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Document 62019CJ0217

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 23 de abril de 2020.
    Comissão Europeia contra República da Finlândia.
    Ação por incumprimento — Diretiva 2009/147/CE — Conservação das aves selvagens — Autorizações para caça de primavera de espécimenes machos da espécie “eider‑edredão” (Somateria mollissima) na província de Åland (Finlândia) — Artigo 7.o, n.o 4, e artigo 9.o, n.o 1, alínea c) — Conceitos de “exploração judiciosa” e de “pequenas quantidades”.
    Processo C-217/19.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:291

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    23 de abril de 2020 ( *1 )

    «Ação por incumprimento — Diretiva 2009/147/CE — Conservação das aves selvagens — Autorizações para caça de primavera de espécimenes machos da espécie “eider‑edredão” (Somateria mollissima) na província de Åland (Finlândia) — Artigo 7.o, n.o 4, e artigo 9.o, n.o 1, alínea c) — Conceitos de “exploração judiciosa” e de “pequenas quantidades”»

    No processo C‑217/19,

    que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 8 de março de 2019,

    Comissão Europeia, representada por C. Hermes e E. Ljung Rasmussen, na qualidade de agentes,

    demandante,

    contra

    República da Finlândia, representada por J. Heliskoski, na qualidade de agente, assistido por J. Bouckaert, D. Gillet e S. François, avocats,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, M. Safjan, L. Bay Larsen e C. Toader (relatora), juízes,

    advogada‑geral: E. Sharpston,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, por ter autorizado regularmente a emissão de licenças de caça de primavera de eideres‑edredão machos (Somateria mollissima) na província de Åland (Finlândia) desde o ano de 2011, a República da Finlândia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 7.o, n.o 4, e do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens (JO 2010, L 20, p. 7) (a seguir «Diretiva Aves»).

    Quadro jurídico

    2

    Nos termos dos considerandos 3 a 6 e 10 da Diretiva Aves:

    «(3)

    No território europeu dos Estados‑Membros, um grande número de espécies de aves que vivem naturalmente no estado selvagem sofre uma regressão populacional muito rápida em alguns casos, e essa regressão constitui um risco sério para a conservação do meio natural, nomeadamente devido às ameaças que faz pesar sobre os equilíbrios biológicos.

    (4)

    As espécies de aves que vivem naturalmente no estado selvagem no território europeu dos Estados‑Membros são em grande parte espécies migratórias. Tais espécies constituem um património comum e a proteção eficaz das aves representa um problema de ambiente tipicamente transfronteiriço, implicando responsabilidades comuns.

    (5)

    A conservação das espécies de aves que vivem naturalmente no estado selvagem no território europeu dos Estados‑Membros é necessária à realização dos objetivos da [União Europeia] nos domínios da melhoria das condições de vida e do desenvolvimento duradouro.

    (6)

    As medidas a tomar devem aplicar‑se aos diferentes fatores que podem agir sobre o nível populacional das aves, a saber, as repercussões das atividades humanas, nomeadamente a destruição e a poluição dos seus habitats, a captura e a destruição pelo homem, assim como o comércio a que estas práticas dão origem, e torna‑se necessário adaptar o grau destas medidas à situação das diferentes espécies no âmbito de uma política de conservação.

    […]

    (10)

    Devido ao seu nível populacional, à sua distribuição geográfica e à sua taxa de reprodução no conjunto da [União], certas espécies podem ser objeto de atos de caça, o que constitui uma exploração admissível, devendo esses atos de caça ser compatíveis com a manutenção da população dessas espécies a um nível satisfatório.»

    3

    O artigo 1.o da Diretiva Aves está redigido nos seguintes termos:

    «1.   A presente diretiva diz respeito à conservação de todas as espécies de aves que vivem naturalmente no estado selvagem no território europeu dos Estados‑Membros ao qual é aplicável o Tratado. Tem por objeto a proteção, a gestão e o controlo dessas espécies e regula a sua exploração.

    2.   A presente diretiva aplica‑se às aves, aos seus ovos, aos seus ninhos e aos seus habitats

    4

    O artigo 2.o desta diretiva dispõe:

    «Os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias para manter ou adaptar a população de todas as espécies de aves referidas no artigo 1.o a um nível que corresponda nomeadamente às exigências ecológicas, científicas e culturais, tendo em conta as exigências económicas e de recreio.»

    5

    O artigo 5.o, alíneas a) e e), da referida diretiva tem a seguinte redação:

    «Sem prejuízo dos artigos 7.o e 9.o, os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias à instauração de um regime geral de proteção de todas as espécies de aves referidas no artigo 1.o e que inclua nomeadamente a proibição:

    a)

    De as matar ou de as capturar intencionalmente, qualquer que seja o método utilizado;

    […]

    e)

    De deter as aves das espécies cuja caça e cuja captura não sejam permitidas.»

    6

    O artigo 7.o, n.os 1 e 4, da Diretiva Aves prevê:

    «1.   Com base no seu nível populacional, na sua distribuição geográfica e na sua taxa de reprodução no conjunto da [União], as espécies enumeradas no anexo II podem ser objeto de atos de caça no âmbito da legislação nacional. Os Estados‑Membros velam para que a caça a essas espécies não comprometa os esforços de conservação empreendidos na sua área de distribuição.

    […]

    4.   Os Estados‑Membros certificam‑se de que a prática da caça, incluindo quando necessário a falcoaria, tal como decorre da aplicação das medidas nacionais em vigor, respeita os princípios de uma utilização razoável e de uma regulamentação equilibrada do ponto de vista ecológico das espécies de aves a que diz respeito, e que esta prática é compatível, no que diz respeito à população destas espécies, nomeadamente das espécies migradoras, com as disposições decorrentes do artigo 2.o

    Velam particularmente para que as espécies às quais se aplica a legislação da caça não sejam caçadas durante o período nidícola nem durante os diferentes estádios de reprodução e de dependência.

    Quando se trate de espécies migradoras, velam particularmente para que as espécies às quais se aplica a legislação da caça não sejam caçadas durante o seu período de reprodução e durante o período de retorno ao seu local de nidificação.

