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Document 62019CJ0331

Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 1 de outubro de 2020.
Staatssecretaris van Financiën contra X.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 98.o — Faculdade de os Estados‑Membros aplicarem uma taxa reduzida de IVA a determinadas entregas de bens e prestações de serviços — Anexo III, ponto 1 — Conceitos de “produtos alimentares destinados ao consumo humano” e de “produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares” — Produtos afrodisíacos.
Processo C-331/19.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:786

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

1 de outubro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 98.o — Faculdade de os Estados‑Membros aplicarem uma taxa reduzida de IVA a determinadas entregas de bens e prestações de serviços — Anexo III, ponto 1 — Conceitos de “produtos alimentares destinados ao consumo humano” e de “produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares” — Produtos afrodisíacos»

No processo C‑331/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), por Decisão de 19 de abril de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de abril de 2019, no processo

Staatssecretaris van Financiën

contra

X,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: I. Jarukaitis, presidente de secção, E. Juhász (relator) e M. Ilešič, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação do Governo neerlandês, por M. L. Noort e M. K. Bulterman, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de fevereiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do anexo III, ponto 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Staatssecretaris van Financiën (Secretário de Estado das Finanças, Países Baixos) a X a propósito da aplicação da taxa reduzida do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) prevista para os produtos alimentares a produtos comercializados e utilizados como afrodisíacos, compostos essencialmente por elementos de origem vegetal ou animal e consumidos por via oral.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento (CE) n.o 178/2002

3

O Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1), dispõe, no seu artigo 1.o, sob a epígrafe «Objetivo e âmbito de aplicação»:

«1.   O presente regulamento prevê os fundamentos para garantir um elevado nível de proteção da saúde humana e dos interesses dos consumidores em relação aos géneros alimentícios, tendo nomeadamente em conta a diversidade da oferta de géneros alimentícios, incluindo produtos tradicionais, e assegurando, ao mesmo tempo, o funcionamento eficaz do mercado interno. Estabelece princípios e responsabilidades comuns, a maneira de assegurar uma sólida base científica e disposições e procedimentos organizacionais eficientes para servir de base à tomada de decisões em questões de segurança dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais.

2.   Para efeitos do n.o 1, o presente regulamento estabelece os princípios gerais que regem os géneros alimentícios e os alimentos para animais em geral e, em particular, a sua segurança a nível [da União Europeia] e nacional.

Institui a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos [(EFSA)].

Estabelece procedimentos para questões com impacto direto ou indireto na segurança dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais.

[…]»

4

O artigo 2.o deste regulamento, sob a epígrafe «Definição de “género alimentício”», prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por “género alimentício” (ou “alimento para consumo humano”), qualquer substância ou produto, transformado, parcialmente transformado ou não transformado, destinado a ser ingerido pelo ser humano ou com razoáveis probabilidades de o ser.

Este termo abrange bebidas, pastilhas elásticas e todas as substâncias, incluindo a água, intencionalmente incorporadas nos géneros alimentícios durante o seu fabrico, preparação ou tratamento. A água está incluída dentro dos limiares de conformidade referidos no artigo 6.o da Diretiva 98/83/CE [do Conselho, de 3 de novembro de 1998, relativa à qualidade da água destinada ao consumo humano (JO 1998, L 330, p. 32)], sem prejuízo dos requisitos das Diretivas 80/778/CEE [do Conselho, de 15 de julho de 1980, relativa à qualidade das águas destinadas ao consumo humano (JO 1980, L 229, p. 11; EE 15 F2 p. 174),] e 98/83/CE.

O termo não inclui:

a)

Alimentos para animais;

b)

Animais vivos, a menos que sejam preparados para colocação no mercado para consumo humano;

c)

Plantas, antes da colheita;

d)

Medicamentos, na aceção das Diretivas 65/65/CEE [do Conselho, de 26 de janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18),] e 92/73/CEE do Conselho[, de 22 de setembro de 1992, que alarga o âmbito de aplicação das Diretivas 65/65/CEE e 75/319/CEE, relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes aos medicamentos e que estabelecem disposições complementares para os medicamentos homeopáticos (JO 1992, L 297, p. 8)];

e)

Produtos cosméticos, na aceção da Diretiva 76/768/CEE do Conselho[, de 27 de julho de 1976, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos (JO 1976, L 262, p. 169; EE 15 F1 p. 216)];

f)

Tabaco e produtos do tabaco, na aceção da Diretiva 89/622/CEE do Conselho[, de 13 de novembro de 1989, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de rotulagem dos produtos do tabaco (JO 1989, L 359, p. 1)];

g)

Estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, na aceção da Convenção das Nações Unidas sobre Estupefacientes[, celebrada em Nova Iorque, em 30 de março de 1961, alterada pelo Protocolo de 1972 Emendando a Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 520, p. 151),] e da Convenção das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas[, celebrada em Viena, em 21 de fevereiro de 1971 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1019, p. 175)];

h)

Resíduos e contaminantes.»

