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Document 62019CJ0182

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 26 de março de 2020.
Pfizer Consumer Healthcare Ltd contra Commissioners for Her Majesty's Revenue and Customs.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo First-tier Tribunal (Tax Chamber).
Reenvio prejudicial — Pauta aduaneira comum — Nomenclatura combinada — Classificação pautal — Posições 3005 e 3824 — Emplastros e faixas de autoaquecimento que aliviam a dor — Regulamento de execução (UE) 2016/1140 — Invalidade.
Processo C-182/19.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:243

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

26 de março de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Pauta aduaneira comum — Nomenclatura combinada — Classificação pautal — Posições 3005 e 3824 — Emplastros e faixas de autoaquecimento que aliviam a dor — Regulamento de execução (UE) 2016/1140 — Invalidade»

No processo C‑182/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção tributária), Reino Unido], por Decisão de 21 de fevereiro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de fevereiro de 2019, no processo

Pfizer Consumer Healthcare Ltd

contra

Commissioners of Her Majesty’s Revenue and Customs,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: P. G. Xuereb, presidente de secção, T. von Danwitz e A. Kumin (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Pfizer Consumer Healthcare Ltd, por V. Sloane, QC, L. Catrain González, abogada, E. Wright, barrister, e R. Shiers, solicitor,

em representação dos Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs, por H. Watkinson, barrister, e A. Beegun, solicitor,

em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brandon, na qualidade de agente, assistido por H. Watkinson, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por A. Caeiros, J. Hradil e M. Salyková, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade do Regulamento de Execução (UE) 2016/1140 da Comissão, de 8 de julho de 2016, relativo à classificação de determinadas mercadorias na Nomenclatura Combinada (JO 2016, L 189, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Pfizer Consumer Healthcare Ltd (a seguir «Pfizer») aos Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Administração Tributária e Aduaneira, Reino Unido; a seguir «Administração Fiscal»), a respeito da classificação pautal de emplastros e de faixas de autoaquecimento que aliviam a dor.

Quadro jurídico

NC

3

A Nomenclatura Combinada, instituída pelo Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1) (a seguir «NC»), baseia‑se no Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, elaborado pelo Conselho de Cooperação Aduaneira, atual Organização Mundial das Alfândegas (OMA), e instituído pela Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado, celebrada em Bruxelas em 14 de junho de 1983. Esta convenção e o respetivo protocolo de alteração de 24 de junho de 1986 foram aprovados, em nome da Comunidade Económica Europeia, pela Decisão 87/369/CEE do Conselho, de 7 de abril de 1987 (JO 1987, L 198, p. 1).

4

As regras gerais para a interpretação da NC, que constam da sua primeira parte, título I, A, dispõem, designadamente:

«A classificação das mercadorias na [NC] rege‑se pelas seguintes Regras:

1.

Os títulos das Secções, Capítulos e Subcapítulos têm apenas valor indicativo. Para os efeitos legais, a classificação é determinada pelos textos das posições e das notas de Secção e de Capítulo e, desde que não sejam contrárias aos textos das referidas posições e notas, pelas Regras seguintes:

2.

[…]

b)

Qualquer referência a uma matéria em determinada posição diz respeito a essa matéria, quer em estado puro, quer misturada ou associada a outras matérias. Da mesma forma, qualquer referência a obras de uma matéria determinada abrange as obras constituídas inteira ou parcialmente por essa matéria. A classificação destes produtos misturados ou artigos compostos efetua‑se conforme os princípios enunciados na Regra 3.

3.

