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Document 62019CJ0698

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 16 de junho de 2022.
Sony Optiarc Inc e Sony Optiarc America Inc contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Leitores de discos óticos — Decisão que declara a existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 — Infração única e continuada — Conceito — Acordos de colusão que tinham por objeto procedimentos concursais relativos a leitores de discos óticos para computadores portáteis e computadores de secretária organizados por dois fabricantes de computadores.
Processo C-698/19 P.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:480

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

16 de junho de 2022 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Leitores de discos óticos — Decisão que declara a existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 — Infração única e continuada — Conceito — Acordos de colusão que tinham por objeto procedimentos concursais relativos a leitores de discos óticos para computadores portáteis e computadores de secretária organizados por dois fabricantes de computadores»

No processo C‑698/19 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 20 de setembro de 2019,

Sony Optiarc, Inc., com sede em Atsugi (Japão),

Sony Optiarc America, Inc., com sede em San Jose (Estados Unidos),

representadas por E. Kelly, N. Levy e R. Snelders, avocats,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por A. Dawes, M. Farley, F. van Schaik e L. Wildpanner, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente da Terceira Secção, exercendo as funções de presidente da Quarta Secção, S. Rodin e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, a Sony Optiarc, Inc., e a Sony Optiarc America, Inc. (a seguir em conjunto «recorrentes») pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de julho de 2019, Sony Optiarc e Sony Optiarc America/Comissão (T‑763/15, não publicado, a seguir «acórdão recorrido, EU:T:2019:517), que negou provimento ao seu recurso destinado, a título principal, à anulação parcial da Decisão C(2015) 7135 final da Comissão, de 21 de outubro de 2015, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo AT.39563 — Leitores de discos óticos) (a seguir «decisão controvertida»), na parte que lhes diz respeito e, a título subsidiário, à redução do montante da coima que lhe foi aplicada.

Quadro jurídico

2

Nos termos do artigo 23.o, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1):

«2.   A Comissão [Europeia] pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

a)

Cometam uma infração ao disposto nos artigos [101.o ou 102.o TFUE],

b)

Não respeitem uma decisão tomada nos termos do artigo 8.o que ordene medidas provisórias; ou

c)

Não respeitem um compromisso tornado obrigatório por decisão tomada nos termos do artigo 9.o

[…]

Quando a infração cometida por uma associação se referir às atividades dos seus membros, a coima não deve exceder 10 % da soma do volume de negócios total de cada membro ativo no mercado cujas atividades forem afetadas pela infração da associação.

3.   Quando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração.»

3

O artigo 27.o, n.o 2, deste regulamento dispõe:

«Os direitos da defesa das partes interessadas serão plenamente acautelados no desenrolar do processo. As partes têm direito a consultar o processo em poder da Comissão, sob reserva do interesse legítimo das empresas na proteção dos seus segredos comerciais. Ficam excluídos da consulta do processo as informações confidenciais e os documentos internos da Comissão e das autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência. Ficam, nomeadamente, excluídas da consulta as notas de correspondência entre a Comissão e as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência, ou entre estas últimas, e bem assim quaisquer documentos elaborados nos termos dos artigos 11.o e 14.o O disposto no presente número em nada impedirá que a Comissão divulgue ou utilize as informações necessárias para comprovar uma infração.»

4

O artigo 31.o do referido regulamento tem a seguinte redação:

«O Tribunal de Justiça conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Comissão uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória. O Tribunal de Justiça pode suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada.»

5

Quanto ao cálculo das coimas, os pontos 6 e 13 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2) (a seguir «Orientações para o cálculo das coimas»), enunciam:

«6.   […] [A] combinação do valor das vendas relacionadas com a infração e da sua duração é considerada um valor de substituição adequado para refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que participa na infração. A referência a estes indicadores dá uma boa indicação da ordem de grandeza da coima e não deve ser entendida como a base de um método de cálculo automático e aritmético.

[…]

13.   Para determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, na área geográfica em causa no território do Espaço Económico Europeu (EEE). […]»

Antecedentes do litígio e decisão controvertida

6

Os antecedentes do litígio figuram nos n.os 1 a 32 do acórdão recorrido e podem ser resumidos do seguinte modo para efeitos do presente processo.

7

A primeira recorrente, a Sony Optiarc, Inc. (anteriormente Sony NEC Optiarc Inc.), é uma sociedade anónima de direito japonês. Foi constituída em 3 de abril de 2006 como empresa comum da Sony Corporation e da NEC Corporation, sob a denominação Sony NEC Optiarc Inc. Cada sociedade‑mãe transferiu a sua atividade respetiva para o setor dos leitores de discos óticos (a seguir «LDO»).

8

A partir de 2 de abril de 2007, a Sony NEC Optiarc, com a filial que detém a 100 %, a Sony Optiarc America, Inc. (anteriormente Sony NEC Optiarc America Inc.), a segunda recorrente, negociou e obteve contratos na sequência de processos concursais e aceitou pedidos, pelo menos da Dell Inc., relativos a LDO. A Sony NEC Optiarc e a Sony NEC Optiarc America são designadas, em conjunto, «Sony Optiarc» na decisão controvertida. Por oposição, a «Sony/Optiarc» designa, na decisão controvertida, o duo composto pela Sony Corporation e pela Sony Optiarc, que apresentaram, conjuntamente, declarações orais e responderam a pedidos de informação da Comissão Europeia. Depois de 1 de setembro de 2007, a Sony NEC Optiarc continuou a participar nos procedimentos concursais organizados pela Dell. Era representada por um empregado da Sony Electronics (Singapore) Pte. Ltd, que atuava em nome da Sony Optiarc e com base nas suas instruções.

9

A infração em causa diz respeito aos LDO utilizados nomeadamente em computadores pessoais (computadores de secretária e computadores portáteis) produzidos pela Dell e a Hewlett Packard (a seguir «HP»).

10

A Dell e a HP são os dois principais fabricantes de produtos originais no mercado mundial dos computadores pessoais. Estas duas sociedades utilizam procedimentos concursais clássicos organizados à escala mundial que implicam, nomeadamente, negociações trimestrais sobre um preço a nível mundial e sobre volumes de compras globais com um pequeno número de fornecedores de LDO pré‑selecionados.

11

Os procedimentos concursais incluíam pedidos de orçamento, pedidos de orçamento eletrónicos, negociações através da Internet, leilões eletrónicos e negociações bilaterais (sem ser através da Internet). Aquando do encerramento de um procedimento concursal, os clientes atribuíam volumes aos fornecedores de LDO participantes segundo os preços propostos.

12

Em 14 de janeiro de 2009, a Comissão Europeia recebeu um pedido de imunidade ao abrigo da sua Comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17) apresentado pela Koninklijke Philips NV. Em 29 de janeiro e 2 de março de 2009, este pedido foi completado para nele incluir, paralelamente a essa sociedade, a Lite‑On IT Corporation e a sua empresa comum Philips & Lite‑On Digital Solutions Corporation.

13

Em 30 de junho de 2009, a Comissão concedeu imunidade condicional à Koninklijke Philips, à Lite‑On IT e à Philips & Lite‑On Digital Solutions Corporation.

14

Em 18 de julho de 2012, a Comissão dirigiu uma comunicação de objeções a treze fornecedores de LDO, entre os quais as recorrentes (a seguir «comunicação de objeções»), na qual indicou estes tinham violado o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»), ao terem participado num cartel relativo aos LDO de 5 de fevereiro de 2004 a 29 de junho de 2009, que consistia em coordenar o seu comportamento em relação aos procedimentos concursais organizados por dois fabricantes de computadores, a saber a Dell e a HP.

15

Em 29 de outubro de 2012, em resposta à comunicação de objeções, as recorrentes apresentaram em conjunto as suas observações escritas. Foi realizada uma audição oral, em 29 e 30 de novembro de 2012, na qual participaram todos os destinatários da comunicação de objeções.

16

Em 21 de outubro de 2015, a Comissão adotou a decisão controvertida.

17

Nesta última, a Comissão considerou que os participantes no cartel tinham coordenado o seu comportamento concorrencial pelo menos, de 23 de junho de 2004 a 25 de novembro de 2008. Precisou que essa coordenação foi feita através de uma rede de contactos bilaterais paralelos. Indicou ainda que os participantes no cartel procuravam adaptar os seus volumes no mercado e garantir que os preços permaneciam a níveis mais elevados do que aqueles em que estariam se não existissem esses contactos bilaterais.

