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Document 62019CJ0328

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 18 de junho de 2020.
Processo interposto por Porin kaupunki.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto-oikeus.
Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2004/18/CE — Artigo 1.o, n.o 2, alínea a) — Contratos públicos em matéria de serviços de transporte — Contrato de cooperação entre municípios relativo à organização e à prestação de serviços sociais e de saúde com base no chamado modelo do “município responsável” na aceção do direito finlandês — Transferência das responsabilidades pela organização dos serviços para um dos municípios na zona de cooperação em causa — Contrato in house — Adjudicação direta de serviços de transporte a uma sociedade detida integralmente pelo município responsável.
Processo C-328/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:483

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

18 de junho de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2004/18/CE — Artigo 1.o, n.o 2, alínea a) — Contratos públicos em matéria de serviços de transporte — Contrato de cooperação entre municípios relativo à organização e à prestação de serviços sociais e de saúde com base no chamado modelo do “município responsável” na aceção do direito finlandês — Transferência das responsabilidades pela organização dos serviços para um dos municípios na zona de cooperação em causa — Contrato in house — Adjudicação direta de serviços de transporte a uma sociedade detida integralmente pelo município responsável»

No processo C‑328/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), por Decisão de 15 de abril de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de abril de 2019, no processo interposto por

Porin kaupunki

sendo intervenientes:

Porin Linjat Oy,

Lyttylän Liikenne Oy,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, S. Rodin, D. Šváby (relator), K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Porin kaupunki, por A. Kuusniemi‑Laine e J. Lähde, asianajajat,

em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski e M. Pere, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Huttunen, P. Ondrůšek e L. Haasbeek, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo iniciado pela Porin kaupunki (cidade de Pori, Finlândia) a respeito da adjudicação, por esta cidade, de serviços de transporte público à Porin Linjat Oy.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2004/18

3

Sob a epígrafe «Definições», o artigo 1.o da Diretiva 2004/18 dispõe:

«1.   Para efeitos do disposto na presente diretiva, aplicam‑se as definições dos n.os 2 a 15.

2.   

a)

“Contratos públicos” são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais entidades adjudicantes, que têm por objeto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços na aceção da presente diretiva.

[…]

d)

“Contratos públicos de serviços” são contratos públicos que não sejam contratos de empreitada de obras públicas ou contratos públicos de fornecimento, relativos à prestação de serviços mencionados no anexo II.

[…]»

Regulamento (CE) n.o 1370/2007

4

Sob a epígrafe «Definições», o artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho (JO L 2007, L 315, p. 1), prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

b)

“Autoridade competente”, qualquer autoridade pública, ou agrupamento de autoridades públicas, de um ou mais Estados‑Membros com poder para intervir no transporte público de passageiros numa determinada zona geográfica, ou qualquer organismo investido dessas competências;

c)

“Autoridade competente a nível local”, qualquer autoridade competente cuja zona de competência geográfica não seja nacional;

[…]

j)

“Operador interno”, uma entidade juridicamente distinta, sobre a qual a autoridade competente a nível local ou, em caso de agrupamento de autoridades, pelo menos uma autoridade competente a nível local, exerce um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços;

[…]»

5

Sob a epígrafe «Adjudicação de contratos de serviço público», o artigo 5.o desse regulamento dispõe:

«1.   Os contratos de serviço público devem ser adjudicados de acordo com as regras estabelecidas no presente regulamento. No entanto, os contratos de serviços ou os contratos públicos de serviços, tal como definidos nas Diretivas 2004/17/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 [de] março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO 2004, L 134, p. 1),] ou [2004/18], para o transporte público de passageiros por autocarro ou elétrico, devem ser adjudicados nos termos dessas diretivas na medida em que tais contratos não assumam a forma de contratos de concessão de serviços, tal como definidos nessas diretivas. Sempre que os contratos devam ser adjudicados nos termos das Diretivas [2004/17] ou [2004/18], não se aplica o disposto nos n.os 2 a 6 do presente artigo.

2.   Salvo se o direito nacional o proibir, as autoridades competentes a nível local, quer se trate de uma autoridade singular ou de um agrupamento de autoridades prestadoras de serviços públicos integrados de transporte de passageiros, podem decidir prestar elas próprias serviços de transporte público de passageiros ou adjudicar contratos de serviço público por ajuste direto a uma entidade juridicamente distinta sobre a qual a autoridade competente a nível local ou, caso se trate de um agrupamento de autoridades, pelo menos uma autoridade competente a nível local, exerçam um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços.

[…]

Caso uma autoridade competente a nível local tome essa decisão, aplicam‑se as seguintes disposições:

[…]

b)

É condição de aplicação do presente número que o operador interno e qualquer entidade sobre a qual este operador exerça uma influência, ainda que mínima, exerçam integralmente as suas atividades de transporte público de passageiros no interior do território da autoridade competente a nível local, mesmo que existam linhas secundárias ou outros elementos acessórios dessa atividade que entrem no território de autoridades competentes a nível local vizinhas, e não participem em concursos organizados fora do território da autoridade competente a nível local;

[…]»

Direito finlandês

Acordo sobre contratos públicos

6

O artigo 10.o da laki julkisista hankinnoista (348/2007) [Lei dos Contratos Públicos (348/2007)], de 30 de março de 2007, que transpõe a Diretiva 2004/18, prevê que esta lei não se aplica aos contratos que a entidade adjudicante adjudica a uma entidade distinta dela no plano formal, mas autónoma em relação a ela no plano decisório, quando exerce sobre esta, só ou com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e quando essa entidade distinta realiza o essencial da sua atividade com as entidades adjudicantes que a controlam.