Quando pareça que a mercadoria pode classificar‑se em duas ou mais posições por aplicação da Regra 2 b) ou por qualquer outra razão, a classificação deve efetuar‑se da forma seguinte:

a)

A posição mais específica prevalece sobre as mais genéricas. Todavia, quando duas ou mais posições se refiram, cada uma delas, a apenas uma parte das matérias constitutivas de um produto misturado ou de um artigo composto, ou a apenas um dos componentes de sortidos acondicionados para venda a retalho, tais posições devem considerar‑se, em relação a esses produtos ou artigos, como igualmente específicas, ainda que uma delas apresente uma descrição mais precisa ou completa da mercadoria;

b)

Os produtos misturados, as obras compostas de matérias diferentes ou constituídas pela reunião de artigos diferentes e as mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho, cuja classificação não se possa efetuar pela aplicação da Regra 3 a), classificam‑se pela matéria ou artigo que lhes confira a característica essencial, quando for possível realizar esta determinação;

[…]

6.

A classificação de mercadorias nas subposições de uma mesma posição é determinada, para efeitos legais, pelos textos dessas subposições e das notas de subposição respetivas, assim como, mutatis mutandis, pelas Regras precedentes, entendendo‑se que apenas são comparáveis subposições do mesmo nível. Para os fins da presente Regra, as Notas de Secção e de Capítulo são também aplicáveis, salvo disposições em contrário.»

5

A segunda parte da NC, intitulada «Tabela de direitos», inclui uma secção VI, ela própria intitulada «Produtos das indústrias químicas ou das indústrias conexas».

6

Figuram na secção VI da NC, nomeadamente, o capítulo 30, intitulado «Produtos farmacêuticos», e o capítulo 38, intitulado «Produtos diversos das indústrias químicas».

7

O capítulo 30 da NC contém a posição 3005, que tem a seguinte redação:

«Pastas (ouates), gazes, ataduras e artigos análogos [por exemplo: pensos (curativos), esparadrapos, sinapismos], impregnados ou recobertos de substâncias farmacêuticas ou acondicionados para venda a retalho para usos medicinais, cirúrgicos, dentários ou veterinários.»

8

O capítulo 38 da NC inclui a posição 3824, que tem a seguinte redação:

«Aglutinantes preparados para moldes ou para núcleos de fundição; produtos químicos e preparações das indústrias químicas ou das indústrias conexas (incluindo os constituídos por misturas de produtos naturais), não especificados nem compreendidos noutras posições.»

9

A posição 3824 deste capítulo 30, na sua versão resultante do Regulamento de Execução (UE) 2015/1754 da Comissão, de 6 de outubro de 2015 (JO 2015, L 285, p. 1), aplicável à data da entrada em vigor do Regulamento de Execução 2016/1140, incluía, por sua vez, as seguintes subposições:

[…]

[…]

3824 90

‐ Outros:

[…]

[…]

 

‐ ‐ Outros:

[…]

[…]

 

‐ ‐ ‐ Produtos e preparações para usos farmacêuticos e cirúrgicos

[…]

[…]

 

‐ ‐ ‐ Outros:

[…]

[…]

 

‐ ‐ ‐ ‐ Produtos químicos orgânicos ou preparações constituídas predominantemente por produtos químicos orgânicos, não especificados nem compreendidos noutras posições

[…]

[…]

3824 90 96

‐ ‐ ‐ ‐ Outros

Regulamento (UE) n.o 952/2013

10

Nos termos do artigo 57.o do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1; a seguir «código aduaneiro»):

«1.   Para a aplicação da Pauta Aduaneira Comum, a classificação pautal de mercadorias consiste na determinação de uma das subposições ou outras subdivisões da Nomenclatura Combinada em que as referidas mercadorias devam ser classificadas.

2.   Para efeitos da aplicação das medidas não pautais, a classificação pautal de mercadorias consiste na determinação de uma das subposições ou outras subdivisões da Nomenclatura Combinada ou de qualquer outra nomenclatura que seja estabelecida por disposições da União e que se baseie total ou parcialmente na Nomenclatura Combinada ou que lhe acrescente subdivisões, nas quais as referidas mercadorias devam ser classificadas.

[…]

4.   A Comissão [Europeia] pode tomar medidas para determinar a classificação pautal de mercadorias nos termos do n.os 1 e 2.»

