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Document 62019CC0453

    Conclusões do advogado-geral M. Szpunar apresentadas em 27 de outubro de 2020.


    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:862

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MACIEJ SZPUNAR

    apresentadas em 27 de outubro de 2020 ( 1 )

    Processo C‑453/19 P

    Deutsche Lufthansa AG

    contra

    Comissão Europeia

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Auxílios individuais — Decisão que qualifica as medidas concedidas ao aeroporto de Frankfurt Hahn de auxílios de Estado compatíveis com o mercado interno e que declara a inexistência de auxílio de Estado a favor das companhias aéreas que utilizam esse aeroporto — Inadmissibilidade de recurso de anulação — Afetação individual — Proteção jurisdicional efetiva»

    I. Introdução

    1.

    A admissibilidade dos recursos de anulação de uma decisão da Comissão Europeia em matéria de auxílios de Estado interpostos por um concorrente do beneficiário da medida em causa é objeto de um contencioso abundante. O presente recurso de acórdão do Tribunal Geral confirma‑o na medida do necessário.

    2.

    A recorrente, a Deutsche Lufthansa AG, pede ao Tribunal de Justiça que anule o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de abril de 2019, Deutsche Lufthansa/Comissão (T‑492/15, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2019:252), que declarou inadmissível o seu recurso de anulação da Decisão (UE) 2016/789 da Comissão, de 1 de outubro de 2014, relativa ao auxílio estatal SA.21121 (C29/08) (ex‑NN 54/07) concedido pela Alemanha relativo ao financiamento do aeroporto de Frankfurt Hahn e às relações financeiras entre o aeroporto e a Ryanair (JO 2016, L 134, p. 46) (a seguir «decisão controvertida»).

    3.

    Em conformidade com o pedido do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões limitar‑se‑ão à análise da quarta a sexta partes do primeiro fundamento do recurso em apreço, relativas à apreciação da afetação individual da recorrente na aceção do artigo 263.o, n.o 4, TFUE.

    II. Antecedentes do litígio e decisão controvertida

    4.

    Os antecedentes do litígio foram expostos em detalhe no acórdão recorrido, para o qual se remete a este respeito ( 2 ). Os elementos essenciais e necessários para entender as presentes conclusões podem ser resumidos como se segue.

    5.

    A recorrente é uma companhia aérea estabelecida na Alemanha, cuja atividade principal é o transporte de passageiros.

    6.

    O aeroporto de Frankfurt Hahn (Alemanha) situa‑se no território do Land Rheinland‑Pfalz (a seguir «Land»), a aproximadamente 115 km do aeroporto de Frankfurt am Main (Alemanha), o primeiro aeroporto de base da recorrente. Este aeroporto tornou‑se, a partir de 1 de abril de 1995, propriedade da Holding Unternehmen Hahn GmbH & Co. KG, uma parceria público‑privada na qual o Land participava, e é explorado pela Flughafen Hahn GmbH & Co. KG Lautzenhausen (a seguir «Flughafen Hahn»). A Flughafen Hahn é maioritariamente detida, desde 1 de janeiro de 1998, pela Flughafen Frankfurt/Main GmbH (a seguir «Fraport»), uma sociedade que explora e gere o aeroporto de Frankfurt am Main.

    7.

    Em 1999, a Flughafen‑Hahn celebrou com a Ryanair Ltd (atualmente Ryanair DAC, a seguir «Ryanair») um acordo com uma duração de cinco anos relativo ao montante das taxas aeroportuárias que a Ryanair deveria pagar. Este acordo entrou em vigor em 1 de abril de 1999 (a seguir «acordo Ryanair de 1999»).

    8.

    Nesse mesmo ano, o Land e a Fraport celebraram um acordo de transferência de lucros e perdas, nos termos do qual a Fraport se comprometeu a cobrir as perdas da Flughafen Hahn como contrapartida de um direito exclusivo sobre os lucros gerados por esta última. O acordo de transferência de lucros e perdas entrou em vigor em 1 de janeiro de 2001.

    9.

    Posteriormente, a Holding Unternehmen Hahn & Co. e a Flughafen Hahn fundiram‑se para formar a Flughafen Hahn GmbH (atualmente Flughafen Frankfurt‑Hahn GmbH, a seguir «FFHG»), cujo capital social era detido, em 26,93 %, pelo Land e, em 73,07 %, pela Fraport.

    10.

    Em 11 de junho de 2001, a Fraport foi cotada na bolsa de ações e 29,71% das suas ações foram vendidas a acionistas privados, continuando as restantes a pertencer a acionistas públicos.

    11.

    Entre o mês de dezembro de 2001 e o mês de janeiro de 2002, a Fraport e o Land procederam a um aumento de capital da FFHG, no valor de 27 milhões de euros, subscrito pela Fraport e pelo Land com, respetivamente, 19,7 milhões e 7,3 milhões de euros. O aumento de capital destinava‑se a financiar a parte mais urgente de um programa de melhoria da infraestrutura aeroportuária.

    12.

    Em 14 de fevereiro de 2002, o acordo Ryanair de 1999 foi substituído por um novo acordo (a seguir «acordo Ryanair de 2002»).

    13.

    Nesse mesmo ano, a Fraport, o Land, a FFHG e o Land de Hesse (Alemanha) acordaram que o Land de Hesse se tornaria no terceiro acionista da FFHG, na eventualidade de vir a ser necessário um aumento de capital.

    14.

    Para este efeito, em 2005, foi assinado um pacto de acionistas entre a Fraport, o Land e o Land de Hesse, nos termos do qual devia ocorrer um aumento de capital da FFHG no montante de 19,5 milhões de euros. Entre 2004 e 2009, a Fraport, o Land e o Land de Hesse injetaram, respetivamente, 10,21 milhões de euros, 540000 euros e 8,75 milhões de euros na FFHG. Por outro lado, o Land e o Land de Hesse comprometeram‑se a injetar, cada um, 11,25 milhões de euros adicionais, a título de reserva de capitais.

    15.

    Na sequência deste aumento de capital (a seguir «aumento de capital de 2004»), a Fraport detinha 65 % das ações da FFHG, ao passo que o Land e o Land de Hesse detinham 17,5 % cada um.

