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Document 62019CJ0044

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 3 de dezembro de 2020.
    Repsol Petróleo SA contra Administración General del Estado.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo.
    Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/96/CE — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Artigo 21.o, n.o 3 — Inexistência de facto gerador do imposto — Consumos de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento onde foram produzidos, efetuados para a produção de produtos energéticos finais a partir dos quais são também obtidos, inevitavelmente, produtos não energéticos.
    Processo C-44/19.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:982

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    3 de dezembro de 2020 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/96/CE — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Artigo 21.o, n.o 3 — Inexistência de facto gerador do imposto — Consumos de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento onde foram produzidos, efetuados para a produção de produtos energéticos finais a partir dos quais são também obtidos, inevitavelmente, produtos não energéticos»

    No processo C‑44/19,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), por Decisão de 27 de junho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de janeiro de 2019, no processo

    Repsol Petróleo SA

    contra

    Administración General del Estado,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: E. Regan, presidente de secção, M. Ilešič, E. Juhász (relator), C. Lycourgos e I. Jarukaitis, juízes,

    advogado‑geral: M. Szpunar,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 4 de março de 2020,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Repsol Petróleo SA, inicialmente por F. Bonastre Capell e M. Muñoz Pérez, e em seguida por F. Bonastre Capell e M. Linares Gil, abogados,

    em representação do Governo espanhol, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente,

    em representação do Governo checo, por M. Smolek, O. Serdula e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por P. Arenas e A. Armenia, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de abril de 2020,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Repsol Petróleo SA (a seguir «Repsol») à Administración General del Estado (Administração Geral do Estado, Espanha) a respeito da decisão desta última de sujeitar ao imposto especial sobre o consumo de óleos minerais o consumo, para fins produtivos, dos óleos minerais que a própria Repsol produziu, na medida em que essa produção gerou produtos residuais diferentes dos produtos energéticos.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 92/81/CEE

    3

    O artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO 1992, L 316, p. 12), dispunha:

    «O consumo de óleos minerais nas instalações de um estabelecimento produtor de óleos minerais não é considerado facto gerador do imposto se se efetuar para efeitos dessa mesma produção.

    Se, todavia, o consumo se destinar a fins alheios à referida produção e, em especial, à propulsão de veículos, é considerado facto gerador do imposto especial de consumo.»

    Diretiva 2003/96

    4

    Os considerandos 3 a 5 da Diretiva 2003/96 enunciam:

    «(3)

    O bom funcionamento do mercado interno e a realização dos objetivos das outras políticas comunitárias exigem a fixação de níveis mínimos de tributação a nível comunitário para a maioria dos produtos energéticos, incluindo a eletricidade, o gás natural e o carvão.

    (4)

    A existência de importantes diferenças entre os níveis nacionais de tributação da energia aplicados pelos Estados‑Membros poderá ser prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno.

    (5)

    A fixação a níveis adequados das taxas mínimas comunitárias pode permitir reduzir as atuais diferenças entre os níveis nacionais de tributação.»

    5

    O artigo 1.o desta diretiva dispõe:

    «Os Estados‑Membros devem tributar os produtos energéticos e a eletricidade de acordo com o disposto na presente diretiva.»

    6

    Para efeitos de aplicação da Diretiva 2003/96, o artigo 2.o, n.o 1, desta enumera os produtos que são considerados «produtos energéticos».

    7

    Em conformidade com o artigo 2.o, n.o 4, alínea b), primeiro travessão, da Diretiva 2003/96, esta não é aplicável às utilizações de produtos energéticos utilizados para fins que não o de carburantes ou combustíveis de aquecimento.

    8

    O artigo 21.o, n.o 3, da referida diretiva tem a seguinte redação:

    «O consumo de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos não é considerado como facto gerador de imposto se disser respeito a produtos energéticos produzidos nas instalações do estabelecimento. Os Estados‑Membros podem também considerar como não sendo um facto gerador o consumo de eletricidade e de outros produtos energéticos não produzidos nas instalações desse estabelecimento, bem como o consumo de produtos energéticos e de eletricidade nas instalações de um estabelecimento que produz combustíveis destinados a serem utilizados na produção de eletricidade. Se se destinar a fins não relacionados com a produção de produtos energéticos e, em particular, à tração de veículos, o consumo será considerado como facto gerador de imposto.»