11

O artigo 58.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do código aduaneiro dispõe:

«A Comissão adota, por meio de atos de execução, as medidas referidas no artigo 57.o, n.o 4.»

12

O artigo 285.o, n.o 1, desse regulamento precisa:

«A Comissão é assistida pelo Comité do Código Aduaneiro. […]»

Regulamento de Execução 2016/1140

13

O Regulamento de Execução 2016/1140 foi adotado pela Comissão com base no artigo 57.o, n.o 4, e no artigo 58.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do código aduaneiro.

14

O artigo 1.o do referido regulamento de execução prevê:

«As mercadorias descritas na coluna 1 do quadro em anexo devem ser classificadas na [NC] nos códigos NC correspondentes, indicados na coluna 2 do referido quadro.»

15

O anexo do referido regulamento de execução tem a seguinte redação:

«Descrição das mercadorias

Classificação (código NC)

Motivos

(1)

(2)

(3)

1.

Produto com a forma de um emplastro de autoaquecimento que alivia a dor.

O emplastro é feito de material adesivo destinado a colar‑se à pele (pescoço, pulso ou ombro).

O produto é fabricado com um material sintético macio que se adapta à forma do corpo e contém uma série de discos que, por exposição ao ar, geram calor.

Os discos contêm pó de ferro, carvão, sal e água. Quando as embalagens individuais que contêm o emplastro são abertas e expostas ao ar, provoca‑se uma reação exotérmica.

3824 90 96

A classificação é determinada pelas disposições das Regras Gerais 1, 3 c) e 6 para a interpretação da Nomenclatura Combinada e pelo descritivo dos códigos NC 3824, 3824 90e 3824 90 96.

Os discos contidos no produto são utilizados como fonte de calor devido à reação exotérmica, o que confere ao produto a sua característica essencial de uma preparação da posição 3824.

Por isso, o produto não pode ser considerado como ataduras e artigos análogos da posição 3005.

Portanto, o produto deve ser classificado no código NC 3824 90 96.

2.

Produto sob a forma de uma faixa de autoaquecimento que alivia a dor.

A faixa é feita de material não adesivo, que se fecha por meio de uma tira autoadesiva.

O produto é feito de um material sintético macio que se adapta à forma do corpo e contém uma série de discos que, por exposição ao ar, geram calor.

Os discos contêm pó de ferro, carvão, sal e água. Quando as embalagens individuais que contêm a faixa são abertas e expostas ao ar, provoca‑se uma reação exotérmica.

3824 90 96

A classificação é determinada pelas disposições das Regras Gerais 1, 3 b) e 6 para a interpretação da Nomenclatura Combinada e pelo descritivo dos códigos NC 3824, 3824 90e 3824 90 96.

Os discos contidos no produto são utilizados como fonte de calor devido à reação exotérmica, o que confere ao produto a sua característica essencial de uma preparação da posição 3824.

Portanto, o produto deve ser classificado no código NC 3824 90 96.»

Diretiva 93/42/CEE

16

Os dispositivos médicos abrangidos pela Diretiva 93/42/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa aos dispositivos médicos (JO 1993, L 169, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2007/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007 (JO 2007, L 247, p. 21) (a seguir «Diretiva 93/42»), são definidos no artigo 1.o, n.o 2, alínea a), dessa diretiva nos seguintes termos:

«Dispositivo médico: qualquer instrumento, aparelho, equipamento, software, material ou outro artigo, utilizado isoladamente ou em combinação, juntamente com quaisquer acessórios, incluindo o software destinado pelo seu fabricante a ser utilizado especificamente para fins de diagnóstico e/ou terapêuticos e que seja necessário para o bom funcionamento do dispositivo médico, destinado pelo fabricante a ser utilizado em seres humanos para efeitos de:

diagnóstico, prevenção, controlo, tratamento ou atenuação de uma doença,

diagnóstico, controlo, tratamento, atenuação ou compensação de uma lesão ou de uma deficiência,

estudo, substituição ou alteração da anatomia ou de um processo fisiológico,

controlo da conceção,

cujo principal efeito pretendido no corpo humano não seja alcançado por meios farmacológicos, imunológicos ou metabólicos, embora a sua função possa ser apoiada por esses meios.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

