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Document 62019CC0450

Conclusões do advogado-geral G. Pitruzzella apresentadas em 10 de setembro de 2020.
Processo instaurado por Kilpailu- ja kuluttajavirasto.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto-oikeus.
Reenvio prejudicial — Concorrência — Artigo 101.° TFUE — Acordos, decisões e práticas concertadas — Manipulação de processos de concurso — Determinação da duração do período da infração — Inclusão do período durante o qual os participantes no cartel puseram em prática o acordo anticoncorrencial — Efeitos económicos do comportamento anticoncorrencial — Cessação da infração no momento da adjudicação final do contrato.
Processo C-450/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:698

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GIOVANNI PITRUZZELLA

apresentadas em 10 de setembro de 2020 ( 1 )

Processo C‑450/19

Kilpailu‑ ja kuluttajavirasto

sendo intervenientes

Eltel Group Oy,

Eltel Networks Oy

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia)]

«Reenvio prejudicial — Determinação da duração de uma infração contra as regras da concorrência — Critérios — Cartéis que prolongam os seus efeitos após a sua cessação formal — Requisitos — Determinação dos efeitos económicos do comportamento anticoncorrencial — Início dos trabalhos vários anos depois da celebração do contrato — Prestações do preço pagas após as obras»

I. Introdução

1.

Se uma alegada violação do artigo 101.o TFUE assumir a forma de uma coordenação relativamente à apresentação de propostas no âmbito de um concurso aberto para a realização de obras de construção, como deve ser calculada a data em que a referida coordenação termina? Esse termo pode correr antes do fim dos trabalhos em questão, ou antes do fim do seu pagamento? Este é, em substância, o desafio do presente reenvio prejudicial.

II. Quadro jurídico

A.   Regulamento n.o 1/2003

2.

O artigo 25.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.o e 82.o do Tratado ( 2 ) tem a seguinte redação:

«1)   Os poderes conferidos à Comissão por força dos artigos 23.o e 24.o estão sujeitos ao seguinte prazo de prescrição:

a)

Três anos no que se refere às infrações às disposições relativas aos pedidos de informações ou à realização de inspeções;

b)

Cinco anos no que se refere às restantes infrações.

2)   O prazo de prescrição começa a ser contado a partir do dia em que foi cometida a infração. Todavia, no que se refere às infrações continuadas ou repetidas, o prazo de prescrição apenas começa a ser contado a partir do dia em que tiverem cessado essas infrações.

3)   A prescrição em matéria de aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias é interrompida por qualquer ato da Comissão ou de uma autoridade de um Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência destinado à investigação da infração ou à instrução do respetivo processo. A interrupção da prescrição produz efeitos a partir da data em que o ato é notificado a, pelo menos, uma empresa ou associação de empresas que tenha participado na infração. Constituem, nomeadamente, atos que interrompem a prescrição:

a)

Os pedidos de informações escritos da Comissão ou da autoridade de um Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência;

b)

Os mandados escritos de inspeção emitidos em nome dos respetivos funcionários pela Comissão ou pela autoridade de um Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência;

c)

O início de um processo pela Comissão ou por uma autoridade de um Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência;

d)

A notificação da comunicação de acusações da Comissão ou de uma autoridade de um Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência.

4)   A interrupção da prescrição é válida relativamente a todas as empresas e associações de empresas que participaram na infração.

5)   O prazo de prescrição recomeça a ser contado a partir de cada interrupção. Todavia, a prescrição produz efeitos o mais tardar no dia em que um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição chegar ao seu termo sem que a Comissão tenha aplicado uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória. Este prazo é prorrogado pelo período durante o qual a prescrição tiver sido suspensa nos termos do n.o 6.

6)   A prescrição em matéria de aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias fica suspensa pelo período em que a decisão da Comissão for objeto de recurso pendente no Tribunal de Justiça.»

B.   Direito finlandês

3.

O § 1a da kilpailunrajoituslaki (Lei relativa às Restrições da Concorrência) estabelece que «[o] disposto nos artigos 81.o e 82.o do [Tratado CE] é aplicável sempre que uma restrição da concorrência seja suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros».

4.

O § 4 dessa lei tem a seguinte redação:

«São proibidos todos os acordos entre profissionais, todas as decisões de associações de profissionais e todas as práticas concertadas de profissionais que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear significativamente a concorrência.

São proibidos os acordos, decisões e práticas que consistam, nomeadamente em:

1)

fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação;

2)

limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos,

3)

repartir os mercados ou as fontes de abastecimento,

4)

aplicar, relativamente aos parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes, colocando‑os, assim, numa posição concorrencial desfavorável; ou

5)

subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos.»

5.

O § 22 da referida lei dispõe que «[n]ão pode ser aplicada uma coima em virtude, nomeadamente, de uma infração ao § 4 […] desta mesma lei ou do artigo 81.o ou 82.o do Tratado CE se uma proposta nesse sentido não tiver sido submetida ao Tribunal dos Assuntos Económicos no prazo de cinco anos a contar da cessação da restrição da concorrência ou da data em que a autoridade teve conhecimento dessa restrição da concorrência».

III. Litígio no processo principal e questão prejudicial

6.

A empresa Fingrid Oyj é o principal cliente de obras para o transporte de energia elétrica na Finlândia. É aí proprietária e responsável pelo desenvolvimento da rede de alta tensão utilizada para o fluxo geral de transporte de eletricidade. Em 16 de abril de 2007, publicou um anúncio de concurso para as obras de construção da linha de transporte a 400 kV Keminmaa‑Petäjäskoski. As propostas deviam ser entregues, o mais tardar, até 5 de junho de 2007, para uma conclusão das obras, fixada para 12 de novembro de 2009.