Lei dos Municípios de 1995

7

Nos termos do artigo 76.o, n.o 1, da kuntalaki (365/1995) [Lei dos Municípios (365/1995)], de 17 de março de 1995 (a seguir «Lei dos Municípios de 1995»), os municípios podem exercer as suas funções em conjunto, com base num contrato. O artigo 76.o, n.o 2, dessa lei autoriza os municípios a acordar a transferência da realização de uma tarefa para um determinado município em nome de outro ou outros municípios.

8

Nos termos do artigo 77.o, n.o 1, da referida lei, quando um município desempenha uma função em nome de outro município ou outros municípios, com base num contrato, pode ser acordado que os outros municípios em causa nomeiam uma parte dos membros do órgão do primeiro município que assegura a realização da tarefa.

Lei dos Municípios de 2015

9

A Lei dos Municípios de 1995 foi revogada pela kuntalaki (410/2015) [Lei dos Municípios (410/2015)], de 10 de abril de 2015 (a seguir «Lei dos Municípios de 2015»), que entrou em vigor em 1 de maio de 2015.

10

Nos termos do artigo 8.o desta lei, um município pode realizar, ele próprio, as funções que lhe são atribuídas ou confiar a responsabilidade pela execução a outro município ou a um agrupamento de municípios. O município ou o agrupamento de municípios que assuma a responsabilidade pela organização dessas funções deve, designadamente, garantir a igualdade de acesso aos serviços em causa, a definição das respetivas necessidades, extensão e qualidade, o método e a supervisão da prestação desses serviços, bem como o exercício das competências da autoridade em causa. O município continua responsável pelo financiamento das suas funções, mesmo que a responsabilidade pela sua execução tenha sido transferida para outro município ou para um agrupamento de municípios.

11

Nos termos do artigo 49.o da Lei dos Municípios de 2015, os municípios e os agrupamentos de municípios podem desempenhar as suas funções em conjunto, com base num contrato, podendo essa cooperação revestir, designadamente, a forma de um organismo comum. O artigo 50.o, n.o 2, desta lei estabelece, designadamente, que a Lei dos Contratos Públicos não se aplica à cooperação entre os municípios quando a cooperação tenha por objeto uma adjudicação feita por um município ou um agrupamento de municípios a uma entidade associada, na aceção do artigo 10.o da referida lei, ou quando, por outra razão, esta última lei não se aplique à cooperação.

12

O artigo 50.o, n.o 1, da Lei dos Municípios de 2015 prevê que, se um município acordar a transferência para outro município ou para um agrupamento de municípios da responsabilidade pela organização de uma função que lhe tenha sido atribuída por lei, a Lei dos Contratos Públicos não é aplicável a essa transferência.

13

Nos termos do artigo 51.o, n.o 1, da Lei dos Municípios de 2015, um município, qualificado de «município responsável», pode realizar uma função em nome de um ou mais municípios, na medida em que os municípios possuam um organismo comum que seja responsável pela realização dessa função. Os municípios podem acordar que os outros municípios nomeiam uma parte dos membros do organismo comum.

14

O artigo 52.o, n.o 1, desta lei dispõe que o contrato de constituição do organismo comum, referido no n.o 11 do presente acórdão, deve, designadamente, especificar as funções desse organismo e, se necessário, a transferência da responsabilidade pela organização prevista no artigo 8.o da referida lei, a sua composição e o direito de os outros municípios indicarem membros para este organismo, os critérios de cálculo dos custos e da sua repartição, bem como a duração e a extinção do referido contrato.

Lei dos Transportes Públicos

15

Nos termos do artigo 12.o, n.o 3, da joukkoliikennelaki (869/2009) [Lei dos Transportes Públicos (869/2009)], de 13 de novembro de 2009, conforme alterada pela laki joukkoliikennelain muuttamisesta (1219/2011) [Lei de Alteração da Lei dos Transportes Públicos (1219/2011)], de 9 de dezembro de 2011 (a seguir «Lei dos Transportes Públicos»), a autoridade municipal da região só autoriza a exploração de linhas regulares para o território em que é competente.

16

Nos termos do artigo 4.o da Lei dos Transportes Públicos, as autoridades competentes em matéria de transporte rodoviário, na aceção do Regulamento n.o 1370/2007, são obrigadas a fixar o nível de serviços para os transportes públicos no âmbito da sua competência. Esta disposição obriga essas autoridades, na medida do necessário, a cooperar entre si, bem como com os municípios e os agrupamentos de províncias quando da elaboração da definição do nível de serviços.

17

Decorre do artigo 5.o, n.o 2, da referida lei que as autoridades competentes para os transportes operados nos termos do Regulamento n.o 1370/2007 são responsáveis pela definição dos serviços. No entanto, a responsabilidade pelo planeamento dos horários e dos itinerários pode incumbir ao operador dos transportes ou às autoridades públicas ou ainda ser partilhada entre ambos.

18

Por força do artigo 6.o da Lei dos Transportes Públicos, as autoridades competentes devem planear prioritariamente os serviços de transporte púbico como sistemas regionais ou territoriais, tendo em vista a obtenção de uma rede de transportes públicos funcional. Essas autoridades devem cooperar entre si e com os outros municípios no planeamento dos transportes públicos.

19

Por força do artigo 14.o, n.o 4, desta lei, as referidas autoridades deliberam sobre a organização dos serviços de transporte público na sua zona de competência ou numa parte da mesma, nos termos do Regulamento n.o 1370/2007.

Lei sobre os Serviços e as Medidas de Apoio às Pessoas com Deficiência

20

O artigo 3.o da laki vammaisuuden perusteella järjestettävistä palveluista ja tukitoimista (380/1987) [Lei sobre os Serviços e as Medidas de Apoio às Pessoas com Deficiência (380/1987)], de 3 de abril de 1987, atribui aos municípios a responsabilidade em matéria de organização dos serviços de transporte das pessoas com deficiência.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21

Por contrato de cooperação entrado em vigor em 1 de julho de 2012 (a seguir «contrato de cooperação sobre os transportes públicos»), os municípios de Pori, Harjavalta, Kokemäki, Ulvila e o município de Nakkila (Finlândia) decidiram confiar certas funções de transporte à cidade de Pori, na sua qualidade de autoridade local competente. Essas funções são geridas pelos municípios partes nesse contrato em conformidade com as modalidades previstas nos artigos 76.o e 77.o da Lei dos Municípios de 1995, constituindo a vila de Pori, a este propósito, um organismo comum.