5

O artigo 5.o do referido regulamento, com a epígrafe «Objetivos gerais», dispõe, no seu n.o 1:

«A legislação alimentar deve procurar alcançar um ou mais dos objetivos gerais de um elevado nível de proteção da vida e da saúde humanas, a proteção dos interesses dos consumidores, incluindo as boas práticas no comércio de géneros alimentícios, tendo em conta, sempre que adequado, a proteção da saúde e do bem‑estar animal, a fitossanidade e o ambiente.»

Diretiva IVA

6

Por força do artigo 96.o da Diretiva IVA, os Estados‑Membros aplicam uma taxa normal de IVA, fixada por cada Estado‑Membro, que é idêntica para a entrega de bens e para a prestação de serviços.

7

O artigo 97.o desta diretiva dispõe que a taxa normal não pode ser inferior a 15 %.

8

O artigo 98.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva prevê:

«1.   Os Estados‑Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas.

2.   As taxas reduzidas aplicam‑se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do anexo III.

[…]»

9

O anexo III da Diretiva IVA, que contém a lista das entregas de bens e das prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas de IVA previstas no artigo 98.o, inclui, nos seus pontos 1 a 4:

«1)

Produtos alimentares (incluindo bebidas, com exceção das bebidas alcoólicas) destinados ao consumo humano e animal, animais vivos, sementes, plantas e ingredientes normalmente destinados à preparação de alimentos, bem como produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares;

2)

Abastecimento de água;

3)

Produtos farmacêuticos do tipo normalmente utilizado em cuidados de saúde, na prevenção de doenças e em tratamentos médicos e veterinários, incluindo produtos contracetivos e de higiene feminina;

4)

Equipamento médico, material auxiliar e outros aparelhos normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respetiva reparação, bem como assentos de automóvel para crianças;

[…]»

Direito neerlandês

10

À época dos factos do processo principal, nos termos do artigo 9.o, n.o 2, alínea a), da Wet houdende vervanging van de bestaande omzetbelasting door een omzetbelasting volgens het stelsel van heffing over de toegevoegde waarde (Lei que Substitui o Imposto Existente sobre o Volume de Negócios por um Imposto sobre o Volume de Negócios Segundo o Sistema do Imposto sobre o Valor Acrescentado), de 28 de junho de 1968 (Stb. 1968, n.o 329), a taxa do IVA era de 6 % para as entregas de bens mencionadas na tabela I dessa lei.

11

O ponto a.1 dessa tabela menciona:

«1.

Alimentos, nomeadamente:

a.

Produtos comestíveis ou bebíveis que se destinam ao consumo humano;

b.

Produtos manifestamente destinados à preparação dos alimentos e bebidas a que a alínea a) se refere e que estão total ou parcialmente neles incluídos;

c.

Produtos que se destinam a servir de complemento ou substituto dos alimentos e bebidas a que se refere a alínea a), não se considerando produtos alimentares as bebidas alcoólicas;

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

X, empresário sujeito passivo de IVA, comercializa, na sua loja de produtos eróticos, nomeadamente, cápsulas, gotas, pós e sprays, apresentados como sendo afrodisíacos que aumentam a líbido. Estes produtos, compostos essencialmente por elementos de origem vegetal ou animal, destinam‑se ao consumo humano e utilizam‑se por via oral.

13

Entre o ano de 2009 e o ano de 2013, o sujeito passivo aplicou aos referidos produtos a taxa reduzida de IVA aplicável aos produtos alimentares.

14

Considerando que não se tratava de «produtos alimentares», na aceção das disposições pertinentes da regulamentação em matéria de IVA, a Administração Fiscal contestou a aplicação dessa taxa aos mesmos produtos e decidiu emitir avisos de liquidação adicional.

15

O sujeito passivo impugnou essa decisão da Administração Fiscal no Rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos).

16

Em segunda instância, o Gerechtshof Den Haag (Tribunal de Recurso de Haia, Países Baixos) deu provimento ao recurso do sujeito passivo, decidindo que a utilização dos produtos em causa como afrodisíacos não obstava à sua tributação à taxa reduzida aplicável aos produtos alimentares. Esse tribunal teve em conta o facto de esses produtos se destinarem a um consumo por via oral e serem fabricados a partir de ingredientes que podem estar presentes nos produtos alimentares. Além disso, indicou que a definição do conceito de «produtos alimentares» era tão ampla que podia abranger produtos que não são diretamente associados a produtos alimentares, tais como os doces, as pastilhas elásticas e os bolos.