    Direito espanhol

    9

    O artigo 47.o da Ley 38/1992 de Impuestos Especiales (Lei 38/1992, sobre os Imposto Especiais de Consumo), de 28 de dezembro de 1992 (BOE n.o 312, de 29 de dezembro de 1992, p. 44305), na sua versão aplicável ao processo principal (a seguir «LIE»), intitulado «Casos de não sujeição», dispõe, no seu n.o 1, alínea b):

    «Não estão sujeitas ao imposto as operações de consumo próprio que impliquem:

    […]

    b)

    A utilização de óleos minerais como combustível no processo de fabrico, em regime de suspensão, de óleos minerais.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    10

    A Repsol, sociedade de direito espanhol, exerce, entre outras, atividades na área da produção de produtos energéticos no processo de refinação de petróleo bruto. Para além dos produtos energéticos, o processo de refinação gera outros produtos que são vendidos e utilizados na indústria química e parcialmente reutilizados no processo de produção.

    11

    Em 2 de abril de 2012, na sequência de uma inspeção efetuada em 2011, a Administração Fiscal espanhola emitiu um aviso de liquidação que impunha à Repsol o pagamento, relativamente aos exercícios fiscais de 2007 e 2008, do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais para os óleos minerais que a própria empresa produziu e posteriormente utilizou nas suas próprias instalações para fins produtivos, na medida em que essa produção gerou produtos residuais diferentes dos produtos energéticos como, nomeadamente, enxofre e dióxido de carbono.

    12

    Segundo a Administração Fiscal espanhola, esses consumos próprios não dão lugar à isenção do imposto sobre o consumo de óleos minerais, prevista no artigo 47.o, n.o 1, alínea b), da LIE, na parte em que conduzem à obtenção de produtos que não têm a qualidade de óleos minerais.

    13

    Em 25 de abril de 2012, a Repsol impugnou esse aviso no Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central, Espanha), alegando, nomeadamente, que esses consumos próprios estão isentos do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais, incluindo na parte em que conduzem à obtenção de produtos que não têm a qualidade de óleos minerais.

    14

    Em 6 de novembro de 2015, na sequência da improcedência do recurso, a Repsol interpôs um recurso administrativo na Audiencia Nacional (Audiência Nacional, Espanha), no qual alegava que, no âmbito do processo de produção de óleos minerais, produtos que não podem ser qualificados de produtos energéticos, como o enxofre, são obtidos de forma residual e inevitável. A produção de enxofre resulta da operação que consiste em extrair esse produto dos óleos minerais e o objetivo desse processo é satisfazer as especificações técnicas aplicáveis aos óleos minerais, que fixam teores máximos de enxofre.

    15

    Por Decisão de 12 de dezembro de 2016, a Audiencia Nacional (Audiência Nacional) negou provimento ao recurso da Repsol na medida em que visava contestar a tributação dos consumos próprios de óleos minerais que geraram produtos não energéticos.

    16

    Em 10 de julho de 2017, a Repsol interpôs recurso de cassação desta decisão no órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha). Nesse órgão jurisdicional, a Repsol alega que o objetivo do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 é submeter à tributação apenas os produtos energéticos introduzidos no consumo, com exclusão dos destinados ao consumo próprio, ou seja, os utilizados para a produção de outros produtos energéticos, mesmo que, nesse processo de fabrico, sejam inevitavelmente obtidos produtos residuais não energéticos. Assim, a prática da Administração Fiscal espanhola de sujeitar à tributação a parte do consumo próprio que gerou esses produtos residuais é contrária ao objetivo da Diretiva 2003/96.

    17

    Segundo a Repsol, esta prática podia ser justificada sob a égide do artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 92/81, que excluiu da tributação o consumo de óleos minerais efetuado para efeitos da produção de óleos minerais. Em contrapartida, a Diretiva 2003/96, que revogou a Diretiva 92/81, prevê apenas, no seu artigo 21.o, n.o 3, que o consumo de produtos energéticos escapa à tributação quando ocorre nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos.

    18

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, coloca‑se a questão de saber se a supressão da expressão «se efetuar para efeitos dessa mesma produção», que figura no artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 92/81, da redação do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 deve ser considerada uma alteração legislativa que implica que os consumos de produtos energéticos nas instalações do estabelecimento onde foram produzidos para a produção de produtos energéticos finais, a partir dos quais são inevitavelmente obtidos produtos não energéticos, estão igualmente isentos de impostos especiais de consumo.

