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Document 62019CJ0050

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de outubro de 2021.
    Sigma Alimentos Exterior SL contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Regime fiscal — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas fiscalmente domiciliadas em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades fiscalmente domiciliadas fora desse Estado‑Membro — Conceito de “auxílio de Estado” — Requisito de seletividade — Sistema de referência — Derrogação — Diferença de tratamento — Justificação da diferença de tratamento.
    Processo C-50/19 P.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:792

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    6 de outubro de 2021 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Regime fiscal — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas fiscalmente domiciliadas em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades fiscalmente domiciliadas fora desse Estado‑Membro — Conceito de “auxílio de Estado” — Requisito de seletividade — Sistema de referência — Derrogação — Diferença de tratamento — Justificação da diferença de tratamento»

    No processo C‑50/19 P,

    que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 25 de janeiro de 2019,

    Sigma Alimentos Exterior, SL, com sede em Madrid (Espanha), representada, inicialmente, por M. Linares‑Gil e M. Muñoz Pérez, abogados e, em seguida, por M. Muñoz Pérez, abogado,

    recorrente,

    apoiada pela:

    República Federal da Alemanha, representada por R. Kanitz e J. Möller, na qualidade de agentes,

    interveniente no presente recurso,

    sendo a outra parte no processo:

    Comissão Europeia, representada por R. Lyal, B. Stromsky, C. Urraca Caviedes e P. Němečková, na qualidade de agentes,

    demandada em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Arabadjiev, M. Vilaras, E. Regan, M. Ilešič, A. Kumin e N. Wahl (relator), presidentes de secção, D. Šváby, S. Rodin, F. Biltgen, K. Jürimäe, C. Lycourgos, P. G. Xuereb e I. Jarukaitis, juízes,

    advogado‑geral: G. Pitruzzella,

    secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 7 de setembro de 2020,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de janeiro de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o seu recurso, a Sigma Alimentos Exterior, SL, pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de novembro de 2018, Sigma Alimentos Exterior/Comissão (T‑239/11, não publicado, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2018:781), pelo qual este último negou provimento ao recurso de anulação do artigo 1.o, n.o 1, e, a título subsidiário, do artigo 4.o da Decisão 2011/282/UE da Comissão, de 12 de janeiro de 2011, relativa à amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro, em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 135, p. 1; a seguir «decisão controvertida»).

    Antecedentes do litígio

    2

    Os antecedentes do litígio, que foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 1 a 12 do acórdão recorrido, podem ser resumidos da seguinte forma.

    3

    Em 10 de outubro de 2007, na sequência de várias perguntas escritas que lhe tinham sido feitas ao longo dos anos de 2005 e 2006 por deputados do Parlamento Europeu e de uma denúncia de um operador privado que lhe tinha sido dirigida em 2007, a Comissão Europeia decidiu dar início ao procedimento formal de investigação, previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativamente ao dispositivo previsto no artigo 12.o, n.o 5, introduzido na Ley del Impuesto sobre Sociedades (Lei Relativa ao Imposto sobre as Sociedades) pela Ley 24/2001, Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (Lei Relativa à Adoção de Medidas Fiscais, Administrativas e de Ordem Social), de 27 de dezembro de 2001 (BOE n.o 313, de 31 de dezembro de 2001, p. 50493), e retomado pelo Real Decreto Legislativo 4/2004, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto Legislativo 4/2004, Relativo à Aprovação do Texto Reformulado da Lei Relativa ao Imposto sobre as Sociedades), de 5 de março de 2004 (BOE n.o 61, de 11 de março de 2004, p. 10951; a seguir «medida controvertida»).

    4

    A medida controvertida prevê que, caso uma empresa sujeita a tributação em Espanha adquira participações numa «sociedade estrangeira», quando essa aquisição de participações for de pelo menos 5 % e a participação em causa seja detida de modo ininterrupto durante pelo menos um ano, o goodwill financeiro daí resultante pode ser deduzido, sob a forma de amortização, da matéria coletável do imposto sobre as sociedades de que a empresa for devedora. Esclarece‑se nesta medida que, para ser qualificada de «empresa estrangeira», uma sociedade deve estar sujeita a um imposto idêntico ao imposto aplicável em Espanha e os seus rendimentos devem provir essencialmente da realização de atividades no estrangeiro.

    5

    A Comissão encerrou o procedimento, no que se refere às aquisições de participações ocorridas na União Europeia, com a Decisão 2011/5/CE, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48).

    6

    Com essa decisão, a Comissão declarou a medida controvertida, que consiste numa vantagem fiscal que permite às sociedades espanholas amortizar o goodwill resultante das aquisições de participações em sociedades não residentes, incompatível com o mercado comum, quando aplicada às aquisições de participações em sociedades estabelecidas na União.

    7

    No entanto, a Comissão manteve o procedimento aberto quanto às aquisições de participações realizadas fora da União, uma vez que as autoridades espanholas se comprometeram a fornecer elementos adicionais relativos aos obstáculos às fusões transfronteiriças fora da União, aos quais tinham feito referência.

    8

    Em 12 de janeiro de 2011, a Comissão adotou a decisão controvertida. Com essa decisão, que foi corrigida em 3 de março e em 26 de novembro de 2011, a Comissão declarou, nomeadamente, a medida controvertida incompatível com o mercado interno, uma vez que se aplicava às aquisições de participações em empresas estabelecidas fora da União (artigo 1.o, n.o 1), e ordenou ao Reino de Espanha que procedesse à recuperação dos auxílios concedidos (artigo 4.o).

    Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    9

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de maio de 2011, a recorrente interpôs recurso de anulação do artigo 1.o, n.o 1, e, a título subsidiário, do artigo 4.o da decisão controvertida.

    10

    Por Despacho de 9 de setembro de 2013, o Tribunal Geral reservou para final a decisão sobre a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão.

    11

    O processo esteve suspenso entre 13 de março e 7 de novembro de 2014, data em que o Tribunal Geral proferiu o Acórdão Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938) e anulou a decisão controvertida. O processo esteve novamente suspenso entre 9 de março de 2015 e 21 de dezembro de 2016, data em que o Tribunal de Justiça se pronunciou nos processos que deram origem ao Acórdão Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, a seguir «Acórdão WDFG», EU:C:2016:981).

    12

    Com o Acórdão WDFG, o Tribunal de Justiça anulou os Acórdãos de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), e de 7 novembro 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), remeteu os processos ao Tribunal Geral, reservou para final a decisão quanto às despesas e condenou a República Federal da Alemanha, a Irlanda e o Reino de Espanha a suportarem as suas próprias despesas.

