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Document 62019CC0521

    Conclusões do advogado-geral G. Hogan apresentadas em 4 de março de 2021.
    CB contra Tribunal Económico Administrativo Regional de Galicia.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia.
    Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Inspeção tributária — Prestações de serviços de atividade de agente artístico — Operações sujeitas a IVA — Operações não declaradas à Administração Tributária e que não deram origem à emissão de uma fatura — Fraude — Reconstituição do valor tributável do imposto sobre o rendimento — Princípio da neutralidade do IVA — Inclusão do IVA no valor tributável reconstituído.
    Processo C-521/19.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:176

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    GERARD HOGAN

    apresentadas em 4 de março de 2021 ( 1 )

    Processo C‑521/19

    CB

    contra

    Tribunal Económico Administrativo Regional de Galicia

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza, Espanha)]

    «Pedido de decisão prejudicial — Diretiva 2006/112/CE — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Recurso administrativo de caráter económico contra liquidações e sanções aplicadas com base no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares — Operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado não faturadas — Base tributável — Inclusão no preço acordado pelas partes»

    I. Introdução

    1.

    Que medidas deve uma Administração Fiscal adotar, se é que deve adotar alguma, quando deteta que certos sujeitos passivos de um imposto (isto é, partes numa operação na qual não são consumidores finais) ocultaram de forma fraudulenta uma operação? Pode considerar‑se que o raciocínio contido no anterior Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin (C‑249/12 e C‑250/12, EU:C:2013:722), é suficientemente orientador para este efeito? Estas são algumas das questões que se colocam no presente pedido de decisão prejudicial, o qual tem origem num processo que opõe no Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza, Espanha) uma pessoa singular, CB, e o Tribunal Económico‑Administrativo Regional de Galicia (Tribunal Económico e Administrativo Regional da Galiza, Espanha).

    2.

    Antes de abordar os factos, importa começar por delimitar o quadro jurídico pertinente.

    II. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    3.

    Os considerandos 25, 26 e 39 da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado ( 2 ), enunciam:

    «(25)

    O valor tributável deverá ser objeto de harmonização, a fim de que a aplicação do IVA às operações tributáveis conduza a resultados comparáveis em todos os Estados‑Membros.

    (26)

    De modo a garantir que não exista perda de receitas fiscais através do recurso a partes associadas tendo em vista a obtenção de vantagens fiscais, os Estados‑Membros deverão, em circunstâncias específicas limitadas, poder intervir no que respeita ao valor tributável das entregas de bens ou prestações de serviços e das aquisições intracomunitárias de bens.

    […]

    (39)

    O regime das deduções deverá ser harmonizado, uma vez que influencia os montantes efetivamente cobrados, devendo o cálculo do pro rata de dedução ser efetuado da mesma maneira em todos os Estados‑Membros.»

    4.

    O artigo 1.o da Diretiva 2006/112 dispõe:

    «1.   A presente diretiva estabelece o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

    2.   O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.

    Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.

    O sistema comum do IVA é aplicável até ao estádio do comércio a retalho, inclusive.»

    5.

    O artigo 72.o da Diretiva 2006/112, que se insere no seu título VII, com a epígrafe «Valor tributável», prevê:

    «Para efeitos da presente diretiva, por “valor normal” entende‑se o montante total que, a fim de obter os bens ou serviços em questão no momento dessa operação, o adquirente ou destinatário no mesmo estádio de comercialização em que se realiza a entrega de bens ou a prestação de serviços teria de pagar, em condições de livre concorrência, a um fornecedor ou prestador independente no Estado‑Membro em que a operação é tributável.

    Na falta de entrega de bens ou prestação de serviços similar, o valor normal é constituído:

    1)

    No que respeita aos bens, por um montante não inferior ao preço de compra dos bens ou de bens similares ou, na falta de preço de compra, ao preço de custo, determinados no momento em que tais operações se realizam;

    2)

    No que respeita aos serviços, por um montante não inferior às despesas suportadas pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços.»

    6.

    O artigo 73.o da Diretiva 2006/112 dispõe:

    «Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.o a 77.o, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

    7.

    O artigo 74.o da Diretiva 2006/112 dispõe:

    «Nas operações de desafetação ou de afetação, por um sujeito passivo, de bens da sua empresa, ou de detenção de bens por um sujeito passivo ou pelos seus sucessores em casos de cessação da sua atividade económica tributável, referidas nos artigos 16.o e 18.o, o valor tributável é constituído pelo preço de compra dos bens ou de bens similares ou, na falta de preço de compra, pelo preço de custo, determinados no momento em que tais operações se realizam.»

    8.

    O artigo 77.o da Diretiva 2006/112 dispõe:

    «Nas prestações de serviços efetuadas por um sujeito passivo para fins da sua empresa, referidas no artigo 27.o, o valor tributável é constituído pelo valor normal da operação em questão.»

    9.

    O artigo 78.o da Diretiva 2006/112 enuncia:

    «O valor tributável inclui os seguintes elementos:

    a)

    Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com exceção do próprio IVA;

    b)

    As despesas acessórias, tais como despesas de comissão, embalagem, transporte e seguro, exigidas pelo fornecedor ao adquirente ou ao destinatário.

    Para efeitos da alínea b) do primeiro parágrafo, os Estados‑Membros podem considerar despesas acessórias as que sejam objeto de convenção separada.»

    10.

    O artigo 273.o da Diretiva 2006/112 enuncia:

    «Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

    A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no capítulo 3.»

    B.   Direito espanhol

    11.

    O artigo 78.o, n.o 1, da Ley 37/1992 del Impuesto sobre el Valor Añadido (Lei 37/1992 Relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado) ( 3 ), de 28 de dezembro de 1992 (a seguir «Lei 37/1992») tem o título «Valor Tributável. Regra Geral» e dispõe:

    «O valor tributável do imposto é constituído pelo montante total da contraprestação das operações a ele sujeitas e recebida do destinatário ou de terceiros.»

    12.

    O artigo 88.o da Lei 37/1992, sob a epígrafe «Repercussão do imposto», prevê:

    «1.   Os sujeitos passivos deverão repercutir integralmente o montante do imposto no destinatário da operação tributável, ficando este obrigado a suportá‑lo sempre que a repercussão seja conforme com as disposições da presente lei, independentemente do que entre eles tenha sido acordado.

    Nas entregas de bens e nas prestações de serviços sujeitas a imposto e não isentas cujos destinatários sejam entidades públicas considerar‑se‑á sempre que os sujeitos passivos do imposto, ao formularem as suas propostas financeiras, ainda que estas sejam orais, incluem nas mesmas o imposto sobre o valor acrescentado que, não obstante, deverá ser repercutido como rubrica independente, se for o caso, nos documentos de cobrança apresentados, sem que o montante total contratado sofra acréscimos em consequência da consignação do imposto repercutido.

    2.   A repercussão do imposto deverá constar de uma fatura, segundo as condições e os requisitos estabelecidos na lei. Para o efeito, a apresentação do montante será separada da base tributável, inclusivamente no caso de preços fixados administrativamente, indicando‑se a taxa de tributação aplicada. Excluem‑se do disposto nos parágrafos anteriores deste número as operações previstas na lei.

    3.   A repercussão do imposto deverá ser efetuada no momento da emissão e entrega da fatura correspondente.

    4.   O direito à repercussão extingue‑se quando tiver decorrido um ano desde a data do facto gerador.

    5.   O destinatário da operação tributada a título de IVA não é obrigado a suportar a respetiva repercussão antes da data em que ocorre o facto gerador do referido imposto.

    6.   Os litígios que possam surgir a propósito da repercussão do imposto, quer quanto ao caráter procedente dessa repercussão quer quanto ao montante da mesma, são considerados de natureza tributária para efeitos das respetivas reclamações administrativas.»

    13.