18

A Comissão precisou, na decisão recorrida, que a coordenação entre os participantes no cartel dizia respeito às contas de clientes da Dell e da HP. Segundo a Comissão, além das negociações bilaterais com os seus fornecedores de LDO, a Dell e a HP aplicavam procedimentos concursais normalizados, que ocorriam, no mínimo, trimestralmente. Salientou que os membros do cartel utilizavam a sua rede de contactos bilaterais para manipular esses procedimentos concursais, obstando assim às tentativas dos seus clientes de estimular a concorrência pelos preços.

19

Segundo a Comissão, as trocas regulares de informações permitiram, nomeadamente, aos membros do cartel possuir um conhecimento muito detalhado das intenções dos seus concorrentes ainda antes de se apresentarem ao procedimento concursal e, por conseguinte, prever a respetiva estratégia concorrencial.

20

A Comissão acrescentou que, em intervalos regulares, os membros do cartel trocavam informações sobre os preços relativos às contas de clientes particulares, bem como informações não relacionadas com os preços, como a produção existente e a capacidade de fornecimento, o estado do aprovisionamento, a situação relativa à qualificação e o momento de introdução de novos produtos ou de melhorias. Salientou que, além disso, os fornecedores de LDO vigiavam os resultados finais de procedimentos concursais encerrados, isto é, a classificação, o preço e o volume obtidos.

21

A Comissão indicou igualmente que, tendo presente que deviam manter os seus contactos secretos face aos clientes, os fornecedores de LDO utilizavam, para contactar entre si, os meios que consideravam ser suficientemente adequados para alcançar o resultado pretendido. Além disso precisou que uma tentativa de convocar uma reunião com vista à organização de reuniões multilaterais regulares entre esses fornecedores tinha falhado em 2003, após ter sido revelada a um cliente. Segundo a Comissão, em vez dessas reuniões, houve contactos bilaterais, essencialmente na forma de chamadas telefónicas e, por vezes, também por mensagens eletrónicas, incluindo através de endereços de correio eletrónico privados e serviços de mensagens instantâneas, ou em reuniões, sobretudo ao nível dos gestores de contas mundiais.

22

A Comissão concluiu que os participantes no cartel contactavam regularmente entre si e que os contactos, principalmente por telefone, se tornavam mais frequentes no momento dos procedimentos concursais, durante os quais ocorriam várias chamadas por dia entre certos binómios de participantes no cartel. Precisou que, em geral, os contactos entre determinados binómios de participantes no cartel eram significativamente mais elevados do que entre outros.

23

No que se refere ao cálculo do montante da coima aplicada às recorrentes, a Comissão baseou‑se nas Orientações para o cálculo das coimas.

24

Antes de mais, para determinar o montante de base da coima, a Comissão concluiu que, atendendo às consideráveis diferenças na duração da participação dos fornecedores de LDO no cartel e a fim de melhor refletir o respetivo impacto real, era adequado recorrer a uma média anual calculada com base no valor real das vendas realizadas pelas empresas em causa durante os meses civis completos da sua respetiva participação na infração.

25

Assim, a Comissão explicou que o valor das vendas foi calculado com base nas vendas de LDO destinados aos computadores pessoais, faturadas às entidades da HP e da Dell situadas no EEE.

26

A Comissão considerou, por outro lado, que, uma vez que o comportamento anticoncorrencial em relação à HP começou mais tarde e a fim de ter em conta a evolução do cartel, o valor das vendas pertinente seria calculado separadamente para a HP e para a Dell, e que seriam aplicados dois coeficientes multiplicadores em função da duração.

27

No que respeita às recorrentes, uma vez que a sua participação nos contactos a respeito da HP não foi demonstrada, a Comissão apenas as considerou responsáveis pela coordenação relativa à Dell.

28

Em seguida, a Comissão decidiu que, uma vez que os acordos de coordenação dos preços se incluem, pela sua própria natureza, entre as infrações mais graves ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE, e que o cartel abrangia, pelo menos, o EEE, a percentagem aplicada a título de gravidade no caso vertente seria de 16 % para todos os destinatários da decisão controvertida.

29

Por outro lado, a Comissão declarou que, atendendo às circunstâncias do caso, tinha decidido acrescentar um montante adicional de 16 % para efeitos dissuasores.

30

Além disso, a Comissão reduziu em 3 % o montante da coima aplicada às recorrentes para ter em conta o facto de aquelas não terem conhecimento da parte da infração única e continuada relativa à HP, de modo a refletir adequada e suficientemente a natureza menos grave do seu comportamento.

31

O dispositivo da decisão controvertida, na parte em que respeita às recorrentes, tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

As seguintes empresas infringiram o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE ao terem participado, durante os períodos indicados, numa infração única e continuada, composta por várias infrações distintas, no setor dos [LDO] que abrange todo o EEE, que consistiu em acordos de coordenação dos preços:

[…]

g)

a Sony Optiarc […] de 25 de julho de 2007 a 29 de outubro de 2008, a Sony Optiarc America […] de 25 de julho de 2007 a 31 de outubro de 2007, pela sua coordenação a respeito da Dell;

[…]

Artigo 2.o

Aplicam‑se as seguintes coimas pela infração referida no artigo 1.o:

[…]

g)

Sony Optiarc […]: 9782000 euros, dos quais 5433000 euros solidariamente responsável com a Sony Optiarc America […];

[…]»

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

32

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de dezembro de 2015, as recorrentes interpuseram um recurso destinado, a título principal, à anulação da decisão controvertida, na parte em que lhes diz respeito e, a título subsidiário, à redução do montante da coima que lhes tinha sido aplicada.

33

As recorrentes invocaram dois fundamentos de recurso relativos, o primeiro, em substância, à existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE e, o segundo, invocado a título subsidiário, ao cálculo do montante dessa coima.

34

Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes estes fundamentos e, consequentemente, negou provimento ao recurso da recorrente na íntegra.

Pedidos das partes

35

Com o presente recurso, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

julgar procedentes os pedidos apresentados em primeira instância;

condenar a Comissão nas despesas, incluindo as efetuadas no âmbito do processo em primeira instância, e

a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral e reservar para final a decisão quanto às despesas relativas aos processos em primeira instância e de recurso.

36

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso; e

condenar as recorrentes na totalidade das despesas efetuadas no âmbito do presente processo.

Quanto ao recurso

37

As recorrentes invocam quatro fundamentos de recurso, relativos, em substância, à apreciação pelo Tribunal Geral, o primeiro, da existência de uma infração única e continuada, o segundo, da duração desta infração, o terceiro, da constatação de várias infrações distintas, e o quarto, do montante da coima que lhes foi aplicada.

38

O Tribunal de Justiça considera oportuno examinar o terceiro fundamento antes de apreciar o primeiro, segundo e quarto fundamentos.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentos das partes

39

O terceiro fundamento invocado pelas recorrentes divide‑se em duas partes.

– Quanto à primeira parte do terceiro fundamento

40

Com a primeira parte do seu terceiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a Comissão não violou os seus direitos de defesa ao acusá‑las, pela primeira vez, na decisão controvertida, de participação em várias infrações distintas.

41

A comunicação de objeções referia, nomeadamente nos seus considerandos 310, 317 e 318, a existência de uma infração única e continuada. A Comissão considerou que era artificial separar os comportamentos alegados em várias infrações distintas. Ora, na decisão controvertida, a Comissão sugeriu, pela primeira vez, que esta infração única e continuada era composta por várias infrações distintas. Por conseguinte, esta decisão afasta‑se substancialmente da qualificação dada na comunicação de objeções e, consequentemente, as recorrentes não tiveram a possibilidade, antes da adoção da referida decisão, de contestar a qualificação de infração distinta e autónoma de cada contacto individual.

42

A este respeito, ao declarar, nos n.os 211, 212 e 219 do acórdão recorrido, que uma infração única e continuada é necessariamente composta por infrações distintas, o Tribunal Geral chegou a uma conclusão contrária à sua própria jurisprudência e do Tribunal de Justiça, que não prevê a necessidade, mas unicamente a possibilidade de uma infração única e continuada ser constituída por infrações distintas. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito que o levou a não reconhecer que a Comissão tinha violado os direitos de defesa das recorrentes.

43

Na sua contestação, a Comissão formula, em primeiro lugar, dois comentários gerais antes de responder aos argumentos desenvolvidos nas duas partes do terceiro fundamento invocado pelas recorrentes.

