esses elementos sejam suscetíveis de modificar a situação dessa pessoa à procura de emprego e de justificar a concessão do referido direito de residência.

53

Da resposta à primeira questão resulta que as autoridades do Estado‑Membro de acolhimento, durante o período correspondente ao prazo razoável a que se refere o n.o 51 do presente acórdão, não podem exigir à pessoa à procura de emprego em causa que demonstre ter hipóteses genuínas de ser contratada. Por conseguinte, na medida em que, no presente caso, a decisão do Serviço impôs a G. M. A. obrigações contrárias ao artigo 45.o TFUE e ao artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38, não se afigura necessário examinar se elementos surgidos após essa decisão devem ser tidos em conta pelos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de acolhimento para efeitos de ao recorrente no processo principal ser reconhecido um direito de residência enquanto pessoa à procura de emprego.

54

Nestas condições, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

55

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 45.o TFUE e o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, devem ser interpretados no sentido de que um Estado‑Membro de acolhimento é obrigado a conceder um prazo razoável a um cidadão da União, que começa a correr quando esse cidadão da União se inscreve como pessoa à procura de emprego, para lhe permitir conhecer as propostas de emprego suscetíveis de lhe interessar e de tomar as medidas necessárias para ser contratado.

 

Durante esse período, o Estado‑Membro de acolhimento pode exigir que a pessoa à procura de emprego faça prova de que está à procura de emprego. Só após o decurso do referido prazo é que esse Estado‑Membro pode exigir que a pessoa à procura de emprego demonstre que não só continua à procura de emprego mas também que tem hipóteses genuínas de ser contratada.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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