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Document 62019CJ0279

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 10 de junho de 2021.
Commissioners for Her Majesty's Revenue and Customs contra WR.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (England & Wales).
Reenvio prejudicial — Regime geral dos impostos especiais de consumo — Diretiva 2008/118/CE — Artigo 33.o, n.o 3 — Produtos “introduzidos no consumo” num Estado‑Membro e detidos para fins comerciais noutro Estado‑Membro — Devedor do imposto especial de consumo que se tornou exigível em relação a esses produtos — Pessoa que detém os produtos destinados a ser entregues noutro Estado‑Membro — Transportador dos produtos.
Processo C-279/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:473

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

10 de junho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Regime geral dos impostos especiais de consumo — Diretiva 2008/118/CE — Artigo 33.o, n.o 3 — Produtos “introduzidos no consumo” num Estado‑Membro e detidos para fins comerciais noutro Estado‑Membro — Devedor do imposto especial de consumo que se tornou exigível em relação a esses produtos — Pessoa que detém os produtos destinados a ser entregues noutro Estado‑Membro — Transportador dos produtos»

No processo C‑279/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível), Reino Unido], por Decisão de 19 de março de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de abril de 2019, no processo

The Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs

contra

WR,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, N. Piçarra (relator), D. Šváby, S. Rodin e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação de WR, por S. Panesar, solicitor, e D. Bedenham, barrister,

em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brandon, na qualidade de agente, J. Simor, QC, e E. Mitrophanous, barrister,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. Collabolletta, avvocato dello Stato,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman, J. Langer e J. Hoogveld, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, inicialmente, por R. Lyal e C. Perrin, em seguida, por C. Perrin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de janeiro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe os Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Administração Fiscal e Aduaneira, Reino Unido) a WR a respeito da legalidade de uma nota de cobrança, dirigida a este último, do imposto especial de consumo que se tornou exigível em relação aos produtos que transportou para o Reino Unido sem estarem abrangidos por um documento administrativo válido que provasse que esta circulação ocorreu em regime de suspensão do imposto.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2 e 8 da Diretiva 2008/118 enunciam:

«(2)

A fim de garantir o funcionamento adequado do mercado interno, importa manter harmonizadas as condições de exigibilidade dos impostos especiais de consumo no respeitante aos produtos abrangidos pela Diretiva 92/12/CEE [do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO 1992, L 76, p. 1)], adiante designados por “produtos sujeitos a impostos especiais de consumo”.

[…]

(8)

Dado que, para o correto funcionamento do mercado interno, é necessário que o conceito e as condições de exigibilidade do imposto especial de consumo sejam uniformes em todos os Estados‑Membros, importa clarificar a nível [da União] em que momento os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo são introduzidos no consumo e bem assim quem é o devedor do imposto especial de consumo.»

4

Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva:

«A presente diretiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos seguintes produtos […]:

[…]

b)

Álcool e bebidas alcoólicas, abrangidos pelas Diretivas 92/83/CEE [do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 21)] e 92/84/CEE [do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 29)];»

5

O artigo 4.o da referida diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, bem como das suas disposições de execução, entende‑se por:

[…]

7)

“Regime de suspensão do imposto”, um regime fiscal aplicável à produção, transformação, detenção e circulação dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo não abrangidos por um procedimento ou regime aduaneiro suspensivo, em que a cobrança do imposto especial de consumo é suspensa.

[…]

11)

“Entreposto fiscal”, o local onde são produzidos, transformados, detidos, recebidos ou expedidos pelo depositário autorizado, no exercício da sua profissão, produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto, em determinadas condições fixadas pelas autoridades competentes do Estado‑Membro em que está situado o entreposto fiscal.»

6

O capítulo II da mesma diretiva, intitulado «Exigibilidade, reembolso e isenção do imposto especial de consumo», contém uma secção 1, intitulada «Momento e local da exigibilidade», cujo artigo 7.o dispõe:

«1.   O imposto especial de consumo torna‑se exigível no momento e no Estado‑Membro da introdução no consumo.

