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Document 62019CC0580

    Conclusões do advogado-geral G. Pitruzzella apresentadas em 6 de outubro de 2020.
    RJ contra Stadt Offenbach am Main.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Darmstadt.
    Reenvio prejudicial — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 2.o — Conceito de “tempo de trabalho” — Período de prevenção em regime de disponibilidade contínua — Bombeiros profissionais — Diretiva 89/391/CEE — Artigos 5.o e 6.o — Riscos psicossociais — Obrigação de prevenção.
    Processo C-580/19.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:797

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    GIOVANNI PITRUZZELLA

    apresentadas em 6 de outubro de 2020 ( 1 )

    Processo C‑580/19

    RJ

    contra

    Stadt Offenbach am Main

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Darmstadt (Tribunal Administrativo de Darmstadt, Alemanha)]

    «Reenvio prejudicial — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Conceito de tempo de trabalho e de período de descanso — Bombeiros profissionais — Serviço de disponibilidade sem um local estabelecido pela entidade patronal»

    1.

    Em que condições o tempo que um trabalhador passa em situação de disponibilidade pode ser considerado tempo de trabalho?

    2.

    Pode o conceito de tempo de trabalho que resulta da Diretiva 2003/88/CE ( 2 ) estender‑se de modo que abranja situações em que o trabalhador, embora não estando a «trabalhar», se encontra numa situação tal que não lhe permite um descanso efetivo? Quais são as características de um «descanso efetivo» em conformidade com as finalidades de proteção da saúde e da segurança do trabalhador dessa diretiva?

    3.

    É possível imaginar que existam «zonas cinzentas» em que o trabalhador não se encontra em tempo de trabalho mas também não se encontra em período de descanso?

    4.

    São estas interrogações quanto ao mérito do presente processo que, examinado de forma coordenada conjuntamente com o C‑344/19, oferece ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se confrontar com o tema da qualificação jurídica dos períodos de prevenção e de disponibilidade à luz da Diretiva 2003/88.

    5.

    O Tribunal de Justiça já se pronunciou várias vezes sobre este assunto, mas o presente processo, devido às particularidades do caso concreto (inexistência de obrigação para o trabalhador de presença física num local indicado pela entidade patronal, prazo curto de reação à chamada e alguns condicionalismos adicionais impostos pelas particularidades do trabalho) exige um reexame dos princípios até agora afirmados para apreciar possíveis evoluções.

    6.

    Mais precisamente, trata‑se de saber se os períodos de prevenção, com obrigação para o trabalhador de estar contactável a qualquer momento e de intervir, eventualmente, no prazo de 20 minutos, devem ser considerados como tempo de trabalho ou como período de descanso na aceção do referido artigo 2.o da Diretiva 2003/88.

    7.

    Isto, tendo em conta, em particular, a circunstância de o recorrente, bombeiro, estar sujeito, em caso de chamada, à obrigação de, no referido tempo de reação limitado, se apresentar na área urbana da cidade em que presta serviço, em uniforme de trabalho e com o veículo de intervenção.

    I. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    8.

    O considerando 5 da Diretiva 2003/88 afirma que:

    «Todos os trabalhadores devem beneficiar de períodos de descanso suficientes. O conceito de “descanso” deve ser expresso em unidades de tempo, ou seja, em dias, horas e/ou suas frações. Os trabalhadores da Comunidade devem beneficiar de períodos mínimos de descanso — diários, semanais e anuais — e de períodos de pausa adequados. Assim sendo, é conveniente prever igualmente um limite máximo para o horário de trabalho semanal.»

    9.

    O artigo 2.o da Diretiva 2003/88 prevê que:

    «Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

    1)

    Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional.

    2)

    Período de descanso: qualquer período que não seja tempo de trabalho.

    […]

    9.

    Descanso suficiente: o facto de os trabalhadores disporem de períodos de descanso regulares cuja duração seja expressa em unidades de tempo, e suficientemente longos e contínuos para evitar que se lesionem ou lesionem os colegas ou outras pessoas e para não prejudicarem a saúde, a curto ou a longo prazo, por cansaço ou ritmos irregulares de trabalho.»

    B.   Direito alemão

    10.

    O anexo do Verordnung über die Organisation, Mindeststärke und Ausrüstung der öffentlichen Feuerwehren (Regulamento relativo à Organização, Capacidade Mínima e ao Equipamento dos Corpos Estatais de Bombeiros), de 17 de dezembro de 2003, dispõe que:

    «O equipamento de nível 2, incluindo o pessoal necessário deve, em regra, estar no local de intervenção dentro de 20 minutos após ser dado alarme […].»

    11.

    Nos termos da Einsatzdienstverfügung der Feuerewehr Offenbach (Circular operacional dos corpos estatais de bombeiros da cidade de Offenbach am Main), na sua versão de 18 de junho de 2018, o funcionário que presta um serviço «Beamter vom Einsatzleitdienst» (a seguir «serviço “BvE”») deve deslocar‑se imediatamente ao local de intervenção, utilizando os seus direitos especiais derrogatórios do Código da Estrada e direitos de prioridade.

    12.

    Quanto às obrigações que incumbem ao funcionário que efetua um serviço «BvE», a referida circular enuncia especificamente na página 6:

    «Enquanto durar o serviço “BvE” o funcionário deve estar disponível e permanecer num local que lhe permita respeitar o tempo de intervenção de 20 minutos. Considera‑se que esta regra é cumprida no caso de, exercendo os seus direitos especiais derrogatórios do Código da Estrada e direitos de prioridade, se o tempo do trajeto entre o local em que se encontra e a área urbana da cidade de Offenbach am Main for igual ou inferior a 20 minutos. O referido tempo do trajeto aplica‑se em caso de tráfego com intensidade média e de condições normais de circulação rodoviária e meteorológicas.»

    II. Factos, processo principal e questões prejudiciais

    13.

    RJ, recorrente no processo principal, é funcionário público e desempenha funções como bombeiro no corpo de bombeiros de Offenbach am Main (Alemanha).

    14.

    Além do seu serviço regular, o recorrente deve, em conformidade com o regime jurídico dos bombeiros da cidade de Offenbach am Main e na qualidade de responsável, exercer regularmente o designado serviço «BvE» (a seguir «disponibilidade»).

    15.

    Quando presta esse serviço, RJ deve estar sempre contactável e ter o seu uniforme de trabalho pronto e o veículo de intervenção fornecido pela entidade patronal. Tem de atender as chamadas que recebe através das quais é informado dos incidentes sobre os quais tem de tomar decisões. Por vezes, deve deslocar‑se para o local das operações ou para o seu posto de trabalho. Quando presta um serviço de disponibilidade, o recorrente tem de escolher o local onde permanece de modo que, em caso de intervenção necessária, possa chegar com o equipamento de trabalho vestido e com o veículo de intervenção, à área urbana da cidade de Offenbach am Main no prazo de 20 minutos.

    16.

    Durante a semana, o serviço de disponibilidade dura das 17 horas às 7 horas do dia seguinte, enquanto nos fins de semana se prolonga de sexta‑feira às 17 horas a segunda‑feira às 7 horas e pode acontecer que este se acumule a uma semana de trabalho de 42 horas.

    17.

    Em média, o recorrente realizou, por ano, entre 10 a 15 serviços de disponibilidade em fins de semana. Entre 1 de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2015, o recorrente prestou um total de 126 serviços de disponibilidade, durante os quais teve de responder a alarmes ou intervir fisicamente 20 vezes.

    18.

    RJ pediu o reconhecimento dos referidos períodos prestados em serviço de disponibilidade como tempo de trabalho e a remuneração correspondente. Em contrapartida, por Decisão de 6 de agosto de 2014, a entidade patronal rejeitou esses pedidos, considerando que esse serviço não podia, de facto, ser considerado como tempo de trabalho.

    19.