    19

    Nestas circunstâncias, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Deve o artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 ser interpretado no sentido de que permite tributar, a título de imposto especial sobre os óleos minerais, as operações de consumo próprio de produtos energéticos, efetuadas nas instalações do produtor, na proporção em que se obtenham produtos não energéticos?

    Ou, pelo contrário, a finalidade daquela disposição de excluir da tributação a utilização de produtos energéticos que seja considerada necessária para a obtenção dos produtos energéticos finais impede que esse consumo próprio seja tributado na parte em que tenha como resultado outros produtos não energéticos, mesmo que a obtenção desses produtos seja residual e ocorra inevitavelmente como consequência do próprio processo produtivo?»

    Quanto à questão prejudicial

    20

    Com as duas partes da sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que, quando um estabelecimento que produz produtos energéticos destinados a ser utilizados como combustível de aquecimento ou carburante consome produtos energéticos que ele próprio produziu e, através desse processo, obtém igualmente, de forma inevitável, produtos não energéticos, a parte do consumo que leva à obtenção de tais produtos não energéticos está abrangida pela exceção ao facto gerador do imposto sobre os produtos energéticos prevista nessa disposição.

    21

    A título preliminar, há que recordar que a Diretiva 2003/96 tem por objeto, como resulta dos seus considerandos 3 a 5 e do seu artigo 1.o, a fixação de um regime de tributação harmonizado dos produtos energéticos e da eletricidade, no âmbito do qual a tributação é a regra, em conformidade com as modalidades fixadas por esta diretiva.

    22

    Nos termos do artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da Diretiva 2003/96, o consumo de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos não é considerado como facto gerador de imposto sobre os mesmos se disser respeito a produtos energéticos produzidos nas instalações do estabelecimento. O terceiro período deste número precisa que, se se destinar a fins não relacionados com a produção de produtos energéticos, o consumo dos mesmos será considerado como facto gerador de imposto.

    23

    A redação do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 não indica explicitamente em que medida se deve ou não considerar facto gerador do imposto sobre os produtos energéticos o consumo de produtos energéticos para efeitos de um processo de produção, no âmbito do qual são simultaneamente obtidos produtos energéticos e produtos não energéticos.

    24

    Ao dispor que o consumo de produtos energéticos nas instalações do estabelecimento onde foram produzidos não é, em determinadas condições, considerado um facto gerador dessa tributação, o artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da referida diretiva constitui uma disposição derrogatória nesse regime de tributação, que deve ser interpretada de forma estrita (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil, C‑68/18, EU:C:2019:933, n.o 37).

    25

    A este respeito, importa precisar, por um lado, que o consumo de produtos energéticos nas instalações do estabelecimento onde foram produzidos só está abrangido pela exceção relativa ao facto gerador do imposto, ao abrigo do artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da referida diretiva, se for efetuado para a produção de produtos energéticos que estejam, eles próprios, abrangidos pelo regime de tributação harmonizado estabelecido pela Diretiva 2003/96, devido à sua utilização como carburante ou combustível de aquecimento (v., neste sentido, Acórdão de 6 de junho de 2018, Koppers Denmark, C‑49/17, EU:C:2018:395, n.os 32 e 37).

    26

    No caso em apreço, não parece ser contestado que os produtos energéticos obtidos, no processo principal, se destinam a ser utilizados como carburante ou combustível de aquecimento, o que, todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Além disso, resulta da decisão de reenvio que os produtos não energéticos obtidos no processo principal são valorizados pela Repsol através da sua comercialização ou reutilização no processo de produção. É com base nestas considerações que há que responder à questão submetida.

    27

    Por outro lado, o Tribunal de Justiça já declarou que, no caso de serem produzidos vários produtos num estabelecimento, para apreciar se o consumo de produtos energéticos é ou não abrangido pela exceção prevista no artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da Diretiva 2003/96, há que considerar as diferentes finalidades desse consumo (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil, C‑68/18, EU:C:2019:933, n.o 25).

    28

    Com efeito, há que distinguir, nesse consumo, as partes de produtos energéticos consumidos em função das suas utilizações para efeitos do seu tratamento ao abrigo do imposto especial sobre o consumo. Apenas o consumo da parte de produtos energéticos que visa produzir produtos energéticos destinados a serem utilizados como carburante ou combustível de aquecimento está abrangido pela exceção ao facto gerador do imposto, prevista no artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil, C‑68/18, EU:C:2019:933, n.os 26 e 27).