    16.

    Por outro lado, o pacto de acionistas previa também que qualquer outra dívida contraída pela FFHG devia ser garantida pela Fraport, pelo Land e pelo Land de Hesse, na proporção da respetiva participação no capital da FFHG, e que devia ser celebrado um novo acordo de transferência de lucros e perdas a vigorar até 2014 (a seguir «acordo de transferência de lucros e perdas de 2004»). Este acordo foi celebrado em 5 de abril de 2004 e entrou em vigor em 2 de junho de 2004.

    17.

    Entre 1997 e 2004, o Land pagou à Flughafen Hahn e à FFHG subvenções diretas.

    18.

    Por outro lado, o Land instituiu um mecanismo de compensação a favor da FFHG para os controlos de segurança, pelos quais o Land cobra uma taxa de segurança aeroportuária a todos os passageiros à partida do aeroporto de Frankfurt Hahn. O Land subcontratou a execução dos controlos no aeroporto e transferiu para este último a totalidade das receitas da taxa de segurança.

    19.

    Em 4 de novembro de 2005, foi feito um aditamento ao acordo Ryanair de 2002.

    20.

    Entre 2003 e 2006, a Comissão recebeu várias queixas relativas a pretensos auxílios de Estado concedidos pela Fraport, pelo Land e pelo Land de Hesse à Ryanair e à FFHG.

    21.

    Em 17 de junho de 2008, após contactos com a República Federal da Alemanha, a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, do Tratado CE (atual artigo 108.o, n.o 2, TFUE) sobre os auxílios de Estado relativos ao financiamento do aeroporto de Frankfurt Hahn e às suas relações com a Ryanair.

    22.

    Em 31 de dezembro de 2008, a Fraport vendeu ao Land a totalidade da sua participação na FFHG, de modo que o Land passou a deter uma participação maioritária de 82,5 % na FFHG, continuando os 17,5 % restantes a ser detidos pelo Land de Hesse, e o acordo de transferência de lucros e perdas de 2004 foi rescindido.

    23.

    Em 13 de julho de 2011, a Comissão deu início a um segundo procedimento formal de investigação sobre as medidas de financiamento da FFHG tomadas entre 2009 e 2011. Por conseguinte, coexistiram dois procedimentos.

    24.

    Em 1 de outubro de 2014, a Comissão adotou a decisão controvertida. Através desta decisão, a Comissão considerou que o auxílio estatal concedido pela Alemanha através do aumento de capital da FFHG subscrito pela Fraport e pelo Land entre dezembro de 2001 e janeiro de 2002, do aumento de capital de 2004 e das subvenções diretas do Land à Flughafen Hahn e à FFHG entre 1997 e 2004 era compatível com o mercado interno. Além disso, considerou que o aumento de capital de 2004 pela Fraport e o acordo de transferência de lucros e perdas de 2004 não constituíam auxílios na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Por último, considerou que o acordo Ryanair de 1999, o acordo Ryanair de 2002 e o aditamento ao acordo Ryanair de 2002, celebrado em 4 de novembro de 2005, não constituíam auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    III. Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    25.

    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de agosto de 2015, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão controvertida, invocando sete fundamentos de recurso relativos, o primeiro, a um erro de processo, o segundo e o terceiro, a erros de apreciação dos factos, o quarto, a contradições manifestas da decisão controvertida, e os quinto a sétimo, a violações do artigo 107.o TFUE.

    26.

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou inadmissível o recurso, na parte respeitante às medidas de auxílios individuais a favor do aeroporto de Frankfurt Hahn e da Ryanair, as únicas pertinentes para efeitos das presentes conclusões.

    IV. Pedidos das partes e tramitação processual no Tribunal de Justiça

    27.

    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de junho de 2019, a recorrente pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o acórdão recorrido;

    declarar o recurso admissível e procedente;

    julgar procedentes os pedidos apresentados em primeira instância e anular a decisão controvertida;

    a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral; e

    condenar a Comissão nas despesas.

    28.

    A Comissão e o Land pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso; e

    condenar a recorrente nas despesas.

    29.

    A Ryanair pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso;

    a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral; e

    condenar a recorrente nas despesas.

    30.

    Não foi realizada audiência.

    V. Análise

    31.

    Com o seu primeiro fundamento, a recorrente alega que, ao julgar inadmissível o recurso na medida em que era interposto da parte da decisão controvertida relativa às medidas de auxílios individuais a favor da FFHG e da Ryanair, o Tribunal Geral violou o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE e o artigo 47.o da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    32.

    Mais exatamente, com a quarta a sexta partes do primeiro fundamento de recurso, apresentadas a título subsidiário, a recorrente contesta o raciocínio do Tribunal Geral e a conclusão segundo a qual ela não fez prova suficiente da sua afetação individual na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

    33.

    A título preliminar, tecerei algumas observações quanto às regras relativas à admissibilidade dos recursos interpostos pelos concorrentes das decisões da Comissão em matéria de auxílios de Estado adotadas no termo do procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Em seguida, analisarei, à luz destas observações, os argumentos apresentados pela recorrente em apoio da quarta a sexta partes do primeiro fundamento de recurso.

    A.   Regras de admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por concorrentes em matéria de auxílios de Estado

    34.

    Desde a entrada em vigor do tratado de Lisboa, o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE prevê duas hipóteses em que é reconhecida legitimidade a uma pessoa singular ou coletiva para interpor recurso de um ato da União do qual não é destinatária: se este ato lhe disser direta e individualmente respeito e se se tratar de um ato regulamentar que não necessite de medidas de execução, se o mesmo lhe disser diretamente respeito ( 3 ).

    35.

    Embora o Tribunal de Justiça tenha declarado recentemente que uma decisão da Comissão relativa a um regime de auxílios podia ser considerada, em relação, nomeadamente, a um concorrente ou a beneficiários deste regime, como um ato regulamentar que não necessita de medidas de execução ( 4 ), facilitando assim a interposição de recursos de anulação deste tipo de decisão, esse mesmo raciocínio não pode ser aplicado às decisões da Comissão relativas a medidas individuais ( 5 ).

    36.