7.

Em 4 de junho de 2007, a empresa finlandesa Eltel Networks Oy apresentou a proposta que venceu o concurso. A proposta indica que a conclusão do projeto e a entrega ao cliente estavam previstas para 12 de novembro de 2009. Resulta da decisão da kilpailu‑ ja kuluttajaviratso (Autoridade da Concorrência e do Consumo, a seguir «Autoridade da Concorrência») que esta proposta tinha sido apresentada após concertação prévia com outra empresa ( 3 ) parte no alegado acordo proibido. O contrato de empreitada das obras de construção foi assinado entre a Eltel Networks Oy e a Fingrid Oyj em 19 de junho de 2007. A obra foi concluída em 12 de novembro de 2009. A última prestação foi paga em 7 de janeiro de 2010.

8.

Por decisão de 31 de outubro de 2014, a Autoridade da Concorrência submeteu, como exige o direito finlandês, ao markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos, Finlândia) uma proposta de coima de 35 milhões de euros que pretendia aplicar solidariamente à Eltel Networks Oy e à Eltel Group Oy (a seguir, conjuntamente, «Eltel») devido à sua alegada participação num acordo proibido ( 4 ). O referido cartel tinha começado, segundo a decisão da Autoridade da Concorrência, o mais tardar em outubro de 2004 e prosseguido ininterruptamente pelo menos até março de 2011. Assim, a Eltel tinha violado o § 4 da Lei relativa às Restrições da Concorrência, bem como o artigo 101.o TFUE, ao acordar, com outra empresa, os preços, as margens e a repartição dos mercados de conceção e de construção de linhas de transporte de energia elétrica na Finlândia.

9.

Em 30 de março de 2016, o markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos) negou provimento à proposta de coima da Autoridade da Concorrência. Em seu entender, a Eltel deixou de participar na alegada restrição da concorrência antes de 31 de outubro de 2009 e a Autoridade da Concorrência não tinha feito prova de uma continuação da infração depois dessa data. Ora, resulta do § 22 da Lei relativa às Restrições da Concorrência que a Autoridade da Concorrência deve submeter a proposta de coima ao Tribunal dos Assuntos Económicos no prazo de cinco anos a contar da cessação da restrição da concorrência. Para este tribunal o presumido cartel tinha incidido sobre os trabalhos de conceção da linha de transporte de energia elétrica em questão, mas não sobre as próprias obras de construção. Ora, esses trabalhos de conceção tinham sido concluídos em 2007.

10.

A Autoridade da Concorrência interpôs recurso desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio. Segundo essa autoridade, em substância, o acordo entre a Eltel e a outra empresa parte no cartel tinha sido celebrado antes de a Eltel apresentar a sua proposta e dizia respeito aos preços. Esta coordenação proibida tinha perdurado até à data do último pagamento (ou seja, 7 de janeiro de 2010), mantendo‑se em vigor o contrato que aplicava a tarifação ilegal. Subsidiariamente, a Autoridade da Concorrência sustenta que devia ser considerada a data de conclusão dos trabalhos (ou seja, 12 de novembro de 2009). Os efeitos económicos do cartel, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, tinham prosseguido e a Fingrid tinha sofrido um prejuízo até essas datas em consequência do preço pago. No caso específico do contrato público, o cartel produzia efeitos concretos e de longa duração devido ao pagamento escalonado do preço. Os efeitos danosos do cartel repercutiam‑se em cada ano em que fosse devido o pagamento de uma prestação e tinham anualmente impacto nos custos de atividades da empresa vítima do cartel, bem como os seus resultados económicos. O custo adicional gerado pelo preço pago, fruto do cartel, também era repercutido nos clientes do gestor da rede. Ao submeter o seu pedido de aplicação de coima ao markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos) em 31 de outubro de 2014, a Autoridade da Concorrência alega ter agido dentro do prazo fixado no § 22 da Lei relativa às Restrições da Concorrência.

11.

Por seu turno, a Eltel contesta esta linha de análise e sustenta, em substância, que a duração da infração deve ser apreciada em função do período durante o qual as empresas partes no cartel puseram em prática o comportamento ilícito. No caso de contratos de empreitadas, o prazo de prescrição começa a correr a partir do dia da apresentação da proposta, ou seja, no caso em apreço, em 4 de junho de 2007. Subsidiariamente, pode ser considerada a data da celebração do contrato (ou seja, 19 de junho de 2007), mas após a ocorrência destes dois eventos, o preço oferecido ou acordado fruto do cartel já não tem efeitos no contrato. O ritmo de andamento dos trabalhos ou o calendário de pagamentos não tinha nenhuma relevância sobre a concorrência no mercado, uma vez que não afetaria o preço reclamado. Qualquer outra interpretação, como a proposta pela Autoridade da Concorrência, não tem relação com a questão da restrição da concorrência induzida pelo cartel e seria contrária ao princípio da segurança jurídica. A proposta de coima apresentada pela Autoridade da Concorrência foi, portanto, apresentada fora de prazo ao markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos).

12.