    […]»

    7

    O artigo 9.o, n.os 1 e 2, desta diretiva dispõe:

    «1.   Os Estados‑Membros podem derrogar os artigos 5.o a 8.o, se não existir outra solução satisfatória, com os fundamentos seguintes:

    […]

    c)

    Para permitir, em condições estritamente controladas e de um modo seletivo, a captura, a detenção ou qualquer outra exploração judiciosa de certas aves, em pequenas quantidades.

    2.   As derrogações referidas no n.o 1 devem mencionar:

    a)

    As espécies que são objeto das derrogações;

    b)

    Os meios, instalações ou métodos de captura ou de abate autorizados;

    c)

    As condições de risco e as circunstâncias de tempo e de local em que essas derrogações podem ser adotadas;

    d)

    A autoridade habilitada a declarar que as condições exigidas se encontram efetivamente reunidas, a decidir quais os meios, instalações ou métodos que podem ser postos em prática, dentro de que limites e por quem;

    e)

    As medidas de controlo a aplicar.»

    8

    O artigo 18.o da Diretiva Aves dispõe que a Diretiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO 1979, L 103, p. 1; EE 15 F 2 p. 125), conforme alterada por atos posteriores, é revogada. Como precisa o considerando 1 da Diretiva Aves, esta última procede a uma codificação da Diretiva 79/409.

    9

    O êider‑edredão (Somateria mollissima) consta do anexo II, parte B, da Diretiva Aves.

    10

    O artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7; a seguir «Diretiva Habitats»), prevê:

    «Desde que não exista outra solução satisfatória e que a derrogação não prejudique a manutenção das populações da espécie em causa na sua área de repartição natural, num estado de conservação favorável, os Estados‑Membros poderão derrogar o disposto nos artigos 12.o, 13.o e 14.o e nas alíneas a) e b) do artigo 15.o:

    a)

    No interesse da proteção da fauna e da flora selvagens e da conservação dos habitats naturais;

    b)

    Para evitar prejuízos sérios, nomeadamente às culturas, à criação de gado, às florestas, às zonas de pesca e às águas e a outras formas de propriedade;

    c)

    No interesse da saúde e da segurança públicas ou por outras razões imperativas ou de interesse público prioritário, incluindo razões de carácter social ou económico e a consequências benéficas de importância primordial para o ambiente;

    d)

    Para fins de investigação e de educação, de repovoamento e de reintrodução dessas espécies e para as operações de reprodução necessárias a esses fins, incluindo a reprodução artificial das plantas;

    e)

    Para permitir, em condições estritamente controladas e de uma forma seletiva e numa dimensão limitada, a captura ou detenção de um número limitado especificado pelas autoridades nacionais competentes de determinados espécimes das espécies constantes do anexo IV.»

    Antecedentes do litígio e procedimento pré‑contencioso

    11

    Os eideres‑edredão machos são tradicionalmente caçados na primavera na província de Åland (Finlândia).

    12

    Por Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Comissão/Finlândia (C‑344/03, EU:C:2005:770), o Tribunal de Justiça declarou que a caça de primavera dos eideres‑edredão machos, autorizada na província de Åland durante os anos de 1998 a 2001, não era compatível com a Diretiva 79/409. Na sequência deste acórdão, o Governo da província de Åland não concedeu autorizações para a caça de primavera ao eider‑edredão macho entre os anos de 2006 e 2010.

    13

    Em 2011, a Comissão recebeu informações segundo as quais as autoridades desta província tinham voltado a emitir autorizações para a prática desta caça de primavera. Desde então, as referidas autoridades continuaram a emitir autorizações anualmente (a seguir «autorizações controvertidas»).

    14

    No entender da Comissão, estas autorizações não são compatíveis com a Diretiva Aves, que proíbe a caça de primavera, exceto se as condições de derrogação definidas nesta diretiva estiverem reunidas. No presente caso, a República da Finlândia não respeita estas condições na medida em que não demonstrou que as referidas autorizações permitiam uma «exploração judiciosa» nem que as quotas de caça só diziam respeito a «pequenas quantidades» de aves, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves.

    15

    Em 22 de novembro de 2012, a Comissão enviou uma notificação para cumprir à República da Finlândia ao abrigo do artigo 258.o TFUE, na qual esta instituição afirmou que a abertura das épocas de caça de primavera em 2011 e em 2012 era incompatível com os artigos 7.o e 9.o da Diretiva Aves.

    16

    Na sua resposta de 21 de janeiro de 2013, a República da Finlândia negou a infração, alegando que a caça de primavera estava abrangida pela derrogação prevista no artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves.

    17

    Em 27 de fevereiro de 2015, a Comissão enviou uma notificação para cumprir complementar à República da Finlândia, visando as épocas de caça de primavera dos anos de 2013 e de 2014, que constituíam exemplos adicionais desta prática ilícita. Esta instituição alegou, em especial, que o artigo 9.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva não permitia justificar as autorizações controvertidas.

    18

    Por carta de 23 de abril de 2015, a República da Finlândia respondeu a esta notificação para cumprir complementar, rejeitando as alegações da Comissão.

    19

    Em 9 de dezembro de 2016, a República da Finlândia foi notificada de um parecer fundamentado da Comissão no qual esta mantinha a sua posição.

    20

    A República da Finlândia respondeu em 9 de fevereiro de 2017, negando a infração e fornecendo certas informações sobre o estado da população dos eideres‑edredão.

    21

    Realizaram‑se reuniões entre representantes da província de Åland e funcionários da Comissão em janeiro e em março de 2017. Por carta de 27 de julho de 2017, o membro da Comissão responsável pela proteção do ambiente pediu às autoridades finlandesas e às autoridades da província de Åland que pusessem termo à infração verificada. O Governo da província de Åland respondeu, em 22 de agosto de 2017, apresentando uma estratégia de gestão da população dos eideres‑edredão, incluindo um controlo dos predadores e dos inventários, e recusando pôr termo à caça de primavera destas aves. Na sua resposta de 22 de dezembro de 2017, o membro da Comissão responsável pela proteção do ambiente concluiu que a infração se mantinha.

    22

    Em 8 de março de 2019, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

    Quanto à ação

    Argumentação das partes

    23

    Na sua petição, a Comissão considera que as autorizações controvertidas são, por um lado, incompatíveis com o artigo 7.o, n.o 4, terceiro parágrafo, da Diretiva Aves e, por outro, que não podem ser justificadas ao abrigo do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva.