    Em 31 de julho de 2015, RJ intentou uma ação no órgão jurisdicional de reenvio, alegando que os períodos de prevenção podem ser considerados como tempo de trabalho mesmo quando, apesar de o trabalhador não ser obrigado a estar fisicamente presente num local determinado pela entidade patronal, este último fixa, todavia, um prazo muito curto em que o trabalhador deve regressar ao trabalho. No caso em apreço, RJ sustenta que, em caso de alerta, e para poder respeitar o prazo de 20 minutos, deve abandonar imediatamente o seu local de residência, pelo que não está em condições de se dedicar a atividades que não possam ser interrompidas. Além disso, quando está fora de casa, apenas pode exercer atividades que lhe permitam encontrar‑se próximo do seu veículo. Assim, durante o serviço de disponibilidade, está sujeito a limitações fortes na livre escolha das atividades às quais se pode dedicar, em particular com os seus filhos.

    20.

    Segundo a entidade patronal, em contrapartida, o serviço «BvE» não pode ser considerado tempo de trabalho, uma vez que RJ não é obrigado a estar disponível num local estabelecido pela entidade patronal e situado fora do seu contexto de vida privada. O prazo de 20 minutos de que o recorrente dispõe para chegar à área urbana da cidade dá a RJ um perímetro geográfico adequado para se deslocar livremente, em particular à luz da circunstância de o veículo de intervenção beneficiar de direitos especiais derrogatórios do Código da Estrada em caso de utilização dos sinais de alarme.

    21.

    A título preliminar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, por um lado, as atividades exercidas pelas forças de intervenção de um corpo estatal de bombeiros estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2003/88 ( 3 ) e, por outro, as questões relativas à remuneração dos serviços de prevenção não são, em contrapartida, abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva ( 4 ).

    22.

    Todavia, considera que a questão da qualificação do serviço de disponibilidade como tempo de trabalho, na aceção da Diretiva 2003/88, é decisiva para a solução do litígio pendente. Com efeito, em conformidade com o direito nacional, a entidade patronal de RJ apenas está obrigada a remunerar o serviço de disponibilidade tal como pedido pelo recorrente no caso de este último ter exercido atividades que devam ser qualificadas como tempo de trabalho em violação do limite máximo de tempo de trabalho semanal fixado pela Diretiva 2003/88. Além disso, o pedido do recorrente no sentido de ser reconhecido que o serviço de disponibilidade constitui tempo de trabalho não visa obter uma eventual diferente remuneração, mas antes evitar que, no futuro, RJ tenha de trabalhar para além do tempo máximo de trabalho permitido pelo direito da União.

    23.

    Quanto à primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, até agora, a posição do Tribunal de Justiça tem sido a de considerar o serviço de prevenção como abrangido pelo tempo de trabalho unicamente quando o trabalhador é obrigado a estar fisicamente presente num local estabelecido pela entidade patronal.

    24.

    Sublinha, todavia, que, no Acórdão Matzak ( 5 ), o Tribunal de Justiça considerou que o serviço de prevenção efetuado por um trabalhador no seu domicílio deve, também ele, ser qualificado de tempo de trabalho, baseando‑se, por um lado, na circunstância de o trabalhador estar obrigado a permanecer fisicamente num local estabelecido pela entidade patronal (no caso em apreço, no próprio domicílio) e, por outro, na limitação das possibilidades de o trabalhador se dedicar aos seus interesses pessoais e sociais resultantes da necessidade de chegar o seu local de trabalho no prazo de oito minutos.

    25.

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as constatações do Tribunal de Justiça no Acórdão Matzak não excluem que mesmo os períodos de prevenção como os que estão em causa no presente litígio — durante os quais, embora a entidade patronal não imponha ao trabalhador nenhum local preciso para estar presente, este último está, em todo o caso, sujeito a limitações significativas na livre escolha do local onde se encontre e na organização do seu tempo livre —possam igualmente ser qualificados como tempo de trabalho. É o que acontece, por exemplo, quando — como no caso em apreço — a entidade patronal, ao impor um lapso de tempo curto dentro do qual o trabalhador deve regressar ao trabalho, estabelece uma área geográfica dentro da qual trabalhador se deve encontrar fisicamente, limitando assim a sua livre escolha quanto ao local onde se encontra e às atividades de lazer a que se dedica.

    26.

    Segundo o órgão jurisdicional a quo, uma confirmação dessa afirmação resulta das Conclusões do advogado‑geral no processo Matzak, dado que parece ter compreendido a situação na origem do Acórdão Matzak não no sentido de que o bombeiro em causa estava obrigado a permanecer no seu domicílio, mas devia simplesmente estar em condições de chegar ao quartel no lapso de tempo de oito minutos.

    27.

    O referido órgão jurisdicional remete igualmente para o n.o 63 do Acórdão Matzak e para o n.o 66 do Despacho Grigore ( 6 ), dos quais resulta que a qualidade do tempo em que o trabalhador se encontra à disposição é um elemento pertinente para determinar se um período de disponibilidade deve ser qualificado de tempo de trabalho.

    28.

    Salienta igualmente que o Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho, Alemanha) afirmou que um período de disponibilidade constitui tempo de trabalho quando o trabalhador é obrigado a regressar ao trabalho num lapso de tempo de 20 minutos, independentemente do facto de a entidade patronal ter ou não estabelecido um local específico no qual o trabalhador é obrigado a estar fisicamente presente durante esse período. O fator determinante é, com efeito, a limitação da liberdade do trabalhador quanto à possibilidade de escolha do local onde se encontra e à organização do seu tempo livre devido ao prazo apertado imposto pela entidade patronal.

    29.

    Segundo o órgão jurisdicional nacional, é discriminatório excluir os serviços de prevenção do tempo de trabalho pelo simples facto de a entidade patronal não ter previsto um local específico em que o trabalhador deve estar fisicamente presente, na medida em que, para este último, a obrigação de chegar um local específico (no caso concreto, a área urbana de Offenbach am Main) num prazo de 20 minutos, no seu uniforme e com o veículo de intervenção, pode ter, no que respeita à organização do seu tempo livre, um efeito que, em definitivo, é tão restritivo como o que resulta da imposição, por parte da entidade patronal, de um local específico onde se deve encontrar. Reitera, além disso, que ao sujeitar o trabalhador a prazos apertados para a intervenção, a entidade patronal impõe‑lhe, indiretamente, também o local onde é obrigado a estar fisicamente presente, limitando, por isso, significativamente as possibilidades de este conduzir a sua vida privada como considerar oportuno.

    30.

    O órgão jurisdicional de reenvio considera igualmente que, relativamente à questão da definição do conceito de tempo de trabalho, há que ter em conta que, atendendo à digitalização do trabalho e à existência de teletrabalho, o elemento da imposição pela entidade patronal de um local de permanência concreto do trabalhador deve revestir um papel secundário na definição desse conceito.

    31.

    Quanto à segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que o critério utilizado pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha) para determinar se o serviço de prevenção integra o tempo de trabalho está relacionado com a previsibilidade, com base na experiência, de uma chamada ao trabalhador que lhe imponha regressar ao serviço. Nesse contexto, o fator determinante é constituído pela frequência com que o trabalhador espera ser chamado durante o serviço de prevenção e, portanto, se esse serviço apenas é interrompido esporadicamente pela necessidade de uma intervenção, não se trata de tempo de trabalho.

    32.

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional a quo pergunta, portanto, se, no que respeita à qualificação como tempo de trabalho do serviço de prevenção que não tem necessariamente de ser passado no local de trabalho ou no seu domicílio, mas que, devido às suas outras características, implica limitações significativas à organização do tempo livre dos trabalhadores, a frequência dos pedidos de intervenção pode ou não ser um elemento relevante.

    33.

    Nessas circunstâncias, o Verwaltungsgericht Darmstadt (Tribunal Administrativo de Darmstadt, Alemanha) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 2.o da Diretiva 2003/88/CE ser interpretado no sentido de que o tempo de prevenção durante o qual um trabalhador está sujeito à obrigação de se apresentar na área urbana da cidade do seu local de trabalho no prazo de vinte minutos, em uniforme de intervenção e com o veículo de intervenção, deve ser considerado tempo de trabalho, quando o empregador não obriga o trabalhador a permanecer num local determinado, mas o trabalhador fica sujeito a limitações significativas quanto ao local onde permanece e às possibilidades de se dedicar aos seus interesses pessoais e sociais?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão prejudicial, deve o artigo 2.o da Diretiva 2003/88/CE ser interpretado no sentido de que, numa situação como a da primeira questão prejudicial, para definir o conceito de tempo de trabalho, também se deve ter em conta se, e em que medida, durante o tempo de prevenção, que pode ser passado num local não especificado pelo empregador, é de esperar uma convocação para o trabalho?»