22

O Comité dos Transportes Públicos da Região de Pori (a seguir «Comité dos Transportes Públicos»), que é constituído por cinco membros indicados pela cidade de Pori e um membro indicado por cada um dos outros municípios partes no contrato de cooperação sobre os transportes públicos, atua na qualidade de autoridade competente para o transporte urbano na cidade de Pori e exclusivamente para os transportes operados na zona formada pelas partes neste contrato. O funcionamento do Comité dos Transportes Públicos é regido pelo estatuto aprovado pela Assembleia Municipal da cidade de Pori, bem como pelas regras de gestão aprovadas pelo referido comité.

23

Os custos dos transportes que foram adjudicados em conformidade com o Regulamento n.o 1370/2007 são repartidos entre os municípios partes no referido contrato, de acordo com as modalidades determinadas especificamente pelo Comité dos Transportes Públicos. No momento da elaboração do orçamento e do plano financeiro, os municípios que são partes no contrato de cooperação sobre os transportes públicos devem ter a possibilidade de apresentar propostas sobre os objetivos e o financiamento da cooperação.

24

O Estatuto do Comité dos Transportes Públicos prevê que este atua, como autoridade regional competente comum em matéria de transportes no território das partes contraentes, sob a autoridade da Assembleia Municipal e do Conselho Executivo Municipal de Pori. O referido comité é, para toda a zona abrangida pelo referido contrato, responsável pelas funções que o Regulamento n.o 1370/2007 e a Lei dos Transportes Públicos atribuem à autoridade competente em matéria de transportes públicos. Nessa qualidade, decide, designadamente, as modalidades de organização e a adjudicação dos serviços de transporte público, na aceção deste regulamento, que são explorados unicamente na sua zona de competência. Aprova também os contratos que devem ser celebrados e decide as tarifas e taxas.

25

Paralelamente, as cidades de Pori e de Ulvila e o município de Merikarvia (Finlândia) acordaram, por contrato de cooperação em matéria de organização e prestação de serviços sociais e de saúde, celebrado em 18 de dezembro de 2012 (a seguir «contrato de cooperação sobre os serviços de saúde»), com base nos artigos 76.o e 77.o da laki kunta‑ ja palvelurakenneuudistuksesta (169/2007) [Lei Relativa à Reestruturação dos Municípios e dos Serviços (169/2007)], de 9 de fevereiro de 2007, a transferência para a cidade de Pori da responsabilidade pela organização dos serviços sociais e de saúde para todo o seu território.

26

Este contrato assenta no chamado modelo do «município responsável», previsto na Lei dos Municípios de 1995 e na Lei dos Municípios de 2015. No quadro desse modelo, uma função que incumbe aos diferentes municípios é assumida por um deles, qualificado de «município responsável», por conta destes ao abrigo de um contrato celebrado entre os referidos municípios.

27

O contrato de cooperação sobre os serviços de saúde designa a cidade de Pori como «a cidade [ou município] responsável» ou «cidade anfitriã», ao passo que a cidade de Ulvila e o município de Merikarvia são qualificados de «municípios contraentes».

28

Esse contrato prevê que o dispositivo dos serviços sociais e de saúde constitui um todo coerente, desenvolvido conjuntamente pelo município responsável e pelos municípios contraentes. O município responsável avalia e define as necessidades dos residentes em matéria de serviços sociais e de saúde, decide a dimensão e o nível de qualidade dos serviços prestados aos residentes, zela para que estes disponham dos serviços necessários e decide também o modo como os referidos serviços são prestados. Por outro lado, é também responsável pela disponibilidade, acessibilidade e qualidade dos serviços sociais e de saúde, bem como pelo seu controlo e acompanhamento.

29

Na prática, a responsabilidade pela organização dos serviços sociais e de saúde abrangidos na zona de cooperação incumbe ao Comité de Garantia dos Direitos Sociais Fundamentais da Cidade de Pori, que é um comité misto composto por dezoito membros, dos quais três são nomeados pela cidade de Ulvila, dois pelo município de Merikarvia e os treze restantes pela cidade de Pori. Além disso, o contrato de cooperação sobre os serviços de saúde prevê que a Assembleia Municipal da cidade de Pori aprova o estatuto desse comité e determina o seu âmbito de ação, bem como as suas funções. O referido comité assume plena responsabilidade pelos serviços sociais e de saúde, pelo dispositivo dos referidos serviços, bem como pelo orçamento necessário. No seu âmbito de atuação, aprova, designadamente, os contratos a celebrar e decide as taxas devidas pelos serviços e outras prestações em causa, em conformidade com os critérios gerais fixados pela Assembleia Municipal da cidade de Pori. Por outro lado, o Comité de Garantia dos Direitos Sociais Fundamentais da Cidade de Pori elabora anualmente um plano dos serviços que define o seu conteúdo específico, sendo o projeto de plano previamente submetido, para parecer, aos municípios partes no contrato de cooperação sobre os serviços de saúde. Por último, este contrato prevê que a gestão económica dos serviços sociais e de saúde tem por base um orçamento, um plano financeiro e um plano desses serviços preparados em conjunto, bem como uma monitorização das despesas e da utilização dos referidos serviços. Os custos são repartidos em função da utilização dos serviços sociais e de saúde, de forma que cada município paga o custo real dos serviços utilizados pela sua população e pelos residentes de que é responsável.