    13

    Por carta de 16 de janeiro de 2017, o Tribunal Geral convidou as partes a apresentarem as suas observações sobre o Acórdão WDFG. A Comissão apresentou as suas observações no prazo fixado. A recorrente não apresentou observações.

    14

    Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso interposto pela recorrente.

    15

    Indeferindo as duas partes do fundamento único alegado por esta última, relativas, a primeira, à inexistência de seletividade prima facie da medida controvertida (n.os 64 a 76 do acórdão recorrido) e, a segunda, à existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças (n.os 77 a 170 do acórdão recorrido), o Tribunal Geral declarou que havia que negar provimento ao recurso na íntegra, sem que fosse necessário pronunciar‑se quanto à sua admissibilidade, todavia posta em causa pela Comissão (n.os 27 e 172 do acórdão recorrido).

    16

    No que respeita, mais especificamente, à primeira parte do fundamento único, o Tribunal Geral recordou que, conforme decorre do Acórdão WDFG, uma medida fiscal que concede uma vantagem cuja atribuição depende da realização de uma operação económica pode ser seletiva, incluindo quando, tendo em conta as características da operação em causa, qualquer empresa pode livremente optar por realizar essa operação (n.os 64 a 76 do acórdão recorrido).

    17

    Quanto à segunda parte do fundamento único, o Tribunal Geral examinou a medida controvertida com base nas três etapas do método de análise da seletividade de uma medida fiscal nacional, apresentada nos n.os 47 e 48 do acórdão recorrido, a saber, antes de mais, a identificação do regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, em seguida, a apreciação da questão de saber se a medida fiscal em causa derroga o referido regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido por esse sistema comum, numa situação factual e jurídica comparável e por último, a apreciação da questão de saber se essa derrogação se justifica pela natureza e pela sistemática desse regime.

    18

    No que respeita à primeira etapa, o Tribunal Geral declarou que o quadro de referência definido na decisão controvertida, a saber, «o tratamento fiscal do goodwill» (n.o 79 do acórdão recorrido), constituía o sistema de referência relevante no caso em apreço, na medida em que, nomeadamente, as empresas que adquirem participações em sociedades não residentes, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo tratamento fiscal do goodwill, se encontram numa situação jurídica e factual comparável à das empresas que adquirem participações em sociedades residentes. Segundo esse órgão jurisdicional, o objetivo deste regime é garantir um certo paralelismo entre o tratamento contabilístico e o tratamento fiscal do goodwill de uma empresa resultante da aquisição de participações numa sociedade (n.os 103 a 109 do acórdão recorrido). O Tribunal Geral rejeitou assim a ideia de que a medida controvertida constitui um sistema de referência autónomo (n.os 112 a 126 do acórdão recorrido), pelo que julgou improcedente a alegação relativa à existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças (n.os 108, 124 e 127 do acórdão recorrido).

    19

    No que respeita à segunda etapa, o Tribunal Geral declarou que, na decisão controvertida, a Comissão tinha considerado justificadamente que a medida controvertida tinha introduzido uma derrogação em relação ao regime normal. Assim, julgou improcedente a alegação de que a Comissão não tinha cumprido a sua obrigação de demonstrar que a aquisição de participações em sociedades residentes e a aquisição em sociedades não residentes eram comparáveis atendendo ao objetivo de neutralidade fiscal prosseguido pela medida controvertida (n.os 128 a 134 do acórdão recorrido).

    20

    No que respeita à terceira etapa, o Tribunal Geral sublinhou que nenhum dos argumentos especificamente apresentados no caso em apreço permitia justificar a derrogação estabelecida por essa medida e, deste modo, a diferença de tratamento verificada (n.os 135 a 170 do acórdão recorrido).

    Pedidos das partes

    21

    Com o seu recurso, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o acórdão recorrido;

    anular o artigo 1.o, n.o 1, da decisão controvertida, na medida em que a medida controvertida não é um auxílio de Estado ilegal;

    subsidiariamente, anular o artigo 1.o, n.o 1, da decisão controvertida, uma vez que essa medida não comporta elementos de auxílio de Estado quando é aplicada a aquisições de participações que pressupõem a tomada de controlo;

    a título ainda mais subsidiário, anular o artigo 4.o da decisão controvertida, na medida em que prevê a recuperação dos auxílios relativos a operações realizadas antes da publicação da decisão controvertida no Jornal Oficial da União Europeia;

    condenar a Comissão nas despesas.

    22

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar a recorrente nas despesas.

    23

    A República Federal da Alemanha apoia os pedidos da recorrente.

    Quanto ao recurso de decisão do Tribunal Geral

    24

    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca dois fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a um erro de interpretação do Acórdão WDFG na medida em que o Tribunal Geral se baseou em critérios de comparabilidade errados que, por sua vez, levaram a uma apreciação errada da existência de uma vantagem seletiva na aceção do artigo 107.o TFUE. Com o seu segundo fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral aplicou erradamente o método de análise da seletividade em três etapas na medida em que considerou que a existência de eventuais obstáculos jurídicos às concentrações transfronteiriças não permitia excluir a seletividade da medida controvertida.

    25

    A República Federal da Alemanha adere, no essencial, à posição defendida pela recorrente, pondo em causa a grelha de análise da seletividade da medida controvertida adotada no caso em apreço. A República Federal da Alemanha alega, nomeadamente, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a circunstância de o regime controvertido constituir uma medida geral acessível a qualquer empresa que preencha as respetivas condições materiais já não é um elemento pertinente no âmbito da apreciação da seletividade.

    26

    A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os seguintes requisitos. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (Acórdão WDFG, n.o 53 e jurisprudência referida, e Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 27).

    27

    É facto assente que as medidas nacionais que conferem um benefício fiscal, e que, apesar de não incluírem uma transferência de recursos do Estado, colocam os beneficiários numa situação mais favorável do que a dos outros contribuintes, são suscetíveis de proporcionar uma vantagem seletiva aos beneficiários e constituem, por conseguinte, um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão WDFG, n.o 56, e Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 21).

    28

    No que respeita ao requisito relativo à seletividade da vantagem, inerente à qualificação de uma medida de «auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, único requisito impugnado pela Comissão no âmbito do primeiro fundamento do presente recurso, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que esse requisito implica determinar se, no quadro de um dado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, numa situação factual e jurídica comparável e que estão sujeitas a um tratamento diferenciado que, em substância, pode ser qualificado de discriminatório (Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 28 e jurisprudência referida).

    29

    A análise da questão de saber se tal medida tem caráter seletivo coincide, assim, em substância, com a de saber se a medida em causa se aplica de maneira não discriminatória a esse conjunto de operadores económicos (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 53).

