Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62019CJ0080

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 16 de julho de 2020.
Processo instaurado por E. E.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 650/2012 — Âmbito de aplicação — Conceito de “sucessão com incidência transfronteiriça” — Conceito de “residência habitual do falecido” — Artigo 3.o, n.o 2 — Conceito de “órgão jurisdicional” — Sujeição dos notários às regras de competência judiciária — Artigo 3.o, n.o 1, alíneas g) e i) — Conceitos de “decisão” e de “ato autêntico” — Artigos 5.o, 7.o e 22.o — Acordo de eleição de foro e de escolha da lei aplicável à sucessão — Artigo 83.o, n.os 2 e 4 — Disposições transitórias.
Processo C-80/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:569

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

16 de julho de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 650/2012 — Âmbito de aplicação — Conceito de “sucessão com incidência transfronteiriça” — Conceito de “residência habitual do falecido” — Artigo 3.o, n.o 2 — Conceito de “órgão jurisdicional” — Sujeição dos notários às regras de competência judiciária — Artigo 3.o, n.o 1, alíneas g) e i) — Conceitos de “decisão” e de “ato autêntico” — Artigos 5.o, 7.o e 22.o — Acordo de eleição de foro e de escolha da lei aplicável à sucessão — Artigo 83.o, n.os 2 e 4 — Disposições transitórias»

No processo C‑80/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia), por Decisão de 17 de janeiro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de fevereiro de 2019, no processo instaurado por

E. E.

sendo intervenientes:

Kauno miesto 4‑ojo notaro biuro notarė Virginija Jarienė,

K.‑D. E.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, M. Safjan, L. Bay Larsen, C. Toader (relatora) e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de janeiro de 2020,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo lituano, por V. Kazlauskaitė‑Švenčionienė, V. Vasiliauskienė e K. Dieninis, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e A. Kasalická, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por S. Jiménez García, J. Rodríguez de la Rúa Puig e S. Centeno Huerta, na qualidade de agentes,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e D. R. Gesztelyi, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll e G. Hesse, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e S. L. Kalėda, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de março de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, alíneas g) e i), e n.o 2, primeiro parágrafo, dos artigos 4.o, 5.o, 7.o, 22.o e 59.o e do âmbito de aplicação do Regulamento (UE) n.o 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO 2012, L 201, p. 107; retificações no JO 2012, L 344, p. 3, no JO 2013, L 60, p. 140, e no JO 2019, L 243, p. 9).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo instaurado por E. E. para efeitos da emissão de um certificado de direitos sucessórios por um notário estabelecido em Kaunas (Lituânia), na sequência do falecimento da sua mãe na Alemanha.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos dos considerandos 1, 7, 20, 22 a 24, 29, 32, 37, 39, 59, 61 e 67 do Regulamento n.o 650/2012:

«(1)

A União fixou o objetivo de manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça em que seja assegurada a livre circulação das pessoas. A fim de criar gradualmente esse espaço, a União deverá adotar medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil que tenham incidência transfronteiriça, em particular quando tal for necessário ao bom funcionamento do mercado interno.

[…]

(7)

É conveniente facilitar o bom funcionamento do mercado interno suprimindo os entraves à livre circulação de pessoas que atualmente se defrontam com dificuldades para exercerem os seus direitos no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça. […]

[…]

(20)

O presente regulamento deverá respeitar os diferentes sistemas em aplicação nos Estados‑Membros para tratar de matérias sucessórias. Para efeitos do presente regulamento, o termo “órgão jurisdicional” deverá, por conseguinte, ser interpretado em sentido lato, de modo a abranger não só os tribunais na verdadeira aceção do termo, que exercem funções jurisdicionais, mas também os notários ou as conservatórias que, em alguns Estados‑Membros, em certas matérias sucessórias, exercem funções jurisdicionais como se de tribunais se tratasse, e os notários e profissionais do direito que, em determinados Estados‑Membros, exercem funções jurisdicionais no âmbito de uma determinada sucessão por delegação de poderes de um tribunal. Todos os órgãos jurisdicionais na aceção do presente regulamento deverão ficar vinculados às regras de competência definidas no presente regulamento. Inversamente, o termo “órgão jurisdicional” não deverá abranger as autoridades não judiciárias de um Estado‑Membro competentes nos termos do direito nacional para tratar matérias sucessórias, tais como os notários que, na maior parte dos Estados‑Membros, não exercem habitualmente funções jurisdicionais.

[…]

(22)

Os atos exarados por notários em matéria sucessória nos Estados‑Membros deverão circular ao abrigo do presente regulamento. Caso exerçam funções jurisdicionais, os notários estão vinculados às regras de competência jurisdicional, e as decisões que tomam deverão circular de acordo com as disposições relativas ao reconhecimento, executoriedade e execução das decisões. Quando não exercem funções jurisdicionais, os notários não estão vinculados às regras de competência, e os atos autênticos que exaram deverão circular de acordo com as disposições relativas aos atos autênticos.

(23)

Tendo em conta a mobilidade crescente dos cidadãos e a fim de assegurar a boa administração da justiça na União e para assegurar uma conexão real entre a sucessão e o Estado‑Membro em que a competência é exercida, o presente regulamento deverá prever como fator de conexão geral, para fins de determinação da competência e da lei aplicável, a residência habitual do falecido no momento do óbito. A fim de determinar a residência habitual, a autoridade que trata da sucessão deverá proceder a uma avaliação global das circunstâncias da vida do falecido durante os anos anteriores ao óbito e no momento do óbito, tendo em conta todos os elementos factuais pertinentes, em particular a duração e a regularidade da permanência do falecido no Estado em causa, bem como as condições e as razões dessa permanência. A residência habitual assim determinada deverá revelar uma relação estreita e estável com o Estado em causa tendo em conta os objetivos específicos do presente regulamento.

(24)

Em certos casos, poderá ser complexo determinar a residência habitual do falecido. Poderá ser esse o caso, em particular, quando o falecido, por razões profissionais ou económicas, tenha ido viver para o estrangeiro a fim de aí trabalhar, por vezes por um longo período, mas tenha mantido uma relação estreita e estável com o seu Estado de origem. Nesse caso, o falecido poderá, em função das circunstâncias, ser considerado como tendo ainda a sua residência habitual no Estado de origem, no qual se situavam o centro de interesses da sua família e a sua vida social. Outros casos complexos poderão igualmente ocorrer quando o falecido tenha vivido de forma alternada em vários Estados ou tenha viajado entre Estados sem se ter instalado de forma permanente em nenhum deles. Caso o falecido fosse um nacional de um desses Estados ou tivesse todos os seus principais bens num desses Estados, a sua nacionalidade ou o local onde se situam esses bens poderia ser um fator especial na apreciação global de todas as circunstâncias factuais.

[…]

(29)

Caso seja o órgão jurisdicional que dê oficiosamente início à ação sucessória, como acontece em determinados Estados‑Membros, esse órgão jurisdicional deverá extinguir a instância se as partes decidirem resolver a sucessão por via amigável e extrajudicialmente no Estado‑Membro cuja lei foi escolhida. Caso não seja o órgão jurisdicional que dê oficiosamente início à ação sucessória, o presente regulamento não deverá obstar a que as partes resolvam a sucessão por via amigável e extrajudicialmente, por exemplo, perante um notário num Estado‑Membro da sua escolha, se tal for possível de acordo com a lei desse Estado‑Membro. Será esse o caso mesmo que a lei aplicável à sucessão não seja a lei desse Estado‑Membro.