30

Por Decisão de 4 de maio de 2015, o Comité de Garantia dos Direitos Sociais Fundamentais da Cidade de Pori decidiu que o transporte das pessoas com deficiência para os locais de trabalho ou centros de dia, em autocarros de piso rebaixado, seria efetuado, em toda a zona abrangida pelo contrato de cooperação sobre os serviços de saúde, pela cidade de Pori enquanto função própria, por intermédio da Porin Linjat, uma sociedade anónima detida na totalidade pela cidade de Pori. Consequentemente, a cidade de Pori não lançou um concurso para este contrato de transporte de pessoas com deficiência, mas procedeu a ajuste direto à Porin Linjat, nos termos do regime do contrato in house, o qual é qualificado em direito finlandês de «adjudicação a uma entidade associada».

31

A cidade de Pori indicou, no entanto, ter anteriormente celebrado dois outros contratos com a Porin Linjat no âmbito do contrato de cooperação sobre os transportes públicos, concretamente, em primeiro lugar, o contrato de adjudicação de transportes para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2013 e 31 de maio de 2016, relativo ao nível de gestão dos transportes públicos na cidade de Pori e aos serviços a adjudicar a operadores, celebrado em 5 de setembro de 2013, que tinha por objeto as linhas de transporte entre a cidade de Pori, o município de Nakkila e as cidades de Harjavalta e de Kokemäki, bem como, em segundo lugar, o contrato celebrado em 11 de junho de 2014, relativo aos transportes entre as cidades de Pori e de Ulvila, no período compreendido entre 1 de julho de 2014 e 31 de maio de 2016.

32

A Lyttylän Liikenne Oy impugnou a Decisão do Comité de Garantia dos Direitos Sociais Fundamentais da Cidade de Pori, de 4 de maio de 2015, no markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos, Finlândia), que a anulou, com o fundamento de que, por um lado, a Porin Linjat não podia ser qualificada de «entidade associada» ou de «operador interno» da cidade de Pori, nos termos do artigo 10.o da Lei (348/2007) e, por outro, nenhum outro fundamento previsto nessa lei justificava que o contrato em causa no processo principal não fosse sujeito à obrigação de realização de concurso. Esse órgão jurisdicional considera que, contrariamente à cidade de Pori, que tem cinco representantes no Comité dos Transportes Públicos, os outros municípios partes no contrato de cooperação sobre os serviços de saúde só têm um representante nesse comité, de modo que não estavam em condições de controlar a Porin Linjat. Daqui decorre que o lucro obtido por esta sociedade a título da exploração dos transportes públicos desses municípios não pode ser tomado em conta para avaliar se a referida sociedade realiza o essencial das suas atividades em benefício da entidade adjudicante que a controla, neste caso, a cidade de Pori. Embora a exploração do serviço de transportes seja parcialmente fundada em atos adotados pela cidade de Pori, o montante do volume de negócios realizado pela Porin Linjat a título de exploração dos transportes dessa cidade é insuficiente para provar a existência de uma relação entre a cidade de Pori e uma entidade associada, uma vez que a Porin Linjat não realiza o essencial da sua atividade em benefício do seu acionista único.

33

A cidade de Pori, que é apoiada pela Porin Linjat, interpôs recurso para o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), no âmbito do qual alega que esta última é uma entidade sua associada. Com efeito, a Porin Linjat é uma sociedade detida e controlada pela cidade de Pori e, desde 2009, não participou, enquanto proponente, em concursos para serviços de transporte. Além disso, não concorre de modo nenhum no mercado. Com base no contrato de cooperação sobre os transportes públicos, as cidades de Harjavalta, de Kokemäki, de Ulvila e o município de Nakkila confiaram à cidade de Pori a responsabilidade de gerir, enquanto município responsável, o funcionamento dos transportes públicos dos municípios que participam na cooperação. Por conseguinte, o volume de negócios resultante da exploração, pela Porin Linjat, desses transportes no território dos referidos municípios é atribuído à cidade de Pori. Assim, mais de 90 % do volume de negócios da Porin Linjat é realizado com a exploração dos transportes da cidade de Pori.

34

O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se o contrato de cooperação sobre os serviços de saúde pode ser excluído, por natureza, do âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18, com o fundamento de que concretiza uma transferência de competências ou uma cooperação entre entidades pertencentes ao setor público, ou por qualquer outro fundamento.

35

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a cooperação entre os municípios da região de Pori assenta, no que respeita à prestação quer dos serviços sociais e de saúde quer dos serviços de transporte, no chamado modelo do «município responsável». Ora, esse órgão jurisdicional questiona‑se sobre se os contratos celebrados pelo município responsável estão isentos da obrigação de realização de concurso quando esse município ou a sua entidade associada adquirem serviços por conta dos municípios das zonas de cooperação que têm como destinatários os habitantes desses municípios. O órgão jurisdicional de reenvio considera que o chamado modelo do «município responsável» pode ser compreendido como uma transferência de competências, conforme interpretada no Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985). Contudo, esse acórdão não aborda expressamente a questão de saber se a obrigação de realização de concurso prevista na legislação da União relativa aos contratos públicos se deve aplicar às medidas posteriores a uma transferência de competências.

36

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, sendo caso disso, o chamado modelo do «município responsável» pode igualmente ser qualificado de «cooperação entre entidades pertencentes ao setor público». Nesse caso, importa, todavia, precisar se o município responsável pode, quando da organização dos serviços para as outras entidades adjudicantes que participam na cooperação, recorrer a uma entidade que lhe está associada sem proceder à realização de concurso.