44

Primeiro, os argumentos das recorrentes relativos à declaração incidental da Comissão, na decisão controvertida, segundo a qual os seus contactos anticoncorrenciais constituem igualmente várias infrações distintas são inoperantes. Com efeito, o Tribunal Geral confirmou a declaração principal da Comissão relativa à existência de uma infração única e continuada, bem como à participação das recorrentes nessa infração. Esta simples confirmação justifica a conclusão que figura no artigo 1.o, alínea g), da decisão controvertida, bem como a coima aplicada às recorrentes por força do artigo 2.o, alínea g), desta decisão.

45

Segundo, os argumentos das recorrentes assentam na premissa errada de que o Tribunal Geral tinha declarado que uma infração única e continuada ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE é necessariamente composta por várias infrações distintas e autónomas desta disposição. Ora, o Tribunal Geral limitou‑se a considerar, nos n.os 210 e 211 do acórdão recorrido, que uma infração única e continuada pressupõe um «conjunto de comportamentos» que podem, em si mesmos, ser qualificados de infrações distintas. O Tribunal Geral acrescentou, em substância, nos n.os 208, 209 e 212 a 216 do acórdão recorrido, que, no caso em apreço, a infração única e continuada consistia efetivamente em infrações distintas a respeito das quais as recorrentes tinham sido ouvidas.

46

Em segundo lugar, no que respeita, mais concretamente, à primeira parte do terceiro fundamento, a Comissão sustenta, primeiro, que esta se baseia numa hipótese de facto errada. Resulta claramente dos n.os 209 a 214 do acórdão recorrido que a comunicação de objeções já tinha informado as recorrentes acerca das infrações distintas em causa.

47

Segundo, as constatações enunciadas nos n.os 209, 214 e 215 desse acórdão são constatações de facto que não podem ser postas em causa no âmbito do presente recurso.

48

Terceiro, a alegação das recorrentes de que a Comissão não as tinha ouvido sobre as infrações distintas em causa é contradita pela redação clara dos considerandos 353, 354 e 276 da comunicação de objeções e baseia‑se numa interpretação errada da jurisprudência, na medida em que o Tribunal de Justiça já declarou que um ou diversos elementos de uma série de atos ou de um comportamento continuado podem constituir, por si sós, uma infração do artigo 101.o TFUE.

49

Quarto, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, a constatação de uma infração única e continuada não está subordinada à existência de várias infrações distintas. As recorrentes foram ouvidas tanto sobre a constatação da infração única e continuada em causa como sobre as infrações distintas que a compõem, pelo que os seus direitos de defesa não foram violados. Com efeito, as recorrentes tiveram a possibilidade, durante o procedimento administrativo, de compreender que lhes eram igualmente imputados os comportamentos que compunham essa infração única e continuada.

– Quanto à segunda parte do terceiro fundamento

50

Com a segunda parte do seu terceiro fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao concluir que a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada quanto à existência de várias infrações distintas.

51

Com efeito, a Comissão não explicou, na decisão controvertida, em relação a cada aspeto do comportamento ou cada grupo ou pluralidade de grupos de contactos bilaterais que supostamente constituíam uma infração distinta, primeiro, a natureza e o alcance dessa infração, segundo, a sua qualificação como acordo ou prática concertada na aceção do artigo 101.o TFUE, terceiro, as razões e os elementos de prova em apoio de cada qualificação, quarto, as empresas que deviam ser consideradas responsáveis por cada infração distinta, e, quinto, a razão pela qual, contrariamente à posição exposta pela Comissão na comunicação de objeções, já não era artificial identificar várias infrações distintas.

52

Ora, ao não reconhecer que o alcance das infrações distintas nunca tinha sido descrito ou explicado, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. Com efeito, declarou, no n.o 227 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha considerado corretamente que a constatação de uma infração única e continuada validava necessariamente as suas conclusões quanto à existência de várias infrações distintas.

53

A Comissão considera que a segunda parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

54

Foi com razão que o Tribunal Geral considerou que a declaração principal de uma infração única e continuada e a declaração incidental de infrações distintas são coerentes entre si. Primeiro, a afirmação das recorrentes de que o Tribunal Geral, no acórdão recorrido, rejeitou os seus argumentos, uma vez que tinha a convicção errada de que as constatações relativas à infração única e continuada validavam necessariamente as relativas à existência de várias infrações distintas, desvirtua o conteúdo do n.o 227 do acórdão recorrido. Segundo, as recorrentes estavam em condições de compreender os fundamentos da decisão controvertida e tiveram oportunidade de apresentar os seus argumentos sobre cada um dos contactos anticoncorrenciais que lhes foram imputados. Terceiro, resulta do Acórdão de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado (C‑238/05, EU:C:2006:734, n.os 30 a 32) que, uma vez que está demonstrado que os elementos que constituem uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE estão presentes, é indiferente que a colusão em causa seja qualificada de acordo ou de prática concertada. A este respeito, o Tribunal Geral reconheceu, no n.o 230 do acórdão recorrido, que as recorrentes tinham sustentado, erradamente, que a decisão controvertida deveria ter qualificado individualmente as infrações distintas como «acordos» ou «práticas concertadas».

Apreciação do Tribunal de Justiça

55

Com o seu terceiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito ao considerar que uma infração única e continuada era necessariamente composta por várias infrações distintas. Isto levou‑o a declarar erradamente, por um lado, que a Comissão não tinha violado os seus direitos de defesa e, por outro, que a referida instituição tinha fundamentado suficientemente a decisão controvertida quanto às infrações distintas imputadas às recorrentes.

56

A este respeito, há que salientar que, no artigo 1.o, alínea g), da decisão controvertida, a Comissão declarou, em substância, por um lado, a existência de uma infração única e continuada e, por outro, a existência de «várias infrações distintas» que compunham essa infração.

57

Neste contexto, o terceiro fundamento visa contestar unicamente a apreciação feita pelo Tribunal Geral desta segunda declaração, relativa à existência de várias infrações distintas. Em contrapartida, este fundamento não tem por objeto a sua apreciação da conclusão, que figura nessa disposição, segundo a qual as recorrentes participaram numa infração única e continuada.

58

Daqui resulta que, contrariamente ao que alega a Comissão, na medida em que, no caso em apreço, esta última baseou a decisão controvertida em duas declarações de infração distintas, o referido fundamento não pode, à partida, ser julgado inoperante.

– Observações preliminares

59

Decorre de jurisprudência constante, que a violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE pode resultar não apenas de um ato isolado mas igualmente de uma série de atos, ou mesmo de um comportamento continuado, quando efetivamente um ou diversos elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado também possam constituir, por si sós e considerados isoladamente, uma violação da referida disposição. Assim, quando os diferentes comportamentos se inscrevem num «plano de conjunto» em razão do seu objeto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por esses comportamentos ações em função da participação na infração considerada no seu todo (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 41 e jurisprudência referida).

60

Uma empresa que tenha participado numa infração única e complexa, através de comportamentos que lhe são próprios, que integram os conceitos de «acordo» ou de «prática concertada» que têm um objeto anticoncorrencial na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e que visam contribuir para a realização da infração no seu conjunto, também pode ser responsável pelos comportamentos adotados por outras empresas, no quadro dessa infração, durante todo o período em que participou na referida infração (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 42 e jurisprudência referida).

61

Como salientou o advogado‑geral no n.o 59 das suas conclusões, a participação de uma empresa numa infração única e continuada não exige a sua participação direta em todos os comportamentos anticoncorrenciais que compõem essa infração (Acórdão de 22 de outubro de 2020, Silver Plastics e Johannes Reifenhäuser/Comissão, C‑702/19 P, EU:C:2020:857, n.o 82 e jurisprudência referida).

62

É à luz destas considerações que há que examinar o terceiro fundamento.

– Quanto à primeira parte do terceiro fundamento

63

Com a primeira parte do seu terceiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao rejeitar o seu argumento de que a Comissão violou os seus direitos de defesa ao imputar‑lhes, pela primeira vez na decisão controvertida, além da sua participação numa infração única e continuada, uma participação em várias infrações distintas que correspondem aos comportamentos que integram essa infração única e continuada.

64

Importa recordar, primeiro, que o conceito de «infração única e continuada» pressupõe um conjunto de comportamentos suscetíveis de constituir igualmente, em si mesmos, uma violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Embora um conjunto de comportamentos possa ser qualificado, nas condições enunciadas nos n.os 59 e 60 do presente acórdão, de infração única e continuada, daí não se pode deduzir que cada um desses comportamentos deva, em si mesmo e considerado isoladamente, ser necessariamente qualificado de infração distinta desta disposição. Com efeito, para isso, a Comissão deve ainda identificar e qualificar como tal cada um dos referidos comportamentos e, em seguida, fazer prova da implicação da empresa em causa à qual são imputados.