17

A Pfizer importa para o Reino Unido produtos de utilização única abrangidos pela marca registada ThermaCare. Estes produtos são apresentados e comercializados para fins de termoterapia terapêutica, com vista a trazer benefícios como a analgesia, a diminuição da rigidez e a aceleração da cura de tecidos danificados.

18

A gama inclui emplastros de aquecimento, a maior parte dos quais estão disponíveis em vários tamanhos e concebidos para aplicação numa zona específica do corpo. Estes emplastros são todos flexíveis, de modo que se possam fixar firmemente na parte do corpo pertinente e permanecer no local quer por meio de bandas adesivas quer de velcro, segundo a variante do produto.

19

Os referidos emplastros são, no essencial, compostos por um tecido que contém células térmicas. Este tecido é uma espécie de tecido sintético com camadas sobrepostas que mantém as células térmicas no sítio e protege o utilizador em caso de fuga das mesmas. Uma célula térmica consiste numa matéria sintética permeável que lhe serve de parede e numa mistura de substâncias nela contidas (entre as quais pó de ferro, carbono, sal e água).

20

Os mesmos emplastros são vendidos em bolsas fechadas. Uma vez retirados da bolsa e expostos ao ar começam a aquecer. Mais especificamente, ocorre uma reação exotérmica que produz calor quando a mistura de substâncias é exposta ao ar graças à parede permeável da célula de aquecimento. Uma temperatura constante de 40 graus Celsius é mantida durante um período de 8 às 12 horas, em função da variante do produto.

21

Segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção tributária), Reino Unido], numerosos estudos clínicos demonstram que a termoterapia terapêutica produz efeitos fisiológicos com benefícios médicos. As virtudes terapêuticas do calor são confirmadas pela Classificação Internacional das Doenças, 9.a Revisão, Modificação Clínica — CID‑9‑MC, publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A termoterapia é igualmente reconhecida e recomendada como tratamento em várias orientações publicadas por órgãos nacionais reconhecidos. No que respeita, mais especificamente, às mercadorias em causa, estas são classificadas de «dispositivos médicos ativos», em conformidade com a Diretiva 93/42 e foram aprovadas e autorizadas a beneficiar da marcação CE por um organismo notificado.

22

Em 2012, a Administração Fiscal emitiu duas informações pautais vinculativas (a seguir «IPV»), classificando, à semelhança das autoridades aduaneiras alemãs e eslovacas, certos produtos ThermaCare na posição 3005 da NC.

23

Com base nestas IPV, a Pfizer importou, por três vezes entre o ano de 2012 e o ano de 2013, produtos ThermaCare em França. Aquando de uma inspeção a respeito dessas importações, as autoridades aduaneiras francesas concluíram que esses produtos deviam ser classificados na posição 3824 da NC e devia ser‑lhes aplicada uma taxa de direito de 6,5 %. Essas autoridades pediram à Comissão, em 2015, que examinasse a classificação dos produtos ThermaCare, que submeteu esta questão ao Comité do Código Aduaneiro da União.

24

Na sequência de uma decisão não unânime deste comité, a Comissão adotou o Regulamento de Execução 2016/1140. Resulta do anexo deste último que um produto que se apresenta sob a forma de um emplastro de aquecimento destinado a aliviar a dor, constituído por uma matéria adesiva, ou sob a forma de faixa de autoaquecimento destinada a aliviar a dor, constituída por uma matéria não adesiva, é classificado na subposição 38249096 da NC.

25

Consequentemente, a Administração Fiscal, por carta de 3 de agosto de 2016, anulou as IPV que tinha emitido à Pfizer em 2012 e que classificavam os produtos ThermaCare na posição 3005 da NC.