37

Coloca‑se igualmente a questão de saber, por um lado, se, para determinar a parte do volume de negócios da Porin Linjat realizada a título de exploração dos transportes públicos da cidade de Pori, há que tomar em consideração o volume de negócios relativo aos transportes regionais que a cidade de Pori organiza, enquanto autoridade competente, por conta das cidades de Harjavalta, de Kokemäki e de Ulvila e do município de Nakkila a título do contrato de cooperação sobre os transportes públicos, e, por outro, se a parte do volume de negócios da Porin Linjat realizada a título da exploração dos transportes públicos da cidade de Pori é tal, que essa sociedade pode ser qualificada de «entidade controlada» por esta cidade.

38

Uma vez que, por um lado, a cidade de Pori adjudica contratos de serviços de transporte regional por sua própria conta mas também por conta dos outros municípios partes no contrato de cooperação sobre os transportes públicos e, por outro, esses municípios suportam uma parte dos custos dos serviços adjudicados, coloca‑se a questão de saber se a cidade de Pori pode ser considerada uma entidade adjudicante para o conjunto do transporte regional e se, portanto, todos esses contratos devem ser tomados em consideração no cálculo do volume de negócios realizado pela Porin Linjat a título da exploração dos transportes públicos desta cidade.

39

Nestas circunstâncias, o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva [2004/18], ser interpretado no sentido de que o [chamado] “modelo do município responsável”, conforme estabelecido no contrato de cooperação entre municípios [em causa no processo principal], preenche os requisitos de uma transferência de competências não abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva (processo C‑51/15, Remondis) ou de uma cooperação horizontal não sujeita à obrigação de realização de concurso (processo C‑386/11, Piepenbrock, e jurisprudência referida), ou constitui um terceiro caso diferente?

2)

Se o [chamado] modelo do “município responsável” em conformidade com o contrato de cooperação preencher os requisitos de uma transferência de competências, no caso de uma adjudicação de contratos públicos ocorrida após a transferência de competências, o organismo público para o qual a competência foi transferida é considerado entidade adjudicante e pode este organismo público, com base na competência que lhe foi transferida pelos outros municípios, na qualidade de município responsável, adjudicar igualmente contratos de prestação de serviços a uma entidade associada sem concurso público, na medida em que, sem a figura do município responsável, a adjudicação destes contratos de prestação de serviços seria da competência exclusiva dos municípios que transferiram a competência?

3)

Se, ao invés, o [chamado] modelo do “município responsável” em conformidade com o contrato de cooperação preencher os requisitos de uma cooperação horizontal, podem os municípios que participam na cooperação adjudicar contratos de prestação de serviços sem concurso a um dos municípios que participe na cooperação e que tenha adjudicado estes contratos de prestação de serviços sem concurso a uma entidade a ele associada?

4)

Ao apreciar a questão de saber se uma sociedade exerce a maior parte da sua atividade para o município sob cujo controlo se encontra, pode ser tido em conta, para efeitos do cálculo do volume de negócios correspondente a esse município, o volume de negócios de uma sociedade detida pelo município, que presta serviços de transporte na aceção do Regulamento [n.o 1370/2007], na medida em que este volume de negócios da sociedade resulte dos transportes organizados pelo município na qualidade de autoridade competente na aceção do Regulamento n.o 1370/2007?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

40

Em primeiro lugar, ainda que, diferentemente do contrato de cooperação sobre os serviços de saúde, a natureza jurídica do contrato de cooperação sobre os transportes públicos não seja expressamente mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, resulta do pedido de decisão prejudicial que, com este último contrato, as cidades de Harjavalta, de Kokemäki e de Ulvila e o município de Nakkila confiaram à cidade de Pori a responsabilidade de gerir, enquanto município responsável, o funcionamento dos transportes públicos dos municípios participantes na cooperação.

41

Parece, assim, decorrer da decisão de reenvio que o contrato de cooperação sobre os transportes públicos assenta, à semelhança do contrato de cooperação sobre os serviços de saúde, no chamado modelo do «município responsável».

42

Consequentemente, é a partir desta premissa que o Tribunal de Justiça apreciará as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

43

Em segundo lugar, afigura‑se que o contrato de cooperação sobre os transportes públicos e o contrato de cooperação sobre os serviços de saúde não foram celebrados pelas mesmas partes. Com efeito, o contrato de cooperação sobre os transportes públicos vincula as cidades de Pori, de Harjavalta, de Kokemäki e de Ulvila e o município de Nakkila. O contrato de cooperação sobre os serviços de saúde foi celebrado pelas cidades de Pori e de Ulvila e pelo município de Merikarvia.

44

Em terceiro lugar, há que salientar que, na sua qualidade de «município responsável», a cidade de Pori deve prestar os serviços objeto destes dois contratos. Para o efeito, recorre a uma entidade associada, isto é, um operador interno, que detém integralmente e que controla, a saber, a Porin Linjat.

Quanto à primeira questão

45

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que um contrato, nos termos do qual os municípios que nele são parte confiam a um deles a responsabilidade pela organização de serviços em seu benefício, está excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18 pelo facto de constituir uma transferência de competências, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE, conforme interpretada no Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985), ou uma cooperação entre entidades adjudicantes não sujeita à obrigação de realização de concurso, na aceção do Acórdão de 13 de junho de 2013, Piepenbrock (C‑386/11, EU:C:2013:385).

46

Como o Tribunal de Justiça salientou no Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985, n.os 40 e 41), a repartição das competências num Estado‑Membro beneficia da proteção conferida pelo artigo 4.o, n.o 2, TUE, segundo o qual a União respeita a identidade nacional dos Estados‑Membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles, incluindo no que se refere à autonomia local e regional. Por outro lado, uma vez que essa repartição de competências não é estática, a proteção conferida por esta disposição também incide sobre as reorganizações de competências dentro de um Estado‑Membro. Estas reorganizações, que podem, nomeadamente, tomar a forma de transferências voluntárias de competências entre autoridades públicas, têm a consequência de uma autoridade anteriormente competente se liberar da obrigação e do direito de executar uma determinada função pública, ao passo que uma outra autoridade passa a ter essa obrigação e esse direito.