[…]

(32)

A fim de facilitar as diligências dos herdeiros e legatários que residem habitualmente num Estado‑Membro diferente daquele em que a sucessão está a ser ou será tratada, o presente regulamento deverá autorizar qualquer pessoa habilitada nos termos da lei aplicável à sucessão a fazer declarações relativas à aceitação ou ao repúdio da herança, de um legado ou da legítima, ou relativas à limitação da sua responsabilidade pelas dívidas da herança, na forma prevista pela lei do Estado‑Membro da sua residência habitual perante os órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro. Tal não obstará a que essas declarações sejam feitas perante outras autoridades nesse Estado‑Membro que sejam competentes para receber declarações nos termos do direito nacional. As pessoas que optem por recorrer à possibilidade de fazer declarações no Estado‑Membro da sua residência habitual deverão elas próprias informar o órgão jurisdicional ou a autoridade que trata ou tratará da sucessão acerca da existência de tais declarações, dentro do prazo eventualmente previsto pela lei aplicável à sucessão.

[…]

(37)

Para que os cidadãos possam beneficiar, com toda a segurança jurídica, das vantagens oferecidas pelo mercado interno, o presente regulamento deverá permitir‑lhes conhecer antecipadamente qual será a lei aplicável à sua sucessão. Deverão ser introduzidas normas harmonizadas de conflitos de leis para evitar resultados contraditórios. A regra principal deverá assegurar previsibilidade no que se refere à lei aplicável com a qual a sucessão apresente uma conexão estreita. Por razões de segurança jurídica e para evitar a fragmentação da sucessão, essa lei deverá regular a totalidade da sucessão, ou seja, todos os bens da herança, independentemente da natureza dos bens e independentemente de estes se encontrarem situados noutro Estado‑Membro ou num Estado terceiro.

[…]

(39)

A escolha da lei aplicável deverá ser feita expressamente numa declaração sob a forma de disposição por morte ou resultar dos termos dessa disposição. Poderá considerar‑se que a escolha de lei resulta de uma disposição por morte, por exemplo, se o falecido tiver feito referência, na sua disposição, a normas específicas da lei do Estado da sua nacionalidade ou se, de outra forma, tiver mencionado essa lei.

[…]

(59)

À luz do seu objetivo geral, isto é, o reconhecimento mútuo das decisões proferidas nos Estados‑Membros em matéria sucessória, independentemente de terem sido proferidas em processos contenciosos ou não contenciosos, o presente regulamento deverá prever normas relativas ao reconhecimento, à executoriedade e à execução de decisões semelhantes às de outros diplomas legais da União no domínio da cooperação judiciária em matéria civil.

[…]

(61)

Os atos autênticos deverão ter noutro Estado‑Membro a mesma força probatória que têm no Estado‑Membro de origem, ou efeitos o mais comparáveis possível. Para determinar a força probatória de um dado ato autêntico noutro Estado‑Membro ou os efeitos o mais equiparáveis possível, deverá ser feita referência à natureza e ao âmbito da força probatória do ato autêntico no Estado‑Membro de origem. A força probatória que um dado ato autêntico terá noutro Estado‑Membro dependerá, assim, da lei do Estado‑Membro de origem.

[…]

(67)

A fim de que as sucessões com incidência transfronteiriça na União sejam decididas de uma forma célere, fácil e eficaz, o herdeiro, o legatário, o executor testamentário ou o administrador da herança deverão poder provar facilmente a sua qualidade e/ou os seus direitos e poderes noutro Estado‑Membro, por exemplo no Estado‑Membro onde se situam os bens da herança. […]»

4

O artigo artigo 1.o do Regulamento n.o 650/2012, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.o 1:

«O presente regulamento é aplicável às sucessões por morte. Não é aplicável às matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.»

5

O artigo 3.o, n.o 1, alíneas g) e i), e n.o 2, do referido regulamento enunciam:

«1.   Para efeitos do presente regulamento entende‑se por:

[…]

g)

“Decisão”, qualquer decisão em matéria de sucessões proferida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, independentemente da designação que lhe é dada, incluindo uma decisão sobre a fixação pelo secretário do órgão jurisdicional do montante das custas do processo;

[…]

i)

“Ato autêntico”, um documento em matéria sucessória que tenha sido formalmente redigido ou registado como tal num Estado‑Membro e cuja autenticidade:

i)

esteja associada à assinatura e ao conteúdo do ato autêntico, e

ii)

tenha sido atestada por uma autoridade pública ou outra autoridade habilitada para o efeito pelo Estado‑Membro de origem.

2.   Para efeitos do presente regulamento, a noção de “órgão jurisdicional” inclui os tribunais e as outras autoridades e profissionais do direito competentes em matéria sucessória que exerçam funções jurisdicionais ou ajam no exercício de uma delegação de poderes conferida por um tribunal ou sob o controlo deste, desde que essas outras autoridades e profissionais do direito ofereçam garantias no que respeita à sua imparcialidade e ao direito de todas as partes a serem ouvidas, e desde que as suas decisões nos termos da lei do Estado‑Membro onde estão estabelecidos:

a)

Possam ser objeto de recurso perante um tribunal ou de controlo por este; e

b)

Tenham força e efeitos equivalentes aos de uma decisão de um tribunal na mesma matéria.

Os Estados‑Membros notificam à Comissão as outras autoridades e profissionais do direito a que se refere o primeiro parágrafo nos termos do artigo 79.o»

6

Constante do capítulo II do Regulamento n.o 650/2012, o artigo 4.o deste último, sob a epígrafe «Competência geral», prevê:

«São competentes para decidir do conjunto da sucessão os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em que o falecido tinha a sua residência habitual no momento do óbito.»

7

Nos termos do artigo 5.o deste regulamento, sob a epígrafe «Acordo de eleição do foro»:

«1.   Caso a lei escolhida pelo falecido para regular a sua sucessão nos termos do artigo 22.o seja a lei de um Estado‑Membro, as partes em causa podem acordar em que um ou os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro cuja lei foi escolhida tenham competência exclusiva para decidir de toda e qualquer questão em matéria sucessória.

2.   O acordo de eleição do foro é reduzido a escrito, datado e assinado pelas partes em causa. Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do acordo equivale à forma escrita.»

8

O artigo 7.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Competência no caso de uma escolha de lei», enuncia:

«Os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro cuja lei tenha sido escolhida pelo falecido nos termos do artigo 22.o são competentes para decidir da sucessão:

[…]

b)

Se as partes na ação tiverem acordado, nos termos do artigo 5.o, em conferir competência a um órgão jurisdicional ou aos órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro; ou

c)

Se as partes na ação tiverem expressamente [aceitado] a competência do órgão jurisdicional onde a mesma foi intentada.»

