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Document 62019CJ0707

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 20 de maio de 2021.
K.S. contra A.B.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy dla Łodzi-Śródmieścia w Łodzi.
Reenvio prejudicial — Seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis — Diretiva 2009/103/CE — Artigo 3.o — Obrigação de cobertura dos danos materiais — Alcance — Regulamentação de um Estado‑Membro que limita a obrigação de cobrir os custos de reboque do veículo acidentado aos incorridos no território desse Estado‑Membro e os custos de estacionamento aos que se tornaram necessários por uma investigação penal ou por outras razões.
Processo C-707/19.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:405

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

20 de maio de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis — Diretiva 2009/103/CE — Artigo 3.o — Obrigação de cobertura dos danos materiais — Alcance — Regulamentação de um Estado‑Membro que limita a obrigação de cobrir os custos de reboque do veículo acidentado aos incorridos no território desse Estado‑Membro e os custos de estacionamento aos que se tornaram necessários por uma investigação penal ou por outras razões»

No processo C‑707/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy dla Łodzi‑Śródmieścia w Łodzi (Tribunal de Primeira Instância de Łódź — Centro, Polónia), por Decisão de 2 de setembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de setembro de 2019, no processo

K.S.

contra

A.B.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, M. Ilešič, E. Juhász, C. Lycourgos e I. Jarukaitis (relator), juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de A.B., por M. Samocik, radca prawny,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo letão, inicialmente por V. Soņeca e K. Pommere, e em seguida por K. Pommere, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll e M. Winkler‑Unger, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por H. Tserepa‑Lacombe e B. Sasinowska, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 2009, L 263, p. 11).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe K.S. à A.B., a respeito de um pedido de reembolso dos custos de estacionamento na Letónia e de reboque para a Polónia de um veículo e de um semirreboque danificados na sequência de um acidente de circulação automóvel ocorrido na Letónia.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2 e 20 da Diretiva 2009/103 enunciam:

«(2)

O seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (seguro automóvel) assume especial importância para os cidadãos europeus na qualidade de tomadores de seguros ou vítimas de um acidente. Representa igualmente uma preocupação significativa para as empresas de seguros, uma vez que constitui uma parte importante do seguro não‑vida na [União Europeia]. O seguro automóvel tem igualmente repercussões sobre a livre circulação das pessoas e veículos. Assim sendo, reforçar e consolidar o mercado interno do seguro automóvel [na União] deverá constituir um objetivo importante da intervenção [da União] no domínio dos serviços financeiros.

[…]

(20)

Deverá ser garantido que as vítimas de acidentes de veículos automóveis recebam tratamento idêntico, independentemente dos locais da [União] onde ocorram os acidentes.»

4

O artigo 1.o desta diretiva, com a epígrafe «Definições», tem a seguinte redação:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva entende‑se por:

1)

“Veículo”: qualquer veículo automóvel destinado a circular sobre o solo, que possa ser acionado por uma força mecânica, sem estar ligado a uma via‑férrea, bem como os reboques, ainda que não atrelados;

2)

“Pessoa lesada”: qualquer pessoa que tenha direito a uma indemnização por danos causados por veículos;

[…]»

5

O artigo 3.o da referida diretiva, com a epígrafe «Obrigação de segurar veículos», dispõe:

«Cada Estado‑Membro, sem prejuízo do artigo 5.o, adota todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro.

As medidas referidas no primeiro parágrafo devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.

Cada Estado‑Membro adota todas as medidas adequadas para que o contrato de seguro abranja igualmente:

a)

Os prejuízos causados no território de outro Estado‑Membro, de acordo com a respetiva legislação nacional em vigor;

[…]

O seguro referido no primeiro parágrafo deve, obrigatoriamente, cobrir danos materiais e pessoais.»