26

Por requerimento de 12 de setembro de 2017, a Pfizer solicitou uma nova IPV destinada à classificação dos produtos ThermaCare na posição 3005 da NC.

27

Em 10 de novembro de 2017, a Administração Fiscal, baseando‑se no Regulamento de Execução 2016/1140, emitiu uma IPV que classificou esses produtos na posição 3824 da NC.

28

Por recurso interposto no órgão jurisdicional de reenvio em 8 de dezembro de 2017, a Pfizer impugnou esta decisão. Alega, a este respeito, que o Regulamento de Execução 2016/1140 é inválido na medida em que leva a classificar os produtos ThermaCare na posição 3824 da NC.

29

A título principal, a Pfizer sustenta que a redação da posição 3005 da NC abrange os produtos cobertos pelo Regulamento de Execução 2016/1140. Trata‑se de «artigos análogos» a pastas, ataduras, esparadrapos e sinapismos, na aceção desta posição, uma vez que estes são concebidos de modo que sejam aplicados na pele para fins médicos e têm uma função análoga à dos sinapismos, nomeadamente no que se refere ao alívio da dor. Além disso, são acondicionados para venda a retalho.

30

Por conseguinte, estes produtos não podem ser classificados na posição 3824 da NC, uma vez que esta só se aplica aos produtos «não especificados nem compreendidos noutras posições». É, portanto, em aplicação da Regra geral 1 para a interpretação da NC que os produtos ThermaCare devem ser classificados na posição 3005. Tendo o Regulamento de Execução 2016/1140 reduzido, erradamente, o âmbito de aplicação desta posição, a Comissão ultrapassou as suas competências.

31

Por outro lado, a Pfizer alega que, uma vez que se afirma que a classificação dos produtos visados pelo Regulamento de Execução 2016/1140 na posição 3824 da NC foi efetuada em conformidade com a aplicação da Regra geral 1, da Regra geral 3 b), e da Regra geral 6 para a interpretação da NC, este regulamento está fundamentado de forma inadequada e errada.

32

Considerando que os argumentos apresentados pela Pfizer para contestar a validade do Regulamento de Execução 2016/1140 eram sérios, o First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção tributária)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O Regulamento de Execução […] 2016/1140 […] é inválido, na medida em que classifica sob o código 3824 da NC, especificamente o código 38249096, os produtos que:

i.

são constituídos por um material semelhante a uma atadura, e contendo “células de calor” com produtos químicos,

ii.

atuam de forma semelhante a um sinapismo, embora proporcionando benefícios adicionais,

iii.

aliviam a dor, diminuem a rigidez e favorecem a cicatrização do tecido através de uma reação química exotérmica (como comprovado em numerosos ensaios clínicos),

iv.

são acondicionados para venda a retalho, e

v.

são expressamente apresentados e comercializados como sendo para usos medicinais e produzindo os efeitos referidos na alínea iii), supra,

com base nos produtos químicos contidos no seu material ou elemento que lhes confere a sua característica essencial, e não sob a posição 3005 [com base na redação das posições, notas de secção e de capítulo relevantes e das notas explicativas nos termos da Regra geral de interpretação 1, na aplicação da Regra geral de interpretação 3, alínea a), que determina a classificação segundo a posição mais específica, ou de outra forma]?»

Quanto à questão prejudicial

33

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a validade do Regulamento de Execução 2016/1140.

34

Antes de mais, há que salientar que as mercadorias importadas pela Pfizer a que se refere o processo principal, tal como descritas na decisão de reenvio, são idênticas ou, pelo menos, suficientemente análogas aos dois produtos visados pelo Regulamento de Execução 2016/1140, e que este último é, portanto, aplicável.