9

O artigo 13.o do mesmo regulamento dispõe:

«Para além do órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão, nos termos do disposto no presente regulamento, os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território se situa a residência habitual de qualquer pessoa que, nos termos da lei aplicável à sucessão, possa fazer perante um órgão jurisdicional uma declaração relativa à aceitação ou ao repúdio da sucessão, de um legado ou da legítima ou uma declaração destinada a limitar a responsabilidade da pessoa em causa no que respeita às dívidas da herança, são competentes para receber essas declarações sempre que, nos termos da lei desse Estado‑Membro, tais declarações possam ser feitas perante um órgão jurisdicional.»

10

Constante do capítulo III do Regulamento n.o 650/2012, relativo à «Lei aplicável», o artigo 21.o deste último, sob a epígrafe «Regra geral», prevê:

«1.   Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao conjunto da sucessão é a lei do Estado onde o falecido tinha residência habitual no momento do óbito.

2.   Caso, a título excecional, resulte claramente do conjunto das circunstâncias do caso que, no momento do óbito, o falecido tinha uma relação manifestamente mais estreita com um Estado diferente do Estado cuja lei seria aplicável nos termos do n.o 1, é aplicável à sucessão a lei desse outro Estado.»

11

O artigo 22.o desse regulamento, intitulado «Escolha da lei», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Uma pessoa pode escolher como lei para regular toda a sua sucessão a lei do Estado de que é nacional no momento em que faz a escolha ou no momento do óbito.

Uma pessoa com nacionalidade múltipla pode escolher a lei de qualquer dos Estados de que é nacional no momento em que faz a escolha ou no momento do óbito.

2.   A escolha deve ser feita expressamente numa declaração que revista a forma de uma disposição por morte ou resultar dos termos dessa disposição.»

12

Nos termos do artigo 28.o do referido regulamento:

«Uma declaração relativa à aceitação ou ao repúdio da sucessão, de um legado ou da legítima, ou uma declaração destinada a limitar a responsabilidade do autor da declaração, é igualmente válida quanto à forma se respeitar os requisitos:

[…]

b)

Da lei do Estado onde o autor da declaração tem residência habitual.»

13

O artigo 59.o do Regulamento n.o 650/2012 prevê:

«1.   Um ato autêntico exarado num Estado‑Membro tem noutro Estado‑Membro a mesma força probatória que tem no Estado‑Membro de origem, ou efeitos o mais equiparáveis possível, desde que tal não seja manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro em causa.

Quem pretender utilizar um ato autêntico noutro Estado‑Membro, pode solicitar à autoridade que exarou o ato no Estado‑Membro de origem que preencha o formulário estabelecido de acordo com o procedimento consultivo a que se refere o artigo 81.o, n.o 2, descrevendo a força probatória do ato autêntico no Estado‑Membro de origem.

[…]»

14

O artigo 60.o, n.o 1, deste regulamento dispõe:

«Os atos autênticos com força executória no Estado‑Membro de origem são declarados executórios noutro Estado‑Membro a pedido de qualquer das partes interessadas, de acordo com o procedimento previsto nos artigos 45.o a 58.o»

15

O artigo 64.o do referido regulamento enuncia:

«O certificado [sucessório europeu] é emitido no Estado‑Membro cujos órgãos jurisdicionais sejam competentes por força do artigo 4.o, do artigo 7.o, do artigo 10.o ou do artigo 11.o A autoridade emissora deve ser:

a)

Um órgão jurisdicional, tal como definido no artigo 3.o, n.o 2; ou

b)

Outra autoridade que, nos termos da legislação nacional, tenha competência para tratar matérias sucessórias.»

16

Nos termos do artigo 83.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Disposições transitórias»:

«1.   O presente regulamento é aplicável às sucessões das pessoas falecidas em 17 de agosto de 2015 ou após essa data.

2.   Caso o falecido tenha escolhido a lei aplicável à sua sucessão antes de 17 de agosto de 2015, essa escolha é válida, se respeitar as condições previstas no capítulo III ou se for válida em aplicação das regras do direito internacional privado em vigor no momento em que a escolha foi feita, no Estado em que o falecido tinha a sua residência habitual ou em qualquer dos Estados de que era nacional.

[…]

4.   Sempre que o falecido tenha feito uma disposição por morte antes de 17 de agosto de 2015 nos termos da lei que o falecido tivesse podido escolher por força do presente regulamento, considera‑se que essa lei foi escolhida como lei aplicável à sucessão.»

Direito lituano

Código Civil

17

O artigo 5.4 do Lietuvos Respublikos civilinis kodeksas (Código Civil da República da Lituânia) tem a seguinte redação:

«1.   Considera‑se o lugar de abertura da sucessão o lugar do último domicílio do autor da herança (artigo 2.12 do presente Código).

2.   Caso o testador não tivesse um lugar de residência permanente, considera‑se que o lugar de abertura da sucessão:

1)

é o lugar em que o testador vivia a maioria do tempo durante os seis últimos meses anteriores ao seu óbito;

2)

se o testador residia em vários locais, considera‑se que o lugar de abertura da sucessão é o lugar dos principais interesses económicos ou pessoais do testador (lugar em que se encontram situados os seus bens ou a maior parte deles, quando os bens se encontram situados em vários locais; o lugar de residência do cônjuge com o qual o testador manteve uma relação matrimonial durante os seis últimos meses anteriores ao seu óbito, ou o lugar de residência do filho que residia com o testador.

3.   Se o lugar de residência do testador for impossível de determinar em conformidade com as circunstâncias indicadas nos n.os 1 e 2 do presente artigo, o lugar da abertura da sucessão pode ser determinado segundo a nacionalidade do testador, o seu registo, o lugar de registo dos veículos que lhe pertencem, e outras circunstâncias.

4.   Em caso de litígio, o lugar de abertura da sucessão pode ser determinado pelo órgão jurisdicional a pedido dos interessados, tendo em conta todas as circunstâncias.»

18

O artigo 5.66 do referido código prevê que os herdeiros legais ou testamentários podem apresentar ao notário do lugar de abertura da sucessão um pedido de certidão relativo à sucessão (a seguir «certificado de direitos sucessórios»).

Código de Processo Civil

19

O artigo 444.o do Civilinio proceso kodeksas (Código de Processo Civil) dispõe:

«1.   Um órgão jurisdicional determina de que factos dependem a constituição, a alteração ou o termo dos direitos pessoais ou de propriedade das pessoas.

2.   O órgão jurisdicional aprecia os processos:

[…]

8)

relativos à aceitação da sucessão, bem como à determinação do lugar efetivo de abertura da sucessão.»

20

Ao abrigo do artigo 511.o do referido código, os atos notariais, ou a recusa de efetuar um ato notarial, são recorríveis. O recurso é apresentado na instância do órgão jurisdicional do lugar em que o notário em causa exerce a atividade.

Lei do Notariado

21

O artigo 1.o do Lietuvos Respublikos notariato įstatymas (Lei do Notariado da República da Lituânia, a seguir «Lei do Notariado») prevê:

«O notariado é composto por todos os notários aos quais a presente lei confere o direito de certificar juridicamente os direitos subjetivos não contestados e os factos jurídicos das pessoas singulares e coletivas ou de outras organizações e dos seus estabelecimentos e de assegurar a proteção dos interesses legítimos dessas pessoas e do Estado.»