17

O Secretário de Estado das Finanças interpôs recurso de cassação da decisão do Gerechtshof Den Haag (Tribunal de Recurso de Haia) para o órgão jurisdicional de reenvio, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos).

18

Considerando que a solução do litígio que lhe foi submetido exige a interpretação das disposições da Diretiva IVA, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o conceito de “produtos alimentares destinados ao consumo humano”, utilizado no anexo III, [ponto] 1, da Diretiva [IVA], ser interpretado no sentido de que se deve entender que nele se enquadra, em consonância com o artigo 2.o do Regulamento [n.o 178/2002], qualquer substância ou produto transformado, parcialmente transformado ou não transformado, destinado a ser ingerido pelo ser humano ou com razoáveis probabilidades de o ser?

Em caso de resposta negativa a esta questão, como deve ser então interpretado este conceito?

2)

Se não for possível qualificar os produtos comestíveis ou bebíveis de produtos alimentares destinados ao consumo humano, quais são então os critérios para determinar se esses produtos podem ser qualificados de produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares?»

Quanto às questões prejudiciais

19

Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, como devem ser interpretados os conceitos de «produtos alimentares destinados ao consumo humano» e de «produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares», que figuram no anexo III, ponto 1, da Diretiva IVA.

20

Por força do artigo 96.o da Diretiva IVA, cada Estado‑Membro aplica uma mesma taxa normal de IVA às entregas de bens e às prestações de serviços.

21

Em derrogação a este princípio, o artigo 98.o, n.o 1, desta diretiva reconhece aos Estados‑Membros a faculdade de aplicarem uma ou duas taxas reduzidas de IVA. Nos termos do artigo 98.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da referida diretiva, as taxas reduzidas de IVA podem aplicar‑se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do anexo III da mesma diretiva.

22

Mais especificamente, o anexo III, ponto 1, da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros aplicarem uma taxa reduzida de IVA, nomeadamente, aos «produtos alimentares (incluindo bebidas, com exceção das bebidas alcoólicas) destinados ao consumo humano e animal» e aos «produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares».

23

A Diretiva IVA não contém a definição do conceito de «produtos alimentares destinados ao consumo humano» nem a de «produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares», e o Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112 (JO 2011, L 77, p. 1), também não prevê nenhuma definição destes conceitos. Além disso, nem a Diretiva IVA nem o Regulamento de Execução n.o 282/2011 contêm qualquer remissão para o direito dos Estados‑Membros a este respeito.

24

Nestas condições, os conceitos de «produtos alimentares destinados ao consumo humano» e de «produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares», que figuram no anexo III, ponto 1, da Diretiva IVA, devem ser interpretados de acordo com o sentido habitual, na linguagem corrente, dos termos que os compõem, tendo em conta o contexto em que esses termos são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Spiegel Online, C‑516/17, EU:C:2019:625, n.o 65).

25

Quanto, em primeiro lugar, ao sentido habitual, na linguagem corrente, dos termos que constituem os mesmos conceitos, por um lado, há que salientar que, como o advogado‑geral salientou, em substância, nos n.os 18, 19 e 27 das suas conclusões, constituem, em princípio, «produtos alimentares destinados ao consumo humano» todos os produtos que contenham nutrientes reconstituintes, energéticos e reguladores do organismo humano, necessários à manutenção, ao funcionamento e ao desenvolvimento desse organismo, consumidos para lhe fornecer esses nutrientes.

26

Sendo esta função nutritiva determinante para que um produto possa ser qualificado de «produto alimentar destinado ao consumo humano», segundo o sentido habitual desta expressão na linguagem corrente, é irrelevante que esse produto tenha ou não efeitos benéficos para a saúde, que a sua ingestão implique ou não um certo prazer para o consumidor e que a sua utilização se inscreva num determinado contexto societário. Por conseguinte, a circunstância de o consumo do referido produto produzir efeitos positivos na líbido da pessoa que o ingere é indiferente a este respeito.

27

Por outro lado, no que respeita ao sentido habitual, na linguagem corrente, dos termos «produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares», há que salientar que estes termos abrangem os produtos cujo consumo também fornece nutrientes reconstituintes, energéticos e reguladores ao organismo humano, necessários à manutenção, ao funcionamento e ao desenvolvimento desse organismo.

28

Não se pode deixar de observar que essa função nutritiva não pode faltar nesta categoria de produtos, uma vez que esses produtos se destinam a completar ou a substituir os géneros alimentícios.

29

Dado que estas duas categorias de produtos têm a mesma função nutritiva, não há, por conseguinte, razão para lhes aplicar regimes de IVA diferentes.