47

Decorre também dos n.os 42 a 44 do Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985), que tal transferência de competências não cumpre todas as condições que a definição do conceito de «contrato público» impõe. Com efeito, só um contrato celebrado a título oneroso pode constituir um contrato público abrangido pela Diretiva 2004/18. Esse caráter oneroso implica que a entidade adjudicante que celebrou um contrato público receba, com base no mesmo, mediante contraprestação, uma prestação que deve revestir um interesse económico direto para a entidade adjudicante. A natureza sinalagmática do contrato é, pois, uma característica essencial de um contrato público. Ora, o próprio facto de ser retirada a uma autoridade pública uma competência que esta anteriormente tinha faz desaparecer, no que a essa autoridade diz respeito, qualquer interesse económico no cumprimento das funções que corresponde a essa competência.

48

Assim sendo, para ser considerado um ato de organização interna, abrangido pelo artigo 4.o, n.o 2, TUE, uma transferência de competências entre autoridades públicas exige que a autoridade pública que é investida de uma competência tenha o poder de organizar a execução das funções inerentes a essa competência e de aprovar o quadro regulamentar dessas funções e, por último, que disponha de autonomia financeira que lhe permita assegurar o financiamento dessas funções. A autoridade inicialmente competente não pode conservar a responsabilidade principal relativa a essas funções nem reservar para si o controlo financeiro das mesmas ou aprovar previamente as decisões que a entidade que associou a si pretende tomar. Por conseguinte, uma transferência de competências postula que a autoridade pública que adquiriu a nova competência a exerce autonomamente e sob a sua própria responsabilidade (v., nesse sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis, C‑51/15, EU:C:2016:985, n.os 49 e 51).

49

No entanto, a autonomia de ação da autoridade pública investida de uma competência não significa que a entidade que tem a nova competência não deva estar sujeita a qualquer influência por parte de qualquer outra entidade pública. Com efeito, uma entidade que transfere uma competência pode conservar um determinado direito de supervisão das funções conexas ao serviço público assim transferido. Contudo, essa influência, que pode ser exercida por intermédio de um órgão, como uma assembleia‑geral composta por representantes das autarquias anteriormente competentes, exclui, em princípio, qualquer ingerência nas modalidades concretas de execução das funções correspondentes à competência transferida (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis, C‑51/15, EU:C:2016:985, n.o 52).

50

No caso em apreço, em primeiro lugar, decorre da decisão de reenvio que o contrato de cooperação sobre os serviços de saúde procede à transferência, pelos municípios que são parte nesse contrato a favor da cidade de Pori, da responsabilidade pela organização dos serviços sociais e de saúde desses municípios. A origem dessa transferência voluntária está na Lei (169/2007).

51

Em segundo lugar, a gestão da zona de cooperação assim instituída é organizada de acordo com as modalidades previstas nos artigos 76.o e 77.o da Lei de Municípios de 1995. Daqui decorre que o contrato de cooperação sobre os serviços de saúde atribui, assim, ao município responsável o dever de avaliar e definir as necessidades dos residentes dos municípios interessados em matéria de serviços sociais e de saúde, decidir da amplitude e do nível de qualidade dos serviços prestados a esses residentes e garantir que estes dispõem dos serviços necessários. O município responsável decide também o modo como esses serviços são prestados, a disponibilidade, acessibilidade e qualidade dos referidos serviços, bem como o controlo e a monitorização dos mesmos.

52

Em terceiro lugar, a responsabilidade em matéria de organização dos serviços sociais e de saúde na zona de cooperação é confiada, na prática, a uma instituição municipal, no caso concreto, o Comité de Garantia dos Direitos Sociais Fundamentais da Cidade de Pori, cuja composição e funções são descritas no n.o 29 do presente acórdão.

53

Em quarto lugar, o contrato de cooperação sobre os serviços de saúde prevê que a Assembleia Municipal da cidade de Pori aprova o estatuto desse comité e determina o respetivo campo de ação e funções.

54

Em quinto lugar, esse contrato de cooperação prevê que a gestão económica dos serviços sociais e de saúde tem por base um orçamento, um plano financeiro e um plano desses serviços preparados conjuntamente pelos municípios partes no referido contrato, bem como a monitorização das despesas e da utilização dos referidos serviços.

55

Em sexto lugar, os custos dos serviços sociais e de saúde são repartidos em função da utilização desses serviços, de modo que cada município paga o custo real dos referidos serviços utilizados pela sua população e pelos residentes de que é responsável.

56

Assim, sem prejuízo das verificações que cabem ao órgão jurisdicional nacional efetuar, os requisitos de uma transferência de competências, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE, parecem preenchidos, de modo que não se afigura que o contrato de cooperação sobre os serviços de saúde constitua um «contrato público» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18. Portanto, este contrato de cooperação deve ser excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18.

57

Nestas circunstâncias, não se afigura necessário analisar se o contrato de cooperação sobre os serviços de saúde é também suscetível de constituir uma cooperação entre entidades adjudicantes não sujeita à obrigação de realização de concurso, na aceção dos Acórdãos de 9 de junho de 2009, Comissão/Alemanha (C‑480/06, EU:C:2009:357), e de 13 de junho de 2013, Piepenbrock (C‑386/11, EU:C:2013:385).

58

Há, assim, que responder à primeira questão que o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que um contrato, nos termos do qual os municípios que nele são parte confiam a um deles a responsabilidade pela organização de serviços em benefício desses municípios, está excluído do âmbito de aplicação desta diretiva pelo facto de constituir uma transferência de competências na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE, conforme interpretado pelo Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985).