22

Ao abrigo do artigo 2.o desta lei, os notários são nomeados e destituídos pelo Ministro da Justiça.

23

O artigo 12.o da referida lei, sob a epígrafe «Independência dos notários», enuncia que os notários exercem o seu cargo independentemente da influência exercida pelas instituições públicas do Estado ou da Administração e que só com as leis se devem conformar.

24

Ao abrigo do artigo 26.o da mesma lei, os notários emitem, designadamente, certificados de direitos sucessórios. Os factos constatados nos documentos certificados sob forma notarial consideram‑se demonstrados e não têm de ser provados enquanto esses documentos não forem declarados inválidos segundo as modalidades fixadas pela legislação.

25

Em conformidade com o artigo 41.o da Lei do Notariado, a pessoa que considere errada a realização de um ato notarial ou a recusa de realizar esse ato, pode intentar uma ação num órgão jurisdicional.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26

E. E. é um nacional lituano. A sua mãe, igualmente de nacionalidade lituana, casou com K.‑D. E., nacional alemão, e mudou de domicílio para viver, juntamente com E. E., com o seu marido na Alemanha. Em 4 de julho de 2013, esta fez, perante uma notária, cujo cartório se situa em Garliava (Lituânia), um testamento no qual designou o seu filho como herdeiro universal.

27

No momento do falecimento da mãe de E. E., ocorrido na Alemanha, um bem imóvel, a saber, um apartamento situado em Kaunas, estava registado em nome da falecida. Em 17 de julho de 2017, E. E. recorreu a uma notária estabelecida em Kaunas para efeitos da abertura do processo sucessório e da emissão de um certificado de direitos sucessórios.

28

Em 1 de agosto de 2017, essa notária recusou emitir o referido certificado com o fundamento de que a residência habitual da falecida, na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012, devia, segundo a mesma, considerar‑se situada na Alemanha.

29

E. E. impugnou essa recusa no Kauno apylinkės teismas (Tribunal de Primeira Instância de Kaunas, Lituânia). Por decisão de 29 de janeiro de 2018, esse órgão jurisdicional julgou procedente o pedido do requerente, com o fundamento de que a falecida não tinha rompido os seus laços com a Lituânia.

30

A notária que E. E. tinha incumbido do processo sucessório, interpôs recurso dessa decisão no Kauno apygardos teismas (Tribunal Regional de Kaunas, Lituânia). No âmbito desse processo, E. E. apresentou um pedido no sentido de ser junta aos autos uma declaração de K.‑D. E. na qual este tinha afirmado não ter pretensão alguma sobre a sucessão da falecida e consentido na competência dos órgãos jurisdicionais lituanos, não tendo sido aberto nenhum processo sucessório na Alemanha.

31

Por decisão de 26 de abril de 2018, esse órgão jurisdicional anulou a decisão recorrida e indeferiu o pedido de E. E., o qual interpôs recurso de cassação no Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia).

32

Foi nestas condições que o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve ser considerada uma sucessão mortis causa com repercussão transfronteiriça, na aceção do Regulamento n.o 650/2012 e à qual este regulamento deve ser aplicado, uma situação como a que está em causa no processo principal, na qual uma cidadã lituana cujo local de residência habitual à data da sua morte se situava possivelmente noutro Estado‑Membro mas que, em todo caso, nunca quebrou as ligações que mantinha com o seu país de origem, e que, nomeadamente, fez, antes dessa data, um testamento na Lituânia e deixou todos os bens que possuía ao seu herdeiro, um nacional lituano, e na qual, no momento da abertura da sucessão, foi determinado que a herança era composta por bens imóveis localizados apenas na Lituânia, e o cônjuge sobrevivo, um nacional de outro Estado‑Membro, manifestou expressamente a sua intenção de repudiar a herança da falecida, não participou no processo judicial instaurado na Lituânia e concordou com a competência dos órgãos jurisdicionais lituanos e com a aplicação do direito lituano?

2)

Deve um notário lituano que abre um processo sucessório, emite um certificado de direitos sucessórios e realiza outras ações necessárias para o herdeiro invocar os seus direitos, ser considerado um “órgão jurisdicional” na aceção do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 650/2012, tendo em conta que, nas suas atividades, os notários respeitam os princípios da imparcialidade e da independência, as suas decisões são vinculativas para os próprios ou para os tribunais e a sua atuação pode ser objeto de fiscalização judicial?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, devem os certificados de direitos sucessórios emitidos pelos notários lituanos ser considerados decisões, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 650/2012, e, por esta razão, deve ser determinada a competência para efeitos da emissão de tais certificados?

4)

Em caso de resposta negativa à segunda questão, devem os artigos 4.o e 59.o do Regulamento n.o 650/2012 (conjunta ou separadamente, mas sem limitação a estes artigos) ser interpretados no sentido de que os notários lituanos podem emitir certificados de direitos sucessórios, […] sem respeitarem as regras gerais em matéria de competência e de que tais certificados serão considerados atos autênticos com produção de efeitos jurídicos noutros Estados‑Membros?

5)

Deve o artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012 (ou outras disposições do mesmo) ser interpretado no sentido de que o local de residência habitual do falecido apenas pode ser estabelecido num Estado‑Membro específico?

6)

Devem os artigos 4.o, 5.o, 7.o e 22.o do Regulamento n.o 650/2012 (conjunta ou separadamente, mas sem limitação a estes artigos) ser interpretados e aplicados no sentido de que, no processo principal, em conformidade com os factos enunciados na primeira questão, há que concluir que as partes em causa concordaram que os órgãos jurisdicionais lituanos deviam ser considerados competentes e que o direito lituano devia ser aplicado?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e quinta questões

33

Com a sua primeira e quinta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo conceito de «sucessão com incidência transfronteiriça» uma situação na qual o falecido era um nacional de um Estado‑Membro que residia noutro Estado‑Membro à data do seu falecimento, mas não tinha quebrado os seus laços com o primeiro desses Estados‑Membros, e se, nessa situação, a última residência habitual do falecido, na aceção desse regulamento, deve ser fixada num único Estado‑Membro.

34

A título preliminar, importa salientar que o Regulamento n.o 650/2012 foi adotado com base no artigo 81.o, n.o 2, TFUE, o qual se refere unicamente às matérias civis com incidência transfronteiriça.

35

Em conformidade com os seus considerandos 1 e 7, este regulamento tem, nomeadamente, por objeto facilitar o bom funcionamento do mercado interno, suprimindo os entraves à livre circulação de pessoas que enfrentam dificuldades para fazerem valer os seus direitos no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça. Visa, segundo o seu considerando 67, regular de maneira rápida, fácil e eficaz uma sucessão com tais incidências.

36

A fim de determinar se uma sucessão apresenta as referidas incidências e está, por conseguinte, abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 650/2012, há que determinar, como salientou o advogado‑geral no n.o 34 das suas conclusões, em primeiro lugar, o Estado‑Membro da residência habitual do falecido no momento do seu falecimento e, em segundo lugar, se essa residência pode ser fixada noutro Estado‑Membro em razão da localização de outro elemento relativo à sucessão num Estado‑Membro que não seja o da última residência habitual do falecido.