    24

    Em primeiro lugar, as autorizações controvertidas são incompatíveis com o artigo 7.o, n.o 4, terceiro parágrafo, da Diretiva Aves. Com efeito, segundo esta disposição, os Estados‑Membros, «[q]uando se trate de espécies migradoras, velam particularmente para que as espécies às quais se aplica a legislação da caça não sejam caçadas durante o seu período de reprodução».

    25

    A Comissão considera que, no caso em apreço, não é contestável, à semelhança do processo que deu origem ao Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Comissão/Finlândia (C‑344/03, EU:C:2005:770), que a época de caça de primavera na província de Åland, que dura entre duas a três semanas no mês de maio, coincide com o período de reprodução dos eideres‑edredão.

    26

    Este elemento é corroborado pelos trabalhos do Comité ORNIS, que é o Comité para a Adaptação ao Progresso Técnico e Científico da Diretiva Aves, instituído em conformidade com o artigo 16.o desta diretiva e que é composto por representantes dos Estados‑Membros, sendo que a autoridade científica dos trabalhos desta já foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça (Acórdão de 8 de junho de 2006, WWF Italia e o., C‑60/05, EU:C:2006:378, n.os 26 e 27 e jurisprudência referida).

    27

    Em segundo lugar, a República da Finlândia não pode justificar a incompatibilidade das autorizações controvertidas com o artigo 7.o, n.o 4, terceiro parágrafo, da Diretiva Aves com a derrogação prevista no artigo 9.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva.

    28

    Com efeito, não só a República da Finlândia não demonstrou que as autorizações controvertidas constituíam uma «exploração judiciosa», como, além disso, este Estado‑Membro não provou que a caça de primavera de eideres‑edredão afeta apenas «pequenas quantidades» de aves, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva Aves.

    29

    No que diz respeito ao facto de não ter provado que havia «exploração judiciosa», primeiro, a República da Finlândia não demonstrou através de provas científicas sólidas que existia uma garantia de que a população em causa se mantinha num «nível satisfatório». Com efeito, os elementos em que este Estado‑Membro se apoia resultam de uma leitura errónea e parcial de certos documentos. Estes documentos já não estão atualizados, datando o mais antigo de 2004, ou não são pertinentes, no sentido de que dizem respeito a uma população de dimensão mundial ou europeia, ou seja, mais ampla do que aquela que está em causa no presente processo. Em contrapartida, quatro estudos demonstram, relativamente ao período entre 2011 e 2015, a tendência de diminuição desta população. No que respeita aos anos posteriores, três outros estudos indicam que a situação continuou a deteriorar‑se e um quarto estudo mostra que a situação continua a ser preocupante, pelo que não é possível concluir que a população da espécie em causa se mantém num «nível satisfatório».

    30

    Por outro lado, os dados comunicados ao abrigo do artigo 12.o da Diretiva Aves tanto pela República da Finlândia como pelo Estado‑Membro vizinho, o Reino da Suécia, que são pertinentes para uma espécie migratória, ilustram um declínio da população de eideres‑edredão tanto a curto como a longo prazo. A Comissão reconhece que este declínio é explicado por várias razões. Contudo, sublinha que os Acórdãos de 8 de junho de 2006, WWF Italia e o. (C‑60/05, EU:C:2006:378, n.o 32), e de 10 de setembro de 2009, Comissão/Malta (C‑76/08, EU:C:2009:535, n.o 59), relativos à «exploração judiciosa», na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva Aves, excluem que se possa beneficiar da derrogação prevista no artigo 9.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva se não existir uma garantia de que a população em causa se mantêm num «nível satisfatório», e isto independentemente de a caça contribuir ou não para o mau estado de conservação da população. Com efeito, seria inoportuno permitir a caça destas populações ainda que esta não esteja na origem deste estado de conservação desfavorável ou para ele não contribua.

    31

    Além disso, a Comissão contesta a posição da República da Finlândia segundo a qual a concessão das autorizações controvertidas é justificável ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats em caso de estado de conservação desfavorável e, em conformidade com o Acórdão de 14 de junho de 2007, Comissão/Finlândia (C‑342/05, EU:C:2007:341, n.o 29), «continua a ser possível a título excecional quando ficar devidamente provado que [tais autorizações] não são suscetíveis de agravar o estado de conservação desfavorável das referidas populações ou de impedir o seu restabelecimento, num estado de conservação favorável». Com efeito, não só o Tribunal de Justiça nunca aplicou esta exceção no contexto do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves, que contém condições diferentes e cuja estrutura difere da do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, como, sobretudo, a República da Finlândia não provou devidamente que as autorizações controvertidas só tinham efeitos «neutros» na população em causa de eideres‑edredão. Pelo contrário, alguns cientistas observaram, no que se refere ao efeito da caça ao êider‑edredão, que a quebra dos laços dos casais contribui para uma redução a longo prazo da fecundidade dos eideres‑edredão fêmeas numa população em que os eideres‑edredão machos são regularmente eliminados devido à caça de primavera.

    32

    Segundo, a República da Finlândia não provou que a caça de primavera é necessária para controlar os predadores e que constitui, por este motivo, uma «exploração judiciosa». Com efeito, embora este Estado‑Membro já tenha sustentado, no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Comissão/Finlândia (C‑344/03, EU:C:2005:770), que a caça de primavera ao eider‑edredão se justificava pelo facto de os caçadores melhorarem as condições de nidificação através da eliminação dos pequenos predadores presentes nas áreas de reprodução, o Tribunal de Justiça, no n.o 35 desse acórdão, rejeitou este argumento, sublinhando que «não parece que [uma] operação [de gestão do meio natural] só possa ser realizada se a abertura da caça ao eider‑edredão tiver lugar na primavera».

    33

    No que se refere à prova de que a caça só diz respeito a «pequenas quantidades», ainda que a República da Finlândia tenha utilizado como base de cálculo a população invernante na via de migração do mar Báltico/mar Frísio, a Comissão considera que este Estado‑Membro se devia ter baseado na população que nidifica nas ilhas da província de Åland. Com efeito, embora não se conteste que o eider‑edredão é uma ave migratória, as autorizações controvertidas não dizem respeito aos eideres‑edredão «em processo de migração», mas àqueles que começaram a reproduzir‑se e que, por isso, não se movem. Além disso, estas autorizações limitam‑se às aves presentes nas ilhas da província de Åland.