2.   Para efeitos da presente diretiva, por “introdução no consumo” entende‑se:

a)

A saída, mesmo irregular, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo de um regime de suspensão do imposto;

b)

A detenção fora de um regime de suspensão do imposto de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo caso o imposto especial de consumo não tenha sido cobrado em conformidade com as disposições comunitárias e a legislação nacional aplicáveis;

[…]»

7

Nos termos do artigo 8.o da Diretiva n.o 2008/118:

«1.   O imposto especial de consumo que se tenha tornado exigível é devido:

a)

Relativamente à saída de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo de um regime de suspensão do imposto a que se refere a alínea a) do n.o 2 do artigo 7.o:

[…]

ii)

em caso de irregularidade durante a circulação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto, tal como definida nos n.os 1, 2 e 4 do artigo 10.o, pelo depositário autorizado, pelo expedidor registado ou por qualquer outra pessoa que se tenha constituído garante do pagamento nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 18.o, ou por todas as pessoas que tenham participado na saída irregular e que tenham tido ou devam razoavelmente ter tido conhecimento da natureza irregular dessa saída,

b)

Relativamente à detenção de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo a que se refere a alínea b) do n.o 2 do artigo 7.o: pela pessoa que detenha os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo ou por qualquer outra pessoa envolvida na sua detenção;

[…]

2.   Quando existirem vários devedores para uma mesma dívida de imposto especial de consumo, estes ficam obrigados ao pagamento dessa dívida a título solidário.»

8

O capítulo IV desta diretiva, intitulado «Circulação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto», contém uma secção 1, intitulada «Disposições gerais», cujo artigo 17.o dispõe, no seu n.o 1:

«Os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo podem circular em regime de suspensão do imposto no território da [União], mesmo que os produtos circulem através de um país ou território terceiro:

a)

De um entreposto fiscal para:

i)

outro entreposto fiscal,

[…]»

9

Este capítulo contém uma secção 2, intitulada «Procedimento a seguir na circulação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto», cujo artigo 21.o prevê:

«1.   A circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo só poderá ser considerada como tendo lugar em regime de suspensão do imposto se for coberta por um documento administrativo eletrónico processado nos termos dos n.os 2 e 3.

2.   Para efeitos do n.o 1 do presente artigo, o expedidor apresenta um projeto de documento administrativo eletrónico às autoridades competentes do Estado‑Membro de expedição através do sistema informatizado a que se refere o artigo 1.o da Decisão n.o 1152/2003/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de junho de 2003, relativa à informatização dos movimentos e dos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO 2003, L 162, p. 5)] […].

3.   As autoridades competentes do Estado‑Membro de expedição verificam, por via eletrónica, os dados constantes do projeto de documento administrativo eletrónico.

Se esses dados não forem válidos, o expedidor é imediatamente informado do facto.

Se os dados forem válidos, as autoridades competentes do Estado‑Membro de expedição atribuem ao documento um código de referência administrativo específico e comunicam‑no ao expedidor.

[…]»

10

O capítulo V da referida diretiva, intitulado «Circulação e tributação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo após a introdução no consumo», contém uma secção 2, intitulada «Detenção noutro Estado‑Membro», cujo artigo 33.o dispõe:

«1.   Sem prejuízo do n.o 1 do artigo 36.o, se os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que tenham já sido introduzidos no consumo num Estado‑Membro forem detidos para fins comerciais noutro Estado‑Membro a fim de aí serem entregues ou utilizados, ficam sujeitos ao imposto especial de consumo, tornando‑se este imposto exigível nesse outro Estado‑Membro.

Para efeitos do presente artigo, entende‑se por “detenção para fins comerciais” a detenção de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo por uma pessoa que não seja um particular ou por um particular para fins distintos do seu uso pessoal e por ele transportados, nos termos do artigo 32.o

[…]

3.   O devedor do imposto especial de consumo que se tenha tornado exigível é, consoante os casos mencionados no n.o 1, a pessoa que efetua a entrega ou que detém os produtos destinados a ser entregues, ou a quem são entregues os produtos no outro Estado‑Membro.