    30

    Quando a medida em causa é encarada como um regime de auxílios e não como um auxílio individual, cabe à Comissão demonstrar que a mesma, ainda que preveja uma vantagem de alcance geral, é conferida em benefício exclusivo de certas empresas ou de certos setores de atividade (Acórdão WDFG, n.o 55 e jurisprudência referida).

    31

    Para qualificar uma medida fiscal nacional de «seletiva», a Comissão deve identificar, num primeiro momento, o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa e demonstrar, num segundo momento, que a medida fiscal em causa derroga o referido regime comum, uma vez que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido por esse regime comum, numa situação factual e jurídica comparável (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 36 e jurisprudência referida).

    32

    Todavia, o conceito de «auxílio de Estado» não abrange as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável e que, por conseguinte, a priori, são seletivas, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que esta diferenciação é justificada, por resultar da natureza ou da estrutura do sistema em que as referidas medidas se inserem (Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 44 e jurisprudência referida).

    33

    Tendo em conta estas considerações, há que examinar os dois fundamentos do recurso da recorrente.

    Quanto ao primeiro fundamento de recurso

    Argumentação das partes

    34

    Com o seu primeiro fundamento, a recorrente, apoiada pela República Federal da Alemanha, alega que o Tribunal Geral interpretou erradamente o Acórdão WDFG ao afirmar, nos n.os 69 e 70 do acórdão recorrido, que a seletividade de uma medida pode ser demonstrada em função do comportamento voluntário das empresas excluídas da vantagem concedida por essa medida, sem que sejam tidas em conta as circunstâncias em que se encontram essas empresas ou as suas características próprias.

    35

    Segundo a recorrente, resulta dos n.os 67, 77 ou 79 do Acórdão WDFG que a análise da seletividade deve ser efetuada com base na situação das empresas e não no regime aplicável às operações que realizam. Ora, o facto de certas empresas poderem optar por efetuar determinadas operações em vez de outras não implica que estejam em situações diferentes. As empresas que investirem em sociedades espanholas são livres de decidir proceder a uma concentração e, portanto, beneficiar da amortização do goodwill previsto pelo direito espanhol nesse caso. Para essas empresas, só a opção de não proceder a essa concentração conduz à impossibilidade de amortizar o goodwill. Em contrapartida, antes da entrada em vigor da medida controvertida, a impossibilidade de amortização em caso de aquisição de uma participação em sociedades estrangeiras era absoluta, em especial nos casos de aquisições extracomunitárias, e dependia mais da situação da empresa adquirente do que do seu comportamento. As empresas que adquirem ações em sociedades residentes estavam, portanto, numa situação mais vantajosa, uma vez que tinham a possibilidade de optar por efetuar uma operação determinada.

    36

    A Comissão considera que o primeiro fundamento de recurso é inadmissível, uma vez que o recurso interposto pela recorrente no Tribunal Geral não continha nenhuma alegação relativa aos critérios de comparação da situação das empresas beneficiárias da medida controvertida com a das empresas excluídas do seu benefício. Segundo a Comissão, autorizar a recorrente a apresentar novas alegações no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral equivaleria a permitir‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça um litígio mais amplo do que o que submeteu ao Tribunal Geral. Em todo o caso, o primeiro fundamento de recurso é improcedente, uma vez que a medida controvertida se aplica não apenas às empresas que adquirem participações em sociedades estrangeiras com o objetivo de realizar uma fusão mas também às que adquirem participações minoritárias.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    – Quanto à admissibilidade

    37

    Importa recordar que, nos termos do artigo 170.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o objeto do litígio perante o Tribunal Geral não pode ser alterado em sede de recurso.

    38

    Assim, nos termos de jurisprudência assente, a competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitada à apreciação da solução jurídica dada aos fundamentos debatidos em primeira instância. Assim sendo, as partes não podem invocar pela primeira vez no Tribunal de Justiça um fundamento que não invocaram perante o Tribunal Geral, uma vez que isso equivaleria a permitir‑lhes submeter ao Tribunal de Justiça, que tem competência limitada em matéria de recursos de decisões do Tribunal Geral, um litígio mais alargado do que o que foi submetido ao Tribunal Geral (Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 69 e jurisprudência referida).

    39

    Todavia, pode ser interposto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral invocando, no Tribunal de Justiça, fundamentos e argumentos com origem no próprio acórdão recorrido e que se destinem a contestar juridicamente a sua procedência (Acórdãos de 29 de novembro de 2007, Stadtwerke Schwäbisch Hall e o./Comissão, C‑176/06 P, não publicado, EU:C:2007:730, n.o 17, e de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 47).

    40

    No caso em apreço, com a sua argumentação, a recorrente critica, em substância, de forma precisa e circunstanciada, os fundamentos do acórdão recorrido que figuram nos seus n.os 69 e 70, através dos quais o Tribunal Geral indicou determinadas consequências a retirar do Acórdão WDFG para efeitos do exame do caráter seletivo da medida em causa. Assim, dado que põe em causa as consequências retiradas pelo Tribunal Geral da solução jurídica que ele próprio deu a um fundamento discutido perante ele, não se pode considerar que o primeiro fundamento de recurso altera o objeto do litígio perante o Tribunal Geral.

    41

    Tendo em conta estas considerações, o primeiro fundamento de recurso é admissível.

    – Quanto ao mérito

    42

    Com o seu primeiro fundamento de recurso, a recorrente critica a leitura que o Tribunal Geral faz do Acórdão WDFG, conforme resulta dos n.os 69 e 70 do acórdão recorrido, no que respeita aos critérios de comparabilidade que devem ser aplicados na análise da seletividade de uma medida como a medida controvertida.

    43

    A este respeito, importa salientar que o Tribunal Geral, aplicando os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão WDFG, julgou improcedente a primeira parte do fundamento único do recurso da recorrente, no qual esta alegava a inexistência de seletividade da medida controvertida pelo facto de a mesma se aplicar a todas as empresas sujeitas ao imposto sobre as sociedades e não reservar o benefício que previa para um tipo específico de empresas.

    44

    Assim, no n.o 69 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que decorria da solução adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão WDFG que «uma declaração de seletividade não resulta necessariamente de uma impossibilidade de certas empresas beneficiarem da vantagem prevista pela medida em causa devido a condicionalismos jurídicos, económicos ou práticos que as impeça de realizar a operação que condiciona a concessão dessa vantagem, podendo resultar apenas do facto de existir uma operação que, apesar de ser comparável à que condiciona a concessão da vantagem em causa, não dá direito a essa vantagem». O Tribunal Geral deduziu daí, no mesmo n.o 69, que «uma medida fiscal pode ser seletiva apesar de qualquer empresa poder livremente optar por realizar a operação que condiciona a concessão da vantagem prevista nessa medida». No n.o 70 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral sublinhou, no que respeita à solução assim adotada, que «[se] colocou a tónica no conceito de seletividade baseada na distinção entre empresas que optam por efetuar certas operações e outras empresas que optam por não as efetuar e não na distinção entre empresas à luz das suas próprias características».