    O artigo 89.o da Lei 37/1992, sob a epígrafe «Retificação dos montantes do imposto repercutidos», dispõe:

    «1.   Os sujeitos passivos deverão retificar os montantes repercutidos do imposto sempre que esses montantes tenham sido determinados incorretamente ou quando se verificar alguma das circunstâncias que, nos termos do disposto no artigo 80.o desta lei, dão lugar à regularização do valor tributável.

    A retificação deverá ser efetuada no momento em que sejam conhecidas as causas da determinação incorreta do imposto ou quando se verificar alguma das outras circunstâncias a que se refere o parágrafo anterior, desde que não tenha decorrido um prazo de quatro anos contado a partir do momento em que o imposto correspondente à operação se tornou exigível ou, sendo o caso, se verificou alguma das circunstâncias previstas no referido artigo 80.o

    2.   O disposto no número anterior será igualmente aplicável quando, não tendo sido repercutido nenhum montante, tiver sido emitida uma fatura correspondente à operação.

    3.   Não obstante o disposto nos números anteriores, não haverá lugar a retificação dos montantes repercutidos do imposto nos casos seguintes:

    1) Quando a retificação não tiver como fundamento uma das causas previstas no artigo 80.o desta lei, implicar um aumento dos montantes repercutidos do imposto e os destinatários das operações não atuem como empresários ou profissionais, exceto nos casos de aumento legal das taxas de imposto, caso em que a retificação poderá ser efetuada no mês da entrada em vigor das novas taxas de imposto e no mês seguinte.

    2) Quando a Administração Tributária identificar, através das correspondentes liquidações, montantes de imposto devidos e não repercutidos superiores aos que foram declarados pelo sujeito passivo e for demonstrado, através de dados objetivos, que o referido sujeito passivo estava envolvido numa fraude, ou que sabia ou tinha a obrigação de saber, se tivesse agido com um grau de diligência razoável, que estava a realizar uma operação que era parte de uma fraude.»

    III. Factos do processo principal e pedido de decisão prejudicial

    14.

    CB, recorrente no processo principal, é um trabalhador independente que exerce uma atividade de agente artístico sujeita, em princípio, a IVA. Nesta qualidade, prestou serviços ao Grupo Lito, que é um grupo de empresas, pertencentes à mesma pessoa, responsáveis por gerir a infraestrutura e os grupos musicais em festividades organizadas na Galiza por ocasião dos festejos dos santos padroeiros das localidades e em festividades municipais. Concretamente, CB contactava as comissões de festas, que são grupos informais de habitantes encarregados de organizar as festividades, e negociava os espetáculos dos grupos musicais em nome do Grupo Lito.

    15.

    Os pagamentos efetuados neste contexto pelas comissões de festas ao Grupo Lito eram essencialmente pagamentos realizados em numerário, efetuados sem emissão de faturas nem registo contabilístico. Os pagamentos não eram declarados para efeitos de imposto sobre as sociedades nem de IVA. Dez por cento das receitas do Grupo Lito eram pagas a CB em numerário e não eram declaradas. CB não tinha contabilidade nem registos oficiais, não emitiu nem recebeu faturas e, por conseguinte, não entregou declarações de IVA.

    16.

    Em 14 de julho de 2014, na sequência de uma inspeção tributária, a Administração Tributária verificou que os montantes recebidos por CB a título de remuneração das suas atividades de intermediário para o Grupo Lito, a saber, 64414,90 euros em 2010, 67565,40 euros em 2011 e 60692,50 euros em 2012, não incluíam o IVA. Por conseguinte, entendeu que para determinar o IVA e o imposto sobre o rendimento havia que tomar em consideração como base tributável o montante total recebido por CB.

    17.

    O recorrente impugnou a decisão da Administração Tributária, impugnação essa que foi indeferida por decisão de 10 de maio de 2018.

    18.

    CB interpôs recurso desta decisão no órgão jurisdicional de reenvio. Alegou que a aplicação a posteriori do IVA aos montantes retidos como rendimentos é contrária, entre outros, ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin (C‑249/12 e C‑250/12, EU:C:2013:722), segundo o qual, quando a Inspeção Tributária deteta operações que estão, em princípio, sujeitas a IVA, que não foram declaradas nem faturadas, se deve considerar que o IVA está incluído no preço acordado pelas partes para essas operações. CB considera, assim, que, uma vez que não pode, ao abrigo do direito espanhol, pedir o reembolso do IVA que não pôde repercutir devido ao seu comportamento constitutivo de uma infração fiscal, deve ser considerado que o IVA está incluído no preço dos serviços que prestou.

    19.

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que, para decidir o litígio no processo principal, há que determinar se a legislação nacional, que prevê que, quando operadores económicos efetuam, de forma voluntária e concertada, operações que dão origem a pagamentos em numerário sem emissão de faturas e sem declarações de IVA, se considera que tais pagamentos incluem o IVA, é compatível com a Diretiva 2006/112.

    20.

    Nestas condições, o Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Devem os artigos 73.o e 78.o da [Diretiva 2006/112], à luz dos princípios da neutralidade, da proibição da fraude fiscal e do abuso de direito e da proibição da distorção ilegal da concorrência, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional e à jurisprudência que a interpreta segundo as quais, quando a Administração Tributária deteta operações ocultas sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado não faturadas, considera‑se que o preço acordado pelas partes para as referidas operações inclui o imposto sobre o valor acrescentado?

    Por conseguinte, nos casos de fraude em que a operação foi ocultada à Administração Tributária, é possível considerar, como resulta dos Acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de julho de 2016 (processo C‑332/15 Astone), de 5 de outubro de 2016 (processo C‑576/15 Marinova) e de 7 de março de 2018, Dobre (C‑159/17, EU:C:2018:161), que os montantes pagos e recebidos não incluem IVA para efeitos da liquidação adequada e da aplicação da correspondente sanção?»

    IV. Apreciação

    A.   Observações preliminares

    21.

    Deve notar‑se, desde logo, que o órgão jurisdicional nacional formula a sua questão partindo da premissa de que a legislação nacional prevê aquilo que o recorrente alega, ou seja, que quando a Administração Tributária deteta operações ocultadas sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado não faturadas, se deve considerar que o IVA está incluído no preço acordado entre as partes. No entanto, há que recordar que, segundo jurisprudência constante ( 4 ), uma diretiva não pode por si só criar obrigações na esfera jurídica de um particular e não pode assim ser invocada contra este ( 5 ). Proponho assim que esta questão seja reformulada no sentido de que através dela se pretende saber se os artigos 73.o e 78.o da Diretiva 2006/112, lidos à luz dos princípios da neutralidade, da proibição da fraude fiscal e do abuso de direito e da proibição da distorção ilegal da concorrência, podem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional e à jurisprudência que a interpreta segundo as quais, quando a Administração Tributária deteta operações ocultadas sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado em relação às quais não foram emitidas faturas, se deve considerar que o preço acordado pelas partes a título das referidas operações não inclui o IVA.

    1. Apresentação do regime comum do IVA

    22.

    Antes de mais, importa recordar que o artigo 73.o da Diretiva 2006/112 define o conceito de «valor tributável» como a contraprestação efetivamente recebida, em relação à entrega de um bem ou à prestação de um serviço. Nos termos do artigo 78.o da Diretiva 2006/112, este valor tributável inclui as despesas acessórias, os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com exceção do próprio IVA. Esta definição é em seguida aplicada em cada estádio da cadeia comercial para calcular o IVA que será cobrado pelo fornecedor ou prestador e pago pelo adquirente. No entanto, embora o IVA seja, deste modo, cobrado em cada estádio da cadeia comercial, este imposto não será suportado por adquirentes intermediários, mas será suportado apenas pelo consumidor final ( 6 ). Com efeito, o princípio do pagamento faseado não deve ser confundido com a questão de saber quem suporta o ónus do imposto.

    23.