4.   Sem prejuízo do artigo 38.o, quando circularem na Comunidade para fins produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que tenham já sido introduzidos no consumo num Estado‑Membro, esses produtos não são considerados como sendo detidos para esses fins até chegarem ao Estado‑Membro de destino, desde que circulem ao abrigo das formalidades estabelecidas no artigo 34.o

[…]»

Direito do Reino Unido

11

O artigo 13.o das Excise Goods (Holding, Movement and Duty Point) Regulations 2010 [Regulamento de 2010 sobre os Produtos Sujeitos a Impostos Especiais de Consumo (Detenção, Circulação e Momento da Exigibilidade)] (a seguir «Regulamento de 2010») prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Quando os produtos sujeitos a imposto especial de consumo já introduzidos para consumo noutro Estado‑Membro são detidos para fins comerciais no Reino Unido para aí serem entregues ou utilizados, o entreposto fiscal é determinado no momento em que esses produtos são detidos pela primeira vez.

2.   Consoante os casos referidos no n.o 1, o devedor do imposto é a pessoa:

a)

Que efetua a entrega dos produtos;

b)

Que detém os produtos que se destinam à entrega; ou

c)

A quem os produtos são entregues.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

Em 6 de setembro de 2013, o veículo pesado conduzido por WR, trabalhador independente, foi intercetado à chegada ao porto de Dover (Reino Unido) por agentes da United Kingdom Border Agency (Serviço de Fronteiras do Reino Unido; a seguir «UKBA»). O veículo pesado continha produtos sujeitos a imposto especial de consumo, a saber, 26 paletes de cerveja (a seguir «produtos em causa»).

13

WR apresentou aos agentes da UKBA uma declaração de expedição «Cargo Movement Requirement», elaborada com base na Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo de 5 de julho de 1978 (a seguir «declaração de expedição CMR»). Aí se indicava que os produtos em causa estavam abrangidos por um documento administrativo eletrónico com um código de referência administrativo (a seguir «CRA»), previsto no artigo 21.o da Diretiva 2008/118. Esta declaração precisava igualmente que o expedidor era um entreposto fiscal situado na Alemanha e que o destinatário era a Seabrook Warehousing Ltd, um entreposto fiscal situado no Reino Unido.

14

Todavia, após consultarem o Excise Movement and Control System — EMCS (Sistema de Controlo da Circulação de Mercadorias Sujeitas a Impostos Especiais de Consumo), os agentes da UKBA verificaram que o CRA que figurava na declaração de expedição CMR já tinha sido utilizado aquando de outra entrega de cerveja para o mesmo entreposto fiscal situado no Reino Unido. Os agentes consideraram, pois, que os produtos em causa não circulavam em regime de suspensão do imposto e, consequentemente, que o imposto especial de consumo correspondente se tinha tornado exigível à chegada desses produtos ao Reino Unido. Nestas condições, os agentes da UKBA apreenderam os produtos em causa, bem como o veículo pesado que os transportava.

15

Em seguida, a Administração Fiscal e Aduaneira, por um lado, enviou a WR uma nota de cobrança de imposto especial sobre o consumo no montante de 22779 libras esterlinas (GBP) (cerca de 26400 euros), em aplicação do artigo 13.o, n.os 1 e 2, do Regulamento de 2010 (a seguir «nota de cobrança controvertida»), e, por outro, aplicou a WR uma coima no montante de 4897,48 GBP (cerca de 5700 euros), em aplicação das disposições do anexo 41 do Finance Act 2008 (Lei das Finanças de 2008).