30

No que respeita, em segundo lugar, ao contexto em que se inscrevem os conceitos de «produtos alimentares destinados ao consumo humano» e de «produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares», que figuram no anexo III, ponto 1, da Diretiva IVA, importa salientar que, como resulta dos n.os 20 a 22 do presente acórdão, estes dois conceitos designam produtos cuja entrega está sujeita a uma taxa reduzida de IVA, o que constitui uma derrogação ao princípio da aplicação da taxa normal de IVA. Devem, pois, ser objeto de interpretação estrita (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Segler‑Vereinigung Cuxhaven, C‑715/18, EU:C:2019:1138, n.o 25).

31

Por outro lado, há que salientar que a definição do conceito de «género alimentício» constante do artigo 2.o do Regulamento n.o 178/2002 não é pertinente para efeitos da definição destes conceitos, uma vez que este regulamento, que tem por objetivo, como resulta do seu artigo 1.o, a proteção da saúde, é relativo a todas as substâncias que contribuem para a segurança alimentar. Assim, o referido regulamento visa, através do conceito particularmente amplo de «géneros alimentícios», qualquer substância destinada a ser ingerida pelo ser humano ou com razoáveis probabilidades de o ser, incluindo bebidas alcoólicas e água. Por conseguinte, este conceito tem um alcance que excede o do conceito de «produtos alimentares destinados ao consumo humano» ou o do conceito de «produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares», que figuram no anexo III, ponto 1, da Diretiva IVA.

32

Além disso, nem o conceito de «produtos alimentares» nem o de «produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares», que figuram no ponto 1 desse anexo, podem abranger medicamentos, uma vez que o anexo III da Diretiva IVA menciona de forma distinta, no seu ponto 3, os «produtos farmacêuticos».

33

No que respeita, em terceiro lugar, ao objetivo prosseguido pelo anexo III da Diretiva IVA, o Tribunal de Justiça declarou que, ao elaborar o anexo III dessa diretiva, o legislador da União pretendeu que os bens essenciais e os bens e serviços que correspondam a objetivos sociais ou culturais, desde que não apresentem ou apresentem poucos riscos de distorção da concorrência, pudessem ser objeto de uma taxa reduzida de IVA (Acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/Reino Unido, C‑161/14, não publicado, EU:C:2015:355, n.o 25 e jurisprudência referida).

34

O Tribunal de Justiça acrescentou que a finalidade deste anexo consiste em tornar menos onerosos e, logo, mais acessíveis para o consumidor final, que suporta, em última análise, o custo do IVA, certos bens considerados particularmente necessários (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2017, Oxycure Belgium, C‑573/15, EU:C:2017:189, n.o 22 e jurisprudência referida).

35

Nestas condições, qualquer produto destinado ao consumo humano que forneça ao organismo humano nutrientes necessários à manutenção, ao funcionamento e ao desenvolvimento desse organismo enquadra‑se na categoria constante do anexo III, ponto 1, da Diretiva IVA, mesmo que o consumo desse produto vise igualmente produzir outros efeitos.

36

Em contrapartida, um produto que não contenha nutrientes ou que os contenha numa quantidade insignificante e cujo consumo se destine unicamente a produzir efeitos diferentes dos necessários à manutenção, ao funcionamento ou ao desenvolvimento do organismo humano não pode ser abrangido por essa categoria.

37

Embora pareça resultar das informações de que dispõe o Tribunal de Justiça que esse é o caso no que respeita aos produtos afrodisíacos em causa no litígio no processo principal, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificá‑lo.

38

De resto, esta interpretação é corroborada pelo objetivo prosseguido pelo anexo III da Diretiva IVA, de sujeitar a uma taxa reduzida de IVA os bens essenciais a fim de os tornar mais acessíveis ao consumidor final.

39

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que os conceitos de «produtos alimentares destinados ao consumo humano» e de «produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares», que figuram no anexo III, ponto 1, da Diretiva IVA, devem ser interpretados no sentido de que se referem a todos os produtos que contenham nutrientes reconstituintes, energéticos e reguladores do organismo humano, necessários à manutenção, ao funcionamento e ao desenvolvimento desse organismo, consumidos a fim de lhe fornecer esses nutrientes.

Quanto às despesas

40

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

Os conceitos de «produtos alimentares destinados ao consumo humano» e de «produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares», que figuram no anexo III, ponto 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se referem a todos os produtos que contenham nutrientes reconstituintes, energéticos e reguladores do organismo humano, necessários à manutenção, ao funcionamento e ao desenvolvimento desse organismo, consumidos a fim de lhe fornecer esses nutrientes.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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