    Segundo o princípio do pagamento faseado, em vez de se prever a cobrança de um único imposto sobre as vendas aos consumidores finais, o IVA é em contrapartida cobrado em cada estádio do processo de produção e de distribuição. Em conformidade com este princípio, o IVA é assim cobrado proporcionalmente ao preço cobrado pelo sujeito passivo a título de contrapartida dos bens e serviços que o mesmo entregou ou prestou e, por conseguinte, independentemente do número de operações anteriormente ocorridas. Importa, todavia, recordar que o fornecedor ou prestador mais não faz do que cobrar o imposto, o qual é, em seguida, entregue ao Estado‑Membro em causa. É o adquirente que paga o IVA.

    24.

    No entanto, uma vez que a aplicação do IVA deve ser neutra, o adquirente pode deduzir o IVA que pagou para além do preço cobrado pelo fornecedor ou prestador se o bem ou o serviço em causa se destinar, por sua vez, a ser usado no âmbito de uma atividade tributada ( 7 ). Para limitar o impacto do sistema comum do IVA nos fluxos de tesouraria dos sujeitos passivos, este sistema comum do IVA dispõe que cada sujeito passivo adquirente só tem de entregar ao Estado‑Membro em causa a diferença entre o IVA que cobrou a título das suas próprias vendas sujeitas a IVA e o IVA dedutível, nomeadamente o IVA que pagou para efeito das suas atividades sujeitas a este imposto ( 8 ).

    25.

    No estádio seguinte, o adquirente, se for um sujeito passivo, fará o mesmo, e assim sucessivamente até ao estádio final, no qual o bem ou serviço é vendido a uma pessoa que não é sujeito passivo ou a um sujeito passivo, mas para atividades que não conferem direito à dedução. Daqui resulta que o IVA global cobrado não depende do número de estádios da cadeia de produção, antes dependendo do preço de venda final. Todavia, uma vez que o facto de não declarar o IVA numa fase intermédia desta cadeia é contrária a estes mecanismos, tal omissão deve, contudo, ser considerada ilegal ( 9 ).

    2. Quanto às medidas exigidas aos Estados‑Membros em caso de violação do sistema comum do IVA

    26.

    As medidas que os Estados‑Membros são chamados a tomar em resposta a qualquer violação do direito da União cometida por particulares podem ser divididas em duas categorias, a saber, as sanções e as medidas de restituição ( 10 ). As sanções têm um caráter punitivo e dissuasivo. Por outro lado, as medidas de restituição visam restabelecer a situação que teria existido se essa violação não tivesse sido cometida. Consequentemente, revestem na maior parte das vezes a forma de reparação ou de restituição.

    27.

    No que diz respeito às medidas destinadas a reparar a consequência de um ato ilegal em matéria tributária, o Tribunal de Justiça sublinhou, por exemplo, no Acórdão Fontana, que da classificação desse ato como fraude resulta a obrigação de os Estados‑Membros tomarem as medidas necessárias para «restabelecer a situação tal como existiria na falta de [fraude fiscal]» quando a operação ilegal é detetada ( 11 ). No que diz respeito a sanções, o Tribunal de Justiça indicou no Acórdão Menci que «o artigo 325.o TFUE obriga os Estados‑Membros a combaterem as atividades ilícitas lesivas dos interesses financeiros da União Europeia, por meio de medidas efetivas e dissuasoras, e, em particular, obriga‑os, para combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, a tomar medidas análogas às que tomarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses» ( 12 ).

    28.

    Embora só muito raramente o Tribunal de Justiça se tenha referido a esta distinção em matéria tributária, esta não deixa de ser importante. Em primeiro lugar, embora as obrigações de adotar medidas corretivas e sancionatórias resultem ambas do primado do direito da União ( 13 ) e sejam consequência da obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de garantirem o pleno efeito da Diretiva 2006/112 ( 14 ), estes não dispõem da mesma margem de apreciação em relação a ambas. Com efeito, no que diz respeito à obrigação de restabelecer a situação, uma vez que se trata de uma obrigação de resultado, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir pelo menos o restabelecimento da situação conforme deveria ter existido ( 15 ), ao passo que, no que se refere à obrigação de dissuadir que regras do IVA sejam violadas, atendendo a que a Diretiva 2006/112 não menciona de todo que tipo de sanções devem ser adotadas, cabe ao Estado‑Membro definir precisamente que sanções devem ser aplicadas, desde que, como acima se indicou, sejam efetivas, dissuasoras e proporcionadas ( 16 ). Em segundo lugar, embora os Estados‑Membros devam prever a adoção do primeiro tipo de medidas quando nenhuma ilegalidade tenha sido cometida, só lhes é exigido que apliquem sanções aos sujeitos passivos quando estes tenham agido, pelo menos, de forma negligente ( 17 ).

    29.

    Atendendo ao exposto, importa, em meu entender, ter presente que o problema que está em causa no presente processo deve ser dissociado da questão de saber se é necessário aplicar uma sanção às pessoas em causa por terem violado as regras do mecanismo comum do IVA. Com efeito, as questões submetidas ao Tribunal de Justiça dizem respeito às medidas que deverão ser adotadas à luz do conceito de «valor tributável» para restabelecer a situação que deveria ter existido se a fraude não tivesse ocorrido. Debruçar‑me‑ei, assim, diretamente sobre estas questões, pondo de lado a questão das sanções que poderiam ter de ser adotadas para punir e dissuadir os contribuintes que se subtraíram às suas obrigações fiscais resultantes do sistema do IVA ( 18 ).

    3. Quanto ao conceito de «valor tributável»

    30.

    Resulta claramente do considerando 25 da Diretiva 2006/112 que um dos objetivos que esta última procura é harmonizar o conceito de «valor tributável» para que a aplicação do IVA às operações tributáveis conduza a resultados comparáveis em todos os Estados‑Membros. Por conseguinte, deve considerar‑se que este conceito é um conceito autónomo do direito da União e que deve ser interpretado de maneira uniforme em toda a União Europeia ( 19 ).

    31.

    No entanto, aquilo que está em causa numa situação como a do Acórdão Tulică e Plavoşin ou a do presente processo não é o conceito de «valor tributável» em si mesmo, mas saber quais são as medidas que devem ser tomadas para reconstituir esse valor tributável, a saber, o preço sem imposto. Embora seja certo que, no presente caso, se conhece o preço pago a título das prestações de serviços, mas como não é ainda claro se o IVA foi cobrado e não foi entregue, e, por conseguinte, se esse preço inclui o IVA, há que considerar que esse valor tributável ainda não foi totalmente reconstituído.

    B.   Quanto à pertinência da jurisprudência do Tribunal de Justiça citada pelo órgão jurisdicional de reenvio e pelo recorrente

    1. Acórdãos Astone, Dobre e Maya Marinova

    32.

    No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se se pode deduzir de três acórdãos, a saber, dos Acórdãos Astone ( 20 ), Dobre ( 21 ) e Maya Marinova ( 22 ), que se deve considerar que os montantes pagos e recebidos no âmbito de uma operação ocultada incluem o IVA que não foi pago, entendimento de que decorre, em substância, que o imposto que, segundo aquele órgão jurisdicional, o fornecedor ou prestador devia entregar deve ser calculado a partir de uma base tributável inferior ao volume de negócios assim realizado.

    33.

    No entanto, nenhum dos três acórdãos referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio permite responder diretamente a esta questão. Com efeito, os Acórdãos Astone e Dobre dizem respeito ao direito à dedução e não à determinação do valor tributável a considerar para, se for caso disso, calcular o IVA devido. Quanto ao Acórdão Maya Marinova, é certo que o Tribunal de Justiça declarou que «os artigos 2.o, n.o 1, alínea a), 9.o, n.o 1, 14.o, n.o 1, 73.o e 273.o da Diretiva [2006/112], bem como o princípio da neutralidade fiscal, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, […], nos termos da qual […] a Administração Fiscal pode […] determinar o valor tributável das vendas das referidas mercadorias em função dos elementos de facto de que dispõe, em aplicação de regras não previstas por essa diretiva» ( 23 ). Importa, todavia, referir que, neste último processo, a Administração Tributária nunca tomou conhecimento do preço efetivamente pago pelo adquirente no âmbito das operações ocultadas. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não teve de se pronunciar sobre a questão de saber se, no caso de se conhecer esse preço, se deveria considerar que incluía o IVA.