16

O First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido] deu provimento ao recurso interposto por WR contra a nota de cobrança controvertida e a coima. Este órgão jurisdicional declarou que WR, mesmo sabendo que os produtos em causa estavam sujeitos a imposto especial de consumo, não era cúmplice da tentativa de contrabando destes produtos. Não tendo acesso ao sistema de controlo da circulação de mercadorias sujeitas a impostos especiais de consumo, não dispunha de nenhum meio para verificar se o CRA que figurava na declaração de expedição CMR já tinha sido utilizado. Por outro lado, nada na documentação de que dispunha era suscetível de suscitar dúvidas a este respeito. Além disso, WR não era proprietário do veículo pesado e não tinha nenhum direito ou interesse pessoal em relação aos produtos em causa, uma vez que o seu único objetivo era recolher e entregar estes produtos, em conformidade com as instruções recebidas, em contrapartida de uma remuneração. Apenas as pessoas que organizaram a tentativa de contrabando dispunham do controlo de facto e de direito dos produtos em causa no momento da sua apreensão. O referido órgão jurisdicional constatou ainda que WR informou dessa apreensão a pessoa que o tinha encarregado de transportar os produtos em causa, que a identidade das pessoas que estiveram na origem da tentativa de contrabando não tinha sido apurada e que a Administração Fiscal e Aduaneira não tinha tentado determinar a identidade destas pessoas nem do proprietário do veículo pesado.

17

Nestas condições, este órgão jurisdicional declarou, em aplicação da jurisprudência da Court of Appeal (England & Wales) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales), Reino Unido], que WR era um «agente inocente» e que, em consequência, não podia considerar‑se como tendo «detido» ou «efetuado a entrega» dos produtos em causa, na aceção do artigo 13.o do Regulamento de 2010. Segundo o mesmo órgão jurisdicional, não tendo WR conhecimento real ou implícito da posse física de produtos de contrabando, a sua responsabilização suscitaria questões sérias de compatibilidade com os objetivos da legislação aplicável. Por conseguinte, o First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária)] anulou tanto a nota de cobrança controvertida como a coima aplicada a WR.

18

O Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal Superior (Secção Tributária e da Chancelaria), Reino Unido] negou provimento ao recurso interposto pela Administração Fiscal e Aduaneira dessa decisão de anulação. Este órgão jurisdicional considerou, em substância, que a qualidade de «agente inocente» tem como efeito exonerar de qualquer responsabilidade as pessoas que não tenham um conhecimento real ou implícito de que os produtos que transportam são produtos em relação aos quais deviam ter sido pagos os impostos especiais de consumo, mas não foram. Assim, seria contrário tanto à Diretiva 2008/118 como à legislação nacional responsabilizar «o agente totalmente inocente» pelo pagamento dos impostos especiais de consumo elididos.

19

O órgão jurisdicional de reenvio negou provimento ao recurso interposto pela Administração Fiscal e Aduaneira da sentença do Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal Superior (Secção Tributária e da Chancelaria)], no que respeita à coima aplicada a WR, mas tem dúvidas quanto ao mérito, à luz da Diretiva 2008/118, da confirmação por este último órgão jurisdicional da anulação da nota de cobrança controvertida.

20

Nestas condições, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível), Reino Unido] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Uma pessoa […] que se encontra na posse de produtos sujeitos a imposto especial de consumo no momento em que o imposto especial de consumo se torna exigível para esses produtos no Estado‑Membro B é responsável por esse imposto especial de consumo, nos termos do artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva [2008/118], quando:

a)

Não tinha qualquer interesse jurídico ou útil nos produtos sujeitos a imposto especial de consumo;

b)

Transportava os produtos sujeitos a imposto especial de consumo, a título oneroso, em nome de terceiros, entre o Estado‑Membro A e o Estado‑Membro B; e

c)

Sabia que os produtos que estavam na sua posse eram produtos sujeitos a imposto especial de consumo, mas não sabia nem tinha razões para suspeitar que o imposto especial de consumo se tinha tornado exigível para esses produtos no Estado‑Membro B no momento em que se tornou exigível ou antes desse momento?

2)

A resposta à primeira questão será diferente no caso de [a pessoa] não saber que os produtos que se encontravam na sua posse eram produtos sujeitos a imposto especial de consumo?»

Quanto às questões prejudiciais

21

Com as suas questões, às quais importa responder em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que transporta para outro Estado‑Membro, por conta de outrem, produtos sujeitos a um imposto especial de consumo e que está na posse física desses produtos no momento em que o imposto especial de consumo correspondente se torna exigível é devedora deste imposto, por força dessa disposição, mesmo que não tenha um direito ou um interesse em relação aos referidos produtos e não tenha conhecimento de que estes estão sujeitos a um imposto especial de consumo ou, tendo‑o, não tenha conhecimento de que o imposto especial de consumo correspondente se tornou exigível.