    45

    Contrariamente ao que alega a recorrente, os n.os 69 e 70 do acórdão recorrido não procedem de uma interpretação errada do Acórdão WDFG nem da aplicação de critérios de apreciação da seletividade da medida controvertida não conformes com este último.

    46

    Nesses números, o Tribunal Geral expôs em que medida o Tribunal de Justiça tinha adotado uma abordagem do conceito de «seletividade» diferente daquela que o próprio Tribunal Geral tinha adotado nos seus Acórdãos de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), e Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), sublinhando que o Tribunal de Justiça se tinha orientado para uma abordagem deste conceito baseada na distinção entre empresas que optam por realizar determinadas operações e outras que optam por não as realizar, em vez de uma abordagem assente numa distinção entre empresas com base nas suas características próprias. O Tribunal Geral baseou esta conclusão, constante do n.o 68 do acórdão recorrido, na circunstância de o Tribunal de Justiça ter declarado, no n.o 87 do Acórdão WDFG, que o facto de as empresas residentes não poderem beneficiar da vantagem prevista na medida controvertida quando efetuam aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal em Espanha podia permitir concluir que essa medida tinha caráter seletivo.

    47

    Ora, foi sem violar estes ensinamentos do Acórdão WDFG que o Tribunal Geral rejeitou a argumentação da recorrente, relativa ao facto de a medida controvertida ser uma medida fiscal nacional de alcance geral, acessível a todas as empresas sujeitas ao imposto sobre as sociedades em Espanha, ou seja, uma medida prima facie não seletiva.

    48

    Com efeito, foi em aplicação dos critérios recordados em especial no n.o 68 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral concluiu, no n.o 75 desse acórdão, que a medida controvertida, «que confere uma vantagem cuja concessão está condicionada pela realização de uma operação económica, pode ser seletiva, incluindo quando […] qualquer empresa possa livremente optar por realizar essa operação», e, por conseguinte, julgou improcedente a primeira alegação do fundamento único do recurso da recorrente.

    49

    Contrariamente ao que alega a recorrente, dos n.os 69 e 70 do acórdão recorrido não é possível deduzir que o Tribunal Geral tenha afirmado que a seletividade de uma medida fiscal pode ser demonstrada apenas com base no comportamento das empresas excluídas da vantagem conferida pela medida em causa, sem ter em conta a situação em que se encontram essas empresas. Com efeito, nesses números, o Tribunal Geral sublinhou, em substância, que uma medida nacional pode ser seletiva mesmo que o benefício da vantagem que prevê não dependa das características específicas da empresa, mas da operação que esta decide ou não realizar. Ora, uma medida pode ser considerada seletiva mesmo quando não identifique ex ante uma categoria específica de beneficiários e quando todas as empresas estabelecidas no território do Estado‑Membro em causa, independentemente da sua dimensão, forma jurídica, setor de atividade ou outras características que lhes sejam próprias, tenham potencialmente acesso à vantagem prevista por essa medida, sempre que procedam a um certo tipo de investimento (v., neste sentido, Acórdão WDFG, n.o 78).

    50

    Daqui resulta que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

    Quanto ao segundo fundamento de recurso

    51

    Com o seu segundo fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral considerou que a existência de possíveis obstáculos às fusões transfronteiriças não invalidava a conclusão de que a medida controvertida era de natureza seletiva. Este fundamento divide‑se em quatro partes:

    Quanto à primeira parte do segundo fundamento

    – Argumentos das partes

    52

    Com a primeira parte do seu segundo fundamento, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral, na identificação do sistema fiscal nacional comum de referência, cometeu um erro «grave» suscetível de implicar a anulação do acórdão recorrido. Mais especificamente, a recorrente alega que o Tribunal Geral considerou, erradamente, que a finalidade da medida controvertida não era garantir a neutralidade fiscal e evitar assim situações de dupla tributação. A este respeito, a recorrente defende que o Tribunal Geral concluiu erradamente no sentido de que o tratamento fiscal do goodwill não se destinava a compensar a existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças de empresas ou a assegurar um tratamento igual dos diferentes tipos de aquisições de participações. Com efeito, seria nomeadamente claro que as sociedades que optam por adquirir participações no estrangeiro se encontram em situações jurídicas e factuais diferentes que justificam um tratamento fiscal diferente.

    53

    Em primeiro lugar, a recorrente considera que o Tribunal Geral concluiu erradamente que o objetivo da dedutibilidade fiscal do goodwill era aproximar o seu tratamento fiscal do seu tratamento contabilístico, independentemente do facto de a empresa em causa adquirir participações em sociedades residentes ou não residentes. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral não só perdeu de vista a finalidade real do tratamento fiscal do goodwill previsto pelo regime jurídico controvertido, que consistia em promover a neutralidade fiscal ao eliminar os obstáculos às concentrações transfronteiriças de empresas, mas também substituiu a fundamentação da decisão controvertida pela sua própria fundamentação, uma vez que nenhuma passagem dessa decisão contém uma conclusão nesse sentido.

    54

    Em segundo lugar, a recorrente alega que, em direito espanhol, o tratamento fiscal e o tratamento contabilístico do goodwill em caso de aquisição de participações, embora estejam ligados, continuam a ser distintos e seguem regras e critérios diferentes.

    55

    Em terceiro lugar, salienta que, nos n.os 103 e 104 do acórdão recorrido, o próprio Tribunal Geral reconheceu que um goodwill contabilístico pode ser gerado sem fusão, isto é, sem que essa contabilização tenha incidência fiscal.

    56

    Em quarto lugar, a recorrente recorda que, entre 2008 e 2015, o direito espanhol não permitia a amortização contabilística do goodwill, enquanto a dedutibilidade fiscal do goodwill resultante de uma fusão era, em todo o caso, autorizada. Segundo a recorrente, foi devido à apreciação errada do objetivo prosseguido pela medida controvertida que o Tribunal Geral confirmou a opção da Comissão de identificar o sistema de referência para o tratamento fiscal do goodwill, excluindo que a medida controvertida pudesse fazer parte desse sistema.