    Nestas condições, e de forma sistemática, embora os terceiros possam, sem prejuízo da prova da respetiva afetação direta, interpor recurso de uma decisão da Comissão relativa a um regime geral, devem ainda fazer prova da afetação individual quando a decisão impugnada diz respeito a uma medida individual.

    37.

    Segundo jurisprudência constante, os sujeitos que não sejam destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE se a mesma os prejudicar em razão de determinadas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à do destinatário dessa decisão ( 6 ).

    38.

    A este respeito, e em matéria de auxílios de Estado, quando um recorrente impugna uma decisão da Comissão de não dar início ao procedimento formal de investigação prevista no artigo 108.o, n.o 2, TFUE a fim de assegurar a salvaguarda dos direitos processuais conferida por esta disposição, a mera qualidade de parte interessada, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 ( 7 ), é suficiente para a individualizar de forma idêntica à do destinatário da decisão impugnada ( 8 ).

    39.

    Em contrapartida, não é esse o caso quando o recurso visa impugnar o mérito de uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado: a mera qualidade de parte interessada e, por conseguinte, de concorrente, não é suficiente para declarar a existência da afetação individual. O recorrente deve também demonstrar que tem um estatuto específico na aceção da jurisprudência recordada no n.o 37 das presentes conclusões, quer a decisão em causa tenha sido adotada no termo da fase preliminar de investigação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE ou no termo do procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

    40.

    O Acórdão Cofaz e o./Comissão ( 9 ) permitiu, pela primeira vez, explicitar as implicações dessa exigência, relativamente aos recursos interpostos por concorrentes em matéria de auxílios de Estado. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a participação do recorrente no procedimento administrativo na Comissão é um elemento a tomar em consideração no âmbito da análise da sua afetação individual, «se a sua posição no mercado for, no entanto, substancialmente afetada pela medida de auxílio que é o objeto da decisão impugnada» ( 10 ).

    41.

    Por outras palavras, a afetação individual do concorrente que interpõe um recurso para impugnar o mérito de uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado está condicionada à demonstração do prejuízo substancial que a sua posição no mercado sofreu. O Tribunal de Justiça confirmou posteriormente que esta é a condição essencial que permite demonstrar a afetação individual, ao passo que a participação do recorrente no procedimento administrativo não constitui uma condição necessária para demonstrar a afetação individual do concorrente ( 11 ), mas um «elemento relevante» ( 12 ) a este respeito.

    42.

    Assim, tanto o Tribunal Geral como o Tribunal de Justiça verificam sistematicamente, na análise da admissibilidade do recurso, a afetação substancial da posição no mercado do concorrente que interpôs um recurso destinado a contestar o mérito de uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado.

    43.

    Se a jurisprudência é agora constante sobre este ponto, falta‑lhe, todavia, clareza quando se trata da interpretação da condição relativa à afetação substancial da posição concorrencial do recorrente, designadamente no que respeita aos meios e ao nível de prova exigidos para a demonstrar.

    44.

    Com efeito, embora o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral tenham admitido, inicialmente, uma apreciação mais flexível desta condição, impõe‑se concluir que esta orientação jurisprudencial coexiste agora com uma nova orientação na jurisprudência do Tribunal Geral, mais restritiva, que tem como efeito declarar inadmissíveis a maior parte dos recursos interpostos pelos concorrentes do beneficiário de uma medida, devido à falta de afetação substancial da respetiva posição concorrencial.

    1. Apreciação originalmente flexível da condição da afetação substancial da posição do recorrente no mercado

    45.

    Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça precisou, no Acórdão Cofaz e o./Comissão ( 13 ), que a demonstração da afetação substancial da posição do recorrente no mercado não obrigava o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se de forma definitiva sobre as relações de concorrência entre o recorrente e as empresas beneficiárias, necessitando apenas que o recorrente indique «de forma pertinente as razões pelas quais a decisão controvertida podia lesar os seus interesses legítimos, afetando substancialmente a sua posição no mercado» ( 14 ).

    46.

    Com base neste fundamento, a prática jurisprudencial que se seguiu ao Acórdão Cofaz e o./Comissão ( 15 ) admitia facilmente que a condição da afetação substancial da posição do recorrente no mercado pudesse ser satisfeita. Assim, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral reconheceram frequentemente a existência desta afetação substancial, uma vez que o recorrente era o concorrente direto da empresa beneficiária do auxílio num mercado com poucos operadores ( 16 ), precisando‑se que, se for demonstrado que a sua posição é substancialmente afetada, o facto de um número indefinido de outros concorrentes poder invocar um prejuízo análogo não pode impedir o reconhecimento de que o recorrente foi individualmente afetado ( 17 ).

    47.

    A afetação substancial da posição concorrencial do recorrente não resulta, assim, de uma análise aprofundada das diferentes relações de concorrência no mercado em causa que permite demonstrar com precisão a extensão da afetação da sua posição concorrencial, mas, em princípio, de uma constatação prima facie de que a concessão da medida visada na decisão da Comissão conduz a que esta posição seja substancialmente afetada.

    48.

    O Tribunal de Justiça declarou assim que a condição da afetação substancial da posição concorrencial do recorrente no mercado podia ser satisfeita, desde que este apresente elementos que permitam demonstrar que a medida em causa é suscetível de afetar substancialmente a sua posição no mercado ( 18 ).

    49.

    Em segundo lugar, os elementos aceites pela jurisprudência para demonstrar essa afetação substancial confirmam igualmente a apreciação originalmente flexível desta condição.

    50.

    Assim, resulta da jurisprudência que esta afetação substancial não deve necessariamente ser inferida de elementos como uma redução significativa do volume de negócios, perdas financeiras consideráveis ou ainda uma diminuição significativa das quotas de mercado na sequência da concessão da medida em questão. A afetação substancial da posição do recorrente no mercado pode igualmente ser demonstrada fazendo prova, nomeadamente, da perda de lucros provocada pela medida em causa ou de uma evolução menos favorável do que a que teria sido registada na inexistência desse auxílio. Além disso, a intensidade da lesão à posição do recorrente no mercado pode variar de acordo com um grande número de fatores como, designadamente, a estrutura do mercado em causa ou a natureza do auxílio em questão. A prova de que a posição de um concorrente no mercado foi substancialmente lesada não pode, assim, ser limitada à presença de determinados elementos que indiquem uma degradação dos resultados comerciais ou financeiros do recorrente ( 19 ).