65

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que só se pode dividir uma decisão da Comissão que qualifica um cartel global de infração única e continuada se, por um lado, a referida empresa tiver podido, durante o procedimento administrativo, compreender que lhe era igualmente imputado cada um dos comportamentos que compõem a infração, e, portanto, defender‑se quanto a esse aspeto, e se, por outro, essa decisão for suficientemente clara a esse respeito (Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 46).

66

Segundo, no que diz respeito aos direitos de defesa, de acordo com jurisprudência constante, o respeito destes direitos em qualquer processo suscetível de ter como resultado a aplicação de sanções, nomeadamente coimas ou sanções pecuniárias compulsórias, constitui um princípio fundamental do direito da União, que deve observado pela Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2015, Comissão e o./Versalis e o., C‑93/13 P e C‑123/13 P, EU:C:2015:150, n.o 94 e jurisprudência referida).

67

Como recordou acertadamente o Tribunal Geral no n.o 72 do acórdão recorrido, o Regulamento n.o 1/2003 prevê o envio às partes de uma comunicação de objeções que deve enunciar claramente todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do processo. Essa comunicação de acusações constitui a garantia processual que aplica o princípio fundamental do direito da União, que exige o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo suscetível de ter como resultado a aplicação de uma sanção. Este princípio exige, nomeadamente, que a comunicação de objeções dirigida pela Comissão a uma empresa à qual pretende aplicar uma sanção pela violação das regras de concorrência contenha os elementos essenciais das acusações feitas a esta empresa, tais como os factos imputados, a qualificação que lhes é dada e os elementos de prova em que a Comissão se baseia, para que essa empresa possa apresentar utilmente os seus argumentos no âmbito do procedimento administrativo instaurado contra ela (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler AG e o./Comissão, C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, EU:C:2009:500, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida).

68

É verdade que, como recordou o advogado‑geral no n.o 88 das suas conclusões, a Comissão deve poder precisar, na sua decisão final, uma qualificação jurídica dos factos que adotou, a título provisório, na comunicação de objeções, tendo em conta os elementos resultantes do procedimento administrativo, seja para abandonar acusações que se tenham revelado infundadas, seja para estruturar e completar, quer de facto, quer de direito, a sua argumentação em apoio das acusações que faz (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2013, SNIA/Comissão, C‑448/11 P, não publicado, EU:C:2013:801, n.os 42 a 44). Todavia, isso implica que a Comissão deve enunciar na comunicação de objeções qualquer qualificação jurídica dos factos que pretende ter em consideração na sua decisão final.

69

Daqui resulta que os direitos de defesa da empresa em causa só serão violados devido à existência de uma discordância entre a comunicação de objeções e a decisão final se uma imputação feita nesta última não tiver sido exposta na comunicação de objeções, ou se não tiver sido exposta de maneira suficiente para que os destinatários dessa comunicação possam apresentar utilmente os seus argumentos no âmbito do processo instaurado contra eles.

70

Consequentemente, quando a Comissão tem a intenção de imputar aos destinatários de uma comunicação de objeções não apenas uma infração única e continuada mas também cada um dos comportamentos que constituem essa infração considerados separadamente como infrações distintas, o respeito dos direitos de defesa desses destinatários exige que a Comissão exponha, nessa comunicação, os elementos necessários para lhes permitir compreender que a Comissão os persegue a título tanto da referida infração única e continuada como de cada uma dessas infrações distintas.

71

No caso em apreço, há que observar que o Tribunal Geral recordou, nos n.os 71 a 76 do acórdão recorrido, a jurisprudência relativa ao respeito dos direitos de defesa no âmbito de um processo destinado a declarar a existência de uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, nomeadamente a exposta nos n.os 67 e 68 do presente acórdão.

72

Depois de ter feito referência a esta jurisprudência no n.o 208 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou, nos n.os 209 a 217 desse acórdão, se as recorrentes tinham sido informadas, na comunicação de objeções, de que a Comissão considerava que a infração única e continuada era constituída por diferentes acordos bilaterais.

73

Neste âmbito, considerou, nos n.os 211 e 212 do referido acórdão, que o conceito de «infração única e continuada» pressupõe a reunião de um conjunto de comportamentos e que, portanto, as recorrentes não podem sustentar que a Comissão alterou as suas conclusões ao considerar que existia, além de uma infração única e continuada, vários contactos bilaterais, dado que são precisamente esses contactos bilaterais que constituem essa infração única.

74

Como resulta do n.o 219 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral partiu da premissa de que cada um dos comportamentos que compõem a infração única e continuada devia ser necessariamente qualificado de infração distinta. Assim, declarou que as recorrentes deviam compreender que a Comissão podia daí deduzir que todos os contactos bilaterais que lhes foram imputados na comunicação de objeções constituíam em si mesmos tais infrações distintas.

75

Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. Com efeito, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou nos n.os 211, 212 e 219 do acórdão recorrido e ao confundir implicitamente o conceito de «comportamento» e o de «infração», as recorrentes não podiam compreender, na falta de qualquer indicação clara na comunicação de objeções, que a Comissão pretendia persegui‑las, não apenas a título da infração única e continuada invocada nessa comunicação, mas também de várias infrações distintas constituídas pelos diferentes contactos bilaterais mencionados nesta última.

76

Daqui resulta que o Tribunal Geral não podia, sem cometer um erro de direito, declarar que a Comissão não tinha violado os direitos de defesa das recorrentes, quando a comunicação de objeções não continha os elementos essenciais invocados contra elas no que respeita a essas infrações distintas, especialmente a qualificação prevista dos comportamentos que lhes eram imputados.

77

Por conseguinte, a primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada procedente.

– Quanto à segunda parte do terceiro fundamento

78

Com a segunda parte do seu terceiro fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao concluir, no n.o 227 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada quanto à existência de várias infrações distintas.

79

A este respeito, há que recordar, por um lado, como fez o Tribunal Geral no n.o 222 do acórdão recorrido, que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida no artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato controvertido, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida adotada e ao juiz da União exercer a sua fiscalização. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências fixadas no artigo 296.o TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (Acórdão de 10 de julho de 2019, Comissão/Icap e o., C‑39/18 P, EU:C:2019:584, n.o 23 e jurisprudência referida).

80

Por outro lado, como decorre dos n.os 59 a 61 e 64 do presente acórdão, do facto de a Comissão qualificar um conjunto de comportamentos de infração única e continuada não se pode deduzir que cada um desses comportamentos, em si mesmo e considerado isoladamente, deva necessariamente ser qualificado de infração distinta. Com efeito, se a Comissão decide qualificar como tal os comportamentos em causa e imputá‑los às recorrentes, deve ainda examiná‑los individualmente e demonstrar o seu caráter ilícito, bem como a implicação das recorrentes em cada um dos referidos comportamentos.

81

Consequentemente, quando a Comissão pretende acusar as recorrentes de terem participado não só numa «infração única e continuada» mas também em várias infrações distintas que correspondem a comportamentos que compõem essa infração, deve precisar e fundamentar a qualificação jurídica de infração distinta que atribui a cada um desses comportamentos.

82

No caso em apreço, o Tribunal Geral recordou, nomeadamente, no n.o 224 do acórdão recorrido, que a fundamentação de uma decisão adotada pela Comissão para assegurar a aplicação das regras de concorrência deve ser lógica e, nomeadamente, não apresentar contradições internas que impeçam a boa compreensão das razões subjacentes a essa decisão.

83

Foi neste contexto que o Tribunal Geral declarou, no n.o 227 do acórdão recorrido, que não existia nenhuma incoerência, no considerando 352 da decisão controvertida, na medida em que a Comissão indicou aí que os contactos em causa constituíam infrações individuais e respondiam simultaneamente aos critérios de uma infração única e continuada. Considerou, nos n.os 229 a 232 desse acórdão, que a Comissão tinha cumprido o dever de fundamentação que lhe incumbia por força do artigo 296.o TFUE, uma vez que tinha exposto claramente o alcance e a natureza do comportamento das recorrentes, que tinha considerado constitutivo de uma violação do artigo 101.o TFUE e que tinha apresentado os elementos de prova que sustentavam essas conclusões.