37

A esse respeito, importa salientar que, embora nenhuma disposição do Regulamento n.o 650/2012 defina o conceito de «residência habitual do falecido no momento do óbito», na aceção desse regulamento, os seus considerandos 23 e 24 contêm considerações úteis.

38

Segundo o considerando 23 desse regulamento, é à autoridade que trata da sucessão que incumbe determinar a residência habitual do falecido e, para esse efeito, essa autoridade deve ter em conta tanto o facto de o fator de conexão geral ser constituído pela residência habitual do falecido no momento do falecimento como a globalidade das circunstâncias da vida deste durante os anos anteriores ao seu falecimento e no momento do seu falecimento, tendo em conta todos os elementos factuais pertinentes, em particular a duração e a regularidade da permanência do falecido no Estado em causa, bem como as condições e as razões dessa permanência. A residência habitual assim determinada deverá revelar uma relação estreita e estável entre a sucessão e o Estado em causa.

39

A esse respeito, o considerando 24 do referido regulamento evoca diferentes hipóteses nas quais poderá ser complexo determinar a residência habitual. Deste modo, segundo a última frase desse considerando, caso o falecido fosse um nacional de um desses Estados ou tivesse todos os seus principais bens num desses Estados, a sua nacionalidade ou o local onde se situam esses bens poderia ser um fator especial na apreciação global de todas as circunstâncias factuais, quando o falecido, por razões profissionais ou económicas, tenha ido viver para o estrangeiro a fim de aí trabalhar, por vezes por um longo período, mas tenha mantido uma relação estreita e estável com o seu Estado de origem.

40

Daqui decorre que a residência habitual do falecido deve ser determinada pela autoridade que trata da sucessão, através de uma avaliação global das circunstâncias do caso em apreço, num único Estado‑Membro.

41

Com efeito, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 42 das suas conclusões e como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma interpretação das disposições do Regulamento n.o 650/2012 segundo a qual a residência habitual do falecido no momento do seu falecimento poderia ser fixada em vários Estados‑Membros implicaria uma fragmentação da sucessão, dado que a referida residência constitui o critério para efeitos da aplicação das regras gerais enunciadas nos artigos 4.o e 21.o desse regulamento, segundo as quais tanto a competência dos órgãos jurisdicionais para decidir do conjunto da sucessão como a lei aplicável por força do referido regulamento, que se destina a regular a totalidade da sucessão, são determinados em função dessa residência. Por conseguinte, essa interpretação seria incompatível com os objetivos do mesmo regulamento (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de outubro de 2017, Kubicka, C‑218/16, EU:C:2017:755, n.o 57, e de 21 de junho de 2018, Oberle, C‑20/17, EU:C:2018:485, n.os 53 a 55).

42

Além disso, há que apreciar se a sucessão apresenta caráter transfronteiriço em razão da localização de um outro elemento a ela relativo num Estado diferente do da última residência habitual do falecido.

43

A este respeito, importa salientar que o Tribunal de Justiça declarou que uma sucessão tem incidências transfronteiriças quando inclui bens situados em vários Estados‑Membros e, em particular, num Estado diferente do da última residência do falecido (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Oberle, C‑20/17, EU:C:2018:485, n.o 32). Além disso, o Regulamento n.o 650/2012 refere‑se, de forma não exaustiva, a outras circunstâncias que podem revelar a existência de uma sucessão que envolve vários Estados‑Membros.

44

Como igualmente salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 65 das suas conclusões, uma série de indícios concordantes, como os mencionados nos considerandos 23 e 24 do Regulamento n.o 650/2012 e referidos, nomeadamente, nos n.os 38 e 39 do presente acórdão, são suscetíveis, sob reserva das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, de levar à conclusão de que uma sucessão como a que está em causa no processo principal, uma vez que tem incidência transfronteiriça, é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 650/2012.

45

Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à primeira e quinta questões que o Regulamento n.o 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que é abrangida pelo conceito de «sucessão com incidência transfronteiriça» uma situação na qual o falecido, nacional de um Estado‑Membro, residia noutro Estado‑Membro à data do seu falecimento, mas não tinha quebrado os seus laços com o primeiro desses Estados‑Membros, no qual se encontram os bens que compõem a sua sucessão, enquanto os seus sucessíveis têm a sua residência nesses dois Estados‑Membros. A última residência habitual do falecido, na aceção desse regulamento, deve ser fixada pela autoridade à qual a sucessão foi submetida num único dos referidos Estados‑Membros.

Quanto à segunda questão

46

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que os notários lituanos podem ser considerados «órgãos jurisdicionais», na aceção desse regulamento.

47

Nos termos do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 650/2012, uma autoridade não judicial ou um profissional do direito, competentes em matéria sucessória, estão abrangidos pelo conceito de «órgão jurisdicional», na aceção dessa disposição, quando exerçam funções jurisdicionais ou ou ajam no exercício de uma delegação de poderes conferida por um tribunal ou sob o controlo deste, desde que ofereçam garantias no que respeita à sua imparcialidade e ao direito de todas as partes a serem ouvidas, e desde que as suas decisões nos termos da lei do Estado‑Membro onde estão estabelecidos possam ser objeto de recurso perante um tribunal ou de controlo por este e tenham força e efeitos equivalentes aos de uma decisão de um tribunal na mesma matéria.

48

Além disso, resulta do considerando 20 do Regulamento n.o 650/2012 que, no âmbito deste regulamento, o termo «órgão jurisdicional» deve ser interpretado em sentido lato, abrangendo igualmente os notários quando estes exercem funções jurisdicionais em certas questões sucessórias.

49

Por outro lado, há que precisar que o facto de um Estado‑Membro não ter procedido à notificação relativa ao exercício pelos notários de funções jurisdicionais, prevista no artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 650/2012, não é determinante para a qualificação desses notários como «órgão jurisdicional» (Acórdão de 23 de maio de 2019, WB, C‑658/17, EU:C:2019:444, n.o 64).

50

Importa igualmente recordar que o Regulamento n.o 650/2012 precisa, no seu artigo 3.o, n.o 2, que o conceito de «órgão jurisdicional», na aceção desse regulamento, engloba não só os tribunais mas também todas as outras autoridades e todos os outros profissionais do direito competentes em matéria sucessória que exerçam funções jurisdicionais e que cumpram os requisitos estabelecidos por essa mesma disposição (Acórdão de 23 de maio de 2019, WB, C‑658/17, EU:C:2019:444, n.o 40).

51

A este respeito, o Tribunal de Justiça já salientou que uma autoridade exerce funções jurisdicionais quando é suscetível de ser competente em caso de controvérsia em matéria sucessória. Este critério aplica‑se independentemente da natureza contenciosa ou graciosa do processo de emissão de certificados de direitos sucessórios (Acórdão de 23 de maio de 2019, WB, C‑658/17, EU:C:2019:444, n.o 56).

52

Ora, no caso em apreço, importa constatar que, nos termos do artigo 1.o da Lei do Notariado, é conferido aos notários lituanos o direito de certificar juridicamente direitos subjetivos não controvertidos.