Por seu turno, o órgão jurisdicional de reenvio parte do postulado de que o concurso ganho pela Eltel diz respeito a um contrato de empreitada para a construção de uma linha de transporte de energia elétrica. Neste contexto específico, interroga‑se até quando se pode considerar que a alegada apresentação concertada e a consequente fixação ilegal de preços que daí resulta produziram efeitos económicos. Segundo a jurisprudência nacional, o prazo de cinco anos fixado pelo § 22 da Lei relativa às Restrições da Concorrência começa a correr a partir do dia em que termina o último comportamento relacionado com a infração. Pergunta‑se como apreciar isso numa situação em que um participante num cartel celebra com um operador externo ao cartel um contrato de empreitada correspondente ao que tinha sido acordado no âmbito do cartel, em que as obras terminaram vários anos após a celebração do contrato de empreitada em causa e em que os pagamentos devidos a título desse contrato ocorreram ainda após a conclusão da obra. Salienta que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não oferece uma solução que se imponha com toda a evidência.

13.

Por um lado, no seu Acórdão Quinn Barlo e o./Comissão ( 5 ), o Tribunal de Justiça declarou que os efeitos económicos de uma restrição à concorrência eram suscetíveis de prosseguir até ao fim do período em que os preços ilegais estiveram em vigor e que era possível ter em conta o período durante o qual os preços colusórios estavam em vigor para efeitos da apreciação da duração da infração ( 6 ). Assim, não é tanto a forma jurídica do comportamento anticoncorrencial que importa mas os efeitos económicos deste último. Se se considerar que esses efeitos podiam prosseguir mesmo após a cessação formal de uma infração complexa e continuada e que deviam ser tidos em conta no cálculo da duração da infração, a tese sustentada pela Autoridade da Concorrência poderia prosperar. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a restrição da concorrência em causa no Acórdão Quinn Barlo ( 7 ) era de natureza completamente diferente da que está em causa no processo principal.

14.

Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou no seu Acórdão EMI Records ( 8 ) que, no caso de acordos que deixaram de estar em vigor, e para se estabelecer a duração da infração, basta que tais acordos continuem a produzir efeitos posteriormente à cessação formal da sua vigência, por exemplo se o comportamento dos interessados se puder implicitamente deduzir da existência de elementos de concertação e de coordenação típicos do acordo e se conduzir ao mesmo resultado que o do próprio acordo ( 9 ). Se, como alega a Eltel, os preços aplicados nas empreitadas de obras públicas e os efeitos do cartel na concorrência só prosseguirem até à data da apresentação da proposta, ou até à assinatura do contrato, então é antes a tese da Eltel que deve ser considerada, uma vez que a proposta de coima apresentada pela Autoridade da Concorrência foi submetida fora de prazo ao markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos).

15.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, por outro lado, que a questão da duração da presumível infração às regras da concorrência não pode ser confundida com a do prejuízo eventualmente sofrido pelas vítimas do alegado cartel ( 10 ).

16.

Foi nestas condições que o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia) decidiu suspender a instância e, por decisão que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de junho de 2019, submeter a este último a seguinte questão prejudicial:

«Pode o regime da concorrência previsto no artigo 101.o TFUE ser interpretado no sentido de que, numa situação em que um participante num cartel celebrou com um operador externo ao cartel um contrato de empreitada correspondente ao que tinha sido acordado no âmbito do cartel, a infração às regras da concorrência causada pelos efeitos económicos daí resultantes dura enquanto são cumpridas as obrigações contratuais resultantes do contrato ou são efetuados pagamentos às partes contratuais relativos aos trabalhos, ou seja, até à data em que é feito o último pagamento relativo aos trabalhos, ou, pelo menos, até à data em que os trabalhos em causa são concluídos, ou pode considerar‑se que a infração às regras da concorrência apenas dura até à data em que a empresa que pretensamente a praticou apresentou uma proposta no concurso ou celebrou um contrato para a execução dos trabalhos em causa?»

IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

17.

A Autoridade da Concorrência, a Eltel, os Governos finlandês, alemão, italiano e letão, e a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça.

18.

Na sequência da decisão, com data de 16 de abril de 2020, da Segunda Secção do Tribunal de Justiça de anular a audiência inicialmente prevista no Tribunal de Justiça, a referida Secção, por um lado, e o advogado‑geral, por outro, submeteram questões para resposta escrita a todos os participantes na fase escrita do presente processo prejudicial. A Autoridade da Concorrência, a Eltel, os Governos finlandês, italiano e letão, bem como a Comissão, enviaram as suas respostas a estas questões ao Tribunal de Justiça.

V. Análise

19.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, como estabelecer o termo de uma alegada infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, na hipótese de a infração ter consistido numa concertação entre empresas participantes no cartel sobre as propostas a apresentar no âmbito de um contrato de conceção e de empreitada relativo, neste caso, à construção de uma linha de transporte de energia elétrica. Esta questão é dirigida ao Tribunal de Justiça no contexto de um pedido da Autoridade da Concorrência finlandesa para aplicar uma coima à Eltel, uma vez que as partes no processo principal se opõem quanto à data do termo do prazo de prescrição para aplicar a coima.

A.   Observações preliminares

20.

Antes de iniciar a análise desta questão, pretendo formular duas séries de observações preliminares, uma relativa a uma clarificação do direito nacional e outra ao caráter descentralizado da execução da política de concorrência da União.

21.