    34

    A escolha da população de referência efetuada pela República da Finlândia conduz a uma estimativa excessiva do número de aves disponíveis para a caça no momento e no local aos quais as referidas autorizações se aplicam. Atendendo à importância de toda a população de eideres‑edredão invernante na via de migração mar Báltico/mar Frísio, nem sequer uma fração desta população constitui uma «pequena quantidade» da população que nidifica nas ilhas da província de Åland. Ora, os eideres‑edredão da população invernante na região do mar Báltico/mar Frísio não migram todos até à Finlândia.

    35

    Além disso, a República da Finlândia negligenciou os efeitos cumulativos do seu método de cálculo. Não só nenhum outro Estado‑Membro efetua o cálculo desta forma, como, se cada Estado‑Membro procedesse desta forma, já não estariam em causa «pequenas quantidades» para cada uma das populações abrangidas pelas respetivas derrogações, mas sim frações que, adicionadas, seriam necessariamente mais amplas. Por não ter fornecido dados sobre a população que nidifica nas ilhas da província de Åland, a República da Finlândia não pôde provar que a derrogação só dizia respeito a «pequenas quantidades».

    36

    Na sua contestação, este Estado‑Membro começa por precisar que considera que o presente processo não diz respeito a uma espécie em perigo ou em vias de extinção, formulando em seguida três observações preliminares.

    37

    Primeiro, a população de eideres‑edredão é «estável/flutuante» e o declínio desta população, que se constata desde os anos 90, deve‑se, em grande parte, a uma evolução natural. É cientificamente erróneo associar o desenvolvimento da população de eideres‑edredão à época durante a qual esta população atingiu o seu apogeu, que se deveu a condições artificiais, entre as quais, nomeadamente, a eutrofização do mar Báltico e do mar Frísio e a falta de predadores. Por conseguinte, não se pode definir automaticamente uma espécie em declínio no sentido de que apresenta um nível de população insatisfatório ou um estatuto de conservação desfavorável. Tanto mais assim é quando, como no presente caso, a prática da caça de primavera não tem nenhuma relação com um qualquer declínio.

    38

    Segundo, a inscrição, para a União, da espécie em causa na categoria «quase ameaçada» da «Lista Vermelha» das espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN) não significa que esta espécie esteja em perigo ou que sofra um risco elevado, na medida em que esta classificação não toma em consideração a referida tendência «estável/flutuante».

    39

    Terceiro, à luz das disposições da Diretiva Aves, nomeadamente do seu artigo 9.o, n.o 1, alínea c), a Comissão considerou, erradamente, que a caça de primavera não é, em si mesma, razoável.

    40

    No que respeita ao mérito da ação, a República da Finlândia afirma que as autorizações controvertidas respeitam as condições relativas à «exploração judiciosa» e às «pequenas quantidades».

    41

    Em primeiro lugar, no que se refere ao conceito de «exploração judiciosa», este Estado‑Membro sustenta, antes de mais, baseando‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, que o «nível satisfatório» da população em causa não constitui uma condição prévia para a concessão da derrogação instituída pelo artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves.

    42

    Em seguida, ainda que o «nível satisfatório» da população em causa constitua uma condição prévia para a concessão da referida derrogação, a República da Finlândia assinala que se referiu a cinco estudos e considera que se baseou em provas científicas sólidas para abrir a caça de primavera de eideres‑edredão machos na província de Åland.

    43

    Por último, os níveis de população estabelecidos não excluem a caça de primavera. Com efeito, a condição da manutenção da população num «nível satisfatório» pode ser cumprida se a derrogação não for suscetível de agravar o estado da população ou de impedir a manutenção do estado da população nesse nível. Além disso, a caça de primavera incita as comunidades de caçadores a participarem num plano de gestão e a tomarem medidas de conservação.

    44

    Com base no Documento de Orientação sobre a Caça adotado em 2008 pela Comissão em aplicação da Diretiva Aves (a seguir «Documento de Orientação»), a República da Finlândia entende que esta própria instituição aceita o facto de que as espécies cujo estado de conservação é desfavorável podem ser caçadas, na medida em que isso possa constituir um forte incentivo para gerir os habitats e possa constituir uma influência sobre outros fatores que concorrem para o declínio da população, contribuindo assim para o objetivo de repor as populações num estado de conservação favorável. Aliás, este motivo constitui a razão pela qual o Governo da província de Åland adotou um plano de gestão em 2017 e em 2018 no âmbito da autorização da caça de primavera. Além disso, a República da Finlândia indica que a caça de 2000 eideres‑edredão machos também foi autorizada para a época da caça de primavera de 2019.

    45

    A este respeito, contrariamente ao que a Comissão afirma, a precisão constante do n.o 35 do Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Comissão/Finlândia (C‑344/03, EU:C:2005:770), segundo a qual «embora seja verdade que os caçadores efetuam uma operação útil na perspetiva da gestão do meio natural, quando, na primavera, caçam os pequenos predadores a fim de que a nidificação do eider‑edredão tenha melhores resultados, não parece que essa operação só possa ser realizada se a abertura da caça ao eider‑edredão tiver lugar na primavera», foi feita à luz do conceito de «ausência de solução alternativa» e o Tribunal de Justiça considerou de forma implícita, mas certa, que os caçadores têm, ainda assim, um incentivo para exercerem um controlo dos predadores.

    46

    Em segundo lugar, no que se refere à condição relativa às «pequenas quantidades», por um lado, resulta dos Acórdãos de 9 de dezembro de 2004, Comissão/Espanha (C‑79/03, EU:C:2004:782, n.o 36), e de 15 de dezembro de 2005, Comissão/Finlândia (C‑344/03, EU:C:2005:770, n.o 53), que se deve entender por «população em causa», no que respeita às espécies migratórias, «a população das regiões que fornecem os principais contingentes presentes na região onde se aplica a derrogação durante o período da sua vigência». Não tendo o Tribunal de Justiça acompanhado esta definição de uma reserva, é assim evidente que o conceito de «espécies migratórias» se refere ao comportamento biológico das espécies em causa e não implica que a espécie esteja «em processo de migração» e, por conseguinte, em movimento no momento da caça. Ora, uma espécie de ave ou é sedentária ou é migratória, e não deixa de o ser pelo simples facto de as aves da espécie em causa não estarem «em processo de migração».