    51.

    Apesar de estes princípios serem reiteradamente enunciados na jurisprudência, uma grande maioria dos recursos interpostos no Tribunal Geral pelos concorrentes do beneficiário de um auxílio para impugnar o mérito de uma decisão da Comissão são agora declarados inadmissíveis com o argumento de que os recorrentes não lograram demonstrar que a respetiva posição no mercado foi substancialmente afetada ( 20 ). Desenvolveu‑se assim, mais recentemente, especialmente na jurisprudência do Tribunal Geral, uma apreciação mais rigorosa da condição da afetação substancial da posição do recorrente.

    2. Desenvolvimento de uma apreciação restritiva da condição da afetação substancial da posição do concorrente no mercado

    52.

    Segundo esta orientação jurisprudencial, a afetação substancial da posição no mercado do concorrente do beneficiário da medida em causa só pode ser dada por provada se este conseguir demonstrar a «particularidade» da sua situação concorrencial, a saber, que foi mais afetado por esta medida do que os outros concorrentes do beneficiário ( 21 ). Por outras palavras, a afetação substancial da posição concorrencial do recorrente não é apreciada à luz da mera incidência que a medida analisada possa ter unicamente na posição do recorrente num determinado mercado, mas comparativamente à afetação da posição concorrencial dos outros concorrentes do beneficiário.

    53.

    Nestas condições, o facto de a posição concorrencial de outro concorrente poder, potencialmente, ser tão afetada pela medida controvertida como a posição do recorrente é suficiente para excluir a possibilidade de este último estar individualmente abrangido pela decisão da Comissão que tem a medida por objeto.

    54.

    Daqui decorre que o Tribunal Geral exige agora um nível de prova especialmente elevado quando se trata de elementos que podem ser apresentados para demonstrar a existência da afetação substancial da posição concorrencial no mercado. Assim, o Tribunal Geral declarou que a condição da afetação substancial do recorrente não se considera satisfeita se não se puder verificar que o recorrente estaria mais apto do que a média dos outros concorrentes a captar a procura deixada livre pelo desaparecimento do mercado da empresa beneficiária da medida, de modo que o recorrente não teria demonstrado ter sofrido uma perda de lucros suficientemente relevante relativamente aos outros concorrentes ( 22 ).

    55.

    Do mesmo modo, o Tribunal Geral considerou que, mesmo que a medida controvertida possa conduzir a uma limitação da atividade do recorrente no mercado, isto não permite qualificar a afetação da posição do recorrente no mercado de «substancial», se não for demonstrado que a sua situação se distingue da dos outros concorrentes ( 23 ).

    56.

    Além disso, afigura‑se naturalmente mais difícil para um recorrente demonstrar uma afetação mais grave da sua posição concorrencial do que a dos outros concorrentes, uma vez que dispõe, sendo esse o critério aplicável, de poucos elementos relativos à posição exata dos seus concorrentes no mercado em causa.

    57.

    Por conseguinte, esta orientação jurisprudencial parece‑me ser excessivamente restritiva e desfasada em relação à jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 24 ). Tanto mais que, na minha opinião, o facto de exigir a um recorrente que demonstre, comparando a sua situação com a dos outros concorrentes no mercado, que a sua situação é a mais afetada por uma medida contribui para uma modificação do critério. De acordo com este raciocínio, levado ao extremo, a condição da afetação substancial da respetiva posição no mercado não pode ser satisfeita quando dois operadores são afetados por uma medida de auxílio, e isto mesmo que a medida em causa possa ter afetado substancialmente cada um dos operadores individualmente considerados.

    58.

    Na minha opinião, a falta de afetação substancial da posição dos outros concorrentes no mercado não pode ser o critério para demonstrar a afetação substancial do recorrente ( 25 ). Não se trata de comparar a situação de todos os concorrentes presentes no mercado em causa. A afetação substancial da sua posição concorrencial é um elemento específico do recorrente, que deve ser avaliado apenas em relação à sua posição no mercado anteriormente à concessão da medida objeto da decisão impugnada, ou na ausência dessa concessão.

    3. Prova da afetação substancial da posição do concorrente no mercado

    59.

    Em termos práticos, sou da opinião de que, para satisfazer esta condição, incumbe antes de mais ao recorrente demonstrar, através de diversos elementos que variam, assim, consoante os casos concretos, que a sua posição no mercado foi substancialmente afetada, quer se trate de uma degradação dos seus resultados ou de uma perda de lucros ( 26 ).

    60.

    A demonstração de uma lesão substancial pressupõe, em seguida, que o recorrente tenha indicado o mercado no qual, por um lado, se encontra numa relação de concorrência com o beneficiário da medida e, por outro, no qual considera que a sua posição concorrencial foi afetada. A este respeito, os elementos relativos à estrutura do mercado são seguramente relevantes para demonstrar a importância do prejuízo causado à situação do recorrente, uma vez que esta é suscetível de variar, nomeadamente, em função da dimensão do mercado em causa ( 27 ).

    61.

    Sublinho que a falta de precisões quanto à estrutura do mercado, ao número de concorrentes presentes e às respetivas quotas de mercado não pode, em contrapartida, significar automaticamente que o recorrente não demonstrou que a medida controvertida afetava substancialmente a sua posição no mercado em causa. Com efeito, essa afetação pode igualmente resultar de outras circunstâncias para além da mera evolução das quotas de mercado dos diferentes concorrentes ( 28 ).

    62.

    O recorrente deve, por último, demonstrar que a medida objeto da decisão da Comissão impugnada é uma das causas do prejuízo causado à sua posição concorrencial. A este respeito, chamo a atenção para o facto de que o nexo de causalidade, que é necessário estabelecer para demonstrar que a medida controvertida afeta substancialmente a posição do recorrente no mercado, não pode levar a que se exija que a lesão da sua posição concorrencial seja exclusivamente causada pela medida ( 29 ).

    63.