    III. Análise jurídica

    A.   Observações preliminares

    1. Quanto à admissibilidade

    34.

    A Diretiva 2003/88, fundada no artigo 153.o, n.o 2, TFUE, limita‑se a regular determinados aspetos da organização do tempo de trabalho a fim de proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores e não se aplica, por força do n.o 5 do mesmo artigo, à questão da remuneração dos trabalhadores abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, excetuada uma hipótese particular relativa às férias anuais remuneradas, referida no artigo 7.o, n.o 1, dessa diretiva ( 7 ); em princípio, não é, portanto, aplicável à remuneração dos trabalhadores.

    35.

    O facto de o objeto do processo principal ser o pedido de pagamento a título de retribuição, enquanto tempo de trabalho, das horas de disponibilidade contínua não implica que as questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça no presente processo não sejam respondidas.

    36.

    Com efeito, resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional nacional deseja ser esclarecido quanto à interpretação do artigo 2.o da Diretiva 2003/88, interpretação considerada necessária para resolver o litígio no processo principal. O facto de este último dizer respeito, in fine, a uma questão de remuneração é irrelevante, uma vez que incumbe ao órgão jurisdicional nacional e não ao Tribunal de Justiça dirimir esta questão no âmbito do litígio no processo principal ( 8 ).

    37.

    Considero, por conseguinte, que as questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio são admissíveis.

    B.   Finalidade da diretiva, conceito de tempo de trabalho e de serviço de prevenção

    38.

    O objetivo da Diretiva 2003/88 é fixar prescrições mínimas destinadas a melhorar a proteção da saúde e da segurança nos locais de trabalho, objetivo que é alcançado, nomeadamente, através de uma aproximação das regulamentações nacionais relativas à duração do tempo de trabalho ( 9 ).

    39.

    Esta aspiração é um elemento‑chave na construção do direito social europeu. Depois de ter fixado, com base no artigo 153.o TFUE, os princípios gerais para a proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores na Diretiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de junho de 1989, o legislador concretizou essas orientações através de uma série de diretivas específicas. Entre estas, precisamente, a Diretiva 2003/88, que codificou a anterior Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993 ( 10 ).

    40.

    Para alcançar os objetivos referidos, as disposições da Diretiva 2003/88 fixam períodos mínimos de descanso diário e semanal, bem como um limite de quarenta e oito horas para a duração média da semana de trabalho, incluindo as horas de trabalho extraordinário.

    41.

    É através das referidas previsões que é aplicado o artigo 31.o da Carta dos Direitos Fundamentais, que, após ter reconhecido, no seu n.o 1, que «[t]odos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas», dispõe, no n.o 2, que «[t] os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas». Esse direito está diretamente relacionado com o respeito da dignidade humana protegida de forma mais ampla no título I da Carta ( 11 ).

    42.

    É nesse quadro sistemático que o Tribunal de Justiça afirma que as regras enunciadas pela Diretiva 2003/88 constituem regras do direito social da União que revestem especial importância, e de que cada trabalhador deve beneficiar como prescrições mínimas necessárias para assegurar a proteção da sua segurança e da sua saúde ( 12 ), proteção que não diz respeito apenas ao interesse individual deste, mas também ao da sua entidade patronal, bem como ao interesse geral ( 13 ).

    43.

    Uma primeira consequência que, na minha opinião, pode extrair‑se do vínculo instrumental entre a Diretiva 2003/88 e os direitos sociais fundamentais reconhecidos na Carta é que a interpretação da Diretiva 2003/88 e a determinação do seu âmbito de aplicação devem ser idóneas a permitir o pleno e efetivo exercício dos direitos subjetivos que reconhece aos trabalhadores, eliminando qualquer obstáculo que, de facto, possa limitar ou prejudicar o seu exercício ( 14 ).

    44.

    Para esse fim, ao interpretar e aplicar a Diretiva 2003/88, importa ter presente que, como foi sublinhado várias vezes pelo Tribunal de Justiça, o trabalhador deve ser considerado a parte fraca na relação de trabalho, pelo que é necessário impedir que a entidade patronal lhe possa impor uma restrição dos seus direitos ( 15 ).

    45.

    Posto isto, a ratio de proteção é o farol que guia o Tribunal de Justiça no trabalho interpretativo da Diretiva 2003/88.

    46.

    Um exemplo claro e significativo da interpretação teleologicamente orientada do Tribunal de Justiça encontra‑se, antes de mais, na leitura que este deu às definições de «tempo de trabalho» e de «período de descanso»; uma leitura que produziu efeitos perturbadores nos equilíbrios que resultavam da regulamentação presente em vários Estados‑Membros ( 16 ).

    47.

    A diretiva, ao definir o conceito de tempo de trabalho, útil para efeitos da aplicação das proteções nela previstas, refere‑se, com efeito, a «qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções ( 17 ) […]»; de modo simétrico, entende‑se por período de descanso«qualquer período que não seja tempo de trabalho» (artigo 2.o, n.os 1 e 2).

    48.

    Como o Tribunal de Justiça já declarou várias vezes, os conceitos de «tempo de trabalho» e de «período de descanso», na aceção da Diretiva 2003/88, constituem conceitos do direito da União que importa definir segundo características objetivas, tomando‑se por referência o sistema e a finalidade dessa diretiva, que visa estabelecer prescrições mínimas destinadas a melhorar as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores ( 18 ); por conseguinte, «não devem ser interpretados em função das disposições das diversas regulamentações dos Estados‑Membros […]. Só essa interpretação autónoma é suscetível de assegurar a essa diretiva a sua plena eficácia, bem como uma aplicação uniforme dos referidos conceitos no conjunto dos Estados‑Membros […]. O facto de a definição do conceito de tempo de trabalho fazer referência à “legislação e/ou [à] prática nacional” não significa que os Estados‑Membros possam determinar unilateralmente o alcance desse conceito. Os Estados‑Membros não podem, portanto, submeter a qualquer condição o direito dos trabalhadores a que esses períodos de trabalho e, correlativamente, os de descanso sejam devidamente tomados em conta, resultando esse direito diretamente das disposições dessa diretiva. Qualquer outra interpretação poria em causa o objetivo da Diretiva 93/104 ( 19 ), de harmonizar a proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores por meio de prescrições mínimas» ( 20 ).

    49.

    O Tribunal de Justiça adota, portanto, uma abordagem decididamente binária: o tempo do trabalhador ou é trabalho ou é descanso.

    50.

    Os conceitos de «tempo de trabalho» e de «período de descanso», com efeito «excluem[‑se] mutuamente» ( 21 ). No estado atual do direito da União, o tempo de prevenção passado por um trabalhador no quadro das suas atividades desenvolvidas para a sua entidade patronal deve ser qualificado como “tempo de trabalho” ou como “período de descanso”» ( 22 ).

    51.

    Na doutrina, defendeu‑se que «este sistema binário tem a vantagem da simplicidade, mas não é desprovido de inconvenientes» ( 23 ). Com efeito, referiu‑se, entre outros, que, durante o período de disponibilidade, mesmo que o trabalhador não efetue qualquer trabalho, a sua liberdade de circulação, a qualidade do seu descanso, a capacidade de se ocupar dos seus interesses é limitada, ainda que tal não esteja totalmente excluída; pode acontecer que, ao qualificar o período de disponibilidade como sendo de descanso, o trabalhador se encontre sistematicamente em situação de disponibilidade entre dois períodos de trabalho.

    52.

    Sobre este tema, desenvolveu‑se um amplo debate doutrinário relativo à possibilidade de identificar um tertium genus entre trabalho e descanso ( 24 ).

    53.

    No estado atual, apesar de compreender as exigências que estão na base das propostas de superação da rígida dicotomia existente ( 25 ), tal superação só pode, na minha opinião, ser eventualmente introduzida pelo legislador europeu.