Direito letão

6

O artigo 28.o da Sauszemes transportlīdzekļu īpašnieku civiltiesiskās atbildības obriga ātās apdrošināšanas likums (Lei relativa ao Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil dos Proprietários de Veículos Terrestres), de 7 de abril de 2004 (Latvijas Vēstnesis, 2004, n.o 65), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei Letã relativa ao Seguro Automóvel Obrigatório»), prevê:

«Por custos associados às operações de remoção do veículo ou das suas partes restantes entendem‑se os custos de remoção do veículo ou das suas partes restantes do local do sinistro para o local de residência do proprietário ou condutor autorizado do veículo no momento do acidente, ou para o local de reparação, no território da República da Letónia. Se, no contexto de uma investigação em processo penal ou por outras razões, for necessário deixar o veículo ou as suas partes restantes numa zona de estacionamento, no cálculo dos danos são incluídos também os custos de remoção do veículo ou das suas partes restantes para uma zona de estacionamento adequada e as taxas pelos serviços de estacionamento.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

7

Em 30 de outubro de 2014, ocorreu um acidente de circulação na cidade de K. (Letónia), no qual um veículo e o seu semirreboque, pertencentes a K.S. e registados na Polónia, ficaram danificados. O veículo e o semirreboque foram, devido aos danos sofridos, removidos para um parque de estacionamento, para aí ficarem estacionados, e depois rebocados para a Polónia.

8

Os custos de estacionamento na Letónia ascenderam a 6020 zlótis polacos (PLN) (cerca de 1292 euros) e os custos de reboque para a Polónia a 32860 PLN (cerca de 7054 euros).

9

Na sequência de um pedido de reembolso apresentado por K.S., a A.B., companhia de seguros junto da qual estava segurada a responsabilidade civil do autor do acidente, pagou‑lhe uma indemnização de 4492,44 PLN (cerca de 964 euros), a título dos custos de reboque na Letónia. Em contrapartida, a A.B. recusou pagar qualquer indemnização a título dos custos de estacionamento na Letónia e de reboque fora do território letão.

10

Em 23 de janeiro de 2017, K.S. intentou no Sąd Rejonowy dla Łodzi‑Śródmieścia w Łodzi (Tribunal de Primeira Instância de Łódź — Centro, Polónia), o órgão jurisdicional de reenvio, uma ação destinada a obter a condenação da A.B. a pagar‑lhe, com juros de mora, o montante total de 28527,56 PLN (cerca de 6124 euros) a título dos custos de reboque fora do território letão e o montante de 6020 PLN (cerca de 1292 euros) a título dos custos de estacionamento na Letónia.

11

Na contestação, a A.B. sustentou que, em conformidade com o direito letão aplicável, apenas estava obrigada a reembolsar os custos de reboque incorridos no território letão e os custos de estacionamento relacionados com um processo penal ou outro processo.

12

O órgão jurisdicional de reenvio declara, a título preliminar, que, em conformidade com a Convenção sobre a Lei Aplicável em Matéria de Acidentes de Circulação Rodoviária, celebrada em Haia em 4 de maio de 1971, a lei aplicável ao litígio que lhe foi submetido é a lei do Estado em cujo território o acidente ocorreu, ou seja, a lei letã.

13

Ora, uma vez que o artigo 28.o da Lei Letã relativa ao Seguro Automóvel Obrigatório não prevê a obrigação de cobrir os custos de reboque de um veículo danificado, quando o reboque tem lugar fora do território letão, nem os custos de estacionamento do veículo imobilizado, a menos que estes sejam justificados por uma investigação penal ou por outras razões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o alcance do artigo 3.o da Diretiva 2009/103, que impõe aos Estados‑Membros a obrigação geral de assegurar que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos esteja coberta por um seguro.

14

Salienta que este artigo 3.o não precisa o âmbito da cobertura do seguro obrigatório que cada Estado‑Membro deve prever no que respeita à responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos, dado que o segundo parágrafo desta disposição precisa unicamente que «as medidas referidas no primeiro parágrafo», o qual prevê a obrigação de cada Estado‑Membro adotar «todas as medidas adequadas», devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.

15

Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a locução «todas as medidas adequadas» deve ser interpretada no sentido de que cada Estado‑Membro deve prever a cobertura da totalidade dos danos pelo seguro obrigatório.