    47

    Por outro lado, uma vez que mais nenhum Estado‑Membro além da República da Finlândia autoriza a caça de primavera ao eider‑edredão macho presente na via de migração mar Báltico/mar Frísio, nenhuma prática de caça coincide com a caça de primavera na província de Åland, e não é assim necessário calcular os efeitos cumulativos, porque, precisamente, não existem.

    48

    Na sua réplica, a respeito da «exploração judiciosa», a Comissão especifica, primeiro, que a interpretação preconizada pela República da Finlândia contraria a jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante dos seus Acórdãos de 8 de junho de 2006, WWF Italia e o. (C‑60/05, EU:C:2006:378, n.o 32), e de 10 de setembro de 2009, Comissão/Malta (C‑76/08, EU:C:2009:535, n.o 59), segundo a qual «as derrogações ao abrigo do artigo 9.o da Diretiva [Aves] só podem ser concedidas quando haja a garantia de que a população das espécies em causa será mantida a um nível satisfatório e que, sem essa garantia, não se pode considerar que as capturas de aves sejam, em todo o caso, judiciosas». Segundo, esta instituição insiste na circunstância de que o regime derrogatório previsto no artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves é mais exigente do que o previsto no artigo 16.o da Diretiva Habitats. Com efeito, ao limitar especificamente o artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves aos casos de «exploração judiciosa», o legislador da União quis submeter esta disposição derrogatória a uma exigência mais estrita, que limita as derrogações aos casos nos quais o nível das populações de aves é satisfatório. Terceiro, por um lado, as tendências de diminuição da população de uma determinada espécie constituem evidentemente um fator pertinente para determinar se o seu nível de população é ou não satisfatório. Por outro, quando um Estado‑Membro não garante a manutenção da referida população num «nível satisfatório», a caça de primavera não pode constituir uma «exploração judiciosa», independentemente da circunstância de a caça constituir ou não a principal causa do declínio da referida população.

    49

    No que respeita aos estudos apresentados, aqueles que o foram pela República da Finlândia são insuficientes para contradizer os elementos de prova que assinalam as tendências de diminuição da população de eideres‑edredão, que constituem um indicador importante de um estado da população insatisfatório.

    50

    Além disso, este Estado‑Membro aduz argumentos relativos ao controlo dos predadores que não são juridicamente pertinentes. Por um lado, a jurisprudência do Tribunal de Justiça visa determinar se a abertura da caça é necessária para realizar a operação potencialmente útil ou se essa operação pode ser assegurada independentemente da caça. No presente caso, a contestação da República da Finlândia não apresenta nenhuma prova que demonstre que a população de eideres‑edredão se encontra num estado mais favorável, nas ilhas da província de Åland, em toda a Finlândia, no mar Báltico ou na via de migração mar Báltico/mar Frísio, graças à caça de primavera e ao controlo dos predadores.

    51

    Por outro lado, o argumento segundo o qual a literatura científica conforta a caça de primavera ao eider‑edredão macho pelo facto de a população ser maioritariamente constituída por machos não encontra fundamento nos factos, uma vez que esta literatura recomenda que se limite a caça principalmente aos eideres‑edredão machos durante o inverno. Em especial, este argumento contradiz a jurisprudência do Tribunal de Justiça que considera que uma espécie biológica se define como o conjunto de todos os indivíduos que constituem uma comunidade de reprodução, pelo que as espécies devem ser protegidas no seu conjunto (Acórdão de 12 de julho de 2007, Comissão/Áustria, C‑507/04, EU:C:2007:427, n.o 235).

    52

    Na sua tréplica, a República da Finlândia formula diferentes observações preliminares. Em especial, admira‑se que a Comissão não tenha tomado posição sobre o plano da gestão operacional posto em prática na Finlândia desde 2017.

    53

    No que se refere ao conceito de «exploração judiciosa», a República da Finlândia reitera a sua alegação segundo a qual a manutenção num «nível satisfatório» não constitui uma condição prévia ao abrigo do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves. Além disso, este Estado‑Membro sustenta que a sua argumentação não consiste em transpor para a Diretiva Aves o regime do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, mas em militar a favor de uma interpretação convergente das derrogações constantes destas duas diretivas. Para mais, reafirma a necessária distinção entre uma espécie em declínio e uma espécie que apresenta um estado de conservação desfavorável.

    54

    Além da contestação da análise dos estudos efetuada pela Comissão, a República da Finlândia invoca uma declaração, de 29 de julho de 2019, de um dos principais cientistas especializados na investigação sobre o eider‑edredão na Finlândia, na qual este considera que a estratégia de gestão posta em prática nas ilhas da província de Åland tanto se justifica e está bem fundamentada como também se encontra estreitamente associada à situação local. Considera igualmente que o plano de gestão referido no n.o 52 do presente acórdão e as medidas tomadas a este respeito têm um efeito positivo sobre a população de eideres‑edredão da província de Åland que prevalece sobre o efeito negativo decorrente da redução da capacidade de reprodução de um número limitado de fêmeas.

    55

    Relativamente ao controlo dos predadores, a República da Finlândia começa por indicar que a comunidade local de caçadores perderia todo o interesse em proceder ao controlo dos predadores se a caça de primavera do eider‑edredão viesse a ser proibida. A proibição da caça de primavera na província de Åland equivale, por conseguinte, à proibição completa da caça. Em seguida, este Estado‑Membro sustenta que o envolvimento das comunidades locais nos programas de conservação deve ser encorajado. Segundo a República da Finlândia, a Comissão procura excluir o maior grupo de partes envolvidas na futura conservação do eider‑edredão, suprimindo a sua única motivação para participarem em tais programas. Este Estado‑Membro conclui que a proibição da caça de primavera exigida pela Comissão é desproporcionada na medida em que não toma de modo nenhum em consideração a circunstância de que esta caça não contribuiu de modo nenhum para o declínio da população da espécie em causa nem o papel positivo desempenhado pela comunidade local de caçadores na conservação desta população.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    56

    Através da sua ação, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República da Finlândia, ao autorizar regularmente a emissão de licenças de caça de primavera do eider‑edredão macho na província de Åland desde 2011, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 7.o, n.o 4, e no artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves.

