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Document 62019CC0410

    Conclusões do advogado-geral E. Tanchev apresentadas em 17 de dezembro de 2020.
    The Software Incubator Ltd contra Computer Associates (UK) Ltd.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court of the United Kingdom.
    Reenvio prejudicial — Agentes comerciais independentes — Diretiva 86/653/CEE — Artigo 1.o, n.o 2 — Conceito de “agente comercial” — Fornecimento de um programa informático aos clientes por via eletrónica — Concessão de uma licença perpétua de utilização — Conceitos de “venda” e de “mercadorias”.
    Processo C-410/19.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:1061

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    EVGENI TANCHEV

    apresentadas em 17 de dezembro de 2020 ( 1 )

    Processo C‑410/19

    The Software Incubator Ltd

    contra

    Computer Associates UK Ltd

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido)]

    «Reenvio prejudicial — Agentes comerciais independentes — Diretiva 86/653/CEE — Artigo 1.o, n.o 2 — Definição de agente comercial — Conceitos de “venda” e de “mercadorias” — Fornecimento de programas informáticos aos clientes de um comitente por via eletrónica acompanhado da concessão de uma licença perpétua»

    I. Introdução

    1.

    O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais ( 2 ).

    2.

    O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 define o agente comercial como um intermediário independente, cuja atividade envolve, em particular, a venda ou compra de mercadorias por conta de outra pessoa, designada comitente. A principal questão que se coloca no presente processo é a de saber se o fornecimento de um programa informático aos clientes de um comitente por via eletrónica, acompanhado da concessão de uma licença perpétua, pode ser qualificado de «venda» de «mercadorias» na aceção desta disposição.

    3.

    Por conseguinte, o presente processo oferece ao Tribunal de Justiça a primeira oportunidade de se pronunciar sobre a interpretação dos conceitos de «venda» e de «mercadorias» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653. No processo principal, esta interpretação é necessária para determinar se a Diretiva 86/653 é aplicável a um agente contratado para promover o programa informático em causa, de modo a que o seu pedido de indemnização baseado nesta diretiva possa ser acolhido.

    II. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    4.

    O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 dispõe:

    «Para efeitos da presente diretiva, o agente comercial é a pessoa que, como intermediário independente, é encarregada a título permanente, quer de negociar a venda ou a compra de mercadorias para uma outra pessoa, adiante designada “comitente”, quer de negociar e concluir tais operações em nome e por conta do comitente.»

    B.   Direito do Reino Unido

    5.

    A Diretiva 86/653 foi transposta para o direito do Reino Unido pelas Commercial Agents (Council Directive) Regulations 1993 (Statutory Instruments 1993/3053), conforme alteradas [Regulamento de 1993 respeitante aos Agentes Comerciais (que Transpõe a Diretiva do Conselho) (Regulamento 1993/3053), a seguir «Regulations»] ( 3 ). A Regulation 2(1) dessas Regulations dispõe:

    «Nas presentes Regulations —

    “agente comercial” é a pessoa que, como intermediário independente, é encarregada a título permanente de negociar a venda ou a compra de mercadorias por conta de outra pessoa (a seguir “comitente”), ou de negociar e concluir a venda ou a compra de mercadorias em nome e por conta desse comitente; […]»

    III. Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

    6.

    Resulta do despacho de reenvio que a Computer Associates UK Ltd (a seguir «Computer Associates») é uma sociedade que comercializa um tipo de programa informático conhecido como um programa de automatização de lançamento de aplicações (a seguir «programa»). O programa é complexo, dispendioso e não personalizado, no sentido de que não é feito por medida para um determinado cliente. O objetivo do programa consiste em coordenar e executar automaticamente a implementação e as atualizações de outras aplicações informáticas em diferentes ambientes operativos em grandes organizações, tais como bancos e companhias de seguros, de modo a que as aplicações subjacentes estejam plenamente integradas no ambiente operativo do programa.

    7.

    A The Software Incubator Ltd (a seguir «The Software Incubator») é uma sociedade detida por Scott Dainty.

    8.

    Em 25 de março de 2013, a Computer Associates e a The Software Incubator celebraram um contrato escrito (a seguir «contrato»).