Em primeiro lugar, no que respeita ao estado do direito nacional, à primeira vista, e ainda que as questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça estejam revestidas de uma forte presunção de pertinência para a resolução do litígio no processo principal ( 11 ), resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o § 22 da Lei relativa às Restrições da Concorrência previa dois pontos de partida possíveis para o prazo de prescrição de cinco anos, a saber, o termo da infração ou o momento em que a Autoridade da Concorrência teve conhecimento dos comportamentos anticoncorrenciais. Ora, a referida autoridade teve conhecimento desses comportamentos em 31 de janeiro de 2013 e apresentou a sua proposta de coima em 31 de outubro de 2014. Se fosse acolhido o segundo ponto de partida do prazo de prescrição previsto no § 22 da Lei relativa às Restrições da Concorrência, poder‑se‑ia duvidar da utilidade da resposta do Tribunal de Justiça à questão prejudicial submetida para a resolução do litígio no processo principal.

22.

No entanto, estas dúvidas foram dissipadas pela informação adicional recebida pelo Tribunal de Justiça em resposta às suas questões. Com efeito, parece pacífico entre a Eltel e o Governo finlandês que, no caso de uma infração única e continuada que já cessou, apenas o primeiro ponto de partida do prazo de prescrição de cinco anos — ou a data do termo da infração — é aplicável. Por conseguinte, a utilidade da questão submetida com vista à resolução do litígio no processo principal já não suscita dúvidas.

23.

Em segundo lugar, há que observar que estamos aqui em presença de uma execução descentralizada da política de concorrência da União Europeia. A este título, importa desde já salientar que o regime de prescrição que se aplica no âmbito das ações levadas a cabo pelas autoridades nacionais da concorrência não é, enquanto tal, organizado pelo direito da União.

24.

É certo que o capítulo VII do Regulamento n.o 1/2003 é consagrado à prescrição. Todavia, as regras que estabelece na matéria só são aplicáveis à Comissão. Em especial, o artigo 25.o, n.o 1, do referido regulamento prevê que o poder sancionatório da Comissão está sujeito a um prazo de prescrição de cinco anos no que se refere às infrações ao artigo 101.o TFUE. O prazo começa a correr a partir do dia em que a infração foi cometida ou, relativamente às infrações continuadas ou repetidas, a partir do dia em que a infração tiver cessado ( 12 ). Resulta dos autos que o legislador nacional tinha optado por conter a ação da Autoridade da Concorrência no mesmo prazo de prescrição que o fixado pelo legislador da União à Comissão, isto é, cinco anos.

25.

A Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados‑Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno ( 13 ), sem impor prazos, consagrou o princípio segundo o qual, para a aplicação efetiva do artigo 101.o TFUE, deviam ser previstas «regras viáveis» que consistissem, nomeadamente, em «suspen[der] ou […] interromp[er] os prazos nacionais de prescrição durante o processo perante as [autoridades nacionais da concorrência] de outro Estado‑Membro ou [perante] a Comissão» sem por essa razão impedir que os Estados‑Membros mantenham ou prevejam prazos de prescrição absoluta, desde que a duração de tais prazos «não torne praticamente impossível ou excessivamente difícil a aplicação eficaz [do artigo 101.o TFUE]» ( 14 ). O artigo 29.o da Diretiva 2019/1 confirma estas condições. A determinação do prazo nacional de prescrição é, portanto, no espírito do legislador da União, da responsabilidade dos Estados‑Membros e, portanto, do princípio da autonomia processual.

26.

Note‑se, todavia, que a questão colocada não diz respeito tanto à duração do prazo de prescrição enquanto tal, mas ao momento a partir do qual esse prazo começa a correr. Como já foi referido acima, o Regulamento n.o 1/2003 começa a contagem desse prazo a partir do momento em que a infração cessou. Ora, a determinação da duração da alegada infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE enquadra‑se, sem dúvida alguma, no direito da União.

B.   Quanto à duração da infração num contexto como o do litígio no processo principal

27.

Para apreciar a duração da alegada infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, no âmbito do litígio no processo principal, há que recordar as suas características essenciais. Assim, a referida infração consistiu numa coordenação entre empresas com vista à manipulação de processos de concurso lançados no âmbito de contratos de empreitada de obras públicas. O contrato foi celebrado no mesmo mês em que a proposta foi apresentada. Todavia, as obras, como os pagamentos, prolongaram‑se por vários anos: as obras terminaram dois anos e cinco meses após a apresentação da proposta e a celebração do contrato, ao passo que o último pagamento ocorreu dois anos e sete meses após a ocorrência destes dois acontecimentos.

1. Duração da infração na jurisprudência do Tribunal de Justiça

28.

Em si mesma, a questão da duração de um cartel coloca‑se frequentemente perante o Tribunal de Justiça, uma vez que a severidade da sanção depende nomeadamente da duração da infração, pelo que as empresas às quais é imputado um comportamento que viola o artigo 101.o, n.o 1, TFUE alegam frequentemente argumentos relacionados com essa duração com o objetivo de a reduzir.

29.

Como o órgão jurisdicional de reenvio salientou, o Tribunal de Justiça já declarou, em relação a um cartel que deixou de estar em vigor, que, para que o artigo 101.o TFUE seja aplicável, basta que esse cartel mantenha os seus efeitos económicos posteriormente à cessação formal da sua vigência ( 15 ). Mais especificamente, «um acordo continua a produzir efeitos se do comportamento dos interessados se puder deduzir a existência de elementos de concertação e de coordenação típicos do acordo e se conduzir ao resultado projetado pelo acordo» ( 16 ).

30.