    57

    Importa salientar que, na sua contestação, a República da Finlândia indica que este tipo de autorizações foi concedido pelo menos até à caça de primavera do ano de 2019.

    58

    Ora, embora a existência de um incumprimento deva ser apreciada em função da situação em que o Estado‑Membro se encontrava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, o objeto de uma ação por incumprimento pode alargar‑se a factos posteriores ao parecer fundamentado, desde que estes factos revistam a mesma natureza e sejam idênticos aos factos visados pelo referido parecer (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2017, Comissão/Bulgária, C‑488/15, EU:C:2017:267, n.os 40 e 43 e jurisprudência referida).

    59

    Daqui resulta que há que examinar o mérito da presente ação relativamente aos anos de 2011 a 2019.

    60

    O artigo 7.o, n.o 4, desta diretiva impõe aos Estados‑Membros que se certifiquem, em especial, de que as espécies de aves indicadas no anexo II da referida diretiva não sejam caçadas durante o período de reprodução.

    61

    No caso em apreço, o eider‑edredão é uma espécie referida no anexo II, parte B, da Diretiva Aves. Não é contestado que a época de caça de primavera desta espécie na província de Åland coincide com o seu período de reprodução.

    62

    Por conseguinte, esta época faz parte dos períodos durante os quais o artigo 7.o, n.o 4, da referida diretiva proíbe, em princípio, toda e qualquer caça ao eider‑edredão (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2007, Comissão/Áustria, C‑507/04, EU:C:2007:427, n.o 195).

    63

    No entanto, a República da Finlândia considera que o artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves permite justificar as autorizações controvertidas.

    64

    Com efeito, esta disposição autoriza, para todas as espécies de aves, e se não existir «outra solução satisfatória», uma derrogação aos artigos 5.o e 7.o desta diretiva para permitir, em condições estritamente controladas e de um modo seletivo, a captura, a detenção ou qualquer outra «exploração judiciosa» de certas aves, «em pequenas quantidades».

    65

    A este respeito, importa precisar que o Tribunal de Justiça já declarou que a caça às aves selvagens praticada para fins de lazer durante os períodos indicados no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva Aves é suscetível de constituir uma «exploração judiciosa» autorizada pelo artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 16 de outubro de 2003, Ligue pour la protection des oiseaux e o., C‑182/02, EU:C:2003:558, n.o 11 e jurisprudência referida).

    66

    Há ainda que sublinhar, no que se refere a um regime derrogatório como o previsto no artigo 9.o da Diretiva Aves, que deve ser objeto de interpretação estrita e que deve fazer incidir o ónus da prova da existência das condições exigidas para cada derrogação sobre a autoridade que toma a decisão, que os Estados‑Membros estão obrigados a garantir que qualquer intervenção que diga respeito às espécies protegidas só será autorizada com base em decisões que comportem uma fundamentação precisa e adequada que se refira aos fundamentos, às condições e às exigências previstos no referido artigo (v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2006, WWF Italia e o., C‑60/05, EU:C:2006:378, n.o 34).

    Quanto à condição relativa à «exploração judiciosa»

    67

    Resulta das disposições do artigo 9.o da Diretiva Aves, que se referem ao controlo estrito da derrogação prevista neste artigo e ao carácter seletivo das capturas, como, aliás, do princípio geral da proporcionalidade, que a referida derrogação a que um Estado‑Membro pretenda recorrer deve ser proporcionada às necessidades que a justificam (Acórdão de 10 de setembro de 2009, Comissão/Malta, C‑76/08, EU:C:2009:535, n.o 57).

    68

    Assim, o Tribunal de Justiça declarou que só podem ser previstas derrogações ao abrigo do artigo 9.o da Diretiva Aves quando exista a garantia de que a população das espécies em causa é mantida num «nível satisfatório» e que, não existindo essa garantia, não se pode considerar, seja como for, que as capturas de aves são judiciosas e que, consequentemente, constituem uma exploração admissível (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de junho de 2006, WWF Italia e o., C‑60/05, EU:C:2006:378, n.o 32, e de 10 de setembro de 2009, Comissão/Malta, C‑76/08, EU:C:2009:535, n.o 59).

    69

    No presente processo, há que examinar se a população das espécies em causa é mantida num «nível satisfatório», sem o qual, como recorda a jurisprudência referida no número anterior, não podem estar reunidas as outras condições do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva Aves, nomeadamente a condição relativa à «exploração judiciosa».

    70

    A este respeito, importa recordar que os elementos que demonstram que as condições necessárias para derrogar o regime de proteção desta diretiva devem assentar em conhecimentos científicos bem fundamentados (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Comissão/Finlândia, C‑344/03, EU:C:2005:770, n.o 54 e jurisprudência referida). O Tribunal de Justiça já declarou que os conhecimentos mais pertinentes devem estar à disposição das autoridades no momento em que concedem as autorizações (v., no que respeita a espécies protegidas abrangidas pela Diretiva Habitats, Acórdãos de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, C‑127/02, EU:C:2004:482, n.os 52 e 61, e de 10 de outubro de 2019, Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola, C‑674/17, EU:C:2019:851, n.o 51). Estas considerações são igualmente válidas para o artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva Aves.

    71

    No caso em apreço, o quadro em que a República da Finlândia se baseia contém cinco trabalhos, a saber, primeiro, a classificação, a nível mundial, para o ano de 2015, efetuada pela UICN, da espécie em causa na categoria «menor preocupação», segundo, um relatório de 2004 redigido pela organização não governamental BirdLife International, que confere ao eider‑edredão um «estado de conservação favorável» a nível pan‑europeu, terceiro, o Documento de Orientação, quarto, a classificação, elaborada em 2015, pela organização não governamental Wetlands International, da população da via de migração mar Báltico/mar Frísio na categoria «menor preocupação», e, quinto, a «Lista Vermelha» finlandesa de 2010 que classifica o eider‑edredão na categoria «quase ameaçada» na Finlândia.