    57

    Em quinto e último lugar, a recorrente alega que as empresas que adquirem participações em sociedades espanholas não só podem proceder livremente a uma concentração, invocando a dedução fiscal do goodwill, mas também beneficiam de outras vantagens, como o acesso a um regime de consolidação fiscal, que não estão disponíveis para as empresas que adquirem participações em sociedades estrangeiras. Ao fazer referência às operações de aquisição que realizou nos Estados Unidos e no Peru, a recorrente sublinha que, mesmo admitindo que não há obstáculos jurídicos às concentrações transfronteiriças de empresas, o simples facto de as sociedades espanholas e estrangeiras terem uma forma jurídica ou social diferente constitui, por si só, um obstáculo. As empresas que adquirem participações em sociedades residentes encontram‑se, portanto, numa situação jurídica e factual diferente daquela em que se encontram as empresas que adquirem participações em sociedades estrangeiras, em especial no caso de, como para a recorrente, se tratar de sociedades de países terceiros e de participações de controlo.

    58

    Por um lado, a Comissão alega a inadmissibilidade da primeira parte do segundo fundamento de recurso com os mesmos argumentos que os expostos no primeiro fundamento de recurso e, por outro, alega a sua falta de fundamentação. Defende que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a medida controvertida não é suscetível de garantir a neutralidade fiscal e não é proporcionada, uma vez que também se aplica às aquisições de participações transfronteiriças minoritárias que não permitem, em todo o caso, realizar uma concentração transfronteiriça de empresas. Por conseguinte, o Tribunal Geral concluiu legitimamente que a pretensa existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças de empresas no Peru ou nos Estados Unidos era irrelevante.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    59

    Antes de mais, há que chamar a atenção para o facto de, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 39 do presente acórdão, um recorrente poder invocar no recurso de uma decisão do Tribunal Geral fundamentos e argumentos com origem no próprio acórdão recorrido e que se destinem a criticar juridicamente a respetiva procedência. A recorrente pode, portanto, impugnar as conclusões do Tribunal Geral, sintetizadas no n.o 52 deste acórdão, independentemente da circunstância de não ter desenvolvido em primeira instância uma argumentação especificamente destinada a contestar a decisão controvertida quanto a este aspeto.

    60

    Por outro lado, na medida em que a recorrente pretende criticar a procedência da conclusão do Tribunal Geral que figura no n.o 108 do acórdão recorrido, segundo a qual «o objetivo do tratamento fiscal do goodwill é assegurar uma certa coerência entre o tratamento fiscal do goodwill e o seu tratamento contabilístico», deve considerar‑se que põe em causa as constatações factuais do Tribunal Geral que decorrem da sua interpretação dos princípios fiscais e contabilísticos aplicáveis em matéria de goodwill nos termos do direito espanhol.

    61

    Ora, em conformidade com jurisprudência assente, a apreciação dos factos e da prova não constitui, sem prejuízo dos casos de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça em sede de recurso de segunda instância. Contudo, quando o Tribunal Geral apura ou aprecia os factos, o Tribunal de Justiça é competente para exercer, nos termos do artigo 256.o TFUE, a fiscalização da sua qualificação jurídica e as consequências jurídicas deles extraídas (Acórdão de 25 de julho de 2018, Comissão/Espanha e o., C‑128/16 P, EU:C:2018:591, n.o 31 e jurisprudência referida).

    62

    Assim, no que diz respeito à análise, em sede de recurso, das apreciações do Tribunal Geral a respeito do direito nacional, que correspondem, no domínio dos auxílios de Estado, a apreciações da matéria de facto, o Tribunal de Justiça apenas é competente para verificar se houve uma desvirtuação do referido direito. Em contrapartida, a apreciação, em sede de recurso, da qualificação jurídica que foi dada a esse direito nacional pelo Tribunal Geral, ao abrigo de uma disposição do direito da União, constitui uma questão de direito que é da competência do Tribunal de Justiça [Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 78 e jurisprudência referida].

    63

    Além disso, deve recordar‑se que, no âmbito da fiscalização da legalidade, referida no artigo 263.o TFUE, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral têm competência para conhecer dos recursos com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder. O artigo 264.o TFUE prevê que, se o recurso tiver fundamento, o ato impugnado é anulado. Por conseguinte, em qualquer caso, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral não podem substituir pela sua própria fundamentação a do autor do ato impugnado (Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 141, e de 28 de fevereiro de 2013, Portugal/Comissão, C‑246/11 P, não publicado, EU:C:2013:118, n.o 85). O Tribunal de Justiça é competente, portanto, no âmbito de um recurso, para verificar se o Tribunal Geral procedeu a essa substituição e se, assim, cometeu um erro de direito.

    64

    Daqui resulta que é admissível a argumentação, apresentada em apoio da primeira parte do segundo fundamento, com a qual a recorrente censura, em substância, o Tribunal Geral por ter substituído pela sua própria fundamentação a fundamentação contida na decisão controvertida a propósito do «objetivo» com base no qual deve ser efetuado o exame da comparabilidade das situações das empresas que dispõem do benefício resultante da aplicação da medida controvertida e das que dela estão excluídas.

    65

    A este respeito, a recorrente alega que o objetivo que consiste em «assegurar uma certa coerência entre o tratamento fiscal do goodwill e o seu tratamento contabilístico», referido no n.o 108 do acórdão recorrido, não encontra eco na decisão controvertida.

    66

    No caso em apreço, há que constatar que, em parte alguma da decisão controvertida, a Comissão mencionou a manutenção de uma certa coerência entre o tratamento fiscal e o tratamento contabilístico do goodwill enquanto objetivo do sistema de referência que identificou.

    67

    É certo que o Tribunal Geral confirmou algumas das conclusões que figuram nessa decisão quando indicou que o tratamento fiscal do goodwill se organiza em torno do critério relativo à existência ou não de uma concentração de empresas (n.os 103 e 105 do acórdão recorrido), e explicou, referindo‑se aos considerandos 28 e 123 dessa decisão, que essa circunstância se deve ao facto de, na sequência de uma aquisição ou de uma contribuição de ativos que compõe empresas independentes ou ainda de uma fusão ou de uma cisão, «surgir um goodwill […] como ativo incorpóreo distinto na contabilidade da empresa que resulta da concentração» (n.o 104 do acórdão recorrido)». Do mesmo modo, a afirmação de que o tratamento fiscal do goodwill tem«um nexo com uma lógica contabilística» (n.o 103 do acórdão recorrido) inscreve‑se no prolongamento de certas considerações da Comissão que constam da decisão controvertida, em particular nos considerandos 121 a 124 da mesma.

    68

    Todavia, foi de forma autónoma em relação a esta decisão e com base na sua própria interpretação das regras fiscais e contabilísticas aplicáveis nos termos do direito espanhol que o Tribunal Geral concluiu que o objetivo das regras relativas à amortização do goodwill financeiro contidas na Lei Relativa ao Imposto sobre as Sociedades, conforme aprovada pelo Real Decreto Legislativo 4/2004, era assegurar a coerência entre o tratamento fiscal e o tratamento contabilístico do goodwill e que, com base nesse objetivo, a situação das empresas que investem em sociedades espanholas é comparável à das empresas que investem em sociedades não residentes.