16

A este respeito, sublinha que o alcance desta locução lhe parece menos vinculativo na sua versão em língua polaca do que nas suas versões em língua inglesa e francesa. Em todo o caso, a jurisprudência e a doutrina polacas pronunciam‑se, no domínio do seguro de responsabilidade civil automóvel, a favor do princípio da reparação integral do prejuízo.

17

O órgão jurisdicional de reenvio observa que, em conformidade com o artigo 3.o, quarto parágrafo, da Diretiva 2009/103, o seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos deve, obrigatoriamente, cobrir em simultâneo danos materiais e pessoais. Ora, em seu entender, não há nenhuma dúvida de que os custos de reboque e de estacionamento, como os que estão em causa no processo principal, constituem danos materiais decorrentes do acidente. Por conseguinte, do seu ponto de vista, a condição relativa ao nexo de causalidade está indubitavelmente preenchida e a solução do litígio que lhe foi submetido depende apenas da interpretação da Lei Letã relativa ao Seguro Automóvel Obrigatório.

18

Ora, a interpretação literal do artigo 28.o desta lei pode não ser compatível com a finalidade do artigo 3.o da Diretiva 2009/103, dado que é suscetível de conduzir a uma situação em que o seguro de responsabilidade civil não cobre um dano material que resulta de um acidente de circulação.

19

Com efeito, uma pessoa estabelecida num Estado‑Membro diferente da Letónia e vítima de um acidente de circulação automóvel neste último Estado‑Membro pode ser privada do seu direito à indemnização pelo dano material constituído pelos custos de reboque do seu veículo danificado para o seu Estado de origem e pelos custos relacionados com a necessidade de estacionar esse veículo em território letão até que seja efetuado o seu reboque para efeitos de reparação.

20

Foi nestas condições que o Sąd Rejonowy dla Łodzi‑Śródmieścia w Łodzi (Tribunal de Primeira Instância de Łódź — Centro) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 3.o da Diretiva [2009/103] ser interpretado no sentido de que, no âmbito de “todas as medidas adequadas”, cada Estado‑Membro deve obrigar as empresas seguradoras, em matéria de seguro de responsabilidade civil, a cobrir a totalidade dos prejuízos, incluindo as consequências do sinistro relativas à necessidade de rebocar o veículo do lesado para o país de origem e aos custos associados à necessidade de estacionar os veículos[?]

2)

[E]m caso de resposta afirmativa a esta questão, pode essa responsabilidade ser limitada de qualquer forma pela legislação nacional dos Estados‑Membros[?]»

Quanto às questões prejudiciais

21

Com as suas duas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o da Diretiva 2009/103 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional por força da qual o seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis apenas cobre, a título obrigatório, os danos constituídos pelos custos de reboque do veículo danificado e pelos custos de estacionamento forçado desse veículo na medida em que esse reboque tenha lugar no interior desse Estado‑Membro e esse estacionamento seja necessário no contexto de uma investigação em processo penal ou por outras razões e, em caso de resposta afirmativa, se este artigo deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode limitar essa responsabilidade de qualquer forma.

22

A este respeito, importa recordar que o artigo 3.o da Diretiva 2009/103 prevê, no seu primeiro parágrafo, que cada Estado‑Membro adota todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Além disso, este artigo 3.o precisa, no seu segundo parágrafo, que as medidas referidas no primeiro parágrafo devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro e enuncia, no seu último parágrafo, que o seguro referido no primeiro parágrafo deve, obrigatoriamente, cobrir danos materiais e pessoais.

23

A obrigação de cobertura pelo seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros por veículos automóveis é distinta da extensão da indemnização desses danos no âmbito da responsabilidade civil do segurado. Com efeito, enquanto a primeira é definida e garantida pela legislação da União, a segunda é regulada, essencialmente, pelo direito nacional (Acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 28 e jurisprudência referida).

24

Assim, a regulamentação da União não visa harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados‑Membros, que conservam, em princípio, a liberdade de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação de veículos (v., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 29 e jurisprudência referida).