35

O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia conferiram à Comissão, atuando em cooperação com os peritos aduaneiros dos Estados‑Membros, um amplo poder de apreciação para precisar o conteúdo das posições pautais que entra em linha de conta para a classificação de determinada mercadoria. Todavia, o poder da Comissão para adotar as medidas referidas no artigo 57.o, n.o 4, do Código Aduaneiro não a autoriza a modificar o conteúdo nem o alcance das posições pautais (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Amoena, C‑677/18, EU:C:2019:1142, n.o 37 e jurisprudência referida).

36

Assim, há que examinar se, ao proceder à classificação pautal dos produtos visados pelo Regulamento de Execução 2016/1140 na subposição 38249096 da NC, e não na posição 3005, a Comissão alterou o conteúdo ou o alcance dessas posições pautais.

37

A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, no interesse da segurança jurídica e da facilidade dos controlos, o critério decisivo para a classificação pautal das mercadorias deve ser procurado, de uma maneira geral, nas suas características e propriedades objetivas, tal como definidas no teor da posição da NC e das notas de secção ou de capítulo [Acórdão de 22 de fevereiro de 2018, Kubota (UK) e EP Barrus, C‑545/16, EU:C:2018:101, n.o 25 e jurisprudência referida].

38

Além disso, o destino do produto pode constituir um critério objetivo de classificação, desde que seja inerente ao referido produto, inerência esta que deve poder ser apreciada em função das características e propriedades objetivas deste [Acórdão de 22 de fevereiro de 2018, Kubota (UK) e EP Barrus, C‑545/16, EU:C:2018:101, n.o 26 e jurisprudência referida].

39

No caso em apreço, como resulta da redação da coluna 1 do quadro que figura no anexo do Regulamento de Execução 2016/1140, os produtos por ele visados apresentam‑se sob a forma de emplastros ou faixas de autoaquecimento que aliviam a dor. Estes emplastros são feitos de material adesivo destinado a colar‑se à pele, enquanto as faixas são feitas de material não adesivo, que se fecha por meio de uma tira autoadesiva. Estes produtos são de um material sintético macio que se adapta à forma do corpo e contém uma série de discos cheios de pó de ferro, carvão, sal e água que, por exposição ao ar, geram calor devido a uma reação exotérmica.

40

Segundo os termos da posição 3824 da NC, os produtos abrangidos por esta posição são produtos «não especificados nem compreendidos noutras posições».

41

Assim, há que examinar previamente se os produtos visados pelo Regulamento de Execução 2016/1140 são abrangidos pela posição 3005 da NC.

42

As mercadorias abrangidas pela posição 3005 da NC são, em conformidade com a redação desta, «[p]astas (ouates), gazes, ataduras e artigos análogos [por exemplo: pensos (curativos), esparadrapos, sinapismos], impregnados ou recobertos de substâncias farmacêuticas ou acondicionados para venda a retalho para usos medicinais, cirúrgicos, dentários ou veterinários».

43

A este respeito, a Pfizer sustenta que as mercadorias em causa devem ser consideradas «artigos análogos», na aceção desta posição, acondicionados para venda a retalho para usos medicinais.

44

No que respeita, em primeiro lugar, ao critério relativo ao acondicionamento para venda a retalho, há que salientar que, na verdade, na coluna 1 do quadro que figura no anexo do Regulamento de Execução 2016/1140, não é fornecido nenhum detalhe no que respeita ao acondicionamento dos produtos visados por este regulamento de execução.

45

Todavia, não é contestado que estes produtos são acondicionados para venda a retalho, o que é, aliás, confirmado pela génese deste regulamento de execução.

46

Em segundo lugar, no que respeita ao conceito de «usos medicinais», na aceção da posição 3005 da NC, este não é definido na NC nem nas suas notas explicativas.