    2. Acórdão Tulică e Plavoşin

    34.

    O recorrente invoca, por seu lado, o Acórdão Tulică e Plavoşin ( 24 ), que diz respeito às situações de duas pessoas singulares que tinham celebrado numerosos contratos de compra e venda de bens imóveis sobre os quais não foi inicialmente cobrado IVA ( 25 ). Posteriormente, a Administração Tributária verificou que as atividades exercidas por aquelas pessoas singulares apresentavam as características de uma atividade económica e estavam, por conseguinte, na realidade, sujeitas a IVA. A Administração Tributária emitiu avisos de liquidação de imposto à ordem dos interessados, através dos quais exigiu o pagamento do IVA, calculado através da adição do seu montante ao preço acordado pelas partes contratantes, acrescido de juros de mora. Neste contexto, a questão submetida em cada um dos processos pelo órgão jurisdicional nacional dizia respeito, em substância, à questão de saber se os artigos 73.o e 78.o da Diretiva 2006/112 deviam ser interpretados no sentido de que, quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção do IVA e o fornecedor desse bem seja o devedor do imposto, se devia considerar que o preço acordado inclui o IVA ou que não inclui o IVA, o qual deve assim ser adicionado àquele montante.

    35.

    No acórdão proferido naqueles processos apensos, o Tribunal de Justiça declarou que os artigos 73.o e 78.o da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que, quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção do imposto sobre o valor acrescentado e o fornecedor do referido bem seja o devedor do imposto sobre o valor acrescentado devido sobre a operação tributada, e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o IVA reclamado pela Administração Tributária, se deve considerar que o preço convencionado já inclui o IVA.

    36.

    Este raciocínio necessita, todavia, de uma análise mais aprofundada e talvez inclusivamente de clarificações suplementares. Deixando de lado, por ora, os números deste acórdão que se limitam a reproduzir certos princípios fundamentais do IVA, pode observar‑se que o Tribunal de Justiça só apresentou dois argumentos para justificar as conclusões a que chegou, estando o primeiro enunciado nos n.os 34 e 35 e o segundo no n.o 36.

    37.

    De acordo com o primeiro argumento, há que considerar que o preço faturado inclui o IVA para que o IVA reclamado onere o menos possível o fornecedor, em conformidade com o princípio segundo o qual o IVA deve ser suportado unicamente pelo consumidor final.

    38.

    Nos termos do segundo argumento, se a Administração Tributária viesse a considerar que o IVA não estava incluído no preço faturado, tal colidiria «com a regra segundo a qual a Administração Fiscal não poderá cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo».

    39.

    Embora os termos «montante […] recebido pelo sujeito passivo» utilizados pelo Tribunal de Justiça sejam ambíguos, uma vez que podem ser entendidos no sentido de que se referem tanto ao montante pago como contraprestação dos bens ou serviços em causa — como a contraprestação — quer ao IVA pago pelo adquirente, penso, contudo, que o termo «montante» deve aqui ser entendido claramente no sentido de que se refere ao IVA faturado ( 26 ). Por conseguinte, a regra acima mencionada deve entender‑se neste sentido: a Administração Tributária não pode receber do fornecedor ou prestador um montante de IVA superior àquele que o fornecedor ou prestador calculou corretamente e faturou ao adquirente. Este argumento é, por conseguinte, semelhante ao primeiro argumento mencionado pelo Tribunal de Justiça, que assenta no princípio da neutralidade fiscal, entendido, neste contexto, no seu «sentido vertical» ( 27 ). Com efeito, nos dois processos, a ideia é a de que não devem ser os operadores económicos a suportar o ónus do IVA.

    40.

    A este respeito, esta solução poderia parecer estranha se, como pode ser sugerido pela inexistência de referências explícitas às circunstâncias do caso, a solução encontrada viesse a ser aplicada a todas as situações em que as operações não estão em conformidade com as regras do IVA, nomeadamente quando, como no presente caso, dois sujeitos passivos acordaram ocultar as suas operações à Administração Tributária. Todavia, em tal situação, do facto de terem ocultado a sua transação resulta como consequência lógica que não tomaram em consideração nenhum montante a título de IVA. Uma vez que sabem ambos que a operação não será sujeita a IVA e que, por conseguinte, o adquirente não poderá deduzir nenhum IVA sobre o preço pago, este preço corresponde logicamente, da perspetiva do adquirente, ao custo que numa situação normal teria suportado, sem o IVA que teria em princípio avançado e, da perspetiva do fornecedor ou prestador, à remuneração que teria recebido, sem o IVA que teria numa situação normal sido cobrado e entregue ( 28 ). Na realidade, quando dois sujeitos passivos acordam ocultar uma operação efetuada entre si no âmbito de uma atividade tributada têm, regra geral, como único objetivo subtrair‑se ao imposto sobre o rendimento, mas não ao IVA em si mesmo, uma vez que o IVA é, por definição, precisamente devido ao princípio da neutralidade, neutro para si. A razão pela qual não declaram o IVA é simples, visto que pretendem evitar registos formais da operação para efeitos das declarações gerais de rendimentos (incluindo o imposto sobre o rendimento).

    41.

    A situação é diferente quando o adquirente não sabe que o fornecedor ou prestador não vai entregar o IVA. Com efeito, neste caso, o adquirente está, em princípio, disposto a pagar um preço, que inclui IVA, correspondente ao que teria pago por um bem ou um serviço similar, uma vez que ou o adquirente é um consumidor final, caso em que prevê suportar o IVA, ou é um sujeito passivo, caso em que o espera poder deduzir o IVA posteriormente ( 29 ).

    42.

    Todavia, noto que, mesmo nesta situação, a racionalidade económica milita a favor de que o preço pago possa, em certos casos, não incluir o IVA. Com efeito, o fornecedor ou prestador pode decidir não entregar o IVA precisamente para reduzir o seu preço de venda sem reduzir a sua margem de lucro e, assim, vender rapidamente grandes quantidades de bens ou serviços (a maior parte das vezes antes de desaparecer).

    43.

    Em meu entender, há outra situação na qual a solução adotada no Acórdão Tulică e Plavoşin não é necessariamente aplicável, a saber, a situação na qual a Administração Tributária não tem nenhuma informação sobre o preço pago. Consoante o método utilizado para reconstituir esse preço, e, em particular, em casos de comparação, considerar‑se‑á ou não que o IVA está incluído no preço assim reconstituído. Tudo depende do termo de comparação utilizado ( 30 ).

    44.

    Tudo isto demonstra que, da perspetiva das medidas a adotar para restabelecer a situação que teria existido se não tivesse ocorrido nenhuma ilegalidade, não existe um método único que se possa aplicar a todas as situações ( 31 ). Em especial, a abordagem adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Tulică and Plavoşin parece só ser válida quando a operação tenha sido efetuada com adquirentes em relação aos quais se possa razoavelmente presumir que as operações realizadas estavam sujeitas a IVA. Com efeito, só nesta situação se poderá razoavelmente considerar que o preço pago teria sido o mesmo que teria sido pago se essa operação tivesse sido sujeita a IVA.

    45.

    Por conseguinte, na minha opinião, a abordagem adotada no Acórdão Tulică and Plavoşin deve ser entendida no sentido de que só se aplica nesta situação ou, pelo menos, no sentido de que estabelece uma presunção de que pode ser ilidida pela Autoridade Tributária se se verificar que o preço aplicado era mais próximo do preço, sem imposto incluído, pedido por bens ou produtos similares ( 32 ).