25

Por conseguinte, no atual estado do direito da União, os Estados‑Membros conservam, em princípio, a liberdade de determinar, no âmbito dos seus regimes de responsabilidade civil, em particular, os danos causados por veículos automóveis que devem ser indemnizados, o alcance da indemnização desses danos e as pessoas que têm direito à referida indemnização (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2013, Drozdovs, C‑277/12, EU:C:2013:685, n.o 32).

26

Todavia, os Estados‑Membros devem exercer as suas competências nesse domínio no respeito do direito da União e as disposições nacionais que regulam a indemnização devida por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem privar a regulamentação da União do seu efeito útil (v., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 31 e jurisprudência referida).

27

Por outro lado, há que recordar que a Diretiva 2009/103 visa assegurar a proteção das vítimas de acidentes causados por veículos automóveis, objetivo que foi constantemente prosseguido e reforçado pelo legislador da União (v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2018, Juliana, C‑80/17, EU:C:2018:661, n.o 47) e que decorre igualmente dos considerandos 2 e 20 desta diretiva que o seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis tem «repercussões sobre a livre circulação das pessoas e veículos». Com efeito, o Tribunal de Justiça precisou a este respeito que a regulamentação da União em matéria de seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos, de que faz parte a Diretiva 2009/103, tende, por um lado, a assegurar a livre circulação quer dos veículos com estacionamento habitual no território da União quer das pessoas que neles viajam e, por outro, a garantir que as vítimas dos acidentes causados por esses veículos receberão tratamento idêntico, independentemente dos locais da União onde os acidentes ocorreram (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 26 e jurisprudência referida, e de 20 de junho de 2019, Línea Directa Aseguradora, C‑100/18, EU:C:2019:517, n.o 33 e jurisprudência referida).

28

No caso em apreço, resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio que, embora o artigo 28.o da Lei Letã relativa ao Seguro Automóvel Obrigatório preveja a obrigação de o segurador da responsabilidade civil cobrir os custos de reboque do veículo danificado ou das suas partes restantes do local do sinistro para o local de residência do proprietário ou condutor autorizado do veículo no momento do acidente, ou para o local de reparação, esta obrigação apenas é válida, todavia, quando o reboque tem lugar no território letão. Por outro lado, embora este artigo obrigue o segurador da responsabilidade civil a cobrir os custos de estacionamento do veículo danificado, fá‑lo apenas na condição de terem sido necessários «no contexto de uma investigação em processo penal ou por outras razões».

29

A este respeito, no que se refere, em primeiro lugar, aos custos de reboque, não se pode deixar de observar que uma regulamentação de um Estado‑Membro como a que está em causa no processo principal é suscetível de conduzir a uma situação em que uma pessoa cujo veículo, com estacionamento habitual noutro Estado‑Membro, fica danificado na sequência de um acidente que ocorreu no território do primeiro Estado‑Membro e em relação ao qual foi acionada a responsabilidade civil que resulta da circulação de um veículo com estacionamento habitual nesse primeiro Estado‑Membro apenas obtém do segurador dessa responsabilidade civil uma parte da indemnização dos danos materiais prevista para os danos causados aos veículos com estacionamento habitual no território do primeiro Estado‑Membro.

30

Com efeito, na medida em que essa regulamentação prevê apenas a cobertura dos custos de reboque incorridos no território do Estado‑Membro em causa, daí resulta que uma pessoa que se encontre numa situação como a de K.S. verá esses custos de reboque pelo menos parcialmente excluídos da cobertura no caso de o veículo ser rebocado e reparado no Estado‑Membro onde reside. Em contrapartida, relativamente a um acidente análogo de que é vítima uma pessoa que tenha o seu local de residência no Estado‑Membro onde ocorreu o acidente, essa pessoa beneficiará, por parte desse segurador, de uma cobertura integral dos custos de reboque do veículo até ao local da sua residência ou da reparação do veículo situado nesse Estado‑Membro.