    Com efeito, sou da opinião de que, tratando‑se unicamente de demonstrar a admissibilidade do recurso e não, por exemplo, de determinar se o recorrente pode ou não ser ressarcido do prejuízo eventualmente sofrido na sequência do pagamento da medida em causa, a exigência de um nexo de causalidade entre a medida de auxílio e a lesão da posição concorrencial do recorrente deve ser apreciada de forma flexível. Por outras palavras, na minha opinião, basta que esta medida seja uma causa da lesão da posição concorrencial do recorrente. O facto de outros elementos poderem ter contribuído para afetar substancialmente a posição concorrencial do recorrente no mercado relevante não pode, por si só, impedir que a condição da afetação individual possa ser satisfeita.

    64.

    É à luz destas considerações que vou examinar a quarta a sexta partes do primeiro fundamento do recurso.

    B.   Quanto à quarta parte do primeiro fundamento

    65.

    Na quarta parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que, uma vez que aquela não precisou qual a proporção em que tinha contribuído para o financiamento do aeroporto de Frankfurt Hahn e para a subvenção à Ryanair, na qualidade de acionista e de cliente da Fraport, a dimensão do prejuízo consequentemente causado à sua posição concorrencial não podia ser demonstrada.

    66.

    Segundo a recorrente, o mero facto de ter cofinanciado uma parte das medidas visadas pela Comissão basta para a individualizar de forma análoga ao destinatário do auxílio, de modo que o Tribunal Geral não podia exigir, além disso, que ela demonstrasse que a sua posição no mercado tinha sido substancialmente afetada pela sua participação nas medidas.

    67.

    Assim, a recorrente não invoca a seu favor a sua qualidade de concorrente da empresa beneficiária da ajuda, mas sim a de entidade participante no financiamento de algumas das medidas objeto da decisão da Comissão. Nestas condições, é com razão que alega que o Tribunal Geral não podia analisar este argumento apenas sob a perspetiva da afetação substancial da sua posição concorrencial no mercado.

    68.

    Com efeito, embora este critério seja pertinente para determinar a afetação individual dos concorrentes do beneficiário de uma medida, não se pode exigir que o referido critério seja preenchido por entidades que tenham participado no financiamento desta medida para satisfazer a condição da afetação individual na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE ( 30 ).

    69.

    Não obstante, saliento que, para rejeitar a argumentação da recorrente, o Tribunal Geral se baseou essencialmente no facto de esta não ter precisado a proporção em que tinha contribuído para este financiamento na sua qualidade de acionista da Fraport.

    70.

    Ora, esta precisão era indispensável para demonstrar a afetação individual da recorrente.

    71.

    Com efeito, a recorrente apenas participou no financiamento das medidas de modo muito indireto, devido, por um lado, às taxas aeroportuárias que paga à Fraport no âmbito da sua atividade. Por outro lado, invoca a sua qualidade de acionista minoritário da Fraport, ela própria acionista da sociedade que explora o aeroporto de Frankfurt Hahn, e que terá permitido a implementação das medidas visadas pela Comissão.

    72.

    Nestas condições, e salvo se se considerar que um número potencialmente infinito de entidades — todas as companhias que operam no aeroporto de Frankfurt am Main e pagam taxas à Fraport, bem como todos os acionistas da Fraport, ou até os acionistas destes acionistas — possa afirmar ter participado no financiamento da medida objeto da decisão da Comissão e estar assim automaticamente abrangido a título individual por esta decisão, era necessário que a recorrente demonstrasse a relevância da sua participação para provar que foi de facto individualmente afetada pelas medidas controvertidas.

    73.

    Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter procedido a essa verificação e dela ter concluído pela falta de afetação individual, pelo que a quarta parte do primeiro fundamento do recurso deve ser julgada improcedente.

    C.   Quanto à quinta parte do primeiro fundamento

    74.

    Na quinta parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não lhe permitir uma flexibilização do ónus da prova da afetação substancial da sua posição no mercado e invoca três argumentos em apoio desta afirmação.

    75.

    Em primeiro lugar, alega que a condição da afetação substancial da sua posição no mercado não pode ser exigida a não ser que as medidas objeto da decisão da Comissão sejam efetivamente qualificadas de auxílios na aceção do artigo 107.o TFUE.

    76.

    Como sublinha a Comissão, esse argumento não tem qualquer fundamento e deve ser rejeitado. Por um lado, nada justificaria fazer depender as regras de admissibilidade da circunstância de a decisão da Comissão ser positiva ou negativa. Por outro lado, como a própria recorrente salienta, a jurisprudência do Tribunal de Justiça aplica a condição da afetação substancial da posição concorrencial do recorrente, quer a medida objeto da decisão impugnada seja ou não qualificada de auxílio ( 31 ).

    77.

    Em segundo lugar, a recorrente alega que a Comissão levou a efeito uma análise incompleta das medidas controvertidas, não as quantificou com exatidão e procedeu a uma interpretação incorreta do direito nacional. Donde terá resultado uma assimetria de informações em seu detrimento, que justificava uma flexibilização do ónus da prova.

    78.

    Uma vez mais, este argumento não pode proceder. Não se afigura claro como é que uma análise incompleta e uma interpretação incorreta do direito nacional teriam dado lugar a uma assimetria de informações em detrimento da recorrente.

    79.

    Em todo o caso, importa salientar, à luz dos princípios enunciados nos n.os 57 a 62 das presentes conclusões, e tal como alega a Comissão, que todas as informações necessárias à demonstração da afetação substancial da posição concorrencial da recorrente no mercado se encontram no âmbito do seu próprio poder de disposição. A recorrente é, assim, quem está em melhor posição para avaliar esta afetação. Uma vez que a recorrente só é obrigada a demonstrar a evolução da sua própria situação no mercado após o pagamento da medida e a estabelecer um nexo, ainda que eventual e não exclusivo, entre o prejuízo causado à sua posição concorrencial e o pagamento da medida, nenhuma assimetria de informações poderia justificar uma flexibilização do ónus da prova.

    80.