    54.

    Quanto a este assunto, observo que, na eventual introdução de uma «zona cinzenta» entre trabalho e descanso ( 26 ), antevejo alguns riscos em termos de aplicação concreta em todos os países e, portanto, para a segurança jurídica.

    55.

    Parece‑me, em todo o caso, muito difícil chegar a esta superação por via interpretativa diante de um texto claro e inequívoco: qualquer período que não integre o tempo de trabalho é período de descanso ( 27 ).

    56.

    Voltando aos elementos que caracterizam o conceito de tempo de trabalho, previstos no artigo 2.o da Diretiva 2003/88, foram eficazmente resumidos em: 1) um critério espacial (estar no local de trabalho), 2) critério de autoridade (estar à disposição da entidade patronal); e 3) um critério profissional (estar no exercício da sua atividade ou das suas funções) ( 28 ).

    57.

    Como veremos, o Tribunal de Justiça, na ótica de uma interpretação teleológica orientada, teve de se afastar de uma interpretação literal desta disposição da diretiva ( 29 ).

    58.

    Com efeito, nos acórdãos em matéria de serviço de prevenção, o Tribunal de Justiça seguiu uma linha evolutiva coerente, para oferecer um quadro interpretativo sólido dos conceitos de trabalho e de descanso, a fim de imputar a um ou a outro conceito os períodos passados pelos trabalhadores naquela situação particular.

    59.

    O Tribunal de Justiça, desde as primeiras decisões sobre o tema ( 30 ), distinguiu as duas hipóteses de: 1) serviço de prevenção no regime de presença física no local de trabalho (período de prevenção no local de trabalho); e 2) serviço de prevenção de acordo com o sistema que prevê que os trabalhadores estejam permanentemente acessíveis sem contudo estarem obrigados a uma presença efetiva no local de trabalho (período de disponibilidade contínua).

    60.

    A primeira hipótese não coloca problema interpretativos particulares, uma vez que é hoje pacífico que um trabalhador, obrigado a estar presente e disponível no local de trabalho com vista à prestação dos seus serviços profissionais, deve ser considerado no exercício das suas funções e, portanto, tempo de trabalho ( 31 ), incluindo durante o período em que não exerce concretamente uma atividade laboral.

    61.

    A segunda hipótese, que é igualmente a que se integra na situação objeto do presente processo, é sem dúvida mais complexa do ponto de vista interpretativo.

    62.

    Com efeito, em caso de disponibilidade, o Tribunal de Justiça afirmou princípios diferentes, também em razão das questões prejudiciais submetidas, que podem, todavia, ser coerentemente reconduzidos à perspetiva teleológica acima referida.

    63.

    Partiu‑se do Acórdão Simap, relativo a médicos das equipas de urgência em serviço de prevenção num centro de saúde; deviam estar presentes no seu local de trabalho durante uma parte do tempo, ao passo que, para a parte restante, deviam simplesmente estar «acessíveis».

    64.

    No que respeita à segunda situação, embora estando à disposição da sua entidade patronal, na medida em que deviam estar acessíveis, os médicos podiam gerir o seu tempo de forma mais livre e dedicar‑se aos seus interesses. O referido tempo integra‑se, portanto, na categoria de «período de descanso», com exceção do tempo efetivamente passado ao serviço na sequência da chamada.

    65.

    O processo Matzak ( 32 ) distingue‑se do Simap pelo facto de o trabalhador não se encontrar no local de trabalho para responder imediatamente à chamada, mas encontra‑se num local determinado pela entidade patronal ( 33 ) (neste caso, o domicílio do trabalhador) com a obrigação de responder à chamada em oito minutos.

    66.

    Em substância, o Tribunal de Justiça considerou que um serviço de disponibilidade como o de R. Matzak deve ser considerado na íntegra como tempo de trabalho, na medida em que, embora não fosse efetuado no local de trabalho, estava sujeito a condicionalismos geográficos (disponibilidade num local determinado pela entidade patronal) e temporais (obrigação, uma vez chamado, de regressar ao posto de trabalho num período de tempo muito limitado) suscetível de limitar de maneira muito significativa a liberdade do trabalhador se dedicar, no tempo de descanso, aos seus interesses pessoais e sociais.

    67.

    Encontrar‑se num «local determinado pela entidade patronal» foi considerado pelo Tribunal de Justiça equivalente a encontrar‑se «no local de trabalho», quando conjugado com o facto de a resposta à chamada dever ser dada num prazo tão curto que é equivalente a «imediatamente».

    68.

    Por conseguinte, o Tribunal de Justiça, como já fez em relação aos serviços de prevenção prestados no local de trabalho ( 34 ), deduziu da coexistência de dois elementos do conceito de tempo de trabalho a existência de um terceiro: estar presente num local determinado pela entidade patronal e estar à disposição para a prestação da atividade laboral apenas integram também o exercício da sua atividade laboral no caso de o tempo de reação à chamada ser particularmente limitado.

    69.

    Pode, portanto, deduzir‑se da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para considerar como tempo de trabalho o período passado em situação de disponibilidade contínua, são necessárias três condições: 1) que o trabalhador esteja presente num local determinado pela entidade patronal; 2) que o trabalhador esteja à disposição da entidade patronal para responder à chamada; e 3) que o tempo de reação à chamada seja particularmente limitado.

    70.

    O que é agora pedido ao Tribunal de Justiça é que aprecie se, à luz da tantas vezes referida perspetiva de interpretação teleológica da Diretiva 2003/88, a existência destes elementos é sempre necessária para qualificar como tempo de trabalho o período de disponibilidade e se essas obrigações devem ser apreciadas em concreto à luz dos condicionalismos que recaem sobre o trabalhador, a fim de determinar se são suscetíveis de dificultar as suas possibilidades efetivas de se dedicar aos seus interesses pessoais durante o período de descanso.

    C.   Questões prejudiciais: condicionalismos impostos pela entidade patronal e descanso efetivo

    71.

    Com as suas duas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que o serviço de prevenção imposto ao trabalhador nas circunstâncias do caso em apreço deve ser qualificado como «tempo de trabalho» ou, pelo contrário, como «período de descanso» na aceção das definições dessa diretiva.

    72.

    As circunstâncias particulares descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que o induziram em dúvida sobre a possibilidade de incluir um caso como o que é objeto do seu processo nas situações já analisadas pelo Tribunal de Justiça, são: a) o facto de o trabalhador dever estar contactável telefonicamente e estar em condições de chegar à área urbana da cidade onde trabalha em 20 minutos; b) o facto de, em caso de pedido de intervenção, o trabalhador dever chegar ao local respetivo no referido arco temporal com o equipamento de trabalho vestido; c) o facto de, durante esse período de disponibilidade, o trabalhador dispor de um veículo de serviço com o qual deve intervir, dotado de direitos especiais derrogatórios do regime da circulação rodoviária; e d) a escassa frequência com que o trabalhador é chamado ou está obrigado a intervir durante os serviços de prevenção (20 vezes num total de 126 serviços de prevenção entre 2013 e 2015).

    73.

    As apreciações a fazer à luz do que foi exposto até aqui dizem respeito: 1) ao local onde o trabalhador se deve encontrar durante o período da disponibilidade; 2) ao tempo de reação à chamada; 3) às características relativas às modalidades de intervenção (necessidade de se equipar com o vestuário de trabalho e disponibilidade do transporte de serviço); e 4) à frequência com que o trabalhador é chamado a responder à chamada para intervir.

    74.

    Quanto ao primeiro elemento, o local de permanência durante a disponibilidade, resulta claramente dos autos, que o trabalhador não estava juridicamente obrigado a permanecer no local de trabalho nem num local determinado pela entidade patronal: com efeito, era livre de passar o seu tempo onde quisesse e o único condicionalismo que lhe era imposto era o de estar em condições de chegar à área urbana da cidade de Offenbach am Main no tempo de reação de 20 minutos.

    75.

    O segundo elemento, o tempo de reação à chamada, que é de vinte minutos, afigura‑se o de maior complexidade, não podendo ser considerado próximo de uma reação «imediata», nem plenamente apto a permitir ao trabalhador uma programação de um período de descanso enquanto aguarda a chamada.