    72

    Basta começar por constatar que o primeiro e o quarto destes trabalhos datam do ano de 2015 e não podem, por conseguinte, justificar as autorizações controvertidas dos anos de 2011 a 2014. Por outro lado, embora seja certo que o primeiro dos referidos trabalhos, relativo à classificação da espécie em causa a nível mundial, coloca a espécie em causa na categoria «menor preocupação» a nível mundial, esta mesma organização incluía, no entanto, para o mesmo ano, esta espécie na lista das espécies «em perigo» a nível da União.

    73

    Em seguida, o segundo e terceiro trabalhos datam, respetivamente, do ano de 2004 e do ano de 2008. A respeito destes, a República da Finlândia considera que a Comissão não demonstrou que já não estão atualizados.

    74

    A este respeito, por um lado, não se pode sustentar que um Estado‑Membro dispõe dos melhores conhecimentos científicos, quando, no momento em que a autoridade competente adota a sua decisão, esta se baseia num estudo publicado há sete anos, de tal forma que, salvo elementos contrários, se pode considerar que um estudo posterior, que analisasse dados relativos a anos mais recentes, conteria dados mais atuais e possuiria, por conseguinte, um grau de exatidão e de pertinência significativamente mais elevado.

    75

    Por outro lado, embora não seja certo, contrariamente ao que a Comissão afirma, que se possa considerar que o Documento de Orientação, datado de 2008, já não estava atualizado, e ainda que se deva sublinhar que este foi publicado no contexto da Diretiva 79/409, as conclusões que a República da Finlândia retira deste Documento de Orientação decorrem, no entanto, de uma leitura parcial do seu conteúdo. Com efeito, embora seja certo que o referido Documento de Orientação enumera o eider‑edredão de entre as espécies «que podem ser caçadas», este documento estabelece sobretudo que esta espécie figura de entre aquelas cujo estado de conservação é «desfavorável».

    76

    Daqui resulta que a República da Finlândia não pode invocar utilmente os quatro primeiros trabalhos referidos no n.o 71 do presente acórdão para demonstrar que a autoridade que concedeu as autorizações controvertidas dispunha de conhecimentos científicos bem fundamentados que permitiam considerar que a população da espécie em causa se mantinha num «nível satisfatório» nos anos de 2011 a 2014.

    77

    No entanto, a República da Finlândia tinha à sua disposição a «Lista Vermelha» finlandesa elaborada em 2010, relativa a uma análise recente do estado de conservação das espécies de aves no seu território.

    78

    A este respeito, este Estado‑Membro considera que a circunstância de esta «Lista Vermelha» finlandesa classificar, em 2010, o eider‑edredão na categoria «quase ameaçada» não só não diminui, como corrobora o seu argumento segundo o qual as autorizações controvertidas relativas aos anos de 2011 a 2015 se baseavam em elementos científicos sólidos.

    79

    Há que constatar que semelhante argumentação não reflete o título em si mesmo desta categoria, nem a definição que dela é dada. Com efeito, a referida categoria é definida nestes termos: «diz‑se que um táxon está [q]uase ameaçado» quando foi avaliado de acordo com os critérios [relativos à dimensão e à evolução da população, à sua repartição geográfica, bem como a uma análise quantitativa] e não preenche, no momento, os critérios das categorias “[e]m perigo crítico”, “[e]m perigo” ou “[v]ulnerável”, estando perto de preencher os critérios que correspondem às categorias do grupo “[a]meaçado” ou de os preencher num futuro próximo.

    80

    Por outro lado, importa igualmente sublinhar que, embora a República da Finlândia recorde que, em termos de riscos, a categoria «quase ameaçada» ocupa o segundo lugar na nomenclatura da referida lista, os títulos das categorias de grau superior, que se denominam «vulnerável», «em perigo», «em perigo crítico», «extinto na natureza» e «extinto», indicam que a inclusão desta espécie nestas categorias não permite demonstrar que a referida espécie se encontra num estado favorável nem que está isenta de preocupações.

    81

    Além disso, a Comissão cita diferentes estudos que, em substância, contradizem, na sua maioria, a afirmação feita pela República da Finlândia segundo a qual esta estava em condições de garantir a manutenção da população presente na via de migração mar Báltico/mar Frísio num «nível satisfatório» quando do início das épocas de caça de primavera durante o período compreendido entre 2011 e 2015.

    82

    Para os anos posteriores, é facto assente que a UICN, a BirdLife International, a Wetlands International e a «Lista Vermelha» finlandesa, referida no n.o 71 do presente acórdão, reclassificaram, todas, o eider‑edredão em categorias de riscos mais elevadas.

    83

    Além do mais, é certo que a circunstância de uma tendência de diminuição da população de uma espécie em causa não basta, por si só, para demonstrar que esta população se encontra num estado de conservação insatisfatório. No entanto, quando elementos adicionais não indiquem que, por outros motivos, a situação deve, não obstante, ser considerada favorável, tal circunstância não permite considerar que a população se mantém num «nível satisfatório».

    84

    Há ainda que acrescentar, no que se refere à interpretação da Diretiva Aves e da Diretiva Habitats, que, embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça tenha reconhecido, para a segunda, a possibilidade de conceder derrogações em caso de estado de conservação desfavorável, por um lado, a concessão de tais derrogações só pode ocorrer em circunstâncias excecionais e, por outro, tal concessão deve também ser apreciada à luz do princípio da precaução (v., neste sentido, no que respeita à Diretiva Habitats, Acórdão de 10 de outubro de 2019, Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola, C‑674/17, EU:C:2019:851, n.os 68 e 69 e jurisprudência referida). Daqui resulta que, ainda que a interpretação destas duas diretivas integre as particularidades de cada uma delas, não se pode considerar que esta interpretação é divergente na medida em que, no limite das suas particularidades, a referida interpretação inclui considerações análogas relativas, nomeadamente, ao seu respetivo sistema de proteção.

    85

    No que diz respeito aos planos de gestão adotados e executados na Finlândia em 2017 e em 2018 e que têm o seu fundamento no Documento de Orientação, importa sublinhar que, embora não tenha valor jurídico vinculativo, este Documento de Orientação pode ser utilizado pelo Tribunal de Justiça como base de referência. É, aliás, especificado no referido Documento de Orientação que os planos que podem ser implementados não beneficiam «de um estatuto jurídico distinto», na aceção da Diretiva Aves. A este respeito, importa ainda salientar que o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que, embora as exigências económicas e de recreio sejam mencionadas no artigo 2.o desta diretiva, esta disposição não constitui uma derrogação autónoma ao regime de proteção previsto na Diretiva Aves (Acórdãos de 8 de julho de 1987, Comissão/Bélgica, 247/85, EU:C:1987:339, n.o 8; de 8 de julho de 1987, Comissão/Itália, 262/85, EU:C:1987:340, n.o 8; e de 28 de fevereiro de 1991, Comissão/Alemanha, C‑57/89, EU:C:1991:89, n.o 22).