53

Daí parece decorrer, como salientou o advogado‑geral no n.o 81 das suas conclusões, que um notário lituano não tem competência para decidir dos pontos que sejam controvertidos entre as partes e que não dispõe da faculdade de estabelecer factos que não sejam claros e evidentes, nem de se pronunciar sobre factos controvertidos.

54

Deste modo, há que considerar que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a emissão de um certificado nacional de direitos sucessórios pelos notários lituanos não implica o exercício de funções jurisdicionais.

55

Posto isto, atentos os termos do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 650/2012, a qualidade de «órgão jurisdicional», na aceção dessa disposição, pode igualmente decorrer do facto de as autoridades e profissionais a que a mesma se refere agirem por delegação ou sob o controlo de uma autoridade judicial. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso dos notários lituanos quando emitem um certificado nacional de direitos sucessórios.

56

Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, os notários lituanos não exercem funções jurisdicionais quando da emissão de um certificado nacional de direitos sucessórios. Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se esses notários agem por delegação ou sob o controlo de uma autoridade judicial e, consequentemente, podem ser qualificados de «órgãos jurisdicionais», na aceção dessa disposição.

Quanto à terceira questão

57

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, no caso de considerar que os notários lituanos podem ser qualificados de «órgãos jurisdicionais», na aceção do Regulamento n.o 650/2012, o certificado de direitos sucessórios que estes emitem pode ser considerado uma «decisão», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 650/2012, e se, para efeitos da sua emissão, os notários podem aplicar as regras de competência previstas no capítulo II desse regulamento.

58

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 650/2012, entende‑se por «decisão» qualquer decisão em matéria de sucessões proferida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, independentemente da designação que lhe é dada.

59

Decorre dessa disposição que a única condição prevista por esse regulamento para que um ato possa ser qualificado de «decisão» é a de que seja proferida por um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 3.o, n.o 2, do referido regulamento.

60

Por conseguinte, no caso de o órgão jurisdicional de reenvio considerar que os notários lituanos podem ser qualificados de «órgãos jurisdicionais», na aceção do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 650/2012, o certificado de direitos sucessórios emitido por um desses notários pode ser qualificado de «decisão», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea g), desse regulamento.

61

Quanto às regras de competência, o Tribunal de Justiça já declarou que o Regulamento n.o 650/2012, nomeadamente o seu artigo 4.o, determina a competência internacional relativa aos processos que visem medidas relativas à totalidade de uma sucessão, tais como, designadamente, a emissão dos certificados nacionais de direitos sucessórios, independentemente da natureza contenciosa ou graciosa desses processos, como decorre igualmente do considerando 59 desse regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Oberle, C‑20/17, EU:C:2018:485, n.os 44 e 45).

62

Como decorre do considerando 22 do Regulamento n.o 650/2012, sempre que os notários exerçam funções jurisdicionais ou ajam por delegação ou sob o controlo de uma autoridade judicial, estão vinculados às regras de competência jurisdicional, previstas no capítulo II desse regulamento, e as decisões que profiram deverão circular de acordo com as disposições relativas ao reconhecimento, à executoriedade e à execução das decisões, referidos no capítulo IV desse regulamento.

63

Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à terceira questão que o artigo 3.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de o órgão jurisdicional de reenvio considerar que os notários lituanos podem ser qualificados de «órgãos jurisdicionais», na aceção desse regulamento, o certificado de direitos sucessórios que estes emitem pode ser considerado uma «decisão», na aceção dessa disposição, pelo que, para efeitos da sua emissão, esses notários podem aplicar as regras de competência previstas no capítulo II do referido regulamento.

Quanto à quarta questão

64

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 4.o e 59.o do Regulamento n.o 650/2012 devem ser interpretados no sentido de que um notário de um Estado‑Membro, que não é qualificado de «órgão jurisdicional», na aceção desse regulamento, pode, sem aplicar as regras gerais de competência previstas pelo referido regulamento, emitir os certificados de direitos sucessórios e se estes últimos devem ser considerados «atos autênticos», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea i), do mesmo regulamento, que produzam efeitos nos outros Estados‑Membros.

65

Mais precisamente, com a primeira parte desta quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, para assegurar a unidade de uma sucessão, no caso de os notários lituanos não serem qualificados de «órgãos jurisdicionais» na aceção do Regulamento n.o 650/2012, estão vinculados pelas regras de competência previstas no capítulo II do Regulamento n.o 650/2012, sob a epígrafe «Competência», e se, antes de emitir um certificado nacional de direitos sucessórios, devem determinar que órgãos jurisdicionais seriam, sendo caso disso, competentes ao abrigo das referidas disposições.

66

A esse respeito, resulta dos termos claros do considerando 22 do Regulamento n.o 650/2012 que, caso os notários não exerçam funções jurisdicionais, não estão vinculados pelas regras de competência jurisdicional.

67

Além disso, como o Tribunal de Justiça já declarou, o artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012 determina a competência internacional dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros relativa aos processos que visem medidas relativas à totalidade de uma sucessão (Acórdão de 21 de junho de 2018, Oberle, C‑20/17, EU:C:2018:485, n.o 44). Em contrapartida, as autoridades não jurisdicionais não são referidas pelas disposições do capítulo II do Regulamento n.o 650/2012 relativas às regras de competência.

68

Por conseguinte, importa salientar que, se o órgão jurisdicional de reenvio viesse a considerar que os notários lituanos não podem ser qualificados de «órgãos jurisdicionais» na aceção do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 650/2012, esses notários não estariam sujeitos às regras de competência jurisdicional previstas pelo Regulamento n.o 650/2012 e também não deveriam determinar que órgãos jurisdicionais seriam, sendo caso disso, competentes para decidir, ao abrigo das disposições do capítulo II desse regulamento.

69

Por outro lado, o princípio da unidade da sucessão não é absoluto, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 79 das suas conclusões. O Regulamento n.o 650/2012 refere‑se à situação na qual as autoridades de vários Estados‑Membros intervêm na mesma sucessão. Resulta do artigo 13.o desse regulamento que este admite que, quando os herdeiros ou os legatários residem habitualmente num Estado‑Membro diferente daquele em que a sucessão é ou será resolvida, as autoridades do Estado‑Membro da sua residência habitual podem receber declarações respeitantes à sucessão. Isto responde ao objetivo do referido regulamento, que se destina a facilitar as diligências dos herdeiros e legatários, como resulta do considerando 32 do mesmo regulamento.

70

Esta interpretação não é posta em causa pelo artigo 64.o do Regulamento n.o 650/2012, relativo à emissão do certificado sucessório europeu, que tem por objeto precisar que as regras de competência contidas nos artigos 4.o, 7.o, 10.o e 11.o desse regulamento são aplicáveis não só aos órgãos jurisdicionais na aceção do artigo 3.o, n.o 2, do referido regulamento, mas também às outras autoridades que, por força da legislação nacional, tenham competência para resolver matérias sucessórias. Com efeito, o certificado sucessório europeu, que foi criado pelo Regulamento n.o 650/2012, goza de um regime jurídico autónomo, estabelecido pelas disposições do capítulo VI desse regulamento (Acórdão de 21 de junho de 2018, Oberle, C‑20/17, EU:C:2018:485, n.o 46).