    76.

    À luz destes dois primeiros elementos, seguindo a orientação jurisprudencial do Tribunal de Justiça descrita no n.o 69, supra, deve excluir‑se a qualificação como tempo de trabalho do período de disponibilidade num caso como o que é objeto do processo principal. Com efeito, enquanto a segunda condição — que o trabalhador esteja à disposição da entidade patronal para responder à chamada — se verifica seguramente, a primeira condição — que o trabalhador esteja presente num local determinado pela entidade patronal — não se verifica; no que respeita, em seguida, à terceira condição — que o tempo de reação à chamada seja particularmente limitado — deve ser apreciada na medida em que o tempo de reação, embora nitidamente superior ao do processo Matzak, é, em qualquer caso, bastante curto.

    77.

    Os terceiro e quarto elementos — respetivamente, o relativo à obrigação de intervenção em uniforme e à disponibilidade de um veículo de serviço e o relativo à previsibilidade da frequência das chamadas para as intervenções durante os serviços de disponibilidade — impõem, na exposição do órgão jurisdicional de reenvio, uma reflexão sobre a qualificação efetiva do tempo passado pelo trabalhador em situação de disponibilidade contínua. Com efeito, como vimos, tem dúvidas quanto ao facto de, à luz de todas as circunstâncias do caso em apreço, a circunstância de o trabalhador não ser obrigado, durante a disponibilidade contínua, a permanecer num local determinado pelo trabalhador seja suficiente para afastar a qualificação desse período como tempo de trabalho.

    78.

    Quanto ao terceiro elemento — as características relativas às modalidades de intervenção — resulta dos autos que, durante os períodos de disponibilidade contínua, o trabalhador deve não só estar contactável e escolher o lugar onde se encontra de forma a poder chegar à área urbana da cidade de Offenbach am Main em 20 minutos, mas também lhe é imposto pela entidade patronal intervir com equipamento de trabalho vestido e com o veículo de serviço que lhe foi colocado à disposição. Estas duas últimas circunstâncias, que influenciam a quantidade do tempo de reação, são condicionalismos impostos pela entidade patronal e não situações objetivas alheias ao poder de direção da entidade patronal (contrariamente ao que acontece no processo C‑344/19 em relação à localização geográfica peculiar do local de trabalho).

    79.

    A exigência de intervir equipado com o uniforme implica uma redução do tempo de reação em função da complexidade desse vestuário técnico e do tempo necessário para o colocar, devendo esta circunstância ser apreciada em concreto pelo órgão jurisdicional nacional.

    80.

    A disponibilização de um transporte de serviço para chegar ao local de intervenção em caso de chamada pode, em contrapartida, aumentar o tempo em que o trabalhador se encontra efetivamente à disposição se o órgão jurisdicional nacional considerar, o que parece resultar dos autos, que se trata de um transporte de serviço com direitos de prioridade e de direitos especiais derrogatórios de algumas disposições do regime da circulação rodoviária em função da urgência da intervenção. Com efeito, isso permite ao trabalhador chegar ao destino imposto pela necessidade da intervenção mais rapidamente do que se apenas tivesse à disposição um meio de transporte particular ou meios de transporte público normais.

    81.

    Por último, quanto ao quarto elemento, relativo à previsibilidade da frequência com que o trabalhador pode ser chamado a responder às chamadas ou a intervir durante o período de disponibilidade, também esse é, na minha opinião, um elemento, pelo menos em parte, na disponibilidade do poder de direção da entidade patronal que, na sua organização empresarial, pode fazer juízos de prognose sobre as necessidades de intervenção. Resulta dos autos que, durante a realização dos serviços de disponibilidade contínua respetivos entre 2013 e 2015, o trabalhador teve de responder, em média, a 6,67 chamadas por ano. Essa frequência das intervenções exigidas não me parece significar que o trabalhador espera normalmente ser contactado ou intervir durante o serviço de disponibilidade. Também sobre esta circunstância, deverá ser o órgão jurisdicional nacional a fazer as apreciações substantivas e retirar as conclusões conexas.

    82.

    Para a solução do presente caso, os princípios até agora afirmados pelo Tribunal de Justiça são, na minha opinião, confirmados: os fatores determinantes para a qualificação do período de disponibilidade como tempo de trabalho são os condicionalismos impostos pela entidade patronal, que não permitem ao trabalhador gozar uma situação de descanso suficiente ( 35 ).

    83.

    O elemento adicional que o Tribunal de Justiça pode hoje acrescentar, sempre na perspetiva, tantas vezes referida, da interpretação teleológica dos conceitos constantes da Diretiva 2003/88, é o de não considerar como elemento necessário para efeitos de configuração do período de disponibilidade contínua como tempo de trabalho o facto de o trabalhador se encontrar num local determinado pela entidade patronal, mas é suficiente a circunstância de que o trabalhador esteja à disposição da entidade patronal e deva intervir para prestar a sua atividade laboral efetiva num prazo muito curto. Para além do facto de, em algumas situações, aos fatores determinantes se poder acrescentar, numa apreciação global da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, alguns critérios subsidiários que podem ajudar na resolução de casos duvidosos.

    84.

    Como vimos no recente Acórdão Matzak, o Tribunal de Justiça interpretou de forma flexível a expressão utilizada pela diretiva que, entre os requisitos do tempo de trabalho, introduz o de estar «a trabalhar», referindo‑se não apenas ao local de trabalho, mas também a outro local determinado pela entidade patronal.

    85.

    Quando o trabalhador não se encontra no local de trabalho, mesmo em alguns casos anteriores examinados pelo Tribunal de Justiça, é a sujeição aos condicionalismos impostos pela entidade patronal e, em particular, o tempo de reação à chamada, que reveste um papel determinante e não apenas o facto de se encontrar num local determinado pela entidade patronal ou nas proximidades do local de trabalho.

    86.

    Com efeito, nos processos Grigore e Tyco, a circunstância de o trabalhador se encontrar ou não num local específico estabelecido pela entidade patronal ou nas proximidades do local de trabalho foi considerada neutro em relação à qualificação do período de disponibilidade.

    87.

    No processo Grigore, o Tribunal de Justiça, partindo do pressuposto de que a atribuição de uma residência de serviço nas proximidades do local de trabalho não constitui um fator determinante para qualificar o período de disponibilidade em termos de trabalho ou descanso, remeteu, no entanto, para o órgão jurisdicional nacional a apreciação com base no seguinte critério: o período de disponibilidade pode ser considerado tempo de trabalho se se verificar a existência de «obrigações que tornam impossível ao trabalhador em causa a escolha do local de residência durante os períodos de inatividade no trabalho». Com efeito, quando verificadas, «devem ser consideradas como fazendo parte do exercício das suas funções» ( 36 ).

    88.

    Em contrapartida, no processo Tyco ( 37 ), o Tribunal de Justiça declarou que, num caso como o que está em causa no processo principal, o tempo de viagem de trabalhadores, que não têm local fixo de trabalho, entre o seu alojamento e os clientes designados pela entidade patronal deve ser considerado tempo de trabalho, uma vez que esses trabalhadores, embora tendo um certo grau de liberdade durante as viagens, eram, no entanto, obrigados a agir segundo as instruções específicas da sua entidade patronal.

    89.

    A leitura dos precedentes do Tribunal de Justiça, na perspetiva de uma interpretação teleológica à qual já fiz várias vezes referência, leva‑me, portanto, a considerar que o fator determinante na qualificação dos períodos de disponibilidade é a intensidade dos condicionalismos decorrentes da sujeição do trabalhador às ordens da entidade patronal e, em especial, o tempo de reação à chamada.

    90.

    O tempo de reação à chamada é fator determinante porque influencia diretamente de forma objetiva e inequívoca a liberdade de o trabalhador se dedicar aos seus interesses e, em substância, de descansar: um tempo de reação à chamada de poucos minutos não permite qualquer programação, mesmo que modificável, do seu período de descanso.

    91.

    Em contrapartida, um tempo de reação à chamada razoável permite ao trabalhador dedicar‑se a outras atividades no período de disponibilidade, embora tendo consciência de uma possível chamada ao serviço.