O Tribunal de Justiça retomou esta jurisprudência e aplicou‑a no domínio da edição no seu Acórdão Binon ( 17 ), no qual declarou, consequentemente, que o artigo 101.o TFUE também era aplicável «se um comportamento paralelo dos editores se prolongasse após a cessação do antigo acordo sem que tivesse sido celebrado um novo […] [, uma vez que o] regime de concorrência instaurado pelos artigos [101.o e seguintes TFUE] se interessa pelos resultados económicos dos acordos, ou por qualquer forma comparável de concertação ou de coordenação, mais do que pela sua forma jurídica» ( 18 ). Portanto, o artigo 101.o TFUE devia ser considerado aplicável se o conjunto dos acordos em causa nesse processo «tiver como resultado deixar, de facto, a aprovação dos pontos de venda a retalho à apreciação da agência ou organismo criado por esta no âmbito desses acordos» ( 19 ).

31.

No seu Acórdão mais recente Quinn Barlo e o./Comissão ( 20 ), os recorrentes censuravam o Tribunal Geral por ter violado o princípio geral da presunção de inocência ao prolongar a duração do primeiro período da sua participação no cartel para lá da data da segunda reunião anticoncorrencial, quando o Tribunal Geral tinha constatado que, durante esta reunião realizada no mês de junho de 1998, os participantes tinham chegado a acordo sobre um aumento dos preços a partir do mês de outubro desse mesmo ano ( 21 ). O Tribunal de Justiça declarou que «[era] jurisprudência constante que o regime de concorrência instituído pelos artigos 101.o e 102.o TFUE se interessa pelos resultados económicos dos acordos ou de qualquer outra forma comparável de concertação ou de coordenação, e não pela sua forma jurídica. Por conseguinte, em caso de acordos que deixaram de estar em vigor, basta, para que o artigo 101.o TFUE seja aplicável, que continuem a produzir efeitos além da cessação formal dos contactos colusórios. Daqui decorre que a duração de uma infração pode ser apreciada em função do período durante o qual as empresas acusadas puseram em execução um comportamento proibido por este artigo […]. Por outras palavras, o Tribunal Geral podia, teoricamente, ter verificado a existência de uma infração, por exemplo, durante todo o período em que os preços colusórios estiveram em vigor, o que teria conduzido, no caso em apreço, a um resultado objetivamente menos favorável aos interesses dos recorrentes» ( 22 ).

32.

Embora estes três acórdãos deem algumas pistas interessantes para a nossa análise, há, no entanto, que observar que nenhum é por si só suficiente para responder à questão prejudicial submetida. Com efeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça à qual o órgão jurisdicional de reenvio se referiu abundantemente deve ser recolocada no seu contexto, ou seja, no quadro específico de cada cartel então em causa, dos quais nenhum é comparável ao do litígio no processo principal. Assim, no processo que deu origem ao Acórdão EMI ( 23 ), tinha sido possível constatar a existência de elementos de concertação e de coordenação implícitos. No Acórdão Binon ( 24 ), o acordo tinha formalmente terminado, mas parecia persistir um acordo de facto. Por último, no Acórdão Quinn Barlo e o./Comissão ( 25 ), se o Tribunal de Justiça recordou a sua jurisprudência sobre os acordos que deixaram de vigorar, mas cujos efeitos se mantêm, foi para declarar muito concretamente que tinha sido celebrado um acordo sobre os preços futuros na última reunião colusória.

2. Duração da infração e interesse jurídico protegido

33.

Por conseguinte, ao mesmo tempo que se deve voltar a contextualizar o alcance destes três acórdãos para a resolução do presente processo, merece a nossa atenção o Acórdão T‑Mobile Netherlands e o. ( 26 ). Assim, o Tribunal de Justiça declarou que «o artigo [101.o TFUE] à semelhança das outras regras da concorrência enunciadas no Tratado, não se destina unicamente a proteger os interesses diretos dos concorrentes ou dos consumidores mas a estrutura do mercado e, deste modo, a concorrência enquanto tal. […] A declaração de que uma prática concertada tem um objetivo anticoncorrencial não pode depender do facto de esta estar diretamente ligada aos preços finais de venda ao consumidor. […] Uma prática concertada tem um objetivo anticoncorrencial na aceção do artigo [101.o, n.o 1, TFUE] quando, devido ao seu teor e à sua finalidade e tendo em conta o contexto jurídico e económico em que se insere, é concretamente apta a impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum. Não é necessário que a concorrência seja efetivamente impedida, restringida ou falseada nem que haja uma ligação direta entre essa prática concertada e os preços finais de venda ao consumidor. A troca de informações entre concorrentes tem um objetivo anticoncorrencial quando é suscetível de eliminar as incertezas quanto à atuação planeada pelas empresas em causa» ( 27 ).

34.

Assim, o Acórdão T‑Mobile Netherlands e o. permite compreender a questão da duração da infração sob um prisma diferente do dos Acórdãos EMI ( 28 ), Binon ( 29 ) e Quinn Barlo e o./Comissão ( 30 ), uma vez que uma das questões fundamentais a que importa responder para a determinação da duração da infração é a do interesse jurídico protegido, ou seja, a livre escolha do cliente, a possibilidade de obter melhores ofertas nas melhores condições possíveis segundo uma concorrência livre, como sustenta nomeadamente a Comissão nas suas observações escritas. Assim, a infração existe enquanto a colusão, formal ou de facto, restringir esta possibilidade. Por conseguinte, apreciar a duração da infração exige que se avalie o impacto da referida infração no interesse jurídico protegido e, portanto, in fine, o alcance exato do acordo, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

35.