71

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, além disso, com a segunda parte da sua quarta questão, sobre a qualificação do certificado de direitos sucessórios como «ato autêntico», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea i), do Regulamento n.o 650/2012, bem como sobre os efeitos deste.

72

O artigo 3.o, n.o 1, alínea i), do Regulamento n.o 650/2012 define o «ato autêntico» como sendo um ato em matéria sucessória que tenha sido redigido ou registado formalmente como tal num Estado‑Membro e cuja autenticidade, por um lado, diga respeito à assinatura e ao conteúdo do ato autêntico, e, por outro, tenha sido atestada por uma autoridade pública ou outra autoridade habilitada para o efeito pelo Estado‑Membro de origem.

73

Além disso, resulta do considerando 62 desse regulamento que há que adotar uma interpretação autónoma do conceito de «autenticidade», que responda a uma série de elementos, nomeadamente a exatidão do ato, as exigências de forma aplicáveis, os poderes da autoridade que exara o ato e o procedimento segundo o qual o ato é exarado. A autenticidade deverá englobar também os elementos factuais consignados no ato pela autoridade em causa, como o facto de as partes indicadas terem comparecido perante essa autoridade na data indicada e de terem feito as declarações aí mencionadas.

74

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se estes elementos estão reunidos. Todavia, ainda que esse órgão jurisdicional seja o único competente para apreciar os factos em causa no processo principal e para interpretar a legislação nacional, no âmbito de um reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça, chamado a dar respostas úteis ao juiz nacional, tem competência para fornecer indicações baseadas nos elementos de que dispõe.

75

No caso em apreço, como o advogado‑geral salientou no n.o 87 das suas conclusões, o certificado de direitos sucessórios é um ato autêntico segundo o direito nacional e, como resulta do artigo 26.o da Lei do Notariado, os notários podem emitir certificados relativos a uma sucessão, os quais contêm elementos que se consideram provados.

76

Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, um certificado nacional de direitos sucessórios, como a que está em causa no processo principal, parece preencher as condições previstas no artigo 3.o, n.o 1, alínea i), do Regulamento n.o 650/2012.

77

No caso de o órgão jurisdicional de reenvio considerar que esse certificado constitui um ato autêntico, na aceção da referida disposição, há que salientar, quanto aos efeitos deste, em primeiro lugar, que resulta do artigo 59.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 650/2012 que os atos autênticos exarados num Estado‑Membro têm noutro Estado‑Membro a mesma força probatória ou aí produzem os efeitos o mais equiparáveis possível. A esse respeito, no considerando 61 desse regulamento precisa‑se que, para determinar a força probatória de um dado ato autêntico noutro Estado‑Membro ou os efeitos o mais equiparáveis possível, deverá ser feita referência à natureza e ao alcance da força probatória do ato autêntico no Estado‑Membro de origem. A força probatória que um dado ato autêntico terá noutro Estado‑Membro dependerá, assim, da lei do Estado‑Membro de origem.

78

Além disso, em conformidade com o artigo 59.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 650/2012, a fim de utilizar um ato autêntico noutro Estado‑Membro, é possível solicitar à autoridade que o exarou no Estado‑Membro de origem que preencha o formulário que consta do anexo 2 do Regulamento de Execução (UE) n.o 1329/2014 da Comissão, de 9 de dezembro de 2014, que estabelece os formulários referidos no Regulamento n.o 650/2014 (JO 2014, L 359, p. 30).

79

Em segundo lugar, ao abrigo do artigo 60.o, n.o 1, do Regulamento n.o 650/2012, um ato autêntico com força executória no Estado‑Membro de origem é declarado executório noutro Estado‑Membro, em conformidade com o procedimento previsto nos artigos 45.o a 58.o do referido regulamento.

80

Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à quarta questão que os artigos 4.o e 59.o do Regulamento n.o 650/2012 devem ser interpretados no sentido de que um notário de um Estado‑Membro, que não é qualificado de «órgão jurisdicional», na aceção desse regulamento, pode, sem aplicar as regras gerais de competência previstas pelo referido regulamento, emitir os certificados nacionais de direitos sucessórios. Se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que esses certificados preenchem as condições previstas no artigo 3.o, n.o 1, alínea i), do mesmo regulamento e podem, por conseguinte, ser considerados «atos autênticos» na aceção dessa disposição, estes produzem, nos outros Estados‑Membros, os efeitos que o artigo 59.o, n.o 1, e o artigo 60.o, n.o 1, do Regulamento n.o 650/2012 atribuem aos atos autênticos.

Quanto à sexta questão

81

Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 4.o, 5.o, 7.o e 22.o do Regulamento n.o 650/2012 devem ser interpretados no sentido de que a vontade do de cujus, bem como o acordo entre os seus sucessíveis, podem conduzir à determinação de um órgão jurisdicional competente em matéria sucessória e à aplicação de uma lei sucessória de um Estado‑Membro diferentes daquelas que resultariam da aplicação dos critérios estabelecidos por esse regulamento.

82

No que diz respeito à determinação do órgão jurisdicional competente em matéria sucessória, importa salientar que o artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012 estabelece uma regra geral, segundo a qual são competentes para decidir da totalidade da sucessão os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em que o falecido tinha a sua residência habitual no momento do falecimento, ao passo que o artigo 5.o, n.o 1, desse regulamento contém disposições que derrogam essa regra geral e admite a possibilidade de as partes no processo sucessório acordarem que são competentes os órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro diferente daquele que resultaria da aplicação dos critérios estabelecidos por esse regulamento.

83

Em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 650/2012, as partes no processo podem acordar que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro cuja lei foi escolhida pelo falecido para regular a sua sucessão, ao abrigo do artigo 22.o desse regulamento, tenham competência exclusiva para decidir de toda e qualquer questão em matéria sucessória.

84

O artigo 5.o, n.o 2, e o artigo 7.o do Regulamento n.o 650/2012 especificam as condições formais que devem estar preenchidas para que o acordo de eleição do foro seja válido. Em particular, resulta do artigo 5.o, n.o 2, e do artigo 7.o, alínea b), desse regulamento que esse acordo deve ser reduzido a escrito, datado e assinado pelas partes no processo, ou que essas partes devem ter aceitado expressamente a competência do órgão jurisdicional onde a ação foi intentada, como previsto no artigo 7.o, alínea c), do referido regulamento.

85

No caso em apreço, embora não resulte dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que as partes no processo sucessório celebraram um acordo em conformidade com as condições supramencionadas, a fim de conferir competência exclusiva aos órgãos jurisdicionais lituanos, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o cônjuge sobrevivo da falecida, de nacionalidade alemã e que vivia na Alemanha com ela no momento do seu falecimento, tinha declarado consentir em tal competência.

86

Como salientou o advogado‑geral no n.o 121 das suas conclusões, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se essa declaração produz, no processo principal, efeitos de atribuição de competência, na aceção do artigo 7.o, alínea c), do Regulamento n.o 650/2012.