    29

    Em contrapartida, não pode beneficiar dessa exceção o consumo das partes desses produtos energéticos que se efetua para a produção de produtos não energéticos ou de produtos energéticos que não se destinam a ser utilizados como carburante ou combustível de aquecimento. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que não está abrangida por essa exceção a parte dos produtos energéticos consumidos para produzir calor utilizado para o aquecimento das instalações de um estabelecimento, ou a necessária à produção de eletricidade (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil, C‑68/18, EU:C:2019:933, n.os 26 e 33).

    30

    Daqui resulta que, quando são obtidos, num processo de produção, simultaneamente, por um lado, produtos energéticos destinados a serem utilizados como carburante ou combustível de aquecimento e, por outro, produtos não energéticos, há que considerar, em princípio, que a parte dos produtos energéticos consumidos no âmbito desse processo para produzir outros produtos energéticos destinados a serem utilizados como carburante ou combustível de aquecimento está abrangida pela exceção prevista no artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da Diretiva 2003/96, ao passo que o consumo da outra parte para efeitos da produção de produtos não energéticos deve ser considerado um facto gerador do imposto sobre os produtos energéticos.

    31

    Assim sendo, há que examinar se também é esse o caso quando, como no caso em apreço, a obtenção de produtos não energéticos constitui não o objetivo do processo de produção, mas uma consequência residual e inevitável desse processo, ou é imposta por uma regulamentação destinada a proteger o ambiente e esses produtos não energéticos são economicamente valorizados.

    32

    É certo que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 30 do Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil (C‑68/18, EU:C:2019:933), que se pode deduzir da formulação negativa do terceiro período do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 que a mesma apenas pretende excluir do benefício da exceção ao facto gerador do imposto sobre os produtos energéticos o consumo de produtos energéticos sem qualquer relação com a produção de produtos energéticos.

    33

    Todavia, este processo dizia respeito à aplicação do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 a produtos energéticos utilizados para a produção de vapor de água, que, por sua vez, era utilizado, entre outros, para a produção de produtos energéticos. O consumo próprio destinava‑se, assim, a produzir produtos energéticos gerando a energia térmica necessária ao processo tecnológico de produção dos referidos produtos.

    34

    Neste contexto, esta constatação visava afastar uma interpretação segundo a qual o fabrico de produtos energéticos, que é efetuado através da produção de um produto intermédio, como o vapor de água, torna inaplicável, unicamente devido a essa intermediação, a exceção ao facto gerador do imposto prevista nessa disposição. O Tribunal de Justiça precisou a este respeito que o consumo de produtos energéticos não pode, apenas com base nas suas modalidades, ser privado do benefício da referida exceção, desde que contribua para o processo tecnológico de fabrico de produtos energéticos (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil, C‑68/18, EU:C:2019:933, n.os 28 e 30).

    35

    Todavia, diferentemente do processo que deu origem ao referido acórdão, o processo principal não diz respeito a um consumo próprio que, através da produção de um produto intermédio, serve para a produção de produtos energéticos. Diz respeito a um consumo próprio que conduz concomitantemente à produção de produtos energéticos e à produção de produtos não energéticos que são economicamente valorizados.

    36

    Há que constatar que a Repsol, tendo em conta esse valor económico, optou por comercializar posteriormente esses produtos não energéticos, ou por utilizá‑los no processo de produção. Neste contexto, como salientou o advogado‑geral no n.o 40 das suas conclusões, pouco importa que a obtenção de produtos não energéticos seja, como no processo principal, residual e inevitável, no sentido de que constitui a consequência necessária do processo de produção ou é imposta por uma regulamentação destinada a proteger o ambiente.

    37

    Uma interpretação segundo a qual, embora se retire um valor económico dos produtos não energéticos assim gerados, todo o consumo dos produtos energéticos no processo de produção é abrangido, contrariando os princípios recordados no n.o 30 do presente acórdão, pela exceção ao facto gerador do imposto seria suscetível de prejudicar a realização do objetivo da Diretiva 2003/96. A este respeito, há que lembrar que, ao prever um regime de tributação harmonizado dos produtos energéticos e da eletricidade, esta diretiva pretende, conforme resulta dos seus considerandos 3 a 5, promover o bom funcionamento do mercado interno no setor da energia, evitando, nomeadamente, as distorções de concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Autoservizi Giordano, C‑513/18, EU:C:2020:59, n.o 30 e jurisprudência referida).