    3. Quanto ao tipo de abordagem a utilizar para determinar as medidas a adotar

    46.

    Alguns podem ser tentados a ir ainda mais longe e considerar que, quando os sujeitos passivos (isto é, partes numa operação que não são consumidores finais) ocultaram de forma fraudulenta uma operação, não deve ser pago IVA. Com efeito, de um ponto de vista económico, se se considerar toda a cadeia comercial, a consequência lógica do argumento baseado no princípio da neutralidade seria a de que, em certas circunstâncias, não seria necessário nenhum pagamento do IVA para restabelecer a situação que deveria ter existido ( 33 ).

    47.

    Em especial, quando a operação decorre entre dois sujeitos passivos, como no presente caso (o Acórdão Tulică e Plavoşin não especifica se os adquirentes eram ou não sujeitos passivos de IVA), é certo que, se a operação tivesse sido efetuada como deveria ter sido, o IVA teria sido pago pelo adquirente ao fornecedor, o qual o teria, posteriormente, entregado ao Estado‑Membro em causa. No entanto, o adquirente também teria deduzido esse IVA do imposto que teria cobrado no momento das suas próprias vendas (ou teria sido reembolsado do excedente de IVA pago) ( 34 ). Por conseguinte, conforme acima se explicou, o IVA cobrado definitivamente por um Estado‑Membro é igual ao IVA cobrado na fase da operação final, isto é, a operação efetuada com um adquirente que não utilizará os bens ou os serviços no âmbito das suas operações tributadas ( 35 ). É por este motivo que, conforme sublinhado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, o IVA, que é um imposto indireto sobre o consumo, é, em definitivo, suportado apenas pelo consumidor ( 36 ).

    48.

    Nestas condições, quando um Estado‑Membro reclama a um fornecedor o pagamento do IVA que este, a priori, não incluiu no preço de venda e que não foi, assim, em seguida, deduzido pelo adquirente, esse Estado‑Membro pode, primeiro, cobrar, em definitivo, um montante de IVA superior àquele que teria sido cobrado se a fraude não tivesse ocorrido. Segundo, tal exigência reduzirá necessariamente o lucro do fornecedor ou prestador se este não puder repercutir esse imposto no adquirente, o que parece contrário ao princípio da neutralidade referido no n.o 38 das presentes conclusões ( 37 ).

    49.

    É certo que, no Acórdão Tulică e Plavoşin, o Tribunal de Justiça reconheceu que a questão das medidas a adotar para remediar a situação pode variar consoante o fornecedor ou prestador tenha ou não o direito de recuperar junto do adquirente o IVA reclamado pela Administração Tributária, precisamente com vista a garantir essa neutralidade. Todavia, a existência de tal possibilidade não resolve o problema, sendo antes suscetível de o transferir para o adquirente, o qual pode ter agido de boa‑fé. Com efeito, o adquirente pode legitimamente ter desconhecido que, por exemplo, o fornecedor ou prestador não tinha incluído o IVA, ou que tendo‑o incluído, não o entregou. O adquirente pode, deste modo, ter pagado um preço idêntico àquele que teria pagado se a operação tivesse sido, ab initio, sujeita a IVA e, por conseguinte, já ter exercido o direito à dedução de IVA mencionado na fatura emitida quando o fornecedor ou o prestador lhe solicitar o IVA exigido pela Administração Tributária ( 38 ).

    50.

    É certo que outros poderão sugerir, por sua vez, que o adquirente devia ser autorizado, em contrapartida, a deduzir uma segunda vez, de certa forma, o IVA pago, para que este continue a ser neutro em relação a si. No entanto, isso penalizaria o Estado‑Membro em causa, uma vez que a dedução efetuada pelo adquirente seria superior ao IVA entregue ( 39 ). Na minha opinião, nem os adquirentes nem os Estados‑Membros (e, por conseguinte, indiretamente, os seus contribuintes) devem ter de sofrer as consequências decorrentes da ilegalidade cometida, ainda que de boa‑fé, pelos fornecedores ou prestadores. Daqui resulta que, se se devesse considerar que o IVA é, em definitivo, suportado apenas pelo consumidor, como exige o princípio da neutralidade, para restabelecer a situação que deveria ter existido se a ilegalidade não tivesse sido cometida, seria necessário examinar previamente se o IVA deve ser entregue, tendo em conta a fase da produção em que a infração foi cometida e o tipo de infração cometida ( 40 ).

    51.

    No entanto, ainda que esta abordagem seja coerente de um ponto de vista puramente económico — necessariamente centrado na cadeia comercial como um todo e nos fundamentos teóricos de todo o sistema do IVA —, em minha opinião esta abordagem deverá ceder perante as realidades práticas do sistema, as quais devem, por sua vez, concentrar‑se nas obrigações que incumbem a cada sujeito passivo.

    52.

    Da perspetiva jurídica, com efeito, a questão das medidas a adotar para restabelecer uma situação deve ser apreciada apenas à luz das obrigações que não foram respeitadas pela pessoa em causa ( 41 ). Não se trata necessariamente de apreciar se o IVA deveria ter sido deduzido posteriormente ou se os Estados‑Membros receberão, no final, mais IVA do que aquele que teria sido cobrado se a fraude não tivesse ocorrido. A única questão pertinente é a de saber se, no caso de operações ocultadas, o imposto relativo a essas operações deve ser calculado a partir da premissa de que esse IVA foi incluído nos montantes recebidos pelo fornecedor ou prestador relativamente a essa operação.

    53.

    Em substância, uma vez que cada sujeito passivo deve respeitar as regras do IVA, quando algum sujeito passivo não sujeitou essas operações a IVA, deve ser‑lhe exigido, para restabelecer a situação, que proceda à entrega do IVA exato. Nesta perspetiva, o conceito de obrigação de remediar a situação não visa neutralizar os efeitos da ilegalidade cometida, mas obrigar pura e simplesmente o sujeito passivo a respeitar a regulamentação em matéria de IVA, independentemente de qualquer consideração relacionada com a declaração do imposto ou a neutralidade concorrencial.

    54.

    Apesar de esta questão nunca ter sido claramente suscitada perante o Tribunal de Justiça, considerar que as medidas a adotar para restabelecer a situação em causa deveriam ser apreciadas à luz das repercussões da fraude ao longo da cadeia comercial constituiria uma rutura radical com a jurisprudência existente. Com efeito, ainda que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a tomada em consideração de realidades económicas e comerciais seja um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA ( 42 ), parece‑me que a abordagem seguida pelo Tribunal de Justiça, pelo menos no que diz respeito ao pagamento desse imposto, tem passado sempre, implicitamente, por considerar que a determinação das medidas a adotar para restabelecer a situação deve ser apreciada ao nível concreto de cada sujeito passivo e, por conseguinte, de cada operação na cadeia comercial ( 43 ).

    55.

    Todavia, esta dicotomia entre uma abordagem das medidas a adotar económica e global, por um lado, e uma abordagem jurídica baseada na situação individual de cada sujeito passivo, por outro, ilustra, pelas razões acima expostas, que a abordagem adotada no Acórdão Tulică e Plavoşin não pode ser justificada pelo princípio da neutralidade. Com efeito, se se considerar que as medidas a adotar devem ser apreciadas ao nível de cada sujeito passivo, sem procurar determinar se, globalmente, a fraude teve consequências na cobrança do IVA, as soluções adotadas não serão necessariamente neutras no plano económico.

    56.