    Em terceiro lugar, a recorrente afirma que, na medida em que podia beneficiar de uma flexibilização do ónus da prova, ela apresentou efetivamente a prova da sua afetação substancial ao enunciar as vantagens de que a Ryanair beneficiou, do que decorre «necessariamente» uma afetação substancial.

    81.

    Contudo, na medida em que nada justifica que a recorrente beneficie de uma flexibilização do ónus da prova, este argumento não pode proceder. Com efeito, a recorrente não se pode limitar a afirmar que decorre «necessariamente» das medidas controvertidas uma afetação substancial da sua posição concorrencial, sem fundamentar a sua argumentação.

    82.

    Por conseguinte, a quinta parte do primeiro fundamento do recurso deve ser julgada improcedente.

    D.   Quanto à sexta parte do primeiro fundamento

    83.

    Na sexta parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na apreciação da afetação substancial da sua posição concorrencial, designadamente ao considerar que lhe incumbia definir qual o mercado no qual a sua posição é afetada e demonstrar a existência de um nexo de causalidade entre a medida controvertida e o seu prejuízo. Em apoio desta parte, a recorrente invoca diferentes argumentos.

    84.

    Em primeiro lugar, saliento que há que rejeitar vários dos seus argumentos por serem inoperantes.

    85.

    Por um lado, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter considerado que lhe incumbia definir o mercado material e geograficamente relevante à luz dos princípios em matéria de direito das concentrações e de ter, assim, recusado ter em conta o mercado que ela considerava como sendo relevante, a saber, o mercado do tráfego aéreo da União. No seu entender, o Tribunal Geral também se recusou incorretamente a tomar em consideração alguns elementos relativos ao crescimento da Ryanair no mercado do tráfego aéreo europeu, indicando nomeadamente a evolução das quotas de mercado no mesmo.

    86.

    Por outro lado, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter declarado que não tinha demonstrado a existência de sobreposições entre as ligações aéreas que explorava e as exploradas pela Ryanair.

    87.

    É verdade que o Tribunal Geral declarou, nos n.os 150, 154 e 156 do acórdão recorrido, que a recorrente não apresentou elementos relativos aos mercados nos quais a sua posição concorrencial teria sido afetada nem qualquer informação quanto à respetiva estrutura e aos concorrentes presentes nesses mercados. Além disso, parece resultar destes números que as precisões relativas à estrutura do mercado são, no entender do Tribunal Geral, elementos necessários à demonstração da afetação substancial da posição concorrencial da recorrente. Como indiquei no n.o 60 das presentes conclusões, esta exigência vai além do que é exigido aos concorrentes para demonstrar a afetação substancial da respetiva posição concorrencial. A mera falta de precisões quanto à estrutura do mercado não pode significar automaticamente que não foi apresentada prova da afetação substancial.

    88.

    Além disso, o Tribunal Geral declarou efetivamente, no n.o 153 do acórdão recorrido, que a recorrente não forneceu qualquer elemento de prova da existência das sobreposições em causa.

    89.

    Contudo, o Tribunal Geral não se baseou apenas nestes elementos para considerar que a recorrente não tinha demonstrado a afetação substancial da sua posição concorrencial.

    90.

    Com efeito, o Tribunal Geral também analisou os argumentos da recorrente com vista a demonstrar a afetação substancial da sua posição concorrencial em diferentes mercados correspondentes às ligações aéreas efetuadas tanto pela recorrente como pela Ryanair, bem como no mercado mais vasto do transporte aéreo de passageiros. O Tribunal Geral completou, assim, o seu raciocínio admitindo a existência, por um lado, de mercados nos quais a recorrente alegava que a sua posição tinha sido substancialmente afetada e, por outro, das sobreposições entre as ligações aéreas que invocava a seu favor e, no termo desta análise, concluiu que a afetação substancial da posição concorrencial da recorrente não tinha sido demonstrada.

    91.

    Nestas condições, o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter cometido um erro de direito ao considerar que a recorrente não tinha apresentado elementos relativos à estrutura dos mercados em causa e aos concorrentes presentes nesses mercados nem demonstrado a existência das sobreposições que invocava a seu favor.

    92.

    Em segundo lugar, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na análise da afetação substancial da sua posição concorrencial no mercado, designadamente na análise do nexo de causalidade entre as medidas controvertidas e os elementos por ela apresentados para demonstrar a afetação da sua posição no mercado.

    93.

    Alega, assim, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que incumbia à recorrente demonstrar que a implementação do seu programa de reestruturação Score se devia apenas às medidas de que havia beneficiado a Ryanair. Com efeito, afirma que a sua restruturação é uma «contramedida» ilustrativa, por si só, da afetação da sua posição no mercado, de modo que não era necessário apresentar prova do nexo de causalidade.

    94.

    Tal como alega a recorrente, é verdade que a jurisprudência admite que o concorrente do beneficiário de um auxílio adote determinadas medidas, tais como um programa de restruturação, para limitar os efeitos, sobre a sua posição concorrencial, da implementação de um auxílio a favor do seu beneficiário ( 32 ).

    95.

    Porém, esta jurisprudência apenas deve ser entendida no sentido de que permite reconhecer, na falta de uma degradação da situação financeira e económica de um concorrente, a afetação substancial da sua posição concorrencial no mercado, uma vez que esta falta de degradação se pode explicar pelas restruturações operadas.

    96.

    Além disso, se é certo que a adoção de medidas paliativas por parte de um concorrente pode ser um indício da afetação da sua situação no mercado, é preciso ainda demonstrar, por um lado, que era esse o caso e, por outro, que resultava, nomeadamente, da aplicação de medidas de auxílios em benefício de um dos seus concorrentes.

    97.

    Assim, o Tribunal Geral podia, sem cometer qualquer erro de direito, afirmar que incumbia à recorrente demonstrar a existência de um nexo entre a adoção do alegado programa de restruturação e as medidas controvertidas.

    98.

    Ora, o Tribunal Geral salientou, nos n.os 166, 167 e 168 do acórdão recorrido, que a recorrente não apresentou nenhuma documentação relativa ao programa de restruturação Score, nem sequer um resumo do seu teor, e que não estava assim em condições de verificar, no caso em apreço, a existência de um nexo entre as medidas controvertidas e este programa de restruturação.

    99.