    69

    Por conseguinte, ao substituir a fundamentação da decisão controvertida pela sua própria fundamentação, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

    70

    Contudo, há que examinar se, apesar do erro de direito cometido pelo Tribunal Geral, a segunda alegação do primeiro fundamento invocado pelo recorrido em apoio do seu recurso perante o Tribunal Geral devia, em todo o caso, ser julgada improcedente, uma vez que a Comissão era acusada de não ter demonstrado que as aquisições de participações em sociedades residentes e em sociedades não residentes eram comparáveis tendo em conta o objetivo de neutralidade fiscal prosseguido pela medida controvertida.

    71

    Com efeito, segundo jurisprudência constante, se os fundamentos de um acórdão do Tribunal Geral revelarem uma violação do direito da União, mas a sua parte decisória se mostrar fundada com base noutros fundamentos jurídicos, essa violação não implica a anulação desse acórdão (Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Biret International/Conselho, C‑93/02 P, EU:C:2003:517, n.o 60 e jurisprudência referida, e de 14 de outubro de 2014, Buono e o./Comissão, C‑12/13 P e C‑13/13 P, EU:C:2014:2284, n.o 62 e jurisprudência referida).

    72

    A este respeito, importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência mencionada no n.o 31 do presente acórdão, à qual o Tribunal Geral se referiu justamente no n.o 130 do acórdão recorrido, o exame de comparabilidade a efetuar na segunda etapa da análise da seletividade deve ser realizado tendo em conta o objetivo do sistema de referência e não o da medida controvertida.

    73

    Como o Tribunal de Justiça já declarou, uma medida como a medida controvertida, destinada a favorecer as exportações, pode ser considerada seletiva se beneficiar as empresas que realizam operações transfronteiriças, em especial operações de investimento, em detrimento de outras empresas que, encontrando‑se numa situação factual e jurídica comparável à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal em causa, efetuam operações da mesma natureza no território nacional (Acórdão WDFG, n.o 119).

    74

    Ora, neste caso, o Tribunal Geral teve razão em considerar, no n.o 109 do acórdão recorrido, que as empresas que adquirem participações em sociedades não residentes se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo tratamento fiscal do goodwill, numa situação jurídica e factual comparável à das empresas que adquirem participações em sociedades residentes. Com efeito, na medida em que as empresas que adquirem participações transfronteiriças minoritárias podem ser beneficiárias da medida controvertida apesar de não serem afetadas pelos alegados obstáculos às concentrações de empresas a que se refere a recorrente, não se pode pretender que, devido a esses obstáculos, os beneficiários da medida em causa se encontram numa situação jurídica e factual diferente da das empresas abrangidas pelo regime fiscal normal.

    75

    Tendo em conta estas considerações, há que concluir que, não obstante o erro de direito que o Tribunal Geral cometeu ao substituir a fundamentação da decisão controvertida no âmbito do exame da determinação do objetivo do sistema de referência pela sua própria fundamentação, a primeira parte do segundo fundamento de recurso deve ser julgada improcedente.

    Quanto à segunda parte do segundo fundamento

    – Argumentos das partes

    76

    A recorrente alega que o Tribunal Geral errou ao rejeitar a possibilidade de considerar a medida controvertida como um sistema de referência autónomo, remetendo, nomeadamente, para as Conclusões do advogado‑geral J.‑P. Warner no processo Itália/Comissão (173/73, a seguir «Conclusões do advogado‑geral J.‑P. Warner», EU:C:1974:52, p. 728). Com efeito, contrariamente ao que o Tribunal Geral decidiu no n.o 124 do acórdão recorrido, esta medida não se destinava a resolver um problema particular num setor industrial determinado, sendo antes aplicável a todas as empresas sujeitas a imposto sobre as sociedades.

    77

    Segundo a recorrente, o Tribunal Geral também cometeu um erro ao não considerar que a medida controvertida tem caráter geral e que se destina a oferecer aos operadores económicos uma solução prática que equipara o tratamento fiscal das operações transnacionais ao previsto no artigo 89.o, n.o 3, e no artigo 11.o, n.o 4, da Lei Relativa ao Imposto sobre as Sociedades para as operações nacionais, para que as decisões de investimento sejam tomadas pelas empresas com base em critérios económicos e não fiscais. Com efeito, esta medida é claramente uma medida de política económica geral destinada a preservar o princípio da neutralidade fiscal. A título subsidiário, a recorrente alega que esta medida é justificada pela lógica do sistema fiscal, ao abrigo do princípio da neutralidade fiscal.

    78

    A Comissão conclui pedindo que a segunda parte do segundo fundamento seja julgada improcedente. Em primeiro lugar, alega a inadmissibilidade desta parte do fundamento pelo facto de a mesma suscitar uma questão que não foi invocada no recurso interposto pela recorrente perante o Tribunal Geral. Em segundo lugar, a Comissão considera que a referida parte é, em todo o caso, improcedente. Contrariamente ao que a recorrente sustenta, a medida controvertida não garante a neutralidade fiscal, uma vez que concede à aquisição de participações em empresas estrangeiras condições de amortização do goodwill mais favoráveis do que as previstas para as participações em empresas nacionais. Com efeito, para as primeiras, a amortização do goodwill apenas está subordinada à condição de aquisição de uma participação de 5 % no capital da empresa adquirida, ao passo que, para as segundas, também é exigida a concentração das empresas.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    79

    Antes de mais, há que julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão contra a segunda parte do segundo fundamento. Com efeito, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 39 do presente acórdão, uma parte pode invocar fundamentos e argumentos que tenham origem no próprio acórdão recorrido e que se destinem a criticar juridicamente a sua procedência. Por conseguinte, a recorrente pode impugnar as conclusões do Tribunal Geral, independentemente da circunstância de não ter desenvolvido em primeira instância uma argumentação especificamente destinada a contestar a decisão controvertida quanto a esta questão.

    80

    Quanto ao mérito da argumentação apresentada pela recorrente, há que observar que o Tribunal Geral excluiu que a medida controvertida possa constituir, por si só, um sistema de referência autónomo. Em particular, depois de ter recordado, nos n.os 113 a 119 do acórdão recorrido, os requisitos exigidos para que uma medida fiscal possa constituir o seu próprio quadro de referência, declarou, no n.o 120 do referido acórdão, que essa medida era apenas uma modalidade particular de aplicação de um imposto mais vasto, a saber, o imposto sobre as sociedades, e que, portanto, a mesma não instituía um regime fiscal claramente delimitado.