Quanto à segunda e quarta questões

59

Com a sua segunda e quarta questões, que cabe examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de cooperação, nos termos do qual as partes nesse contrato transferem para uma delas a responsabilidade pela organização de serviços de que beneficiam, permite considerar esse município, no momento das adjudicações posteriores à referida transferência, uma entidade adjudicante e o habilita a confiar, sem a realização de concurso prévio, a uma entidade in house, serviços que cobrem não só as suas próprias necessidades mas também as necessidades dos outros municípios que são partes no referido contrato, quando, sem essa transferência de competências, os referidos municípios deveriam prover eles próprios às suas necessidades.

60

Decorre da resposta à primeira questão que, sem prejuízo de verificações pelo órgão jurisdicional de reenvio, um dispositivo como o chamado modelo do «município responsável» opera uma transferência de competências, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE, conforme interpretado pelo Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985).

61

Ora, por natureza, tal transferência de competências implica uma declinação de competência dos outros municípios partes no contrato de cooperação em benefício do município responsável. Com efeito, como salientado no n.o 26 do presente acórdão, no chamado modelo do «município responsável», esse município assume por conta dos outros municípios uma função que cada município assegurava até então.

62

Assim, por efeito dessa transferência, o município responsável encontra‑se, de certo modo, sub‑rogado nos direitos e obrigações das outras partes no contrato, no que concerne à prestação de serviços objeto de um contrato de cooperação assente no chamado modelo do «município responsável».

63

Daqui decorre que, no caso em apreço, cabe ao beneficiário da transferência de competências, concretamente, o município responsável, prover às necessidades dos outros municípios que são partes no contrato de cooperação sobre os serviços de saúde e, portanto, prestar os serviços sociais e de saúde em causa no processo principal em todo o território abrangido por esse contrato, continuando, contudo, cada município responsável pelo custo real dos serviços utilizados pela sua própria população e pelos residentes de que é responsável.

64

Por conseguinte, sob pena de privar de efeito útil uma transferência de competência, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE, conforme interpretada pelo Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985), a autoridade para a qual a função foi transferida deve necessariamente ser considerada, no âmbito da adjudicação de um serviço, entidade adjudicante para essa função, para a totalidade do território dos municípios partes no acordo que opera a transferência de competências.

65

Todavia, há que apreciar se a entidade adjudicante pode recorrer a uma entidade in house para responder não só às suas próprias necessidades mas também às dos municípios que lhe transferiram uma competência.

66

No âmbito de uma atribuição in house, presume‑se que a entidade adjudicante recorre aos seus próprios meios. Com efeito, ainda que a entidade adjudicatária seja juridicamente distinta da entidade adjudicante, faz praticamente parte dos seus serviços internos quando estejam preenchidos dois requisitos. Em primeiro lugar, a entidade adjudicante deve exercer sobre a entidade adjudicatária um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços. Em segundo lugar, esta entidade deve realizar o essencial da sua atividade em benefício da ou das entidades adjudicantes que a detêm (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de novembro de 1999, Teckal, C‑107/98, EU:C:1999:562, n.o 50, e de 11 de maio de 2006, Carbotermo e Consorzio Alisei, C‑340/04, EU:C:2006:308, n.o 33).

67

O primeiro requisito relativo ao controlo da autoridade pública, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, presume‑se preenchido quando a entidade adjudicante detém, isoladamente ou em conjunto com outras autoridades públicas, a totalidade do capital de uma sociedade adjudicatária. Com efeito, esta circunstância constitui, em princípio, um indício de que essa entidade adjudicante exerce sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços (Acórdãos de 19 de abril de 2007, Asemfo, C‑295/05, EU:C:2007:227, n.o 57, e de 13 de novembro de 2008, Coditel Brabant, C‑324/07, EU:C:2008:621, n.o 30).

68

Embora, até à data, o recurso a uma adjudicação in house só tenha sido admitido, pelo Tribunal de Justiça, em hipóteses em que uma entidade adjudicante detém a totalidade ou parte do capital da entidade adjudicatária, não se pode deduzir daí que, no quadro de um dispositivo como o chamado modelo do «município responsável» na aceção do direito finlandês, é impossível para uma entidade adjudicante, no caso em apreço, o município responsável, optar por uma adjudicação in house a fim de responder às necessidades das entidades adjudicantes com as quais celebrou um contrato baseado no referido modelo, apenas porque os outros municípios partes nesse contrato não detinham nenhuma participação no capital da entidade in house. O critério da detenção de uma fração do capital não pode, com efeito, constituir o único meio de alcançar esse objetivo, uma vez que o controlo análogo ao que exerce uma entidade adjudicante sobre os seus próprios serviços se pode manifestar de forma diversa da de uma perspetiva capitalística.

69

A este respeito, é de realçar, em primeiro lugar, que resulta da resposta à primeira questão e dos n.os 40 a 42 do presente acórdão que, no caso em apreço, foram transferidas para a cidade de Pori competências de outros municípios, não só em virtude do contrato de cooperação sobre os transportes públicos mas também em virtude do contrato de cooperação sobre os serviços de saúde. Além disso, decorre dos n.os 60 a 64 do presente acórdão que, devido a essas transferências de competências, a cidade de Pori, enquanto «município responsável», assume por conta dos municípios contraentes as funções que estes lhe confiaram. Além disso, é pacífico que a entidade adjudicatária, a Porin Linjat, é uma entidade associada à cidade de Pori, que a controla. Daqui decorre que a cidade de Pori deve necessariamente ser considerada, no âmbito de uma adjudicação de serviços, a entidade adjudicante para essas funções.