    9.

    Nos termos da cláusula 2.1 do contrato, a The Software Incubator, por intermédio de S. Dainty, acordou em agir por conta da Computer Associates para abordar potenciais clientes na Irlanda e no Reino Unido «para efeitos de promoção, comercialização e venda do produto». O «produto» designava o programa, conforme se indicava no primeiro considerando do contrato. Assim, para efeitos do contrato, a Computer Associates era o comitente e a The Software Incubator era o agente.

    10.

    Como se indica no despacho de reenvio, as principais características do fornecimento do programa no processo principal eram as seguintes. Em primeiro lugar, a Computer Associates fornecia o programa aos seus clientes por via eletrónica através de uma mensagem de correio eletrónico que continha uma ligação para um portal em linha a partir do qual o cliente o descarregava. Embora a possibilidade de fornecer o programa através de um suporte tangível existisse, não era utilizada na prática.

    11.

    Além disso, nos termos da cláusula 4.1 do contrato, a Computer Associates tinha o direito exclusivo de determinar os termos e condições relativos à concessão aos clientes de licenças do programa e, nos termos da cláusula 6.1 do mesmo, a Computer Associates aplicava e cobrava todos os montantes devidos pelos clientes relacionados com a utilização do programa. Os poderes da The Software Incubator, na sua qualidade de agente, respeitavam, portanto, à promoção da concessão pela Computer Associates aos seus clientes de licenças de utilização do programa. A The Software Incubator não tinha quaisquer poderes para transferir a titularidade ou a propriedade do programa.

    12.

    A este respeito, nos termos dos acordos celebrados entre a Computer Associates e os seus clientes ( 4 ), era concedida ao cliente uma licença de utilização do programa que, na maior parte dos casos, era perpétua, no sentido de que era por tempo ilimitado. A licença permitia ao cliente, nomeadamente, instalar e implementar o programa no território especificado até ao número autorizado de utilizadores finais e permitir o acesso ao programa pelos utilizadores finais autorizados. Estava igualmente sujeita ao cumprimento de obrigações por parte do cliente, em particular a de não aceder ou utilizar qualquer parte do programa não autorizada, nem proceder à sua descompilação, alteração ou engenharia inversa, e não o alugar, ceder, transferir ou sublicenciar. A Computer Associates e entidades associadas conservavam todos os direitos, títulos, direitos de autor, patentes, marcas, segredos comerciais e todos os outros interesses patrimoniais sobre o programa. Qualquer das partes podia resolver o acordo em questão em caso de incumprimento relevante ou de insolvência da outra parte, sendo nesse caso a licença revogada e tendo o cliente de devolver ou destruir todos os exemplares do programa.

    13.

    Por carta de 9 de outubro de 2013, a Computer Associates resolveu o contrato com a The Software Incubator.

    14.

    A The Software Incubator intentou uma ação contra a Computer Associates na High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção do Foro da Rainha (Reino Unido)], pedindo, em particular, uma indemnização ao abrigo das Regulations que transpõem o artigo 17.o da Diretiva 86/653. A Computer Associates contestou qualquer responsabilidade alegando, nomeadamente, que as Regulations não eram aplicáveis porque o fornecimento do programa promovido pela The Software Incubator não constituía uma «venda de mercadorias» para efeitos da definição de agente comercial contida na Regulation 2(1) dessas Regulations que transpõe o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653.

    15.

    Por Sentença de 1 de julho de 2016 ( 5 ), a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção do Foro da Rainha], declarou que o fornecimento do programa informático por via eletrónica, acompanhado de uma licença perpétua, equivalia a uma «venda de mercadorias» na aceção da Regulation 2(1) das Regulations e atribuiu à The Software Incubator, nomeadamente, o montante de 475000 GBP (cerca de 531100 euros) a título de reparação nos termos das Regulations. Segundo esse órgão jurisdicional, o conceito de «venda de mercadorias» devia ter uma definição autónoma para efeitos das Regulations, que não excluísse o fornecimento do programa informático como uma «mercadoria» pelo facto de não ser tangível ou como «venda» pelo facto de os direitos de propriedade intelectual nele incluídos não serem normalmente transferidos em termos absolutos.