31

Ora, é jurisprudência constante que uma disposição nacional que preveja uma distinção com base no critério da residência cria o risco de atuar principalmente em detrimento dos nacionais de outros Estados‑Membros, na medida em que os não residentes são quase sempre não nacionais (v., por analogia, Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, Navileme e Nautizende, C‑509/12, EU:C:2014:54, n.o 14 e jurisprudência referida).

32

Assim, há que declarar que uma regulamentação como a que está em causa no processo principal estabelece uma discriminação entre as pessoas lesadas em razão do seu Estado‑Membro de residência.

33

Embora seja verdade que o artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2009/103, na medida em que esta disposição faz referência a «todas as medidas adequadas», não prevê que cada Estado‑Membro deve assegurar que, em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil, as companhias de seguros cubram a totalidade dos danos, não é menos verdade que uma limitação da cobertura, pelo seguro obrigatório, dos danos causados por veículos automóveis não pode ser justificada apenas com base no Estado‑Membro de residência da pessoa lesada. Com efeito, o facto de a residência da pessoa lesada se situar num Estado‑Membro diferente daquele em que ocorreu o acidente não pode, por si só, justificar um tratamento diferente no que respeita à cobertura do dano pelo segurador, tendo em conta os objetivos de proteção prosseguidos por esta diretiva, conforme referidos no n.o 27 do presente acórdão.

34

No entanto, esta constatação não prejudica o direito de cada Estado‑Membro limitar, sem recorrer a critérios relativos ao seu território, o reembolso dos custos de reboque, em particular no caso de os meios técnicos de reparação estarem acessíveis num local sensivelmente mais próximo do que aquele para o qual o reboque é pedido e os custos de reboque noutro Estado‑Membro se afigurarem, por esse facto, desproporcionados.

35

Em segundo lugar, no que respeita aos custos de estacionamento, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a regulamentação nacional em causa no processo principal, na medida em que prevê a cobertura dos custos incorridos a título de um estacionamento necessário «no contexto de uma investigação em processo penal ou por outras razões», proceda a uma qualquer distinção entre as pessoas que têm o seu local de residência na Letónia e as que têm o seu local de residência noutro Estado‑Membro. Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as circunstâncias em causa no processo principal estão abrangidas por uma situação em que o estacionamento do veículo deve ser considerado «necessário» por «outras razões» e se, efetivamente, não existe nenhuma diferença de tratamento a este respeito em função do local de residência do proprietário ou do detentor do veículo danificado.

36

Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.o da Diretiva 2009/103 deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma disposição de um Estado‑Membro por força da qual o seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis apenas cobre, a título obrigatório, os danos constituídos pelos custos de reboque do veículo danificado na medida em que esse reboque tenha lugar no interior desse Estado‑Membro. Esta constatação não prejudica o direito de o referido Estado‑Membro limitar, sem recorrer a critérios relativos ao seu território, o reembolso dos custos de reboque; e

não se opõe a uma disposição de um Estado‑Membro segundo a qual esse seguro apenas cobre obrigatoriamente os danos constituídos pelos custos de estacionamento do veículo danificado se o estacionamento for necessário no contexto de uma investigação em processo penal ou por outras razões, desde que essa limitação de cobertura se aplique sem diferença de tratamento em função do Estado‑Membro de residência do proprietário ou do detentor do veículo danificado.

Quanto às despesas

37

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 3.o da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, deve ser interpretado no sentido de que:

 

se opõe a uma disposição de um Estado‑Membro por força da qual o seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis apenas cobre, a título obrigatório, os danos constituídos pelos custos de reboque do veículo danificado na medida em que esse reboque tenha lugar no interior desse Estado‑Membro. Esta constatação não prejudica o direito de o referido Estado‑Membro limitar, sem recorrer a critérios relativos ao seu território, o reembolso dos custos de reboque; e

 

não se opõe a uma disposição de um Estado‑Membro segundo a qual esse seguro apenas cobre obrigatoriamente os danos constituídos pelos custos de estacionamento do veículo danificado se o estacionamento for necessário no contexto de uma investigação em processo penal ou por outras razões, desde que essa limitação de cobertura se aplique sem diferença de tratamento em função do Estado‑Membro de residência do proprietário ou do detentor do veículo danificado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

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