47

Todavia, há que salientar que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a fim de determinar se um produto se destina a usos medicinais, importa ter em conta todos os elementos pertinentes do caso vertente, na medida em que constituem características e propriedades objetivas inerentes a esse produto. Entre os elementos pertinentes, importa apreciar a utilização à qual o fabricante destina o produto em causa, bem como as modalidades e o local de utilização do mesmo (v., por analogia, Acórdão de 4 de março de 2015, Oliver Medical, C‑547/13, EU:C:2015:139, n.os 51 e 52). Em particular, o produto em questão deve ser especialmente concebido para esse fim (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 1982, Nederlandsch Bevrachtingskantoor, 37/82, EU:C:1982:340, n.o 11).

48

Importa também salientar que, nos termos de jurisprudência constante, o significado e o alcance dos termos para os quais o direito da União não fornece nenhuma definição devem ser determinados de acordo com o seu sentido habitual na linguagem comum, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (v. Acórdão de 6 de setembro de 2018, Kreyenhop & Kluge, C 471/17, EU:C:2018:681, n.o 39 e jurisprudência referida).

49

Assim, na medida em que, por um lado, o adjetivo «medicinal» se refere ao termo «medicina» e, por outro, este último pode geralmente ser entendido como, nomeadamente, a ciência da prevenção, da deteção e do tratamento de doenças ou ferimentos, há que considerar que uma mercadoria especialmente concebida para prevenir, detetar ou tratar doenças ou ferimentos visa «usos medicinais», na aceção da posição 3005 da NC.

50

No caso em apreço, trata-se dos produtos abrangidos pelo Regulamento de Execução 2016/1140. Com efeito, como resulta da sua designação, que figura no anexo deste regulamento de execução, esses produtos destinam‑se a aliviar a dor, através do calor produzido por reação exotérmica quando as células térmicas que contêm são expostas ao ar. Por conseguinte, trata‑se de uma forma de termoterapia por hipertermia, que é reconhecida como tratamento, tendo em conta os benefícios fisiológicos assim obtidos.

51

Além disso, o facto de esses produtos serem classificados de «dispositivos médicos ativos», em conformidade com a Diretiva 93/42, constitui um indício suplementar a este respeito (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 2015, Oliver Medical, C‑547/13, EU:C:2015:139, n.o 53).

52

Pelo contrário, nada indica que os referidos produtos visavam permitir principalmente melhorias estéticas, o que constituiria um indício suscetível de indicar que não se destinam a usos medicinais (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 2015, Oliver Medical, C‑547/13, EU:C:2015:139, n.o 52).

53

Em terceiro lugar, quanto à questão de saber se os produtos visados pelo Regulamento de Execução 2016/1140 podem ser considerados «artigos análogos» a «[p]astas (ouates), gazes [ou] ataduras», na aceção da posição 3005 da NC, a Comissão contesta‑a alegando que a finalidade geral das mercadorias abrangidas por esta posição é tratar as dores ou as lesões, ao passo que, nas próprias mercadorias em causa, figuram advertências contra a sua aplicação na pele para curar lesões, contusões ou edemas.

54

Esta tese não pode ser acolhida. Com efeito, o facto de essas mercadorias não deverem ser utilizadas em certos casos não permite pôr em causa a conclusão de que servem para tratar dores e lesões.

55

Por conseguinte, os produtos visados pelo Regulamento de Execução 2016/1140 estão abrangidos pela posição 3005 da NC e, por isso, como resulta do n.o 40 do presente acórdão, não podem ser abrangidos pela posição 3824 da NC.

56

Por conseguinte, estes produtos devem ser classificados na posição 3005 da NC.

57

Daqui resulta que, ao ter procedido à classificação pautal dos referidos produtos na subposição 38249096 da NC, e não na posição 3005, a Comissão alterou o conteúdo dessas posições pautais e excedeu as competências que lhe são conferidas pelo artigo 57.o, n.o 4, do código aduaneiro.

58

Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder à questão submetida que o Regulamento de Execução 2016/1140 é inválido.

Quanto às despesas

59

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

O Regulamento de Execução (UE) 2016/1140 da Comissão, de 8 de julho de 2016, relativo à classificação de determinadas mercadorias na Nomenclatura Combinada, é inválido.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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