    Com base nestes fundamentos, foi com razão que o Tribunal Geral declarou que a recorrente não tinha demonstrado que o programa de restruturação se tinha tornado necessário devido aos auxílios pagos à Ryanair e ao aeroporto de Frankfurt Hahn.

    100.

    Em terceiro lugar, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter declarado que a mesma não tinha demonstrado a existência do nexo de causalidade entre as medidas controvertidas e a deslocação das atividades da Ryanair para o aeroporto de Frankfurt am Main. No seu entender, o Tribunal Geral cometeu assim um erro de direito, já que esta deslocação revela a afetação da sua posição concorrencial.

    101.

    A este respeito, a recorrente recorda ter alegado, no decurso do processo no Tribunal Geral, que a conduta da Ryanair se inseria no quadro de uma estratégia mais global que visa a sua instalação em aeroportos regionais, para aí obter subvenções, e deslocar em seguida as suas atividades para outros aeroportos. Alega apresentar, no âmbito do presente recurso, outros elementos que corroboram esta estratégia e estabelecem um nexo de causalidade entre as medidas controvertidas e a deslocação das atividades da Ryanair.

    102.

    Ao fazê‑lo, a recorrente limita‑se, todavia, a repetir os argumentos já apresentados perante o Tribunal Geral, com vista a obter uma nova apreciação dos factos, o que não é da competência do Tribunal de Justiça ( 33 ).

    103.

    Além disso, admitindo que pudesse ser estabelecido um nexo de causalidade entre a deslocação das atividades da Ryanair e as medidas controvertidas de que esta beneficiou, sempre seria à recorrente que incumbia demonstrar, a montante, que essa deslocação tinha afetado substancialmente a sua posição concorrencial. Ora, a recorrente limita‑se a afirmar que a deslocação das atividades da Ryanair afetava «naturalmente» a sua posição concorrencial, sem apresentar mais elementos em apoio da sua afirmação, tal como o Tribunal Geral salienta com razão no n.o 154 do acórdão recorrido.

    104.

    Em quarto lugar, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a proximidade geográfica entre o aeroporto de Frankfurt Hahn e o aeroporto de Frankfurt am Main era meramente indicativa de uma relação de concorrência entre estes aeroportos. No seu entender, esta proximidade geográfica atesta igualmente a existência de uma concorrência entre as diferentes ligações operadas a partir dos dois aeroportos. Tendo em conta que tal concorrência se conjuga com a importância dos auxílios, daí resulta necessariamente uma afetação substancial da sua posição concorrencial.

    105.

    Ora, nos n.os 159 e 161 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que, admitindo‑se que a proximidade geográfica pudesse ser indicativa de uma relação de concorrência entre a Ryanair e a recorrente, a mera qualidade de concorrente da empresa beneficiária, conjugada com a alegada importância dos auxílios controvertidos, não era suficiente para demonstrar a afetação substancial da sua posição concorrencial.

    106.

    Por conseguinte, a recorrente limita‑se novamente a repetir os argumentos já apresentados perante o Tribunal Geral, com vista a obter uma nova apreciação dos factos, procurando, na realidade, uma reapreciação desses argumentos, o que escapa à competência do Tribunal de Justiça. Este argumento deveria assim ser rejeitado por ser inadmissível.

    107.

    Em quinto lugar, a recorrente também alega que é incorreta a conclusão do Tribunal Geral relativa à existência de um nexo de causalidade entre as medidas controvertidas e os respetivos efeitos por ela alegados. Afirma que esta condição tinha sido satisfeita, pois a afetação substancial da sua posição concorrencial, que alega ter demonstrado, decorre de forma suficientemente direta das medidas controvertidas.

    108.

    Contudo, a recorrente limita‑se uma vez mais a enumerar sucintamente os efeitos das medidas na posição da Ryanair e alega que deles decorre uma afetação substancial da sua posição no mercado. Limita‑se, assim, a reformular os argumentos já apresentados perante o Tribunal Geral para levar o Tribunal de Justiça a reapreciá‑los, o que, uma vez mais, escapa à competência deste.

    109.

    Em sexto e último lugar, a recorrente alega que o Tribunal Geral violou o artigo 47.o da Carta, uma vez que, tal como pretende demonstrar ao longo da sua argumentação, as exigências impostas no respetivo acórdão vão além da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    110.

    Saliento, todavia, que a recorrente não fundamenta de forma alguma a sua argumentação a este respeito e não precisa quais seriam essas alegadas exigências.

    111.

    Em todo o caso, na medida em que, atentas as considerações anteriores, o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro de direito no âmbito da sua apreciação da afetação substancial da posição da recorrente nos diferentes mercados, também não pode proceder o argumento desta relativo a uma violação do artigo 47.o da Carta resultante de exigências que vão além da jurisprudência.

    112.

    Por conseguinte, a sexta parte do primeiro fundamento do recurso deve ser julgada improcedente na sua totalidade.

    VI. Conclusão

    113.

    Em face de todas as considerações anteriores, sou da opinião de que a quarta a sexta partes do primeiro fundamento do recurso devem ser julgadas improcedentes, sem prejuízo do mérito dos outros fundamentos do recurso.


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) N.os 1 a 33 do acórdão recorrido.

    ( 3 ) V., relativamente a esta problemática, Biernat, S., «Dostęp osób prywatnych do sądów unijnych po Traktacie z Lizbony (w świetle pierwszych orzeczeń)», Europejski Przegląd Sądowy, 2014, n.o 1, pp. 12 e segs.

    ( 4 ) Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Commissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873).

    ( 5 ) Uma decisão relativa a um auxílio individual não pode, contrariamente às relativas a um regime de auxílios, ser considerada um ato de alcance geral e, por conseguinte, regulamentar.

    ( 6 ) Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17, p. 223); de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão (C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 53); e de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão (C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 29).

    ( 7 ) Regulamento do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.o do Tratado CE (JO 1999, L 83, p. 1).

    ( 8 ) Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 48).

    ( 9 ) Acórdão de 28 de janeiro de 1986 (169/84, EU:C:1986:42).

    ( 10 ) Acórdão de 28 de janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão (169/84, EU:C:1986:42, n.o 25). O sublinhado é meu.