Aplicando os ensinamentos do Acórdão T‑Mobile Netherlands e o. ( 31 ), embora o cartel descrito no pedido de reenvio prejudicial apenas dissesse respeito ao mercado relativo à conceção e construção da linha de transporte a 400 kV Keminmaa‑Petäjäskoski, o objetivo anticoncorrencial do cartel desapareceria, o mais tardar, após a assinatura do contrato. Com efeito, após essa assinatura, deixaria de haver qualquer acordo persistente entre as empresas participantes no cartel ( 32 ), pelo que também não se poderia considerar que os preços colusórios, entendidos como a expressão de uma vontade das partes no cartel de acordarem sobre os preços a aplicar em futuros contratos, estariam ainda «em vigor», na aceção do Acórdão Quinn Barlo e o./Comissão ( 33 ). O período durante o qual as empresas acusadas puseram em execução um comportamento proibido, sempre na aceção desse acórdão, terminaria com a assinatura do contrato.

36.

Sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, tal conclusão pode ser explicada tendo em conta as características próprias de cada contrato de empreitada, e sem prejuízo da eventual existência de provas relativas a um cartel que tem por objeto o contrato de empreitada em causa no processo principal e de outros contratos de empreitada futuros ( 34 ). Se, como sustenta a Eltel, se devesse considerar que o preço do contrato de empreitada de construção da linha Keminmaa‑Petäjäskoski tinha sido determinado em função das suas características próprias (a saber, a realização de uma obra única, numa zona geográfica específica, num período determinado e segundo um processo técnico definido), não seria, na minha opinião, possível considerar que esse preço teve no mercado, desta vez em sentido amplo, efeitos que iam além do contrato no âmbito do qual tinha sido fixado.

3. Duração da infração e intenção de infringir

37.

No entanto, não se pode deixar de observar que o Tribunal de Justiça dispõe de poucas informações sobre os elementos constitutivos do comportamento ilícito censurado no âmbito do litígio no processo principal. Não dispõe de informações sobre as eventuais reuniões ou contactos colusórios que tenham prosseguido após a assinatura do contrato, por exemplo. Resulta simplesmente das informações adicionais fornecidas ao Tribunal de Justiça no âmbito das respostas escritas às suas questões que a manipulação do concurso tinha consistido num acordo celebrado com a outra empresa parte no cartel sobre o preço fixo a propor, devendo a outra parte propor um preço necessariamente mais elevado do que o oferecido pela Eltel. A Fingrid tinha recebido quatro propostas na totalidade. Nestas condições, se se admitir que o cartel apenas incidiu sobre este mercado, a assinatura do contrato na sequência do concurso constitui não só a cristalização da atividade do cartel, o clímax da restrição da concorrência daí decorrente (estando assim afastados os concorrentes potenciais do mercado) mas também o fim do período durante o qual os preços colusórios estiveram «em vigor», na aceção da jurisprudência Quinn Barlo e o./Comissão ( 35 ).

38.

Por outras palavras, a duração da infração não pode ser desligada da intenção de infração das empresas participantes no cartel. Num domínio quase penal como o do direito em matéria de acordos, decisões, práticas concertadas ( 36 ), não parece admissível fazer depender a duração da infração de um elemento externo à vontade dos comitentes, como as modalidades de execução e de realização das obras ou o calendário dos pagamentos. Isso equivaleria a confiscar da vontade das partes a possibilidade que lhes deve ser reconhecida de porem termo, a qualquer momento, ao seu comportamento ilícito. Por exemplo, em caso de impossibilidade de se libertar do pagamento do preço acordado no contrato ou de recusa, admite‑se que a duração da infração seja prolongada e, portanto, potencialmente por tempo indeterminado, pelo simples facto de continuar a ser devido o preço colusório? Não creio.

39.

É por esta razão que não estou convencido da posição defendida pela Autoridade da Concorrência e pelo Governo finlandês. Os efeitos económicos do cartel não devem, assim, ser confundidos com os efeitos prejudiciais que provocou. Os efeitos restritivos da concorrência induzidos pela manipulação do mercado em causa no processo principal, que conduzem à exclusão dos concorrentes proponentes e à limitação eventualmente artificial da escolha do «cliente», devem distinguir‑se dos efeitos económicos mais amplos que resultaram para o cliente e, incidentalmente, para os clientes do cliente (como a repercussão do preço falseado pelo cliente, não sendo essa repercussão, per se, a prova de que o comportamento ilícito imputável à Eltel se manteve, mas representando apenas uma das suas consequências) ( 37 ).

40.

Nestas condições, para que a infração prossiga além da sua cessação formal (o que é, no caso do litígio no processo principal, a assinatura do contrato), é ainda necessário que o comportamento proibido continue a poder ser caracterizado sem que, no entanto, possam constituir elementos dessa caracterização os efeitos que não relevam estritamente do comportamento anticoncorrencial censurado.

41.

Para determinar o momento em que termina a infração num contexto como o que está em causa no processo principal, há que sublinhar, por último, que, se a empresa à qual o comportamento anticoncorrencial é imputado não tiver finalmente ganhado o contrato, a data do termo da infração, independentemente de qualquer outro elemento que leve a pensar que a infração se prolongou para lá do contrato em questão, poderá ser a da apresentação da proposta. Por outras palavras, a data da assinatura do contrato não pode ser considerada determinante, em qualquer hipótese, para o termo da infração, devendo esta última necessariamente ser apreciada à luz dos elementos subjetivos e objetivos que a caracterizam.

42.