    38

    Como salientou o advogado‑geral nos n.os 26 a 28 das suas conclusões, a não tributação dos produtos energéticos utilizados no processo de produção, uma vez que os produtos obtidos não são produtos energéticos, criaria uma lacuna no sistema de tributação estabelecido pela Diretiva 2003/96, porque não seriam tributados produtos energéticos que, por princípio, deviam estar a ela sujeitos. Com efeito, o consumo desta parte de produtos energéticos, ainda que devesse ser objeto de tributação, beneficiaria da exceção ao facto gerador do imposto prevista no artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da referida diretiva. Além disso, a não tributação do consumo da referida parte de produtos energéticos não seria compensada pela tributação subsequente dos produtos finais obtidos com recurso àqueles últimos, na medida em que os produtos finais que resultam desse consumo ou não são produtos energéticos, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96, ou não se destinam a ser utilizados como carburante ou combustível de aquecimento, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), primeiro travessão, da mesma (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de fevereiro de 2015, Oil Trading Poland, C‑349/13, EU:C:2015:84, n.o 30, e de 6 de junho de 2018, Koppers Denmark, C‑49/17, EU:C:2018:395, n.o 24 e jurisprudência referida).

    39

    Por conseguinte, considerar que a exceção prevista no artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da referida diretiva é aplicável, numa situação como a que está em causa no processo principal, ao consumo da integralidade dos produtos energéticos seria suscetível de prejudicar o bom funcionamento do mercado interno no setor da energia, que, como recordado no n.o 37 do presente acórdão, é uma das finalidades prosseguidas pela instituição desse regime (v., neste sentido, Acórdão de 6 de junho de 2018, Koppers Denmark, C‑49/17, EU:C:2018:395, n.o 31).

    40

    A integridade do regime de tributação harmonizada dos produtos energéticos estabelecido pela Diretiva 2003/96 exige, portanto, que, quando um consumo de produtos energéticos nas instalações do estabelecimento onde foram produzidos conduz à produção simultânea de produtos energéticos destinados a serem utilizados como combustível de aquecimento ou carburante e de produtos não energéticos que são objeto de uma valorização, a aplicação da exceção ao facto gerador do imposto, prevista no artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, desta diretiva, limita‑se à proporção dos produtos energéticos consumidos que correspondem à parte dos produtos energéticos destinados a ser utilizados como combustível de aquecimento ou carburante obtidos no âmbito desse processo de produção. Na falta de precisões na Diretiva 2003/96 a este respeito, cabe aos Estados‑Membros determinar as modalidades que permitem avaliar a quantidade de produtos energéticos necessária para produzir uma dada quantidade de outro produto energético destinado a ser utilizado como combustível de aquecimento ou carburante (v., por analogia, Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union, C‑31/17, EU:C:2018:168, n.o 45).

    41

    Por último, não pode ser acolhido o argumento apresentado pela Repsol segundo o qual a inexistência do benefício da exceção ao facto gerador do imposto prevista no artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, desta diretiva conduziria a uma situação de dupla tributação. Com efeito, na medida em que o consumo de produtos energéticos nas instalações do estabelecimento onde foram fabricados é efetuado para a produção de produtos energéticos destinados a serem utilizados como combustível de aquecimento ou carburante, esta exceção é plenamente aplicável à parte de produtos energéticos consumidos para esse fim.

    42

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que, quando um estabelecimento que produz produtos energéticos destinados a ser utilizados como combustível de aquecimento ou carburante consome produtos energéticos que ele próprio produziu e, através desse processo, obtém também, inevitavelmente, produtos não energéticos dos quais é retirado um valor económico, a parte do consumo que leva à obtenção desses produtos não energéticos não está abrangida pela exceção ao facto gerador do imposto sobre os produtos energéticos prevista nessa disposição.

    Quanto às despesas

    43

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

     

    O artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, deve ser interpretado no sentido de que, quando um estabelecimento que produz produtos energéticos destinados a ser utilizados como combustível de aquecimento ou carburante consome produtos energéticos que ele próprio produziu e, através desse processo, obtém também, inevitavelmente, produtos não energéticos dos quais é retirado um valor económico, a parte do consumo que leva à obtenção desses produtos não energéticos não está abrangida pela exceção ao facto gerador do imposto sobre os produtos energéticos prevista nessa disposição.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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