    92.

    Na minha opinião, o tempo de reação também influencia o local em que o trabalhador se deve encontrar durante o período de disponibilidade ( 38 ): é evidente que um tempo de reação muito curto impõe ao trabalhador que esteja presente durante a disponibilidade numa determinada área geográfica que, em substância, é determinada pela entidade patronal ( 39 ). Ou seja, mesmo que esta última não imponha ao trabalhador que esteja num local determinado, se lhe impuser um tempo de reação à chamada muito curto, impõe‑lhe, de facto, também um condicionalismo relevante à sua liberdade de circulação.

    93.

    Considero, portanto, que não é tanto o local em que o trabalhador se encontra durante o período de disponibilidade que reveste um papel decisivo para a qualificação desse período em termos de descanso ou trabalho, mas o condicionalismo à liberdade de circulação do próprio trabalhador que decorre do tempo imposto de reação à chamada.

    94.

    Com efeito, não vejo grandes diferenças em termos de condicionalismos para o trabalhador entre a situação em que este é obrigado a estar no seu domicílio durante o período de disponibilidade e aquela em que não tem essa obrigação, mas tem de responder à chamada num período de tempo particularmente curto.

    95.

    Como suprarreferido, é, portanto, na minha opinião, a intensidade dos condicionalismos decorrentes da sujeição às ordens da entidade patronal que reveste um papel determinante para a qualificação do período de disponibilidade como trabalho ou como descanso. Os condicionalismos decorrentes dessa sujeição podem ser os mais variados, mas, em primeiro lugar, deve considerar‑se decisivo o tempo de reação à chamada.

    96.

    A imposição de um local onde passar o período de disponibilidade apenas pode revestir um papel, enquanto sintoma da referida intensidade da sujeição às ordens da entidade patronal, no quadro de uma apreciação global.

    97.

    Mesmo analisando a situação do ponto de vista da entidade patronal, a possibilidade de contactar o trabalhador por meios eletrónicos portáteis (telemóveis, tablets, computadores portáteis), que permitem fazê‑lo em qualquer momento, torna menos justificado e compreensível que a entidade patronal exija que o trabalhador esteja fisicamente presente num local por ela determinado durante o período de disponibilidade. O que é de primordial importância para a entidade patronal é o período de tempo em que o trabalhador, onde quer se se encontre, deve poder chegar ao local que lhe é indicado pela entidade patronal.

    98.

    Identificado o fator determinante para a qualificação do período de prevenção em termos de trabalho ou descanso, é necessário oferecer aos órgãos jurisdicionais nacionais alguns critérios adicionais a utilizar quando o condicionalismo principal, o tempo de reação à chamada, não for macroscopicamente tão curto que impeça um descanso efetivo do trabalhador.

    99.

    Com efeito, quando o tempo de reação à chamada é macroscopicamente curto, isto é, alguns minutos, considero que isso basta para qualificar o período de disponibilidade como tempo de trabalho, sem apreciações adicionais atendendo às considerações desenvolvidas anteriormente: a liberdade de circulação do trabalhador é, neste caso, de tal modo comprimida que se deve igualmente considerar o local de permanência como sujeito às prescrições da entidade patronal.

    100.

    Pelo contrário, se, como no caso em apreço, o tempo de reação à chamada for curto mas não a ponto de impedir de modo quase absoluto a liberdade de escolha do trabalhador do local onde o período de disponibilidade é passado, podem servir de ajuda critérios adicionais, a examinar conjuntamente, tendo em atenção o efeito global que podem ter todas as condições de aplicação de um sistema de disponibilidade sobre o descanso do trabalhador: os condicionalismos globalmente impostos limitam a possibilidade de o trabalhador cuidar dos seus interesses pessoais e familiares e a sua liberdade de circulação do local de trabalho ou impedem‑na de um modo quase absoluto? É natural, de facto, que o período de disponibilidade imponha alguns condicionalismos e limitações à liberdade do trabalhador; a finalidade do direito da União é evitar que essas limitações sejam de tal forma invasivas que não consintam ao trabalhador um descanso efetivo.

    101.

    Pretendo, nesse sentido, orientar a atenção para a efetividade do descanso do trabalhador. Em contrapartida, sou mais cauteloso em utilizar como critério, embora proposto com autoridade ( 40 ), o da «qualidade do tempo» que o trabalhador pode gozar nos períodos de disponibilidade. Com efeito, considero que tal critério pode revelar‑se excessivamente subjetivo e, por isso, prestar‑se a diversas interpretações dos órgãos jurisdicionais nacionais, mesmo em razão das diferentes sensibilidades de cada país, que não favorecem a segurança jurídica.

    102.

    Nas observações escritas e na audiência, as partes intervenientes ( 41 ) propuseram numerosos critérios, que consistem em condicionalismos de que pode depender a qualificação do período de disponibilidade como trabalho ou descanso: obrigatoriedade ou não da resposta à chamada; margem de manobra do trabalhador face a essa chamada (possibilidade de intervenção à distância, eventual substituição por outro trabalhador); previsões de sanções para a falta de intervenção ou atraso na chamada; grau de urgência da intervenção, nível de responsabilidade do trabalhador, características específicas da profissão, distância a percorrer entre o local onde se encontra o trabalhador e o local de entrada ao serviço, condicionalismos geográficos suscetíveis de atrasar o percurso para o local de trabalho, necessidade de usar vestuário de trabalho, disponibilidade de um veículo de serviço.

    103.

    A estes acresce o critério da expectativa razoável de ser chamado ao serviço, objeto da segunda questão prejudicial no presente processo, que parece referir‑se à incidência da frequência das intervenções na natureza de efetivo período de descanso do período de disponibilidade.

    104.

    Na minha opinião, o Tribunal de Justiça deve limitar‑se a enunciar critérios gerais e objetivos sem entrar demasiado nas especificidades de situações particulares e deixar, pelo contrário, aos órgãos jurisdicionais nacionais a apreciação de todas as circunstâncias de facto.

    105.

    Creio que seja possível limitar‑se a exemplificar alguns critérios supletivos a utilizar nos casos duvidosos, tal como acima exposto, que sejam, porém, reconduzíveis ao exercício do poder de direção da entidade patronal — e ao correlativo estado de sujeição do trabalhador, parte fraca da relação — e que não resultem de situações objetivas estranhas à esfera de controlo da entidade patronal.

    106.

    Excluo, portanto, que circunstâncias como a distância a percorrer para chegar ao local de prestação do trabalho (salvo se for diferente do habitual e não dependa, portanto, da vontade específica da entidade patronal), ou condicionalismos geográficos, também esses, conforme referido, independentes da disponibilidade da entidade patronal possam ser objeto de apreciação.

    107.

    Excluo igualmente que se atribua uma relevância particular ao nível de responsabilidade e às tarefas específicas exercidas: a disponibilidade é uma modalidade de organização do trabalho deixada ao poder de direção da entidade patronal. Para o trabalhador, a resposta à chamada representa o cumprimento da obrigação laboral para o que deve usar da diligência normal. Considero, portanto, que a prestação de trabalho deve ser cumprida pelo trabalhador em benefício da empresa com o mesmo empenho e isto independentemente da posição ocupada e do nível de responsabilidade. Com efeito, seria difícil fazer uma apreciação objetiva do interesse da empresa, uma vez que o que pode parecer pouco importante para alguém pode ser de extrema importância para outro. Raciocínio idêntico vale para o critério do grau de urgência da intervenção e da natureza e relevância dos interesses envolvidos na atividade desenvolvida.

    108.

    É verdade que o grau de pressão psicológica sobre o trabalhador pode variar segundo o nível de responsabilidade, mas, na minha opinião, este é um elemento demasiado subjetivo para poder ter relevo na qualificação.

    109.

    Na minha opinião, deve adotar‑se um discurso diferente para alguns critérios que dizem respeito a circunstâncias na disponibilidade da entidade patronal: a margem de manobra do trabalhador face à chamada poderia, por exemplo, ser utilizada como critério supletivo, quer no caso de consistir numa flexibilização do tempo de reação à chamada, quer no caso de consistir na possibilidade de intervir à distância sem se deslocar ao local de trabalho, quer ainda no caso de o trabalhador poder contar com a sua substituição por outro trabalhador já presente no local de trabalho ou que esteja em condições de lá chegar mais facilmente.