22

Nos termos do artigo 33.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118, se os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que tenham já sido introduzidos no consumo num Estado‑Membro forem detidos para fins comerciais — isto é, por uma entidade diferente de uma pessoa singular ou por uma pessoa singular para satisfação de necessidades diferentes das suas necessidades pessoais e por si transportados —, noutro Estado‑Membro a fim de aí serem entregues ou utilizados, ficam sujeitos ao imposto especial de consumo, tornando‑se este imposto exigível nesse outro Estado‑Membro. Nos termos do n.o 3 deste artigo, é devedor do imposto especial de consumo «a pessoa que efetua a entrega ou que detém os produtos destinados a ser entregues, ou a quem são entregues os produtos no outro Estado‑Membro».

23

A Diretiva 2008/118 não define o conceito de pessoa que «detém» os produtos sujeitos a imposto especial de consumo, na aceção do artigo 33.o, n.o 3, desta diretiva, nem procede a uma remissão para o direito dos Estados‑Membros para definir este conceito. Conforme jurisprudência constante, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto de uma interpretação autónoma e uniforme em toda a União, que deve ser efetuada em conformidade com o sentido habitual desses termos na linguagem corrente, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de julho de 2020, Santen, C‑673/18, EU:C:2020:531, n.o 41, e de 16 de julho de 2020, AFMB e o., C‑610/18, EU:C:2020:565, n.o 50 e jurisprudência referida).

24

Ora, o conceito de pessoa que «detém» produtos visa, na linguagem corrente, uma pessoa que está na posse física desses produtos. A este respeito, a questão de saber se a pessoa em causa tem um direito ou um qualquer interesse em relação aos produtos que detém é desprovida de pertinência.

25

Por outro lado, nada na redação do artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118 indica que a qualidade de devedor do imposto especial de consumo, enquanto «pessoa que detém os produtos destinados a ser entregues», depende da verificação de uma condição no sentido de que essa pessoa tenha conhecimento ou deva razoavelmente ter conhecimento da exigibilidade do imposto especial de consumo ao abrigo desta disposição.

26

Esta interpretação literal é corroborada pela economia da Diretiva 2008/118.

27

Assim, por força do artigo 7.o, n.os 1 e 2, alínea b), desta diretiva, o imposto especial de consumo torna‑se exigível no momento da «introdução no consumo» no Estado‑Membro em que esta se efetua. O conceito de «introdução no consumo» é definido como a detenção fora de um regime de suspensão do imposto de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, sem que o imposto especial de consumo tenha sido cobrado. Nesse caso, a pessoa devedora do imposto especial de consumo é, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva, «[a] pessoa que detenha [esses] produtos […] ou qualquer outra pessoa envolvida na sua detenção».

28

Ora, à semelhança do artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118, o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva não contém nenhuma definição expressa do conceito de «detenção» e não exige que a pessoa em causa seja titular de um direito ou tenha qualquer interesse em relação aos produtos que detém, nem que esta tenha conhecimento ou deva razoavelmente ter conhecimento da exigibilidade do imposto especial de consumo ao abrigo desta disposição.

29

Em contrapartida, numa hipótese diferente da prevista no artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118, isto é, no caso de uma irregularidade durante a circulação de produtos sujeitos a imposto especial de consumo em regime de suspensão do imposto, na aceção do artigo 4.o, ponto 7, desta diretiva, o artigo 8.o, n.o 1, alínea a), ii), da referida diretiva prevê que são devedoras do imposto especial de consumo todas as pessoas que tenham participado na saída irregular desses produtos do regime de suspensão do imposto e que, além disso, «tenham tido ou devam razoavelmente ter tido conhecimento da natureza irregular da saída». Esta segunda condição, equiparável à exigência de um elemento intencional, não foi retomada pelo legislador da União nem no artigo 33.o, n.o 3, nem, por outro lado, no artigo 8.o, n.o 1, alínea b), da mesma diretiva (v., por analogia, Acórdão de 17 de outubro de 2019, Comida paralela 12, C‑579/18, EU:C:2019:875, n.o 39).