    Isto é particularmente evidente no que respeita à distinção feita nesse acórdão consoante o direito nacional permita ou não ao fornecedor ou prestador recuperar junto do adquirente o IVA reclamado pela Autoridade Tributária, uma vez que é difícil compreender de que forma o facto de o fornecedor ou prestador poder recuperar junto do adquirente o IVA reclamado pela Autoridade Tributária pode excluir a possibilidade de o IVA ter sido cobrado, mas não entregue, por esse fornecedor ou prestador, e, por conseguinte, de ter sido incluído no preço, mas não entregue. É também difícil justificar a solução consagrada apenas ao abrigo do princípio da neutralidade na medida em que o Tribunal de Justiça não procurou determinar quais seriam as consequências para o adquirente, que pode ter agido de boa‑fé, decorrentes do facto de o fornecedor ou prestador poder recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela Administração Tributária ( 44 ).

    57.

    Na minha opinião, a única forma de respeitar plenamente o princípio da neutralidade, no sentido que o Tribunal de Justiça lhe deu no Acórdão Tulică e Plavoşin, consistiria em exigir que os Estados‑Membros disponham, primeiro, que o fornecedor ou prestador possa recuperar junto do adquirente o IVA exigido pela Administração Tributária, mas unicamente se se puder razoavelmente deduzir das circunstâncias do caso concreto que esse imposto não foi incluído no preço e, segundo, que esse adquirente possa, quando podia razoavelmente não conhecer a existência de fraude, deduzir a diferença entre o IVA já deduzido, calculado com base no preço pago, e o IVA reclamado posteriormente. Todavia, uma vez que esta questão não se coloca diretamente no presente caso, não é necessário examinar mais aprofundadamente esta questão.

    58.

    Pode, no entanto, concluir‑se que a abordagem mais prática a adotar ao nível individual neste tipo de casos é a de saber se é evidente que o preço pago não incluía o IVA, pois não teria feito sentido nenhum que os operadores o tivessem incluído. Nesta perspetiva, deve entender‑se que a abordagem adotada no Acórdão Tulică e Plavoşin se baseia na hipótese de que o adquirente não foi informado sobre a ilegalidade cometida pelo fornecedor ou prestador.

    59.

    Por conseguinte, deve entender‑se que o raciocínio do Tribunal de Justiça no Acórdão Tulică e Plavoşin só diz respeito à situação na qual o adquirente não tem motivos para suspeitar que o fornecedor ou prestador não vai entregar o IVA e que estabelece, nessa situação, uma presunção para simplificar a tarefa da Administração Tributária ( 45 ). Essa presunção deve, no entanto, ser considerada ilidível no sentido de que se se fizer prova, em relação aos preços de mercado normalmente cobrados pelo produto ou serviço em causa, de que o preço não inclui IVA, deve ser invertida a presunção de que o preço praticado entre as partes incluía IVA.

    60.

    Dado que, como já foi exposto, no presente caso, resulta claramente dos elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que as partes acordaram ocultar as suas operações, a presunção enunciada no Acórdão Tulică e Plavoşin não deve ser aplicada. Nestas circunstâncias, deve presumir‑se, pelo contrário, que o preço pago não incluía IVA, a menos que, por exemplo, as partes demonstrem que esse preço está próximo daquele que teria sido pago se a operação tivesse sido sujeita a IVA. Neste último caso, se CB puder assim provar que a remuneração global que recebeu a título de contrapartida por esses serviços corresponde, em substância, ao preço de mercado pertinente para esses serviços (IVA incluído) em vigor à época, a Administração Tributária terá então de partir do princípio de que esse montante inclui necessariamente o IVA.

    V. Conclusão

    61.

    Nestas condições, proponho que se responda à questão submetida pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza, Espanha) no sentido de que os artigos 73.o e 78.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lidos à luz dos princípios da neutralidade, da proibição da fraude fiscal e do abuso de direito e da proibição da distorção ilegal da concorrência, não se opõem a uma legislação nacional, nas circunstâncias do processo principal (ou seja, uma operação ocultada efetuada entre dois sujeitos passivos no exercício da sua atividade que confere direito à dedução), que prevê que, para calcular o IVA devido, há que presumir que o IVA não foi incluído no preço cobrado. Nestas condições, todavia, a legislação nacional deve igualmente prever que esta presunção pode ser ilidida pelo sujeito passivo através de prova do contrário, nomeadamente através de uma comparação do preço pago com os preços em vigor (IVA incluído) para bens ou serviços similares.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) JO 2006, L 347, p. 1.

    ( 3 ) BOE n.o 312, de 29 de dezembro de 1992, p. 44247.

    ( 4 ) V., nomeadamente, Acórdão de 26 de fevereiro de 1986, Marshall (152/84, EU:C:1986:84 n.o 48); de 14 de julho de 1994, Faccini Dori (C‑91/92, EU:C:1994:292, n.os 20 a 23); de 12 de maio de 1987, Traen e o. (372/85 a 374/85, EU:C:1987:222, n.os 24 a 26), de 7 de janeiro de 2004, Wells (C‑201/02, EU:C:2004:12, n.o 56); de 21 de outubro de 2010, Accardo e o. (C‑227/09, EU:C:2010:624, n.o 45); de 24 de janeiro de 2012, Dominguez (C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 37); e de 15 de janeiro de 2015, Ryanair (C‑30/14, EU:C:2015:10, n.o 30).

    ( 5 ) É certo que o Tribunal de Justiça recordou que o princípio da proibição das práticas abusivas, conforme aplicado em matéria de IVA pela jurisprudência decorrente do Acórdão de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o. (C 255/02, EU:C:2006:121), não constitui uma regra fixada por uma diretiva, mas um princípio geral do direito. V., a este respeito, Acórdão de 22 de novembro de 2017, Cussens e o. (C‑251/16, EU:C:2017:881, n.o 27). Contudo, o presente processo não tem por objeto práticas abusivas, conceito que tem um sentido preciso no direito da União [v., por exemplo, Acórdão de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o. (C‑255/02, EU:C:2006:121, n.o 74)], antes dizendo respeito à forma como a base tributável deve ser reconstituída, depois de verificada a fraude. Em contrapartida, recorda‑se que os órgãos jurisdicionais nacionais têm a obrigação de procurar se, atendendo aos métodos de interpretações aceites no direito interno, esta legislação pode ser interpretada de forma diferente para atingir o resultado prosseguido por uma diretiva. V., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.os 108 a 118).

    ( 6 ) V., neste sentido, por exemplo, Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona (C‑475/03, EU:C:2006:629, n.o 28).

    ( 7 ) Salvo indicação em contrário ou quando se trate do consumidor final, deve entender‑se que as referências feitas nas presentes conclusões aos operadores económicos visam os sujeitos passivos.

    ( 8 ) V. artigos 168.o e 179.o da Diretiva 2006/112.

    ( 9 ) V., por exemplo, Acórdão de 5 de outubro de 2016, Maya Marinova (C‑576/15, EU:C:2016:740, n.o 39).

    ( 10 ) Para clarificar, por exemplo, o conceito de «acusação em matéria penal» constante do artigo 6.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem («CEDH») e o conceito de «pena» constante do artigo 7.o da CEDH, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos estabeleceu uma distinção entre as medidas tributárias destinadas a penalizar os contribuintes e as que visam reparar as consequências decorrentes para as finanças públicas da sua atuação ilegal. V., em particular, Acórdão TEDH, 24 de fevereiro de 1994, Bendenoun c. França, CE:ECHR:1994:0224JUD001254786, § 47.

    ( 11 ) V. Acórdão de 21 de novembro de 2018, Fontana (C‑648/16, EU:C:2018:932, n.os 33 e 34).

    ( 12 ) V., a este respeito, Acórdão de 20 de março de 2018, Menci (C‑524/15, EU:C:2018:197, n.o 19).

    ( 13 ) Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros são obrigados a prever sanções efetivas, proporcionadas e dissuasoras em relação a qualquer violação do direito da União, mesmo quando não exista disposição expressa no ato da União em causa. V. Acórdãos de 10 de abril de 1984, von Colson e Kamann (14/83, EU:C:1984:153, n.o 28), de 21 de setembro de 1989, Comissão/Grécia (68/88, EU:C:1989:339, n.o 24), e, neste sentido, em relação ao sistema comum do IVA, Acórdão de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B. (C‑42/17, EU:C:2017:936, n.os 34 e 35).