84

Ora, ao fazê‑lo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. Com efeito, contrariamente ao que este declarou, a fundamentação da constatação de várias infrações distintas que as recorrentes terão cometido, como figura no considerando 352 dessa decisão, não é suficiente. Assim, resulta desse considerando que, com base nos factos descritos na secção 4 e no anexo I da referida decisão, cada manifestação do comportamento adotado em relação aos clientes em causa ou a qualquer conjunto (ou de vários conjuntos) de contactos bilaterais teve por objeto restringir a concorrência e constitui, portanto, uma infração ao artigo 101.o TFUE, sem que, contudo, a Comissão indique as razões pelas quais, em seu entender, havia que imputar às recorrentes cada um dos comportamentos censurados não só a título de uma «infração única e continuada» mas também de várias infrações distintas ao artigo 101.o TFUE.

85

Daí decorre que, ao declarar que a Comissão tinha cumprido o seu dever de fundamentar a decisão controvertida ao considerar que as recorrentes tinham, além da sua participação numa infração única e continuada, igualmente participado em várias infrações distintas, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

86

Por conseguinte, há que julgar procedente a segunda parte do terceiro fundamento e, consequentemente, este fundamento na íntegra.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

87

Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral substituiu, erradamente, a fundamentação da decisão controvertida pela sua própria fundamentação, ao mesmo tempo que confirmava a conclusão dessa decisão segundo a qual as recorrentes tinham participado numa infração única e continuada. O Tribunal Geral acolheu, em substância, a alegação das recorrentes segundo a qual a Comissão não tinha provado o caráter anticoncorrencial de vários contactos que lhes eram imputados, a saber, os contactos n.os 66, 67, 70, 73, 76, 78, 88, 98, 101 e 105. No entanto, em vez de examinar se, por esse facto, a conclusão da decisão controvertida relativa à existência de uma infração única e continuada composta por várias infrações distintas não era desprovida de fundamento, o Tribunal Geral considerou que todos os contactos que envolviam as recorrentes eram suscetíveis de fazer parte de um conjunto de indícios que permitia sustentar a caracterização dessa infração única e continuada, ainda que nem todos constituíssem contactos anticoncorrenciais demonstrados.

88

Com efeito, ao apreciar se a Comissão tinha apresentado provas suficientes para caracterizar um comportamento constitutivo de uma infração única e continuada, o Tribunal Geral acolheu favoravelmente a crítica das recorrentes à decisão controvertida segundo a qual a Comissão não tinha demonstrado o caráter anticoncorrencial de vários contactos que lhes eram imputados. Especialmente, o Tribunal Geral admitiu, no n.o 108 do acórdão recorrido, que os contactos n.os 66, 67, 70, 73, 76 e 78 não eram elementos em que a Comissão tinha baseado a sua decisão. Considerou igualmente, no n.o 159 do acórdão recorrido, que o contacto n.o 101 não era suscetível de fazer parte de um conjunto de indícios. Além disso, o Tribunal Geral admitiu que os contactos n.os 88, 98 e 105 não tinham sido claramente demonstrados. Deste modo, segundo as recorrentes, incumbia ao Tribunal Geral examinar o mérito da conclusão da decisão controvertida sobre a existência de uma infração única e continuada composta por várias infrações distintas. Com efeito, na decisão controvertida, a Comissão não adotou uma abordagem por conjunto de indícios, mas partiu da hipótese de que cada contacto imputado constituía uma infração autónoma e que essas infrações distintas faziam parte de um plano de conjunto globalmente constitutivo de uma infração única e continuada. Pelo contrário, o Tribunal Geral considerou que todos os contactos que envolviam as recorrentes, apesar de nem todos constituírem contactos anticoncorrenciais cuja prova tinha sido feita, eram suscetíveis de constituir um conjunto de indícios que permitia sustentar a caracterização de uma infração única e continuada.

89

Assim, ao substituir fundamentação a exposta pela Comissão na decisão controvertida pela sua, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

90

A Comissão contesta a fundamentação do primeiro fundamento.

Apreciação do Tribunal de Justiça

91

Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter substituído erradamente a fundamentação da Comissão na decisão controvertida pela sua própria fundamentação no que respeita à apreciação da existência de uma infração única e continuada.

92

A este respeito, há que recordar que os órgãos jurisdicionais da União não podem alterar os elementos constitutivos da infração legalmente declarada pela Comissão na decisão controvertida, nem no âmbito da fiscalização da legalidade nem por ocasião do exercício da sua competência de plena jurisdição. Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esses órgãos jurisdicionais não podem, no âmbito da fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE, substituir pela sua própria fundamentação a fundamentação do autor do ato em causa. A competência de plena jurisdição de que dispõe o Tribunal Geral ao abrigo do artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003 diz unicamente respeito à apreciação, por este, da coima aplicada pela Comissão (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Philips e Philips France/Comissão, C‑98/17 P, não publicado, EU:C:2018:774, n.o 50 e jurisprudência referida).

93

Por conseguinte, há que verificar se o Tribunal Geral alterou, como alegam as recorrentes, os elementos constitutivos da infração única e continuada legalmente declarada pela Comissão na decisão controvertida.

94

No caso em apreço, há que observar, em primeiro lugar, que a análise dos contactos n.os 66, 67, 70, 73, 76, 78, 88, 98, 101 e 105 efetuada pelo Tribunal Geral, nos n.os 108 a 168 do acórdão recorrido, não dizia respeito ao caráter anticoncorrencial desses contactos, mas à questão de saber se podiam fazer parte do conjunto de indícios destinado a demonstrar a existência de uma infração por objeto. A este respeito, o Tribunal Geral confirmou que era o que sucedia relativamente a dez dos 17 contactos imputados às recorrentes (contactos n.os 62, 63, 65, 88, 89, 95, 98, 100, 105 e 116) durante os quinze meses durante os quais participaram na infração única e continuada em causa e concluiu daí, no n.o 175 do referido acórdão, que a Comissão tinha podido, sem cometer erros e sem violar o seu dever de fundamentação, concluir, à luz dos elementos de prova e dos indícios que podiam ser tidos em conta, considerados no seu conjunto, que as recorrentes tinham participado numa infração por «objeto» ao artigo 101.o TFUE.

95

Em segundo lugar, há que salientar que, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, resulta da decisão controvertida que a Comissão se baseou num conjunto de indícios para provar a infração única e continuada que lhes imputou. Assim, a título de exemplo, há que salientar que esta recordou expressamente, no considerando 322 da decisão controvertida, por um lado, que era necessário que apresentasse provas precisas e concordantes para basear a firme convicção de que a infração tinha sido cometida, mas que cada uma das provas apresentadas não tinha necessariamente de responder a esses critérios em relação a cada elemento da infração, e, por outro, que era suficiente que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, respondesse a essa exigência.

96

Neste contexto, a Comissão referiu‑se ainda expressamente a este conjunto de indícios nos considerandos 220, 325, 334 e 425 da decisão controvertida.

97

Por conseguinte, não se pode sustentar que, ao fazer referência a um conjunto de indícios, o Tribunal Geral substituiu a fundamentação exposta pela Comissão na decisão controvertida pela sua própria fundamentação. Pelo contrário, confirmou, em substância, que a abordagem da Comissão, que consiste em basear‑se num conjunto de indícios para demonstrar a existência de uma infração única e continuada, era conforme com a jurisprudência relativa à prova de uma infração nos termos do artigo 101.o TFUE.

98

Por conseguinte, há que declarar improcedente o primeiro fundamento.

Quanto ao segundo fundamento

99

O segundo fundamento das recorrentes divide‑se em duas partes.

Quanto à primeira parte do segundo fundamento

– Argumentos das partes

100

A primeira parte do segundo fundamento é relativa ao facto de o Tribunal Geral ter cometido um erro de direito ao concluir que as recorrentes tinham participado numa infração única e continuada entre 25 de julho de 2007 e 29 de outubro de 2008.

101

As recorrentes sustentam, em primeiro lugar, que, à luz da jurisprudência do Tribunal Geral, é preciso que os contactos anticoncorrenciais sejam suficientemente próximos no tempo para que uma infração única e continuada possa ser caracterizada. Do mesmo modo, no Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão (C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.os 50 a 52), o Tribunal de Justiça declarou que, no que respeita a produtos para os quais os preços eram fixados numa base anual, era adequado verificar se a Comissão tinha demonstrado pelo menos ocorrências anuais de participação das empresas em causa no cartel.