30

Daqui resulta que, quando, na Diretiva 2008/118, o legislador da União quis que fosse tomado em consideração um elemento intencional para determinar a pessoa devedora do imposto especial de consumo, fez prever uma disposição expressa nesse sentido.

31

Além disso, uma interpretação que limita a qualidade de devedor do imposto especial de consumo enquanto «pessoa que […] detém os produtos destinados a ser entregues», na aceção do artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118, apenas às pessoas que têm conhecimento ou que devam razoavelmente ter conhecimento da exigibilidade do imposto especial de consumo, não está em conformidade com os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2008/118, entre os quais o combate à fraude, à evasão fiscal e aos eventuais abusos (v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2017, Comissão/Portugal, C‑126/15, EU:C:2017:504, n.o 59).

32

Com efeito, esta diretiva estabelece, como enuncia o seu artigo 1.o, n.o 1, o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos produtos nele enumerados e isto, nomeadamente, para que, como resulta dos seus considerandos 2 e 8, a exigibilidade do imposto especial de consumo seja idêntica em todos os Estados‑Membros e a dívida fiscal correspondente seja efetivamente cobrada (v., por analogia, Acórdão de 5 de abril de 2001, Van de Water, C‑325/99, EU:C:2001:201, n.os 39 e 41).

33

A este respeito, como realçou o advogado‑geral no n.o 29 das suas conclusões, o legislador da União pretendeu definir de forma ampla, no artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118, a categoria de pessoas devedoras de impostos especiais de consumo em caso de circulação de produtos sujeitos a imposto especial de consumo já «introduzidos no consumo» num Estado‑Membro e detidos, para fins comerciais, noutro Estado‑Membro para aí serem entregues ou utilizados, de modo a assegurar, tanto quanto possível, a cobrança desses impostos.

34

Ora, prever uma condição suplementar no sentido de que a «pessoa que […] detém os produtos destinados a ser entregues», na aceção do artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118, tenha conhecimento ou deva razoavelmente ter conhecimento da exigibilidade do imposto especial de consumo tornaria difícil, na prática, a cobrança desses impostos junto da pessoa com quem as autoridades nacionais competentes têm contacto direto e que, em várias situações, é a única a quem essas autoridades podem, na prática, exigir o pagamento dos referidos impostos.

35

Esta interpretação do artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118 não prejudica a possibilidade, eventualmente prevista pelo direito nacional, de a pessoa que, ao abrigo desta disposição, pagou os impostos especiais de consumo que se tornaram exigíveis intentar uma ação de regresso contra outra pessoa devedora desses direitos (v., por analogia, Acórdão de 17 de outubro de 2019, Comida paralela 12, C‑579/18, EU:C:2019:875, n.o 44).

36

À luz do exposto, há que responder às questões submetidas que o artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que transporta para outro Estado‑Membro, por conta de outrem, produtos sujeitos a um imposto especial de consumo e que está na posse física desses produtos no momento em que o imposto especial de consumo correspondente se torna exigível é devedora deste imposto, por força dessa disposição, mesmo que não tenha um direito ou um interesse em relação aos referidos produtos e não tenha conhecimento de que estes estão sujeitos a um imposto especial de consumo ou, tendo‑o, não tenha conhecimento de que o imposto especial de consumo correspondente se tornou exigível.

Quanto às despesas

37

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 33.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que transporta para outro Estado‑Membro, por conta de outrem, produtos sujeitos a um imposto especial de consumo e que está na posse física desses produtos no momento em que o imposto especial de consumo correspondente se torna exigível é devedora deste imposto, por força dessa disposição, mesmo que não tenha um direito ou um interesse em relação aos referidos produtos e não tenha conhecimento de que estes estão sujeitos a um imposto especial de consumo ou, tendo‑o, não tenha conhecimento de que o imposto especial de consumo correspondente se tornou exigível.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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