    110.

    O mesmo deve dizer‑se para as consequências previstas para o atraso ou falta de intervenção em caso de chamada durante o período de disponibilidade.

    111.

    Como referido, a resposta à chamada em caso de disponibilidade consiste para o trabalhador no cumprimento da prestação de trabalho. A entidade patronal pode, todavia, prever consequências mais ou menos significativas para o seu cumprimento defeituoso. A não previsão de sanções para o incumprimento ou para a mora no cumprimento, bem como a extensão de eventuais sanções previstas, podem revestir um papel na qualificação do período de disponibilidade.

    112.

    Mesmo circunstâncias aparentemente com menor relevância, como as que se verificam no presente processo, nomeadamente a necessidade de usar vestuário técnico para o trabalho e a disponibilidade de um veículo de serviço para chegar ao local da intervenção, podem revestir um papel na qualificação do período de disponibilidade, em particular na apreciação do caráter adequado ou não do tempo para responder à chamada.

    113.

    Como mencionado nos n.os 77 a 79, se o trabalhador dispuser de tempo relativamente curto para reagir à chamada ao serviço durante a disponibilidade contínua e se a entidade patronal lhe impuser que, no mesmo lapso de tempo, vista roupas específicas de especial complexidade que exigem tempos especialmente longos para serem vestidas, essa circunstância pode incidir na referida apreciação de adequação.

    114.

    Do mesmo modo, pelo contrário, a disponibilização pela entidade patronal de um transporte de serviço para chegar ao local da intervenção em caso de chamada, que pode, por hipótese, derrogar algumas disposições do regime da circulação rodoviária devido à importância dos interesses envolvidos na intervenção, pode influenciar a apreciação da adequação em termos de a facilitar e, portanto, fazer considerar apropriado também um tempo de reação que, sem esta circunstância, poderia parecer inadequado para permitir um descanso efetivo.

    115.

    Outra circunstância, igualmente na disponibilidade da entidade patronal, que considero poder influenciar, nos casos duvidosos, a qualificação do período de disponibilidade contínua diz respeito ao escalonamento temporal e à duração do período de disponibilidade. Com efeito, se o trabalhador for frequentemente escalado para a noite ou feriados, ou se for particularmente longo, o grau de penosidade para o trabalhador é maior em relação a uma escala diurna ou em dias úteis.

    116.

    Por último, no que respeita à circunstância relativa à frequência provável das intervenções, como referido, objeto específico da segunda questão prejudicial no presente processo, pode, na minha opinião, ser incluída nas circunstâncias suscetíveis de ser apreciadas em casos duvidosos, mas sem nenhum automatismo: tal como uma frequência de intervenções baixa não permite qualificar o período de disponibilidade contínua como descanso, também uma outra frequência, não permite considerá‑lo tempo de trabalho.

    117.

    O elemento que pode revestir algum papel numa apreciação global é o de saber se e em que medida o trabalhador deve normalmente esperar ser chamado durante o serviço de prevenção ( 42 ).

    118.

    Conforme referido, esta circunstância está, pelo menos em parte, na disponibilidade do poder de direção da entidade patronal que, na sua organização empresarial, pode fazer juízos de prognose sobre as necessidades de intervenção.

    119.

    Caso as intervenções se repitam frequentemente durante os períodos de disponibilidade contínua, o envolvimento do trabalhador torna‑se tão relevante que é suscetível de reduzir de forma quase absoluta a sua possibilidade de programação do tempo livre durante esses períodos e, se associado à circunstância de um prazo curto de reação à chamada, correm o risco de prejudicar seriamente a efetividade do seu descanso.

    120.

    Com base nos critérios até aqui expostos, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, verificadas as circunstâncias do caso concreto, através de uma abordagem destinada a considerar o efeito global que podem ter todas as condições de aplicação de um sistema de prevenção na efetividade do descanso do trabalhador, qualificar o tempo passado em serviço de disponibilidade pelo trabalhador como tempo de trabalho ou como período de descanso. Devem determinar concretamente se o tempo passado desse modo é, como normalmente, um período de descanso ou, devido a condicionalismos particularmente rígidos introduzidos pela entidade patronal, perde os seus contornos para se transformar em tempo de trabalho.

    IV. Conclusão

    121.

    À luz das considerações desenvolvidas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio do seguinte modo:

    «1)

    O artigo 2.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da qualificação como tempo de trabalho ou período de descanso de um período de disponibilidade contínua, o fator determinante é a intensidade dos condicionalismos decorrentes da sujeição do trabalhador às ordens da entidade patronal e, em especial, o tempo de reação à chamada.

    Se o tempo de reação à chamada é curto mas não a ponto de impedir de modo absoluto a liberdade de escolha do trabalhador do local onde o período da disponibilidade é passado, podem servir de ajuda elementos indiciários adicionais, a examinar globalmente, tendo em atenção o efeito global que podem ter todas as condições de aplicação num sistema de disponibilidade contínua sobre o descanso do trabalhador.

    Esses elementos devem ser reconduzíveis ao exercício do poder de direção da entidade patronal — e ao correlativo estado de sujeição do trabalhador, parte fraca da relação — e não resultar de situações objetivas, alheias à esfera de controlo da entidade patronal.

    Podem, a título de exemplo, consistir na margem de manobra do trabalhador diante da chamada, nas consequências previstas para a atraso ou falta de intervenção em caso de chamada, na necessidade de usar vestuário técnico para o trabalho, na disponibilização veículo de serviço para chegar ao local da intervenção, no escalonamento temporal e na duração do período de disponibilidade, na frequência provável das intervenções.

    Nas circunstâncias do caso em apreço, os períodos de disponibilidade contínua de um bombeiro sujeito à obrigação de estar preparado para chegar em 20 minutos — tempo de reação que não é macroscopicamente curto, mas também não de forma evidente suscetível de garantir um descanso efetivo do trabalhador — com o vestuário de trabalho e o veículo de intervenção à área urbana da cidade em que se encontra o seu posto de trabalho, embora sem condicionalismos geográficos precisos impostos pela entidade patronal, pode ser qualificado como “tempo de trabalho” no caso de a apreciação dos factos que compete ao órgão jurisdicional nacional concluir pela verificação de alguns elementos indiciários que, conjuntamente com a duração do tempo reação, não são suscetíveis de garantir a efetividade do descanso do trabalhador.

    2)

    A definição do “tempo de trabalho” que resulta do artigo 2.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretada no sentido de que também se deve ter em conta — sem qualquer automatismo, mas como mero critério supletivo — se, e com que frequência é de esperar que durante o tempo de prevenção seja pedido ao trabalhador que intervenha após ser convocado. Com efeito, a elevada frequência das intervenções durante os períodos de disponibilidade pode implicar um envolvimento do trabalhador de tal modo relevante a ponto de reduzir de forma quase absoluta a sua possibilidade de programação do tempo livre durante esses períodos que, se associada à circunstância de um prazo curto de reação à chamada, corre o risco de prejudicar a efetividade do descanso do trabalhador.»


    ( 1 ) Língua original: italiano.

    ( 2 ) Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9).

    ( 3 ) Despacho de 14 de julho de 2005, Personalrat der Feuerwehr Hamburg (C‑52/04, ECLI:EU:C:2005:467, n.o 52).

    ( 4 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

    ( 5 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82).

    ( 6 ) Despacho de 4 de março de 2011, Grigore (C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122).

    ( 7 ) V., mais recentemente, Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.os 23 e 24), e o anterior Acórdão de 26 de julho de 2017, Hälvä e o. (C‑175/16, EU:C:2017:617, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

    ( 8 ) V. Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 26).

    ( 9 ) V., nesse sentido, Acórdãos de 9 de novembro de 2017, Maio Marques da Rosa (C‑306/16, EU:C:2017:844, n.o 45); e de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras (C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 23).