87

Quanto ao demais, importa recordar que, como decorre do considerando 29 do Regulamento n.o 650/2012, este último não deve ser interpretado no sentido de que obste a que as partes resolvam a sucessão por via amigável, fora do âmbito de qualquer litígio, num Estado‑Membro da sua escolha, se tal for possível de acordo com a lei desse Estado‑Membro e mesmo que a lei aplicável à sucessão não seja a lei deste último.

88

Quanto à questão de saber se a vontade do de cujus, bem como o acordo entre os seus sucessíveis, podem conduzir à aplicação de uma lei sucessória de um Estado‑Membro diferente daquele que resultaria da aplicação dos critérios estabelecidos pelo Regulamento n.o 650/2012, importa referir que, ao abrigo do n.o 1, primeiro parágrafo, do artigo 22.o deste, sob a epígrafe «Escolha da lei», uma pessoa pode escolher como lei para regular a totalidade da sua sucessão a lei do Estado de que é nacional no momento em que faz essa escolha ou no momento do seu falecimento. Além disso, o n.o 2 desse artigo 22.o precisa que a referida escolha deve ser feita expressamente numa declaração que revista a forma de uma disposição por morte ou resultar dos termos dessa disposição.

89

Como salientou a Comissão nas suas observações escritas, há que ler o artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento n.o 650/2012 à luz do considerando 39 deste último, segundo o qual a escolha da lei pode resultar dos termos de uma disposição por morte, nomeadamente quando o falecido tiver feito referência a normas específicas da lei do Estado da sua nacionalidade.

90

No caso em apreço, tendo em conta que a lei lituana é a lei do Estado‑Membro da nacionalidade da falecida no momento do seu falecimento, essa lei podia ser validamente escolhida ao abrigo do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 650/2012. A este respeito, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa escolha resulta dos termos do testamento em causa no processo principal, em conformidade com o artigo 22.o, n.o 2, desse regulamento.

91

Além disso, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o referido testamento foi exarado na Lituânia, em 4 de julho de 2013, antes da entrada em vigor do Regulamento n.o 650/2012, e que o falecimento da pessoa em causa ocorreu após 17 de agosto de 2015, isto é, após a data em que teve início a aplicação das regras previstas por esse regulamento. Por conseguinte, as disposições transitórias a que se refere o artigo 83.o do Regulamento n.o 650/2012 podem igualmente ser pertinentes, em conformidade com o n.o 1 desse artigo.

92

O n.o 2 do artigo 83.o do referido regulamento visa os casos em que o falecido tinha escolhido, antes de 17 de agosto de 2015, a lei aplicável à sua sucessão. Como salienta o advogado‑geral no n.o 102 das suas conclusões, esta disposição tem como objetivo preservar a vontade do testador e, para que essa escolha seja válida, deve preencher as condições previstas na referida disposição. Em contrapartida, o n.o 4 desse artigo regula os casos em que uma disposição por morte não contém essa escolha.

93

Mais precisamente, em conformidade com o referido n.o 4, sempre que o falecido tenha feito uma disposição por morte antes de 17 de agosto de 2015 nos termos da lei que o falecido podia escolher por força do presente regulamento, considera‑se que essa lei foi escolhida como lei aplicável à sucessão.

94

Essa disposição é aplicável no caso em apreço, uma vez que, por um lado, o testamento em causa no processo principal foi redigido antes de 17 de agosto de 2015 e, por outro, a lei lituana podia ser escolhida, em conformidade com o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 650/2012, dado que a falecida tinha nacionalidade lituana no momento em que o testamento foi redigido. Por conseguinte, considera‑se que, em conformidade com a qual o referido testamento foi redigido, foi essa a lei escolhida como lei aplicável à sucessão em causa no processo principal.

95

A esse respeito, importa, por último, recordar que, como resulta do considerando 27 desse regulamento, as disposições deste último são concebidas a fim de assegurar que a autoridade que trata da sucessão aplique, na maior parte dos casos, o seu direito nacional.

96

Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à sexta questão que os artigos 4.o, 5.o, 7.o e 22.o, bem como o artigo 83.o, n.os 2 e 4, do Regulamento n.o 650/2012 devem ser interpretados no sentido de que a vontade do de cujus, bem como o acordo entre os seus sucessíveis, podem conduzir à determinação de um órgão jurisdicional competente em matéria sucessória e à aplicação de uma lei sucessória de um Estado‑Membro diferente daquelas que resultariam da aplicação de critérios estabelecidos por esse regulamento.

Quanto às despesas

97

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O Regulamento (UE) n.o 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, deve ser interpretado no sentido de que é abrangida pelo conceito de «sucessão com incidência transfronteiriça» uma situação na qual o falecido, nacional de um Estado‑Membro, residia noutro Estado‑Membro à data do seu falecimento, mas não tinha quebrado os seus laços com o primeiro desses Estados‑Membros, no qual se encontram os bens que compõem a sua sucessão, enquanto os seus sucessíveis têm a sua residência nesses dois Estados‑Membros. A última residência habitual do falecido, na aceção desse regulamento, deve ser fixada pela autoridade à qual a sucessão foi submetida num único dos referidos Estados‑Membros.

 

2)

Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, os notários lituanos não exercem funções jurisdicionais quando da emissão de um certificado nacional de direitos sucessórios. Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se esses notários agem por delegação ou sob o controlo de uma autoridade judicial e, consequentemente, podem ser qualificados de «órgãos jurisdicionais», na aceção dessa disposição.

 

3)

O artigo 3.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de o órgão jurisdicional de reenvio considerar que os notários lituanos podem ser qualificados de «órgãos jurisdicionais», na aceção desse regulamento, o certificado de direitos sucessórios que estes emitem pode ser considerado uma «decisão», na aceção dessa disposição, pelo que, para efeitos da sua emissão, esses notários podem aplicar as regras de competência previstas no capítulo II do referido regulamento.

 

4)

Os artigos 4.o e 59.o do Regulamento n.o 650/2012 devem ser interpretados no sentido de que um notário de um Estado‑Membro, que não é qualificado de «órgão jurisdicional», na aceção desse regulamento, pode, sem aplicar as regras gerais de competência previstas pelo referido regulamento, emitir os certificados nacionais de direitos sucessórios. Se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que esses certificados preenchem as condições previstas no artigo 3.o, n.o 1, alínea i), do mesmo regulamento e podem, por conseguinte, ser considerados «atos autênticos» na aceção dessa disposição, estes produzem, nos outros Estados‑Membros, os efeitos que o artigo 59.o, n.o 1, e o artigo 60.o, n.o 1, do Regulamento n.o 650/2012 atribuem aos atos autênticos.

 

5)

Os artigos 4.o, 5.o, 7.o e 22.o, bem como o artigo 83.o, n.os 2 e 4, do Regulamento n.o 650/2012 devem ser interpretados no sentido de que a vontade do de cujus, bem como o acordo entre os seus sucessíveis, podem conduzir à determinação de um órgão jurisdicional competente em matéria sucessória e à aplicação de uma lei sucessória de um Estado‑Membro diferentes daquelas que resultariam da aplicação dos critérios estabelecidos por esse regulamento.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: lituano.

Top