102

Ora, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não apreciou se, tendo em conta os contactos não demonstrados, a participação das recorrentes na infração continuava a ser ininterrupta. O Tribunal Geral indicou, no n.o 198 desse acórdão, que alguns dos 17 contactos imputados às recorrentes não tinham sido provados. Especialmente, o Tribunal Geral admitiu, no n.o 108 do referido acórdão, que a Comissão não tinha chegado a nenhuma conclusão sobre os contactos n.os 66, 67, 70, 73, 76 e 78, que figuram apenas no anexo I da decisão controvertida e não constam, assim, dos fundamentos dessa decisão, o que o deveria ter levado a constatar que, durante um período de cerca de cinco meses, as recorrentes não tinham tido nenhum contacto anticoncorrencial.

103

Contudo, o Tribunal Geral não analisou se, à luz do funcionamento real do mercado, um intervalo de cerca de cinco meses sem contacto anticoncorrencial demonstrado não punha em causa a participação das recorrentes na infração única e continuada em questão. Assim, ao não retirar as consequências das suas próprias constatações, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

104

A Comissão contesta esta argumentação.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

105

Com a primeira parte do seu segundo fundamento, as recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que tinham participado numa infração única e continuada entre 25 de julho de 2007 e 29 de outubro de 2008, sem ter tido em conta as suas próprias constatações de que existia um intervalo de cerca de cinco meses entre dois dos contactos em que as recorrentes tinham participado.

106

A este respeito, há que sublinhar que uma empresa pode só ter participado diretamente numa parte dos comportamentos anticoncorrenciais que compõem a infração única e continuada, mas ter tido conhecimento de todos os outros comportamentos infratores perspetivados ou aplicados por outros participantes no cartel na prossecução dos mesmos objetivos, ou ter podido razoavelmente prevê‑los e ter estado pronta a aceitar o risco. Nesse caso, a Comissão tem o direito de imputar a essa empresa a responsabilidade de todos os comportamentos anticoncorrenciais que compõem essa infração e, por consequência, de toda a infração (Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 43 e jurisprudência referida).

107

Daqui resulta igualmente que, nesse caso, só se pode ter em conta a circunstância de uma empresa não ter participado em todos os elementos constitutivos de um cartel ou ter desempenhado um papel secundário nos aspetos em que participou quando da apreciação da gravidade da infração e, se for o caso, da determinação do montante da coima (v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 54).

108

Além disso, no âmbito de uma infração que se estende por vários anos, o facto de as manifestações do acordo ocorrerem em períodos diferentes, podendo ser separados por lapsos de tempo mais ou menos longos, não tem incidência quanto à existência desse acordo, na medida desde que as diferentes ações que fazem parte dessa infração prossigam uma única finalidade e se inscrevam no âmbito de uma infração com caráter único e continuado (Acórdão de 21 de setembro de 2006, Technische Unie/Comissão, C‑113/04 P, EU:C:2006:593, n.o 169).

109

No caso em apreço, há que observar que o Tribunal Geral examinou, nos n.os 176 a 200 do acórdão recorrido, a alegação das recorrentes relativa à falta de provas da infração única e continuada considerada pela Comissão.

110

O Tribunal Geral começou por recordar, nos n.os 178 a 181 desse acórdão, a jurisprudência pertinente relativa às obrigações que incumbem à Comissão em matéria de prova de uma infração única e continuada. Em seguida, sublinhou, no n.o 186 do referido acórdão, no que se refere à questão de saber se a Comissão devia avaliar se os períodos que separavam os contactos eram suficientemente breves para demonstrar uma infração única e continuada, que o facto de a prova da existência de uma infração única e continuada não ter sido produzida relativamente a determinados períodos não obsta a que se considere que a infração se prolongou durante um período global mais extenso do que estes, desde que tal conclusão assente em indícios objetivos e concordantes.

111

Por último, no que respeita, mais concretamente, ao número de contactos alegados das recorrentes, o Tribunal Geral considerou, no n.o 198 do acórdão recorrido que, mesmo tendo em conta o facto de que alguns deles não estão de modo nenhum demonstrados, o número de contactos das recorrentes não pode ser qualificado de menor.

112

Assim, o Tribunal Geral não pode ser acusado de não ter tido em conta um eventual intervalo de cerca de cinco meses entre dois dos referidos contactos.

113

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral constatou, no n.o 187 do acórdão recorrido, que o período mais longo sem contacto demonstrado era apenas de três meses.

114

Em segundo lugar, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, o Tribunal Geral não considerou, no n.o 198 do acórdão recorrido, que determinados contactos não estavam demonstrados. Este apenas admitiu a hipótese de alguns dos contactos imputados às recorrentes não estarem de modo nenhum demonstrados e daí deduziu precisamente, por comparação com o caso dos outros participantes no cartel, que, mesmo nessa hipótese, a participação das recorrentes na infração única e continuada não seria posta em causa.

115

Em terceiro lugar, no que respeita mais concretamente aos contactos n.os 66, 67, 70, 73, 76 e 78, importa recordar que a falta de prova de contactos anticoncorrenciais acerca de determinados períodos concretos não obsta à constatação de uma infração única e continuada, desde que tal constatação assente em indícios objetivos e concordantes e as diferentes ações desta infração prossigam uma única finalidade, nas condições precisadas no n.o 108 do presente acórdão.

116

Foi precisamente este raciocínio que o Tribunal Geral seguiu acertadamente. Assim, considerou, nos n.os 188 a 195 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha demonstrado corretamente que as recorrentes tinham conhecimento da existência de um objetivo comum e que contribuíram intencionalmente para o objetivo económico e anticoncorrencial do cartel.

117

Ora, nessas circunstâncias, um intervalo de cerca de cinco meses entre dois dos contactos em que as recorrentes participaram, mesmo admitindo‑o demonstrado, não é suscetível de pôr em causa a sua participação na infração única e continuada em questão.

118

Em todo o caso, as recorrentes não podem basear‑se no Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão (C‑99/17 P, EU:C:2018:773) para considerar que o Tribunal Geral deveria ter verificado se um intervalo de cerca de cinco meses sem contacto anticoncorrencial demonstrado, não punha em causa a participação das recorrentes na infração única e continuada alegada. Com efeito, enquanto os n.os 50 a 52 desse acórdão têm por objeto uma análise de circunstâncias particulares do processo em causa, o Tribunal de Justiça recordou, no n.o 53 do referido acórdão, que, no âmbito de uma infração que se estende por vários anos, o facto de as manifestações do cartel ocorrerem em períodos diferentes, podendo ser separadas por lapsos de tempo mais ou menos longos, não tem incidência na existência desse cartel, desde que as diferentes ações que fazem parte dessa infração prossigam uma única finalidade e se inscrevam no âmbito de uma infração com caráter único e continuado.

119

Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

Quanto à segunda parte do segundo fundamento

– Argumentos das partes

120

Com a segunda parte do seu segundo fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter violado o seu dever de fundamentação ao basear o acórdão recorrido em fundamentos incoerentes. Com efeito, a fundamentação do acórdão recorrido é intrinsecamente incoerente no que respeita à sua participação na infração única e continuada. A afirmação, no n.o 187 desse acórdão, de que segundo a qual a maioria dos contactos individuais era, em geral, espaçada apenas de um mês, contradiz a constatação, no n.o 108 do referido acórdão, de que os contactos n.os 66, 67, 70, 73, 76 e 78 não estavam demonstrados. Com efeito, se esses contactos não fossem tidos em conta, seria necessário daí deduzir uma interrupção dos contactos durante um período de cerca de cinco meses.

121

A Comissão sustenta que a segunda parte do segundo fundamento é improcedente.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

122

Com a segunda parte do seu segundo fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter violado o seu dever de fundamentação ao basear o acórdão recorrido em fundamentos incoerentes.

123

A este respeito, basta salientar que, no n.o 187 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que «as recorrentes participaram em numerosos contactos durante um período de quinze meses[, que a] maioria dos contactos estavam espaçados de apenas um mês[, que] às vezes as recorrentes participaram em vários contactos durante o mesmo mês [e que o] maior período sem contacto provado [era] apenas de três meses».

124

Verifica‑se, assim, que esta constatação é geral e que não pode ser considerada no sentido de que significa que todos os intervalos entre cada um dos contactos em que as recorrentes participaram não são superiores a um mês.

125

Assim, a segunda parte do segundo fundamento assenta numa leitura errada do acórdão recorrido e deve, por conseguinte, ser julgada improcedente.

126

Consequentemente, há que julgar o segundo fundamento improcedente na íntegra.

Quanto ao quarto fundamento

127

O quarto fundamento das recorrentes divide‑se em três partes.

Argumentos das partes

– Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

128

Com a primeira parte do seu quarto fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter violado o princípio, enunciado nas Orientações para o cálculo das coimas, segundo o qual o valor das vendas deve refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que participa na infração e, portanto, os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento.