70

Em segundo lugar, admitindo que seja aplicável, na sequência de uma transferência de competências na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE, conforme a interpretação do Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985), a exigência de um controlo sobre a entidade in house conjuntamente pela entidade adjudicante que beneficia da transferência de competências e pelas outras entidades adjudicantes que renunciaram ao exercício da competência em causa, basta observar que o chamado modelo do «município responsável» oferece aos municípios contraentes que são partes num contrato baseado nesse modelo, não obstante o facto de não possuírem participação no capital da entidade in house, a possibilidade de exercerem, à semelhança do município responsável, uma influência determinante tanto sobre os objetivos estratégicos como sobre as decisões importantes da entidade adjudicatária e, portanto, um controlo efetivo, estrutural e funcional sobre esta entidade (v., por analogia, Acórdãos de 13 de outubro de 2005, Parking Brixen, C‑458/03, EU:C:2005:605, n.o 65; de 11 de maio de 2006, Carbotermo e Consorzio Alisei, C‑340/04, EU:C:2006:308, n.o 36; de 29 de novembro de 2012, Econord, C‑182/11 e C‑183/11, EU:C:2012:758, n.o 27; e de 8 de maio de 2014, Datenlotsen Informationssysteme, C‑15/13, EU:C:2014:303, n.o 26).

71

Quanto ao segundo requisito mencionado no n.o 66 do presente acórdão, de que a entidade adjudicatária deve realizar o essencial da sua atividade em benefício da ou das entidades adjudicantes que a detêm, há que salientar que, na hipótese em que uma empresa é detida por várias coletividades, este requisito pode ser preenchido se essa empresa realiza o essencial da sua atividade com o conjunto dessas coletividades e não apenas com uma dessas coletividades em especial (v., neste sentido, Acórdão de 11 de maio de 2006, Carbotermo e Consorzio Alisei, C‑340/04, EU:C:2006:308, n.os 70 e 71). Esta exigência tem por objetivo assegurar que a Diretiva 2004/18 continua a ser aplicável quando uma empresa controlada por uma ou várias coletividades esteja ativa no mercado e, portanto, suscetível de entrar em concorrência com outras empresas. Com efeito, uma empresa não fica necessariamente privada de liberdade de ação pelo simples facto de as decisões que lhe dizem respeito serem controladas pela ou pelas coletividades que a detêm, se puder exercer uma parte importante da sua atividade económica com outros operadores (Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Undis Servizi, C‑553/15, EU:C:2016:935, n.os 32 e 33 e jurisprudência referida).

72

Portanto, importa analisar se podem ser equiparadas a atividades realizadas em benefício da entidade adjudicante serviços adjudicados a uma entidade in house com o fundamento em dois contratos de cooperação que, em primeiro lugar, transferem ambos competências para o mesmo município responsável; em segundo lugar, têm por objeto serviços diferentes; em terceiro lugar, não reúnem as mesmas partes; e, em quarto lugar, se destinam a satisfazer tanto as necessidades da própria entidade adjudicante como as das outras entidades que são partes nos referidos contratos.

73

Sem prejuízo de verificação efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio, resulta dos elementos de que dispõe o Tribunal de Justiça, recordados nos n.os 10, 24 a 26, bem como nos n.os 29 a 31 e 33 do presente acórdão, que a aplicação dos dois contratos de cooperação em causa no processo principal parece comportar um determinado número de garantias suscetível de impedir que a entidade in house adquira uma dimensão de mercado e uma margem de autonomia suscetíveis de tornar precário o controlo exercido tanto pela cidade de Porin como pelas outras partes no contrato (v., por analogia, Acórdão de 13 de novembro de 2008, Coditel Brabant, C‑324/07, EU:C:2008:621, n.o 36).

74

Dado que esses contratos de cooperação comportam garantias suficientes suscetíveis de evitar qualquer infração à concorrência, é irrelevante que os âmbitos de aplicação pessoal e material dos referidos acordos não coincidam.

75

Daqui decorre que, para determinar se a entidade in house realiza o essencial das suas atividades em benefício da ou das entidades adjudicantes que a controlam, há que ter em consideração o conjunto das atividades que realiza no âmbito dos dois contratos de cooperação em causa no processo principal.

76

Assim, nas circunstâncias do processo principal, para calcular a parte do volume de negócios realizada pela Porin Linjat a título da exploração dos serviços em causa no processo principal, há que adicionar o volume de negócios realizado por esta sociedade a pedido dessa cidade a título do contrato de cooperação sobre os serviços de saúde, por um lado, e do contrato de cooperação sobre os transportes públicos, por outro, com vista a satisfazer as suas próprias necessidades, ao realizado por essa sociedade a pedido dos municípios partes nos referidos contratos.

77

À luz das considerações anteriores, há que responder à segunda e quarta questões que o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de cooperação, nos termos do qual os municípios que nele são parte transferem para um deles a responsabilidade pela organização de serviços em benefício desses municípios, permite considerar esse município, no momento das adjudicações posteriores à referida transferência, uma entidade adjudicante e o habilita a confiar, sem a realização de concurso prévio, a uma entidade in house, serviços que cobrem não só as suas próprias necessidades mas também as necessidades dos outros municípios que são partes no referido contrato, quando, sem essa transferência de competências, os referidos municípios deveriam prover eles próprios às suas necessidades.

Quanto à terceira questão

78

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à terceira questão.

Quanto às despesas

79

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, deve ser interpretado no sentido de que um contrato, nos termos do qual os municípios que nele são parte confiam a um deles a responsabilidade pela organização de serviços em benefício desses municípios, está excluído do âmbito de aplicação desta diretiva pelo facto de constituir uma transferência de competências, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE, conforme interpretado pelo Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985).

 

2)

O artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de cooperação, nos termos do qual os municípios que nele são parte transferem para um deles a responsabilidade pela organização de serviços em benefício desses municípios, permite considerar esse município, no momento das adjudicações posteriores à referida transferência, uma entidade adjudicante e o habilita a confiar, sem a realização de concurso prévio, a uma entidade in house, serviços que cobrem não só as suas próprias necessidades mas também as necessidades dos outros municípios que são partes no referido contrato, quando, sem essa transferência de competências, os referidos municípios deveriam prover eles próprios às suas necessidades.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: finlandês.

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