Na mesma ordem de ideias, pode‑se considerar que a data da assinatura do contrato marca o termo da infração, ou ainda o fim da vigência dos preços colusórios, desde que o contrato marque de forma suficientemente precisa a alteração de vontade das partes no que lhes diz respeito. Isto pressupõe, portanto, que o contrato seja suficientemente claro quanto à questão do preço das obras, no caso em apreço.

4. Duração da infração, execução efetiva do artigo 101.o TFUE e União de direito

43.

A Autoridade da Concorrência e os Governos finlandês e alemão sustentam que considerar uma duração demasiado curta da infração num caso como o que está em causa no processo principal viola a exigência de efetividade do artigo 101.o TFUE.

44.

Sou evidentemente sensível a este argumento.

45.

No entanto, saliento que, uma vez que o direito da União, em aplicação de princípios característicos de uma União de direito, admite o próprio princípio da prescrição da ação das suas instituições, e dos seus aliados nacionais que são as autoridades nacionais da concorrência, para perseguir e punir as infrações ao artigo 101.o TFUE, há que renunciar, ao mesmo tempo, a qualquer ideia de uma efetividade absoluta do artigo 101.o TFUE e aceitar, portanto, que determinadas infrações a esta disposição permanecerão impunes. Dito de outra forma, o fim não pode justificar todos os meios ( 38 ).

46.

Além disso, acrescento que se trata, no âmbito do litígio no processo principal, de uma situação mais específica e que o prazo de prescrição de cinco anos previsto pelo direito nacional parecia, prima facie, tornar perfeitamente possível uma intervenção da Autoridade da Concorrência ( 39 ). A execução efetiva do artigo 101.o TFUE não pode justificar que se prolongue artificialmente, em especial além da vontade infracional dos comitentes, a duração da infração para permitir que sejam processados. Isto é tanto mais imperioso quanto, como sublinhou a Comissão, a duração da infração é um elemento que é tido em conta na fixação do montante da coima ( 40 ).

47.

Por conseguinte, resulta da minha análise que o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que um participante num cartel celebrou com um operador externo ao cartel um contrato de empreitada correspondente ao que tinha sido acordado no âmbito do cartel em causa, e na medida em que o referido cartel estivesse limitado a esse contrato, considera‑se que o termo da infração às regras da concorrência ocorreu, em princípio, na data em que a empresa que é a sua autora apresentou a proposta relativa ao contrato em questão ou, sendo caso disso, celebrou o contrato relativo a essa empreitada. Tal interpretação não prejudica, porém, a apreciação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, do conteúdo do referido contrato e do seu grau de precisão, nomeadamente em termos de preço, do alcance exato do acordo, dos elementos objetivos e subjetivos que o caracterizam, dos seus efeitos anticoncorrenciais e da análise das diferentes provas de comportamentos colusórios reveladas pelo inquérito levado a cabo pela Autoridade da Concorrência.

VI. Conclusão

48.

Tendo em conta todas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão prejudicial submetida pelo Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia):

O artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que um participante num cartel celebrou com um operador externo ao cartel um contrato de empreitada correspondente ao que tinha sido acordado no âmbito do cartel em causa, e na medida em que o referido cartel estivesse limitado a esse contrato, considera‑se que o termo da infração às regras da concorrência ocorreu, em princípio, na data em que a empresa que é a sua autora apresentou a proposta relativa ao contrato em questão ou, sendo caso disso, celebrou o contrato relativo a essa empreitada. Tal interpretação não prejudica, porém, a apreciação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, do conteúdo do referido contrato e do seu grau de precisão, nomeadamente em termos de preço, do alcance exato do acordo, dos elementos objetivos e subjetivos que o caracterizam, dos seus efeitos anticoncorrenciais e da análise das diferentes provas de comportamentos colusórios reveladas pelo inquérito levado a cabo pela Autoridade da Concorrência.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2003, L 1, p. 1.

( 3 ) Durante 2013, a outra empresa em questão apresentou um pedido de clemência à Autoridade da Concorrência, pedido que levou a referida autoridade a investigar o cartel. Em 31 de outubro de 2014, a Autoridade da Concorrência concedeu clemência a essa outra empresa e isentou‑a de qualquer sanção.

( 4 ) A este respeito, é de salientar que resulta dos autos que a existência de um acordo proibido entre a Eltel e a outra empresa parte no alegado cartel ainda não foi juridicamente demonstrada de forma definitiva. A Eltel contesta, tanto perante o órgão jurisdicional de reenvio como perante o Tribunal de Justiça, que a Autoridade da Concorrência tenha feito prova bastante dessa existência na sua decisão de 31 de outubro de 2014. Por seu turno, o Tribunal dos Assuntos Económicos tinha declarado que o cartel só dizia respeito aos trabalhos de conceção da linha de transporte de energia elétrica objeto do concurso, contrariamente ao que parece ser a apreciação da Autoridade da Concorrência e do órgão jurisdicional de reenvio. Uma vez que não cabe ao Tribunal de Justiça determinar se existiu efetivamente ou não acordo ou determinar o seu eventual alcance, cada referência contida nestas conclusões a um cartel no qual a Eltel participou deverá ser entendida como uma referência a um acordo proibido estritamente presumido.

( 5 ) Acórdão de 30 de maio de 2013 (C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351).

( 6 ) Acórdão de 30 de maio de 2013, Quinn Barlo e o./Comissão (C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351, n.o 40).

( 7 ) Acórdão de 30 de maio de 2013 (C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351).