    86

    Por último, embora, no âmbito do exame da condição relativa à inexistência de outra solução satisfatória, visada no artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves, o Tribunal de Justiça tenha reconhecido, no n.o 35 do Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Comissão/Finlândia (C‑344/03, EU:C:2005:770), que, «embora seja verdade que os caçadores efetuam uma operação útil na perspetiva da gestão do meio natural, quando, na primavera, caçam os pequenos predadores a fim de que a nidificação do eider‑edredão tenha melhores resultados, não parece que essa operação só possa ser realizada se a abertura da caça ao eider‑edredão tiver lugar na primavera», esta consideração é válida enquanto, como sublinhou a Comissão, um Estado‑Membro não garantir que a população em causa se mantém num «nível satisfatório». Por outro lado, ainda que se demonstre que os efeitos positivos na população de uma espécie protegida resultantes de um plano de gestão neutralizam os efeitos negativos provocados pelas capturas nessa população, um Estado‑Membro é obrigado, como resulta do considerando 6 da Diretiva Aves, a tomar as medidas que se apliquem aos diferentes fatores que podem agir sobre o nível populacional da espécie em causa.

    87

    Daqui resulta que os argumentos desenvolvidos pelas partes no processo e as provas científicas apresentadas em seu apoio não permitem demonstrar, o que incumbia à República da Finlândia provar, que, no momento em que as autorizações controvertidas foram concedidas, a autoridade nacional dispunha de conhecimentos científicos bem fundamentados que indicavam que a população da espécie em causa se mantinha num «nível satisfatório», para que se possa considerar que a exploração é «judiciosa».

    88

    Daqui resulta igualmente que a condição relativa à «exploração judiciosa», na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves, não está preenchida.

    Quanto à condição relativa às «pequenas quantidades»

    89

    No que se refere a esta condição, há que salientar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se a atividade de captura de aves autorizada a título derrogatório não garantir a manutenção da população das espécies em causa num nível satisfatório, não se pode considerar que esta condição está preenchida (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Comissão/Malta, C‑557/15, EU:C:2018:477, n.o 66).

    90

    Além disso, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que «há que considerar, no estado atual dos conhecimentos científicos, que representa uma “pequena quantidade”, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva [Aves], […] uma captura de cerca de 1 % para as espécies que podem ser objeto de atos de caça, entendendo‑se por “população em causa”, no que respeita às espécies migratórias, a população das regiões que fornecem os principais contingentes que frequentam a região em que é posta em prática a derrogação durante o respetivo período de aplicação» (Acórdão de 21 de junho de 2018, Comissão/Malta, C‑557/15, EU:C:2018:477, n.o 63 e jurisprudência referida).

    91

    A este respeito, importa salientar, primeiro, que, no Acórdão de 21 de junho de 2018, Comissão/Malta (C‑557/15, EU:C:2018:477), o Tribunal de Justiça insistiu na «região em que é posta em prática a derrogação durante o respetivo período de aplicação». Segundo, as autorizações controvertidas não dizem respeito à espécie protegida em processo de migração, mas às aves dessa espécie no momento em que se começam a reproduzir e, por conseguinte, no momento em que passam a estacionárias. A este respeito, o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva Aves precisa que esta «aplica‑se às aves, aos seus ovos, aos seus ninhos e aos seus habitats». Terceiro, a legislação da União relativa à conservação das aves selvagens deve ser interpretada à luz do princípio da precaução, que constitui um dos fundamentos da política de proteção de um nível elevado prosseguido pela União no domínio do ambiente, em conformidade com o artigo 191.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2009, Comissão/Itália, C‑573/08 R, não publicado, EU:C:2009:775, n.o 24 e jurisprudência referida, bem como Despacho de 20 de novembro de 2017, Comissão/Polónia,C‑441/17 R, EU:C:2017:877, n.os 42 e 61). Por conseguinte, este princípio impõe que se evite uma estimativa excessiva das aves disponíveis para exploração e que só sejam utilizados métodos de cálculo que permitam seguramente manter‑se num limite de cerca de 1 %.

    92

    Daqui resulta que, na medida em que as espécies migratórias permaneçam, durante o período de reprodução, estacionárias, estas devem, durante este período, e para efeitos da interpretação da exceção contida no artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves, ser equiparadas a espécies sedentárias.

    93

    Além disso, da mera circunstância de um Estado‑Membro ser o único a autorizar uma prática não se pode deduzir que este pode granjear a totalidade da quota disponível. Por este motivo, há que considerar, hipoteticamente, que outros Estados‑Membros podem pretender beneficiar desta quota e reservar para cada um deles uma determinada parte.

    94

    No caso em apreço, em vez de basear os seus cálculos em toda a população migrante no mar Báltico/mar Frísio, a República da Finlândia devia ter utilizado como base de referência a população da espécie em causa que nidifica nas ilhas da província de Åland.

    95

    Daqui resulta que, na data de referência, as autoridades da província de Åland não dispunham dos dados que lhes permitiriam calcular corretamente a quantidade de aves da população em causa que podia ser capturada.

    96

    Nestas condições, daqui resulta que a República da Finlândia não respeitou a condição relativa às «pequenas quantidades», visada no artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves.

    97

    Atendendo a todas as considerações que precedem, há que constatar que, por ao autorizar regularmente a emissão de licenças de caça de primavera do êider‑macho na província de Åland de 2011 a 2019 inclusive, a República da Finlândia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 7.o, n.o 4, e do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva Aves.

    Quanto às despesas

    98

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Finlândia nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    Ao autorizar regularmente a emissão de licenças de caça de primavera do êider‑macho (Somateria mollissima) na província de Åland de 2011 a 2019 inclusive, a República da Finlândia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 7.o, n.o 4, e do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens.

     

    2)

    A República da Finlândia é condenada nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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