    ( 10 ) A jurisprudência do Tribunal de Justiça é, de facto, constante ao afirmar que, uma vez que os artigos 1.o a 8.o da Diretiva 2003/88 estão redigidos em termos substancialmente idênticos aos dos artigos 1.o a 8.o a Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 1993, L 307, p. 18), conforme alterada pela Diretiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 2000 (JO 2000, L 195, p. 41), a interpretação que o Tribunal de Justiça fez destes últimos artigos é transponível para os artigos supramencionados da Diretiva 2003/88; ex multis, v. Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 32), e Despacho de 4 de março de 2011, Grigore (C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 39 e jurisprudência aí referida).

    ( 11 ) V., igualmente, neste sentido, Conclusões do advogado‑geral E. Tanchev no processo King (C‑214/16, EU:C:2017:439, n.o 36).

    ( 12 ) Acórdãos de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones Obreras (C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 24); de 1 de dezembro de 2005, Dellas e o. (C‑14/04, EU:C:2005:728, n.o 49); e jurisprudência referida no Despacho de 4 de março de 2011, Grigore (C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 41).

    ( 13 ) V. Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften (C‑684/16, EU:C:2018:338, n.o 52).

    ( 14 ) V. as minhas Conclusões no processo CCOO (C‑55/18, EU:C:2019:87, n.o 39).

    ( 15 ) V. Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß (C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 80 e jurisprudência aí referida). V., igualmente, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften (C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 41).

    ( 16 ) Neste sentido, na doutrina, v. V. Leccese, «Directive 2003/88/EC concerning certain aspects of the organisation of working time», in E. Ales, M. Bell, O. Deinert, S. Robin‑Olivier (editors), International and European Labour Law. Article‑by‑Article Commentary, Nomos Verlagsgesellshaft, Baden‑Baden, 2018, pp. 1285‑1332, em particular p. 1291.

    ( 17 ) O sublinhado é meu.

    ( 18 ) V. Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 62); e Acórdão de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras (C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 27).

    ( 19 ) O mesmo [objetivo], como foi acima referido, da Diretiva 2003/88, para a qual continuam, portanto, válidas as interpretações precedentes fornecidas pelo Tribunal de Justiça sobre as disposições da diretiva anteriormente em vigor.

    ( 20 ) V. Acórdão de 9 de setembro de 2003, Jaeger (C‑151/02, EU:C:2003:437, n.os 58 e 59).

    ( 21 ) V. Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 55); Acórdão de 3 de outubro de 2000, Simap (C‑303/98, EU:C:2000:528, n.o 47); e Acórdão de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras (C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 26).

    ( 22 ) V. Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 55).

    ( 23 ) F. Kéfer e J. Clesse, Le temps de garde inactif, entre le temps de travail et le temps de repos, Revue de la Faculté de droit de l’Université Liège, 2006, p. 161.

    ( 24 ) V., por todos, A. Supiot, Alla ricerca della concordanza dei tempi (le disavventure europee del «tempo di lavoro»), in Lav. dir., 1997, pp. 15 e segs.; anteriormente na doutrina italiana P. Ichino, L’orario di lavoro e i riposi. Artt. 2107‑2109, in P. Schlesinger (coordenação de), Il Codice Civile. Commentario, Milão, 1987, p. 27. Mais recentemente, J.‑E. Ray, Les astreintes, un temps du troisième type, Dr. soc. (F), 1999, p. 250; J. Barthelemy, Temps de travail et de repos: l’apport du droit communautaire, Dr. soc. (F), 2001, p. 78.

    ( 25 ) V. L. Mitrus, Potencial implictions of the Matzak judgement (quality of rest time, right to disconnect), in European Labour Law Journal, 2019, p. 393, segundo o qual «a relação binária entre “tempo de trabalho” e “período de descanso” nem sempre responde às exigências do mercado de trabalho atual».

    ( 26 ) Todas as partes intervenientes na audiência manifestaram‑se contrárias à introdução de um tertium genus entre trabalho e descanso.

    ( 27 ) A única possibilidade, alheia às finalidades da Diretiva 2003/88, que pode ser utilizada pelos legisladores nacionais para uma posterior flexibilização do conceito de tempo de trabalho, no sentido de remunerar as limitações impostas ao trabalhador durante o período de disponibilidade contínua, é a retributiva. Com efeito, o Tribunal de Justiça reafirmou o princípio da liberdade das legislações nacionais preverem retribuições diferenciadas para remunerar situações em que o trabalhador está em período de disponibilidade contínua; v. Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 52), segundo o qual «o artigo 2.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não impõe aos Estados‑Membros que determinem a remuneração de períodos de prevenção no domicílio, como os que estão em causa no processo principal, em função da qualificação desses períodos como “tempo de trabalho” ou “período de descanso”»; v. Despacho de 4 de março de 2011, Grigore (C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 84), segundo o qual «a Diretiva 2003/88 deve ser interpretada no sentido de que a obrigação do empregador pagar a remuneração e outras compensações análogas pelo período de tempo durante o qual o guarda‑florestal tem a obrigação de assegurar a vigilância da parcela florestal sob a sua gestão tem fundamento, não nesta diretiva, mas nas disposições pertinentes de direito nacional».

    ( 28 ) V. Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras (C‑266/14, EU:C:2015:391, n.o 31) e doutrina referida na nota 12.

    ( 29 ) Neste sentido, também a Comissão nas suas observações escritas no n.o 40.

    ( 30 ) V. Acórdão de 3 de outubro de 2000, Simap (C‑303/98, EU:C:2000:528, n.os 48 a 50).

    ( 31 ) V. Acórdão de 3 de outubro de 2000, Simap (C‑303/98, EU:C:2000:528, n.o 48).

    ( 32 ) Trata‑se, como é sabido, no que respeita ao serviço de disponibilidade de um sapador‑bombeiro voluntário que, durante o período de disponibilidade, era obrigado a ficar no seu domicílio à espera da chamada a que estava obrigado a responder, sob pena de sanções disciplinares, chegando, no prazo de oito minutos, ao quartel dos bombeiros já pronto com o equipamento de trabalho vestido.

    ( 33 ) O sublinhado é meu.

    ( 34 ) A partir da coexistência de dois elementos do conceito de tempo de trabalho contida no artigo 2.o da Diretiva 2003/88 (o espacial, ou seja, a presença no local de trabalho e o da autoridade, ou seja, estar à disposição da entidade patronal) deduziu a presença do terceiro (o profissional, ou seja, estar no exercício da sua atividade ou das suas funções).

    ( 35 ) Neste sentido v., também, V. Leccese, Il diritto del lavoro europeo: l’orario di lavoro. Un focus sulla giurisprudenza della Corte di giustizia, 2016, não publicado, mas disponível em http://giustizia.lazio.it/appello.it/form_conv_didattico/Leccese%20‑%20Diritto%20lavoro%20europeo%20e%20orario%20lavoroLECCESE.pdf, p. 7, segundo o qual «não há qualquer dúvida de que a pedra angular de todo o raciocínio é representada por um juízo teleológico, que se centra no caráter suficiente do descanso permitido ao trabalhador em relação ao objetivo estabelecido pela diretiva».

    ( 36 ) V. Despacho de 4 de março de 2011, Grigore (C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 68).

    ( 37 ) V. Acórdão de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras (C‑266/14, EU:C:2015:578).

    ( 38 ) A obrigação de responder à chamada num prazo particularmente curto «limita a liberdade de o trabalhador de gerir o seu tempo. Essa [obrigação] implica limitações tanto geográficas como temporais às atividades do trabalhador»; assim, L. Mitrus, Potential implications of the Matzak judgment (quality of rest time, right to disconnect), in European Labour Law Journal, 2019, p. 391.

    ( 39 ) A. Frankart e M. Glorieux, Temps de garde: regards rétrospectifs et prospectifs à la lumière des développements européens, La loi sur le travail ‑ 40 ans d'application de la loi du 16 mars 1971 (sous la coordination scientifique de S. Gilson et L. Dear), Anthemis, Limal, 2011, p. 374.

    ( 40 ) V. Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Matzak (C‑518/15, EU:C:2017:619, n.o 57).

    ( 41 ) Durante a audiência conjunta com o processo C‑344/19.

    ( 42 ) Assim, o Governo finlandês, nas suas observações escritas (n.o 22).

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