( 8 ) Acórdão de 15 de junho de 1976 (51/75, EU:C:1976:85).

( 9 ) O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se aqui aos n.os 30 e 31 do Acórdão de 15 de junho de 1976, EMI Records (51/75, EU:C:1976:85).

( 10 ) Quanto a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que o direito finlandês considera como data aquela em que o dano ocorreu (e, portanto, como ponto de partida do prazo de prescrição em matéria de indemnização) não a data do pagamento do preço, mas a data da celebração do contrato.

( 11 ) Entre jurisprudência abundante, v. Acórdãos de 31 de janeiro de 2017, Lounani (C‑573/14, EU:C:2017:71, n.o 56 e jurisprudência aí referida), e de 27 de fevereiro de 2020, Land Sachsen‑Anhalt (Remuneração dos funcionários e juízes) (C‑773/18 a C‑775/18, EU:C:2020:125, n.o 28 e jurisprudência aí referida).

( 12 ) V. artigo 25.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003.

( 13 ) JO 2019, L 11, p. 3. Há que observar que o prazo de transposição desta diretiva ainda não decorreu (v. artigo 34.o, n.o 1, da referida diretiva).

( 14 ) Considerando 70 da Diretiva 2019/1.

( 15 ) V. Acórdão de 15 de junho de 1976, EMI Records (51/75, EU:C:1976:85, n.o 30).

( 16 ) Acórdão de 15 de junho de 1976, EMI Records (51/75, EU:C:1976:85, n.o 31).

( 17 ) Acórdão de 3 de julho de 1985 (243/83, EU:C:1985:284).

( 18 ) Acórdão de 3 de julho de 1985, Binon (243/83, EU:C:1985:284, n.o 17).

( 19 ) Acórdão de 3 de julho de 1985, Binon (243/83, EU:C:1985:284, n.o 18).

( 20 ) Acórdão de 30 de maio de 2013, Quinn Barlo e o./Comissão (C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351).

( 21 ) V. Acórdão de 30 de maio de 2013, Quinn Barlo e o./Comissão (C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351, n.os 32 e 33).

( 22 ) Acórdão de 30 de maio de 2013, Quinn Barlo e o./Comissão (C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351, n.o 40). O sublinhado é meu.

( 23 ) Acórdão de 15 de junho de 1976 (51/75, EU:C:1976:85).

( 24 ) Acórdão de 3 de julho de 1985 (243/83, EU:C:1985:284).

( 25 ) Acórdão de 30 de maio de 2013 (C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351).

( 26 ) Acórdão de 4 de junho de 2009 (C‑8/08, EU:C:2009:343).

( 27 ) Acórdão de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o. (C‑8/08, EU:C:2009:343, n.os 38, 39 e 43). O sublinhado é meu.

( 28 ) Acórdão de 15 de junho de 1976 (51/75, EU:C:1976:85).

( 29 ) Acórdão de 3 de julho de 1985 (243/83, EU:C:1985:284).

( 30 ) Acórdão de 30 de maio de 2013 (C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351).

( 31 ) Acórdão de 4 de junho de 2009 (C‑8/08, EU:C:2009:343).

( 32 ) É verdade que se considera um acordo formal ou de facto.

( 33 ) Acórdão de 30 de maio de 2013 (C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351).

( 34 ) Todavia, parece resultar dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, tal como o prazo de prescrição de cinco anos a contar da cessação da restrição à concorrência (v. § 22 da Lei relativa às Restrições da Concorrência) que é aplicável no litígio no processo principal, que o alegado acordo não se prolongou além do contrato de empreitada em questão. Esta apreciação compete, em todo o caso, ao órgão jurisdicional de reenvio.

( 35 ) Acórdão de 30 de maio de 2013 (C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351).

( 36 ) Sobre este tema, v. Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo ThyssenKrupp Nirosta/Comissão (C‑352/09 P, EU:C:2010:635, n.os 48 a 52) ou ainda Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Schenker & Co. e o. (C‑681/11, EU:C:2013:126, n.o 40) e a sua tomada de posição relativa ao parecer 2/13 (Adesão da União ao CEDH, EU:C:2014:2475, n.o 149).

( 37 ) Acrescento aqui que a questão da repercussão do preço colusório na capacidade económica do cliente ou nos preços eventualmente aplicados aos clientes finais parece dever ser apreciada de forma específica num contexto como o do litígio no processo principal, do qual parece resultar que a proposta da Eltel era a mais baixa das quatro propostas apresentadas à Fingrid. Esclareço que o facto de a proposta da Eltel ter sido a mais baixa nada retira, evidentemente, ao seu caráter anticoncorrencial, tendo em conta o seu efeito de exclusão dos outros proponentes [na mesma ordem de ideias, v. Acórdão de 21 de fevereiro de 1995, SPO e o./Comissão (T‑29/92, EU:T:1995:34), n.o 151)].

( 38 ) Na mesma ordem de ideias, v. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Toshiba Corporation e o. (C‑17/10, EU:C:2011:552, n.o 54).

( 39 ) Não nos é pedido, no âmbito do presente reenvio prejudicial, que nos pronunciemos sobre a compatibilidade do regime nacional de prescrição com o princípio da efetividade do artigo 101.o TFUE. Como observou a Comissão, a duração do prazo de prescrição não é o único critério que deve ser tomado em consideração, uma vez que outros elementos, como os relativos às condições em que esse prazo pode ser interrompido ou suspenso, se revelam igualmente determinantes para esse efeito.

( 40 ) V. artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003.

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