    81

    A este respeito, o Tribunal Geral salientou, com razão, no n.o 121 do acórdão recorrido, que a referida medida não introduzia, como assinalava a Comissão no considerando 124 da decisão controvertida, uma nova regra geral de pleno direito relativa à amortização do goodwill, mas sim uma «exceção à regra geral» de que só as concentrações de empresas podem levar à amortização do goodwill, uma vez que essa exceção se destina a combater, segundo o Reino de Espanha, os efeitos desfavoráveis para as aquisições de participações em sociedades não residentes que a aplicação da regra geral causaria.

    82

    Consequentemente, resulta do acórdão recorrido que, em apoio da sua conclusão de que o sistema de referência não se podia limitar à medida controvertida, o Tribunal Geral não se baseou apenas no facto de essa medida, à semelhança da medida em causa no processo onde foram apresentadas as Conclusões do advogado‑geral J.‑P. Warner, visar a prossecução de um objetivo concreto e, assim, a solução de um problema específico. Daqui resulta que os argumentos avançados pela recorrente destinados, por um lado, a contestar a equiparação deste caso ao que foi objeto das Conclusões do advogado‑geral J.‑P. Warner e, por outro, a demonstrar que o objetivo da medida controvertida era a salvaguarda do princípio da neutralidade fiscal, e não a solução de um problema específico, são insuscetíveis de invalidar o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Geral, sendo, por conseguinte, inoperantes.

    83

    Em todo o caso, importa recordar que a mera circunstância de a medida controvertida ter caráter geral, uma vez que pode, a priori, beneficiar todas as empresas sujeitas ao imposto sobre as sociedades, não exclui que a mesma possa ser de natureza seletiva. Com efeito, conforme o Tribunal de Justiça já declarou, tratando‑se de uma medida nacional que confere um benefício fiscal de alcance geral, como a medida controvertida, este critério está preenchido quando a Comissão consegue demonstrar que esta medida é derrogatória do sistema fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, introduzindo, assim, através dos seus efeitos concretos, um tratamento diferenciado entre operadores, quando os operadores a quem é concedido o benefício fiscal e os que dele são excluídos se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo referido regime fiscal desse Estado‑Membro, numa situação factual e jurídica comparável (Acórdão WDFG, n.o 67).

    84

    Tendo em conta todas estas considerações, a segunda parte do segundo fundamento de recurso deve ser julgada improcedente.

    Quanto à terceira parte do segundo fundamento

    – Argumentos das partes

    85

    A recorrente alega que, mesmo admitindo que o sistema de referência foi corretamente definido, o Tribunal Geral cometeu um erro de apreciação ao concluir, no n.o 134 do acórdão recorrido, que a medida controvertida introduzia uma exceção ao regime nacional comum enquanto quadro de referência. Com efeito, nada permite chegar a essa conclusão na medida em que as empresas que adquirem participações no estrangeiro e as que adquirem em sociedades residentes não se encontram numa situação jurídica e factual comparável, devido à existência de barreiras às concentrações transfronteiriças.

    86

    A Comissão conclui pedindo que a terceira parte do segundo fundamento seja julgada improcedente. Em primeiro lugar, alega a inadmissibilidade desta parte do fundamento pelo facto de a mesma suscitar um argumento que não foi invocado no âmbito do recurso interposto pela recorrente no Tribunal Geral. Em segundo lugar, a Comissão considera que a referida parte do segundo fundamento é, em todo o caso, improcedente.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    87

    Antes de mais, há que julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão contra a terceira parte do segundo fundamento. Com efeito, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 39 do presente acórdão, uma parte pode invocar fundamentos e argumentos com origem no próprio acórdão recorrido e que se destinem a criticar juridicamente a sua justeza. Por conseguinte, a recorrente pode pôr em causa as conclusões do Tribunal Geral, independentemente da circunstância de não ter desenvolvido em primeira instância uma argumentação especificamente destinada a contestar a decisão controvertida quanto a esta questão.

    88

    Quanto ao mérito da argumentação da recorrente, há que salientar que o Tribunal Geral afastou a relevância da eventual existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças para efeitos do exame de comparabilidade entre as empresas que adquirem participações em sociedades estabelecidas em Espanha e as que adquirem participações em sociedades estrangeiras com base nas considerações expostas nos n.os 128 a 133 do acórdão recorrido.

    89

    A este respeito, foi com razão que o Tribunal Geral sublinhou, nos n.os 128 a 130 do acórdão recorrido, que, para efeitos da comparação que se impõe na fase da segunda etapa da análise da seletividade, havia que ter em conta o objetivo prosseguido, não pela medida em causa mas pelo sistema fiscal comum ou normal aplicável no Estado‑Membro em causa. Foi também sem cometer erro algum que o Tribunal Geral considerou, nos n.os 130 a 133 do acórdão recorrido, que a eventual existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças, na medida em que não tinha relação com o objetivo prosseguido pelo regime de referência e se referia mais ao objetivo da medida controvertida, era irrelevante na fase do exame da segunda etapa do método de análise da seletividade.

    90

    Ora, há que constatar que a terceira parte do segundo fundamento de recurso não visa de forma alguma esses fundamentos do acórdão recorrido, destinando‑se unicamente a contestar o n.o 134 desse acórdão, no qual o Tribunal Geral considerou, «além disso», que a Comissão tinha considerado acertadamente que a medida controvertida introduzia uma derrogação ao regime normal ou de referência.

    91

    Na medida em que a argumentação da recorrente é dirigida contra um fundamento supérfluo do acórdão recorrido, deve ser julgada improcedente. Com efeito, resulta de jurisprudência assente que, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, um fundamento dirigido contra um fundamento supérfluo do acórdão em causa, cujo dispositivo se baseia de forma bastante noutros fundamentos, é inoperante e deve, por conseguinte, ser julgado improcedente (v., neste sentido, Acórdão de 29 de março de 2011, Anheuser‑Busch/Budějovický Budvar, C‑96/09 P, EU:C:2011:189, n.o 211 e jurisprudência referida).

    92

    Tendo em conta as considerações que precedem, a terceira parte do segundo fundamento de recurso também deve ser julgada improcedente.