    ( 11 ) Acórdão de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão (C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 57).

    ( 12 ) Acórdão de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão (C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 56).

    ( 13 ) V. Acórdão de 28 de janeiro de 1986 (169/84, EU:C:1986:42, n.o 28).

    ( 14 ) V., igualmente, Acórdãos de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing (C‑525/04 P, EU:C:2007:698, n.o 41), e de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão (C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 60).

    ( 15 ) Acórdão de 28 de janeiro de 1986 (169/84, EU:C:1986:42).

    ( 16 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 27 de abril de 1995, ASPEC e o./Comissão (T‑435/93, EU:T:1995:79, n.os 65 e segs.); de 27 de abril de 1995, AAC e o./Comissão (T‑442/93, EU:T:1995:80, n.os 50 e segs.); de 22 de outubro de 1996, Skibsværftsforeningen e o./Comissão (T‑266/94, EU:T:1996:153, n.o 46); e de 5 de novembro de 1997, Ducros/Comissão (T‑149/95, EU:T:1997:165, n.o 42). Esta jurisprudência foi confirmada no Acórdão de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing (C‑525/04 P, EU:C:2007:698, n.o 37).

    ( 17 ) Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 56).

    ( 18 ) Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 38).

    ( 19 ) Acórdãos de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing (C‑525/04 P, EU:C:2007:698, n.os 34 e 35); de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 53); de 12 de junho de 2014, Sarc/Comissão (T‑488/11, não publicado, EU:T:2014:497, n.o 36); e de 5 de novembro de 2014, Vtesse Networks/Comissão (T‑362/10, EU:T:2014:928, n.o 40).

    ( 20 ) V., nomeadamente, para os processos mais emblemáticos, Despacho de 27 de maio de 2004, Deutsche Post e DHL/Comissão (T‑358/02, EU:T:2004:159); Acórdãos de 10 de fevereiro de 2009, Deutsche Post e DHL International/Comissão (T‑388/03, EU:T:2009:30); de 22 de junho de 2016, Whirlpool Europe/Comissão (T‑118/13, EU:T:2016:365); e de 11 de julho de 2019, Air France/Comissão (T‑894/16, EU:T:2019:508). Esta jurisprudência levou alguns autores a qualificarem a prova da afetação substancial da posição concorrencial do recorrente como «probatio diabolica» e a questionarem a sua compatibilidade com o artigo 47.o da Carta. V. de Moncuit, A., e Signes de Mesa, J. I., Droit procédural des aides d’État, 1.a ed., 2019, Bruylant, Bruxelas, p. 162, e Thomas, S., «Le rôle des concurrents dans les procédures judiciaires concernant des régimes d’aides d’État ou des aides individuelles. Montessori: le début d’une révolution?», Revue des affaires européennes, 2019, n.o 2, p. 264.

    ( 21 ) Acórdão de 10 de fevereiro de 2009, Deutsche Post e DHL International/Comissão (T‑388/03, EU:T:2009:30, n.o 38).

    ( 22 ) Acórdão de 22 de junho de 2016, Whirlpool Europe/Comissão (T‑118/13, EU:T:2016:365, n.o 52).

    ( 23 ) Acórdão de 11 de julho de 2019, Air France/Comissão (T‑894/16, EU:T:2019:508, n.os 61 e 68).

    ( 24 ) V. n.o 46 das presentes conclusões e Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 56). V., igualmente, a este respeito, Creve, B. A., «Locus Standi Requirements for Annulment Actions by Competitors: The Resurfacing “Unique Position Test” Ought to Be Discarded», European State Aid Law Quarterly, 2014, vol. 13, n.o 2, p. 233.

    ( 25 ) Esta falta de afetação dos outros concorrentes só pode constituir um indício de que o recorrente foi de facto substancialmente afetado pela medida controvertida.

    ( 26 ) V. n.o 50 das presentes conclusões.

    ( 27 ) Acórdão de 5 de novembro de 2014, Vtesse Networks/Comissão (T‑362/10, EU:T:2014:928, n.o 41).

    ( 28 ) V., nomeadamente, Acórdão de 12 de dezembro de 2006, Asociación de Estaciones de Servicio de Madrid e Federación Catalana de Estaciones de Servicio/Comissão (T‑146/03, não publicado EU:T:2006:386, n.o 50), no qual o Tribunal Geral declarou que a afetação substancial da posição de um recorrente no mercado pode ser demonstrada pela transferência de alguns dos seus clientes para o beneficiário do auxílio, sem que essa transferência se traduza especificamente em quotas de mercado.

    ( 29 ) Como já foi referido no Acórdão de 11 de julho de 2019, Air France/Comissão (T‑894/16, EU:T:2019:508, n.o 65).

    ( 30 ) V., por analogia, no que respeita à jurisprudência que reconhece a afetação individual de entidades públicas que tenham participado no financiamento do auxílio, Acórdãos de 30 de abril de 1998, Vlaamse Gewest/Comissão (T‑214/95, EU:T:1998:77, n.o 28); de 6 de março de 2002, Diputación Foral de Álava e o./Comissão (T‑127/99, T‑129/99 e T‑148/99, EU:T:2002:59, n.o 50); de 23 de outubro de 2002, Diputación Foral de Guipúzcoa e o./Comissão (T‑269/99, T‑271/99 e T‑272/99, EU:T:2002:258, n.o 41); e de 23 de outubro de 2002, Diputación Foral de Álava e o./Comissão (T‑346/99 a T‑348/99, EU:T:2002:259, n.o 37).

    ( 31 ) V., sobre a aplicação da condição da afetação substancial da posição concorrencial do recorrente perante uma medida qualificada de auxílio, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609), e, sobre essa aplicação perante uma medida que não constitui um auxílio, Acórdão de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão (C‑260/05 P, EU:C:2007:700).

    ( 32 ) Acórdão de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing (C‑525/04 P, EU:C:2007:698, n.os 35 e 36).

    ( 33 ) Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 51), e Despacho de 29 de janeiro de 2020, Silgan Closures e Silgan Holdings/Comissão (C‑418/19 P, não publicado, EU:C:2020:43, n.o 71).

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