129

As recorrentes sustentam que, durante o período da infração alegada, a Quanta Storage Inc. (a seguir «Quanta») produziu LDO posteriormente vendidos sob a marca Sony Optiarc. No âmbito dos acordos de partilha de receitas celebrados entre as recorrentes e a Quanta, as recorrentes pagaram à Quanta as receitas correspondentes aos produtos concebidos e fabricados pela Quanta. Ora, a decisão controvertida efetuou uma dupla contabilização dessas receitas, imputando‑as tanto às recorrentes como à Quanta.

130

No entanto, o Tribunal Geral rejeitou o argumento das recorrentes de que a decisão controvertida tinha contabilizado duas vezes as mesmas receitas. Rejeitou igualmente o seu argumento de que esta dupla contabilização violou os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, pelo facto de ter dado lugar à aplicação, às recorrentes, de uma coima que aumentou indevidamente a sua parte no valor das vendas.

131

As Orientações para o cálculo das coimas definem o valor das vendas como um valor de substituição adequado para refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que participa na mesma. O Tribunal de Justiça confirmou esta interpretação do valor das vendas, que é conforme aos princípios enunciados no número anterior e, em alguns processos, a Comissão procurou evitar essa dupla contabilização.

132

Para rejeitar o argumento das recorrentes, o Tribunal Geral considerou, no n.o 245 do acórdão recorrido, que o método preconizado por elas comprometeria a eficácia da proibição dos cartéis, dado que bastaria então às empresas em causa associarem‑se a um participante no cartel para reduzir o montante da sua coima. Ora, esta fundamentação levou o Tribunal Geral a confirmar uma dupla contabilização do valor das vendas, o que constitui um erro de direito e uma violação dos referidos princípios.

133

A Comissão considera que a primeira parte do quarto fundamento é inadmissível. Resulta do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação a recorrente pede. Ora, esta primeira parte do quarto fundamento constitui, na realidade, um pedido que visa obter um simples reexame da petição apresentada no Tribunal Geral sem identificar nenhum erro específico no acórdão recorrido, o que escapa à competência do Tribunal de Justiça.

134

Em todo o caso, a primeira parte do quarto fundamento é desprovida de fundamento e inoperante.

– Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

135

A segunda parte do quarto fundamento é relativa à violação do dever de fundamentação na medida em que o Tribunal Geral não respondeu ao argumento invocado pelas recorrentes segundo o qual a dupla contabilização do valor das vendas aumentou ilegalmente a importância económica da infração alegada e, por conseguinte, a coima que lhes foi aplicada.

136

Em virtude deste dever, o Tribunal Geral é obrigado a responder de modo juridicamente bastante a todos os argumentos invocados pelas recorrentes. A fundamentação apresentada pelo Tribunal Geral só pode ser implícita se permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais este não acolheu os seus argumentos.

137

Ora, o Tribunal Geral não respondeu aos argumentos invocados pelas recorrentes e limitou‑se a tecer considerações gerais que não respondiam diretamente a esses argumentos e, especialmente, ao relativo à dupla contabilização das receitas resultantes das vendas de LDO.

138

A Comissão entende que a segunda parte do quarto fundamento é improcedente e inoperante.

– Quanto à terceira parte do primeiro fundamento

139

Com a terceira parte do seu quarto fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro ao rejeitar o seu argumento de que a Comissão não justificou que, no seu caso, se tinha afastado da sua prática destinada a evitar uma dupla contabilização, quando, nas suas decisões anteriores, teve em conta o valor das vendas para efeitos do cálculo do montante da coima, dado que esse valor refletia o valor económico da infração.

140

A Comissão considera que a terceira parte do quarto fundamento deve ser julgada improcedente e inoperante.

Apreciação do Tribunal de Justiça

141

Com as três partes do seu quarto fundamento, que importa examinar em conjunto, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, violou os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade e não cumpriu o seu dever de fundamentação, ao confirmar o montante da coima aplicada com base nas mesmas receitas que as que serviram para calcular o montante da coima aplicada à Quanta, que concebia e fabricava os LDO vendidos sob a marca Sony Optiarc com base em acordos de partilha de receitas.

142

A título preliminar, importa salientar que resulta implícita mas claramente do presente recurso que as recorrentes se referem aos n.os 237 a 250 do acórdão recorrido, o que, de resto, confirmaram na réplica. Por conseguinte, o presente fundamento é admissível.

143

Quanto ao mérito, importa salientar que o Tribunal Geral começou por constatar, no n.o 238 do acórdão recorrido, que o argumento das recorrentes de que a Comissão tinha contabilizado duas vezes as vendas feitas à Dell era pouco inteligível na medida em que só as recorrentes recebiam as receitas provenientes da Dell.

144

Recordou, a seguir, nos n.os 239 a 243 desse acórdão, a jurisprudência aplicável à determinação, pela Comissão, do montante das coimas por infração ao direito da concorrência da União.

145

Por último, o Tribunal Geral considerou, em substância, que a Comissão tinha respeitado, na decisão controvertida, o método de cálculo estabelecido nas Orientações para o cálculo das coimas. A este respeito, no n.o 244 do referido acórdão considerou lógico que a Comissão, quando procurou determinar o valor das vendas de bens a que a infração se referia direta ou indiretamente, utilizasse as vendas diretas das recorrentes à Dell como base para calcular o montante da coima.

146

No que respeita, mais concretamente, ao argumento relativo à dupla contabilização das receitas, o Tribunal Geral precisou, no n.o 245 do acórdão recorrido, que o método preconizado pelas recorrentes, que consiste em deduzir das receitas obtidas por estas por parte da Dell as receitas transferidas para a Quanta, comprometeria a eficácia da proibição dos cartéis na medida em que bastaria às empresas participantes num cartel associarem‑se para reduzir o montante da sua coima.

147

No que respeita aos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, o Tribunal Geral acrescentou, nos n.os 246 e 247 do acórdão recorrido, que o comportamento das recorrentes não tinha sido fundamentalmente diferente do comportamento dos outros destinatários da decisão controvertida, tanto no que respeita ao facto de terem trocado informações, nomeadamente sobre os preços, como no que respeita à frequência dessas trocas. Concluiu daí que a decisão controvertida não tinha violado esses princípios nem as Orientações para o cálculo das coimas.

148

Em primeiro lugar, no que se refere aos argumentos das recorrentes relativos à violação do dever de fundamentação, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentar os acórdãos, que incumbe ao Tribunal Geral por força do artigo 36.o do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, não o obriga a fazer uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, assim, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem os fundamentos em que o Tribunal Geral se baseia e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito de um recurso (Acórdão de 25 de novembro de 2020, Comissão/GEA Group, C‑823/18 P, EU:C:2020:955, n.o 42 e jurisprudência referida).

149

Ora, a fundamentação contida nos n.os 237 a 250 do acórdão recorrido está em conformidade com as exigências da jurisprudência recordada no número anterior. Com efeito, o Tribunal Geral examinou todas as acusações formuladas pelas recorrentes quanto ao cálculo da coima e expôs as razões pelas quais as rejeitou. Especialmente, o Tribunal Geral examinou a alegação de dupla contabilização nos n.os 237 e 238 do acórdão recorrido e, assim, expôs os motivos da rejeição dessas acusações.

150

Em segundo lugar, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao considerar que a Comissão não se tinha afastado do método fixado nas Orientações para o cálculo das coimas

151

Com efeito, salientou acertadamente que a Comissão, em conformidade com este método, tinha baseado o seu cálculo da coima aplicada às recorrentes, nomeadamente, no valor das vendas de bens a que a infração dizia direta ou indiretamente respeito.

152

O Tribunal Geral também declarou acertadamente que o método preconizado pelas recorrentes, baseado não no valor das vendas, mas nas receitas provenientes apenas das vendas diretas, comprometeria a eficácia da proibição dos cartéis e, portanto, não se podia considerar que permitia refletir a importância económica da infração.

153

Em terceiro lugar, no que respeita ao princípio da igualdade de tratamento, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, este princípio constitui um princípio geral do direito da União, consagrado nos artigos 20.o e 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Esse princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdão de 25 de novembro de 2020, Comissão/GEA Group, C‑823/18 P, EU:C:2020:955, n.o 58 e jurisprudência referida).

154

No caso em apreço, o Tribunal Geral declarou, no n.o 246 do acórdão recorrido, que o comportamento das recorrentes não tinha sido substancialmente diferente do comportamento dos outros destinatários da decisão controvertida, tanto no que respeita ao facto de ter trocado informações sobre os preços como no que respeita à frequência dessas trocas. Nestas condições, considerou, no n.o 247 desse acórdão, que a referida decisão não tinha violado o princípio da igualdade de tratamento.