    ( 14 ) É certo que o artigo 273.o da Diretiva 2006/112 dispõe que os Estados‑Membros «podem» tomar algumas medidas e, por conseguinte, deve ser interpretado no sentido de que autoriza os Estados‑Membros a adotarem algumas medidas adicionais. Todavia, a obrigação de os Estados‑Membros agirem contra a fraude fiscal decorre do artigo 310.o, n.o 6, TFUE e do artigo 325.o TFUE, bem como, mais genericamente, da obrigação de os Estados‑Membros garantirem a plena eficácia do direito da União. V., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B. (C‑42/17, EU:C:2017:936, n.o 30) e, no que respeita à obrigação de os Estados garantirem a plena eficácia do direito da União em matéria de IVA, Acórdão de 5 de julho de 2016, Ognyanov (C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 34).

    ( 15 ) V. Acórdão de 21 de novembro de 2018, Fontana (C‑648/16, EU:C:2018:932, n.os 33 e 34).

    ( 16 ) V., neste sentido, Acórdãos de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B. (C‑42/17, EU:C:2017:936, n.o 33), e de 20 de março de 2018, Menci (C‑524/15, EU:C:2018:197, n.o 20).

    ( 17 ) V., neste sentido, Acórdãos de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid (C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.o 47), e de 6 de dezembro de 2012, Bonik (C‑285/11, EU:C:2012:774, n.os 41 e 42).

    ( 18 ) Em meu entender, foi também isto que sucedeu no caso em análise no Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin (C‑249/12 e C‑250/12, EU:C:2013:722), que adiante desenvolverei.

    ( 19 ) É certo que os artigos 74.o a 82.o da Diretiva 2006/112 contêm algumas exceções à definição do conceito de «valor tributável» constante do artigo 73.o da mesma, nomeadamente, como indica o considerando 26 desta diretiva, de modo a garantir que não exista perda de receitas fiscais através do recurso a partes associadas. No entanto, estas exceções aplicam‑se de modo uniforme às operações a que se referem: não se destinam a conferir uma margem de apreciação aos Estados‑Membros na matéria, mas a prever definições alternativas em certas situações particulares em que não é pago um preço ou em que o preço pago possa não corresponder plenamente à realidade económica. O caráter harmonizado do conceito de «valor tributável» também não é posto em causa pelo artigo 273.o da Diretiva 2006/112, que dispõe que «os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira» (o sublinhado é meu). Com efeito, decorre da redação desta disposição que esta só autoriza os Estados‑Membros a imporem obrigações suplementares. Não autoriza, no entanto, os Estados‑Membros a derrogarem as regras existentes no que respeita ao valor tributável. Em todo o caso, resulta de forma clara do contexto em que se insere o artigo 273.o da Diretiva 2006/112 que, com a sua referência às «outras obrigações», este artigo visa as obrigações referidas no título XI, intitulado «Obrigações dos sujeitos passivos e de determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos».

    ( 20 ) Acórdão de 28 de julho de 2016, Astone (C‑332/15, EU:C:2016:614).

    ( 21 ) Acórdão de 7 de março de 2018, Dobre (C‑159/17, EU:C:2018:161).

    ( 22 ) Acórdão de 5 de outubro de 2016, Maya Marinova (C‑576/15, EU:C:2016:740).

    ( 23 ) N.o 50 deste acórdão.

    ( 24 ) Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică and Plavoşin (C‑249/12 e C‑250/12, EU:C:2013:722, a seguir «Acórdão Tulică e Plavoşin»).

    ( 25 ) Este facto foi mencionado nos dois pedidos de decisão prejudicial.

    ( 26 ) V., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 3 de julho de 1997, Goldsmiths (C‑330/95, EU:C:1997:339, n.o 15), e de 26 de abril de 2012, Balkan and Sea Properties e Provadinvest (C‑621/10 e C‑129/11, EU:C:2012:248, n.o 44), aos quais o Tribunal de Justiça faz referência no Acórdão Tulică e Plavoşin. Na versão inglesa do Acórdão Tulică and Plavoşin é utilizada a expressão «the amount paid by the taxable person», ao passo que na versão romena é utilizada a expressão «superioară celei primite de persoana impozabilă» e na versão francesa «que l’assujetti a perçu» o que equivale a «paid to the taxable person» [pago ao sujeito passivo].

    ( 27 ) O «princípio da neutralidade» pode, com efeito, referir‑se também, no contexto do IVA, à aplicação do princípio da não‑discriminação em matéria de IVA. V., a este respeito, Acórdão de 15 de novembro de 2012, Zimmermann (C‑174/11, EU:C:2012:716, n.o 48).

    ( 28 ) Quando o fornecedor ou prestador não está registado como sujeito de IVA e o adquirente não pretendeu deduzir o IVA, o último comprou logicamente os bens pelo preço que teria pago, sem o IVA aplicável se a operação tivesse estado sujeita a esse imposto, uma vez que se pode presumir que o adquirente sabia que, nesse caso, teria podido deduzir qualquer imposto pago. É por esta razão que, na prática dos negócios entre profissionais, os preços das ofertas comerciais são muitas vezes expressos sem impostos, uma vez que é esse preço que interessa ao adquirente.

    ( 29 ) Todavia, importa recordar que, para conservar um direito à dedução em caso de fraude, o adquirente deve, pelo menos, não ter sido negligente. Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou repetidas vezes que os litigantes não podem invocar de forma fraudulenta ou abusiva as normas do direito da União. Assim, os órgãos jurisdicionais e as autoridades nacionais devem recusar o benefício do direito à dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que este direito é invocado de forma fraudulenta ou abusiva. V., por exemplo, Acórdão de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary (C‑189/18, EU:C:2019:861, n.o 34 e jurisprudência referida). Se for o que sucede quando o próprio sujeito passivo comete uma fraude, o mesmo acontece quando um sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA. V. Acórdão de 21 junho de 2012, Mahagében e Dávid (C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.o 46). Quanto ao grau de diligência exigido do contribuinte que pretenda exercer o seu direito à dedução, o Tribunal de Justiça considera que o contribuinte deve tomar todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para que a operação que efetua não o leve a participar numa fraude fiscal. V., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult (C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 52). Em particular, quando haja suspeita de irregularidades ou de fraude, pode ser exigido de um operador prudente, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, que obtenha informação sobre outro operador a quem pretende adquirir bens ou serviços para se certificar da fiabilidade desse operador. V., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid (C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.o 60).

    ( 30 ) É neste sentido que compreendo a abordagem seguida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Fontana, no qual o Tribunal de Justiça considerou, em substância, que é possível, em caso de incumprimento de obrigações de declaração, utilizar como valor tributável o volume de negócios de uma empresa, calculado com base em estudos setoriais aprovados por decreto ministerial, sem se referir à abordagem adotada no Acórdão Tulică and Plavoşin. V. Acórdão de 21 de novembro de 2018, Fontana (C‑648/16, EU:C:2018:932, n.o 36).

    ( 31 ) Por analogia, saliento, no que respeita às medidas de determinação que uma instituição europeia cuja decisão foi anulada deve tomar a fim de colocar o recorrente na situação que deveria ter sido a sua se a ilegalidade não tivesse sido cometida, que essa determinação necessitava de um exame aprofundado da situação. V. Acórdãos de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho (22/70, EU:C:1971:32, n.o 60); de 6 de março de 1979, Simmenthal/Comissão (92/78, EU:C:1979:53, n.o 32); de 17 de fevereiro de 1987, Samara/Comissão (21/86, EU:C:1987:88, n.o 7); e, mais explicitamente, mas no que respeita ao Tribunal Geral, Acórdão de 23 de abril de 2002, Campolargo/Comissão (T‑372/00, EU:T:2002:103, n.o 109).