    Quanto à quarta parte do segundo fundamento

    – Argumentos das partes

    93

    Com a quarta parte do seu segundo fundamento, a recorrente contesta o n.o 155 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral, no termo de uma análise desenvolvida nos n.os 147 a 154 desse acórdão, concluiu que não se tinha demonstrado que a vantagem resultante da medida controvertida beneficiava as empresas sujeitas à diferença de tratamento que essa medida se destinava a sanar e, consequentemente, que «os efeitos neutralizadores» da referida medida não estavam demonstrados. Segundo a recorrente, sem a correção introduzida por esta medida, o princípio da neutralidade fiscal seria violado pelo facto de persistirem situações em que os obstáculos às aquisições de participações em sociedades estrangeiras impedem a amortização do goodwill nas mesmas condições a que estão sujeitas as aquisições de participações em sociedades residentes. No que respeita à existência de obstáculos às fusões com sociedades americanas e peruanas, a recorrente remete para os elementos já invocados no seu recurso para o Tribunal Geral. Quanto à conclusão formulada por este último no n.o 154 do acórdão recorrido, segundo a qual o Reino de Espanha não tinha demonstrado «que as empresas que pretendem proceder a fusões transfronteiriças e não o possam fazer por causa de obstáculos, nomeadamente jurídicos, à concentração, adquiram subsidiariamente participações em sociedades não residentes ou, pelo menos, conservem as participações de que já dispõem», a recorrente afirma que esse critério, que não figura na decisão controvertida, é revelador de outra substituição dos fundamentos dessa decisão operada pelo Tribunal Geral.

    94

    A Comissão conclui pedindo que a quarta parte do segundo fundamento seja julgada improcedente. Em primeiro lugar, alega a inadmissibilidade desta parte do fundamento pelo facto de a mesma suscitar uma alegação que não foi invocada no âmbito do recurso interposto pela recorrente no Tribunal Geral. Em segundo lugar, a Comissão considera que a referida parte é, em todo o caso, improcedente.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    95

    Antes de mais, há que julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão contra a quarta parte do segundo fundamento de recurso. Com efeito, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 39 do presente acórdão, uma parte pode invocar fundamentos e argumentos com origem no próprio acórdão recorrido e que se destinem a contestar juridicamente a sua procedência. Por conseguinte, a recorrente pode impugnar as conclusões do Tribunal Geral, independentemente da circunstância de não ter desenvolvido em primeira instância uma argumentação especificamente destinada a contestar a decisão controvertida quanto a esta questão.

    96

    Nesta parte do segundo fundamento de recurso, que se refere à terceira etapa do exame da seletividade levada a cabo pelo Tribunal Geral nos n.os 135 a 169 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral é criticado por não ter tido em conta o facto de a medida controvertida se destinar a garantir o respeito do princípio da neutralidade fiscal.

    97

    A este respeito, o Tribunal Geral salientou, no n.o 139 do acórdão recorrido, que o Reino de Espanha podia utilmente basear‑se no princípio da neutralidade fiscal para justificar a diferenciação introduzida pela medida controvertida entre as aquisições de participações em sociedades residentes e as aquisições de participações em sociedades não residentes.

    98

    Todavia, o Tribunal Geral considerou que não resultava dos autos que a derrogação introduzida pela medida controvertida fosse justificada tendo em conta o princípio da neutralidade fiscal, e isto por dois motivos autónomos expostos nos n.os 145 a 165 do acórdão recorrido.

    99

    Em primeiro lugar, o Tribunal Geral, partindo da constatação de que a medida controvertida se baseava necessariamente na premissa recordada no n.o 149 do acórdão recorrido, segundo a qual as empresas que pretendem proceder a fusões transfronteiriças e que não o podem fazer devido a obstáculos à concentração adquirem por defeito participações em sociedades não residentes ou, no mínimo, conservam as participações de que já dispõem, concluiu que o Reino de Espanha, ao qual incumbia justificar a derrogação introduzida no sistema de referência pela medida controvertida, não tinha demonstrado o mérito dessa medida. O Tribunal Geral considerou, no essencial, nos n.os 152 a 154 do acórdão recorrido, que, uma vez que a aquisição de uma participação era uma operação distinta da fusão e não constituía uma alternativa a esta última, a medida controvertida tinha efetivamente conferido uma vantagem às sociedades que pretendiam investir em sociedades estrangeiras, mas que não tinham necessariamente por objetivo proceder a uma fusão, ou seja, às sociedades diferentes das que teriam sofrido, segundo as afirmações do Reino de Espanha, as consequências desfavoráveis das regras gerais sobre a amortização do goodwill. O Tribunal Geral concluiu daí, no n.o 155 desse acórdão, que os «efeitos neutralizadores» da medida controvertida não tinham sido demonstrados.

    100

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 157 a 165 do acórdão recorrido, que, mesmo admitindo que tinha como consequência neutralizar os efeitos alegadamente penalizadores do regime normal, associados à existência de obstáculos às fusões transfronteiriças, a medida controvertida apresentava um caráter desproporcionado e, portanto, injustificado.

    101

    Ora, uma vez que a argumentação apresentada pela recorrente no âmbito da quarta parte do seu segundo fundamento de recurso não visa as considerações feitas no âmbito do segundo fundamento, que levou o Tribunal Geral a concluir que a Comissão não cometeu um erro ao constatar que o Reino de Espanha não tinha justificado a diferenciação introduzida pela medida controvertida, a mesma não pode conduzir à anulação do acórdão recorrido. Com efeito, como foi recordado no n.o 91 deste acórdão, é jurisprudência assente que, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, um fundamento dirigido contra um fundamento supérfluo do acórdão recorrido, cujo dispositivo se baseia de forma bastante noutros fundamentos, é inoperante e deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

    102

    A argumentação de que o Tribunal Geral tinha procedido a uma substituição de fundamentos, referindo‑se, no n.o 154 do acórdão recorrido, a considerações que não figuravam na decisão controvertida, também não pode ser acolhida. Embora seja exato que o raciocínio do Tribunal Geral não está formulado nos mesmos termos que os que constam da decisão controvertida, este raciocínio é conforme com a ratio decidendi desta última e com a abordagem seguida pela Comissão para concluir pela falta de coerência e de proporcionalidade da medida controvertida relativamente ao alegado objetivo de neutralização dos efeitos desfavoráveis do regime normal de amortização do goodwill pelas empresas que adquirem participações em sociedades estrangeiras e que estão impossibilitadas de realizar fusões transfronteiriças.

    103

    Tendo em conta estas considerações, há que julgar improcedente a quarta parte do segundo fundamento e, por conseguinte, este fundamento na sua totalidade.

    104

    Decorre de tudo o que precede que deve ser negado provimento ao presente recurso.

    Quanto às despesas

    105

    Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, desse Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

    106

    No caso em apreço, tendo a Comissão pedido a condenação da recorrente nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas relativas ao presente recurso e ao processo no Tribunal Geral.

    107

    Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, a República Federal da Alemanha, interveniente no âmbito do recurso no Tribunal Geral e participante no processo no Tribunal de Justiça, suportará as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A Sigma Alimentos Exterior, SL, é condenada nas despesas.

     

    3)

    A República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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