155

Contrariamente à argumentação das recorrentes, esta conclusão não enferma de nenhum erro de direito. Com efeito, decorre dos n.os 246 e 247 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral considerou, acertadamente, em substância, que a Comissão tinha aplicado corretamente o mesmo método de cálculo do montante da coima a todas as empresas em causa, baseado na tomada em consideração do valor das vendas, e que as circunstâncias salientadas pelas recorrentes, que justificavam, segundo elas, o recurso a um método de cálculo diferente, não são suscetíveis de afetar esta consideração.

156

No que se refere, em quarto lugar, ao princípio da proporcionalidade, importa recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, não compete a este último, quando se pronuncia sobre questões de direito no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, substituir, por motivos de equidade, pela sua própria apreciação a apreciação do Tribunal Geral pronunciando‑se, no exercício da sua competência de plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido a uma violação, por estas, do direito da União. Assim, só na medida em que o Tribunal de Justiça considerar que o nível da sanção é não só inapropriado mas igualmente excessivo, a ponto de ser desproporcionado, é que haverá que declarar um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral, em razão do caráter inapropriado do montante de uma coima (Acórdãos de 30 de maio de 2013, Quinn Barlo e o./Comissão, C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351, n.o 57 e jurisprudência aí referida, e de 26 de setembro de 2018, Philips e Philips France/Comissão, C‑98/17 P, não publicado, EU:C:2018:774, n.o 107).

157

Ora, as recorrentes não demonstraram as razões pelas quais o montante da coima que lhes foi aplicada é excessivo, a ponto de ser desproporcionado.

158

Resulta do exposto que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra.

Quanto à anulação do acórdão recorrido

159

Como resulta da análise, nos n.os 55 a 86 do presente acórdão, do terceiro fundamento das recorrentes, o Tribunal Geral cometeu erros de direito.

160

Nestas condições, há que anular o acórdão recorrido.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

161

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

162

No caso em apreço, há que decidir definitivamente o litígio, que está em condições de ser julgado.

163

Como foi indicado no n.o 33 do presente acórdão, as recorrentes invocaram dois fundamentos de recurso no Tribunal Geral.

164

No âmbito do seu primeiro fundamento no Tribunal Geral, as recorrentes alegam, no que se refere à sua participação nas infrações distintas que compõem a infração única e continuada que lhes foi imputada, que a Comissão não formulou essa alegação durante o procedimento administrativo e que a referida alegação foi apresentada pela primeira vez na decisão controvertida violando assim os seus direitos de defesa. Esta decisão enferma igualmente de falta de fundamentação quanto à declaração dessas infrações distintas.

165

No que se refere à acusação relativa à violação do dever de fundamentação, há que considerar que, pelos motivos enunciados nos n.os 78 a 90 do presente acórdão, a Comissão não fundamentou a sua decisão quanto à participação das recorrentes nas referidas infrações distintas que compõem a infração única e continuada que lhes foi imputada.

166

Por conseguinte, sem que seja necessário examinar os outros argumentos suscitados no âmbito do primeiro fundamento invocado pelas recorrentes em apoio do seu recurso, este fundamento deve ser acolhido na medida em que acusa a Comissão de não ter fundamentado suficientemente a decisão controvertida no que respeita à sua participação nessas mesmas infrações distintas.

167

Tendo em conta o que precede, e à luz do que foi precisado nos n.os 55 a 58 do presente acórdão, o artigo 1.o, alínea g), da decisão controvertida deve ser anulado na parte em que declara que as recorrentes infringiram o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE ao terem participado em várias infrações distintas.

168

Com o segundo fundamento do seu recurso no Tribunal Geral, as recorrentes alegam, no âmbito de uma primeira parte, que a Comissão lhes aplicou uma coima calculada sobre receitas provenientes da Dell que tinham sido transferidas para a Quanta com base nos acordos de partilha de receitas em vigor entre as recorrentes e a Quanta. No âmbito de uma segunda parte, as recorrentes sustentam que, na medida em que a decisão controvertida não tomou em consideração o seu comportamento substancialmente menos grave do que o de outros destinatários, a Comissão violou os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, o artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 e as Orientações para o cálculo das coimas.

169

No caso em apreço, no que respeita, em primeiro lugar, à primeira parte do segundo fundamento do recurso, há que considerar que, pelos motivos expostos nos n.os 141 a 158 do presente acórdão, no que respeita à acusação relativa ao método de cálculo da coima, a decisão controvertida não violou os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade nem as Orientações para o cálculo das coimas.

170

Em segundo lugar, no que respeita à segunda parte do segundo fundamento do recurso, o Tribunal de Justiça faz sua a fundamentação desenvolvida pelo Tribunal de Geral nos n.os 253 a 264 do acórdão recorrido. Assim, pelas razões expostas nesses números e pelas expostas no número anterior do presente acórdão, este segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

171

Há igualmente que decidir, no exercício da competência de plena jurisdição reconhecida ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 261.o TFUE e do artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, sobre o montante da coima que deve ser aplicada às recorrentes (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 87 e jurisprudência referida).

172

A este propósito, deve recordar‑se que o Tribunal de Justiça, pronunciando‑se ele próprio definitivamente sobre o litígio por aplicação do artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do seu estatuto, está habilitado, no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 88 e jurisprudência referida).

173

A fim de determinar o montante da coima aplicada, cabe‑lhe apreciar ele próprio as circunstâncias do caso em apreço e o tipo de infração em causa (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 89 e jurisprudência referida).

174

Este exercício pressupõe, em aplicação do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, que seja tida em consideração, para cada empresa punida, a gravidade da infração em causa, bem como a sua duração, respeitando os princípios, designadamente, da fundamentação, da proporcionalidade, da individualização das sanções e da igualdade de tratamento, sem que o Tribunal de Justiça esteja vinculado pelas regras indicativas definidas pela Comissão nas suas orientações, ainda que estas possam guiar os órgãos jurisdicionais da União quando estes exercem a sua competência de plena jurisdição (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 90 e jurisprudência referida).

175

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera, que nenhum dos elementos que as recorrentes invocaram no âmbito do presente processo, nem nenhum motivo de ordem pública, justifica que faça uso da sua competência de plena jurisdição para reduzir o montante da coima prevista no artigo 2.o, alínea g), da decisão controvertida.

176

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que anular o artigo 1.o, alínea g), da decisão controvertida, na parte em que declara que as recorrentes infringiram o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE ao terem participado em várias infrações distintas, e negar provimento ao recurso quanto ao restante.

Quanto às despesas

177

Em conformidade com o artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

178

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. O artigo 138.o, n.o 3, do referido regulamento precisa que se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

179

No caso em apreço, as recorrentes requereram a condenação da Comissão nas despesas relativas aos processos em primeira instância e de recurso e esta foi vencida nos seus pedidos no presente recurso e, parcialmente, nos seus pedidos em primeira instância. As recorrentes foram parcialmente vencidas nos seus pedidos em primeira instância.

180

Dito isto, o Tribunal de Justiça considera, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, que há que condenar a Comissão a suportar, além das suas próprias despesas relativas tanto ao processo em primeira instância como ao presente recurso, a totalidade das despesas que as recorrentes efetuaram no âmbito do presente recurso e metade das que efetuaram em primeira instância. As recorrentes suportarão metade das suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de julho de 2019, Sony Optiarc e Sony Optiarc America/Comissão (T‑763/15, não publicado, EU:T:2019:517), é anulado.

 

2)

O artigo 1.o, alínea g), da Decisão C(2015) 7135 final da Comissão, de 21 de outubro de 2015, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39639 — Leitores de discos óticos), é anulado na parte em que declara que a Sony Optiarc Inc. e a Sony Optiarc America Inc., infringiram o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992, ao terem participado, respetivamente de 25 de julho de 2007 a 29 de outubro de 2008 e de 25 de julho de 2007 a 31 de outubro de 2007, em várias infrações distintas

 

3)

É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

 

4)

A Comissão Europeia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas relativas tanto ao processo em primeira instância como ao presente recurso, a totalidade das despesas que a Sony Optiarc Inc. e a Sony Optiarc America Inc. efetuaram no âmbito do presente recurso e metade das que efetuaram em primeira instância.

 

5)

A Sony Optiarc Inc. e a Sony Optiarc America Inc. suportam metade das suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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