    ( 32 ) A este respeito, observo que o preço de mercado constitui um método de correção das anomalias de preço previsto na própria Diretiva 2006/112. Com efeito, o artigo 80.o da Diretiva 2006/112, que se insere no mesmo título que os artigos 73.o e 78.o desta diretiva, prevê, na hipótese de as partes terem laços entre si e, por conseguinte, relativamente às quais é provável que o preço pago não reflita o valor económico real da operação, a possibilidade de os Estados‑Membros se basearem no valor normal do mercado e não no preço pago. V., igualmente, considerando 26 e artigo 77.o da Diretiva 2006/112.

    ( 33 ) É certo que, no n.o 28 do Acórdão de 2 de julho de 2020, Terracult (C‑835/18, EU:C:2020:520), o Tribunal de Justiça declarou que, «quando o emitente da fatura tiver eliminado por completo, em tempo útil, o risco de perda de receitas fiscais, o princípio da neutralidade do IVA exige que este imposto indevidamente faturado possa ser corrigido». Todavia, não me parece que, ao referir‑se à existência de uma perda de receitas fiscais, o Tribunal de Justiça tenha realmente pretendido proceder a um exame global da totalidade das consequências de uma violação das regras do IVA.

    ( 34 ) De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito de um sujeito passivo, que efetue tais operações, de deduzir o IVA pago a montante também não pode ser afetado pela circunstância de, na cadeia de entregas na qual se inserem essas operações, sem que esse sujeito passivo saiba ou possa saber, uma outra operação, anterior ou posterior à realizada por este último, estar viciada de fraude ao IVA. V. Acórdão de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling (C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:446, n.o 46).

    ( 35 ) Veja‑se o exemplo de uma cadeia de abastecimento comercial normal de um bem, que inclui três intermediários, obtendo, cada um, uma margem de lucro de 10,00 euros. Suponhamos ainda que cada operação está sujeita a 20 % de IVA. Por conseguinte, a primeira vez que esse bem for vendido, sê‑lo‑á por 12,00 euros (IVA incluído), o que significa que o IVA cobrado e, posteriormente, entregue ao Estado‑Membro é de 2,00 euros. Na segunda vez, esse bem será revendido por 24,00 euros (IVA incluído), o IVA cobrado será 4,00 euros, mas o imposto entregue será de apenas 2,00 euros, uma vez que os 2,00 de IVA pagos a montante são dedutíveis. Quando for vendido uma terceira vez ao consumidor final por 36,00 euros (IVA incluído), o imposto cobrado será 6,00 euros, mas o IVA entregue será de apenas 2,00 euros (6 euros cobrados menos os 4 pagos a montante). No final, o montante total do imposto cobrado será 6,00 euros, ou seja, exatamente o mesmo montante que teria sido entregue se o bem tivesse sido vendido diretamente pelo primeiro contribuinte ao consumidor final por 36,00 euros (IVA incluído).

    ( 36 ) Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona (C‑475/03, EU:C:2006:629, n.o 28).

    ( 37 ) Nesta perspetiva, uma vez que o pagamento de um qualquer montante a título de IVA não é necessário para restabelecer as finanças públicas, deve considerar‑se que qualquer obrigação neste sentido reveste a natureza de uma sanção e não de uma medida que visa restabelecer a situação.

    ( 38 ) Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Administração Tributária não pode recusar a um sujeito passivo o direito de deduzir o IVA pago por aquisições de bens que lhe foram entregues com o fundamento de que as faturas relativas a estas aquisições não podem ser consideradas fidedignas. V. Despacho de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó (C‑610/19, EU:C:2020:673, n.o 66).

    ( 39 ) Uma vez que o IVA teria sido entregue de uma única vez e deduzido duas vezes.

    ( 40 ) Considerado nesta perspetiva puramente económica, o facto de a obrigação de restabelecer a situação poder não exigir nenhuma remessa de IVA em certas situações não é realmente posto em causa pelo facto de o sistema do IVA assentar no princípio do pagamento faseado. Com efeito, como acima exposto, o mecanismo que este princípio aplica não afeta o reembolso deste imposto, mas prossegue outros objetivos. Por um lado, visa limitar o risco de perda de receitas fiscais em caso de insolvência de um intermediário. Por outro lado, tal sistema visa fornecer à Administração Tributária uma visão geral do volume de negócios realizado pelo sujeito passivo e do seu consumo intermédio, o que permite cruzar as declarações feitas a propósito de outros impostos. Todavia, quando a revenda às pessoas que são de facto os consumidores finais já tiver ocorrido, tiver sido sujeita a IVA e, consequentemente, o Estado‑Membro tiver cobrado a totalidade do IVA devido como no presente caso, este primeiro objetivo perde a sua pertinência à luz das medidas a adotar para restabelecer a situação. Nesta perspetiva, continua, no entanto, a ser plenamente pertinente no que respeita às sanções a adotar contra quem ocultou erradamente certas operações, uma vez que as sanções se devem destinar a dissuadir outros de fazer o mesmo. Quanto ao segundo objetivo, uma vez que não está diretamente ligado ao princípio do IVA em si mesmo, este só pode, por princípio, ser pertinente no âmbito da determinação da sanção a prever.

    ( 41 ) Segundo esta abordagem jurídica, a distinção entre medidas destinadas a restabelecer a situação e medidas que constituem uma sanção não depende de a medida ir além da reparação do dano sofrido pelo Estado‑Membro em causa, mas apenas do objetivo prosseguido pela medida em questão, a saber, a luta contra a fraude fiscal ao IVA, além do reembolso do IVA devido, independentemente de esse reembolso se destinar ou não a compensar pela perda fiscal sofrida.

    ( 42 ) V., por exemplo, Acórdãos de 22 de novembro de 2018, MEO — Serviços de Comunicações e Multimédia (C‑295/17, EU:C:2018:942, n.o 43), ou de 11 de junho de 2020, Vodafone Portugal (C‑43/19, EU:C:2020:465, n.o 40).

    ( 43 ) Com efeito, embora o Tribunal de Justiça pareça atribuir importância aos efeitos económicos do comportamento dos sujeitos passivos, resulta de uma leitura global da jurisprudência na matéria que o Tribunal de Justiça ainda atribui grande importância ao respeito da norma que foi violada para restabelecer a situação. V., por exemplo, Acórdão de 5 de outubro de 2016, Maya Marinova (C‑576/15, EU:C:2016:740, n.o 48), no qual o Tribunal de Justiça fez referência a «todas as circunstâncias individuais».

    ( 44 ) Esta distinção afigura‑se tanto mais difícil de compreender quanto, como foi explicado, a obrigação de os Estados‑Membros tomarem as medidas necessárias para restabelecer a situação decorre da obrigação de esses mesmos Estados garantirem a plena eficácia da Diretiva 2006/112 e não pode, por conseguinte, ser posta em causa pelo direito interno dos Estados‑Membros. A este respeito, saliento que, segundo certos acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou que os Estados‑Membros não se podiam opor a que o vendedor retificasse faturas emitidas (que constituem a prova de uma operação comercial e não do pagamento do preço cobrado) quando o risco de perda de receitas fiscais tenha sido eliminado. V. Acórdão de 2 de julho de 2020, Terracult (C‑835/18, EU:C:2020:520, n.o 28). Neste contexto, dado que o Tribunal de Justiça considerou que havia que proceder a uma ponderação entre esta obrigação e o princípio da segurança jurídica, cabia, em princípio, ao Tribunal de Justiça declarar em que caso este princípio exigia que os Estados‑Membros recusassem aos vendedores o direito de repercutir o imposto nos adquirentes. V., por analogia, neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2016, Wolfgang und Dr. Wilfried Rey Grundstücksgemeinschaft GbR (C‑332/14, EU:C:2016:417, n.os 53 e 54).

    ( 45 ) V., a este respeito, considerando 5 da Diretiva 2006/112.

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