    16.

    A Computer Associates interpôs recurso desta decisão para a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Divisão Cível) (Reino Unido)].

    17.

    Por Acórdão de 19 de março de 2018 ( 6 ), a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Divisão Cível)] declarou que o fornecimento do programa informático por via eletrónica, e não num suporte tangível, não constituía uma «mercadoria», na aceção da Regulation 2(1) das Regulations. Segundo esse órgão jurisdicional, a jurisprudência impunha tal conclusão, apesar de existirem preocupações de que a sua abordagem pudesse parecer obsoleta à luz dos progressos tecnológicos, e não examinou, portanto, se a concessão de licenças relativas ao programa aos clientes da Computer Associates constituía uma «venda» nos termos dessa disposição. Por conseguinte, concluiu que a The Software Incubator não era um agente comercial para efeitos das Regulations e julgou improcedente o seu pedido de reparação ao abrigo das mesmas.

    18.

    Por Despacho de 28 de março de 2019, a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) autorizou a The Software Incubator a interpor recurso da decisão da Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Divisão Cível)].

    19.

    O órgão jurisdicional de reenvio indica que não é claro se a definição de agente comercial contida no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, que é limitada à «venda de mercadorias», é aplicável à situação do processo principal.

    20.

    Foi nestas circunstâncias que a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Um exemplar de um programa informático que é fornecido aos clientes de um comitente por via eletrónica, e não num suporte tangível, constitui uma “mercadoria”, na aceção deste termo conforme consta da definição de agente comercial no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva [86/653]?

    2)

    O fornecimento de um programa informático aos clientes de um comitente através da concessão ao cliente de uma licença perpétua de utilização de um exemplar do programa informático constitui uma “venda de mercadorias” na aceção deste termo conforme consta da definição de agente comercial no artigo 1.o, n.o 2, da [Diretiva 86/653]?»

    IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    21.

    Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pela The Software Incubator, pela Computer Associates, pelo Governo alemão e pela Comissão Europeia. A The Software Incubator, a Computer Associates e a Comissão responderam igualmente a questões escritas que lhes foram colocadas pelo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 62.o, n.o 1, do seu Regulamento de Processo.

    22.

    Enquanto o presente processo se encontrava pendente no Tribunal de Justiça, o Reino Unido deixou a União, em 31 de janeiro de 2020. Nos termos do artigo 86.o, n.o 2, do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica ( 7 ), o Tribunal de Justiça continua a ser competente para decidir, a título prejudicial, sobre os pedidos dos órgãos jurisdicionais do Reino Unido apresentados antes do termo do período de transição que, conforme definido no artigo 126.o do referido acordo, é, em princípio, em 31 de dezembro de 2020. Além disso, por força do artigo 89.o, n.o 1, deste acordo, o acórdão do Tribunal de Justiça, quer seja proferido antes do termo do período de transição ou em data futura, será plenamente vinculativo para o Reino Unido e no seu território.

    23.

    Por conseguinte, uma vez que o presente pedido de decisão prejudicial foi apresentado em 28 de maio de 2019, o Tribunal de Justiça continua a ser competente para decidir sobre esse pedido e a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) está vinculada pelo acórdão a proferir pelo Tribunal de Justiça no presente processo.

    V. Resumo das observações das partes

    24.

    A The Software Incubator sustenta que se deve responder à primeira questão em sentido afirmativo. Na sua opinião, o conceito de «mercadorias» que figura no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 inclui o programa, independentemente de o mesmo ser fornecido por meios tangíveis ou intangíveis. Alega que não existe distinção entre mercadorias tangíveis e intangíveis na redação desta disposição e que, tendo em conta a sua génese, o legislador da União pretendeu excluir do âmbito de aplicação desta diretiva apenas os «serviços», e não as mercadorias intangíveis.

    25.

    A The Software Incubator sustenta que o conceito de «mercadorias» noutros domínios do direito da União é de utilidade limitada, uma vez que depende do contexto e dos objetivos das disposições do direito da União em causa. Ainda assim, salienta que os programas informáticos são considerados «mercadorias» em medidas da União relativas, por exemplo, a marcas ( 8 ) e a dispositivos médicos ( 9 ) e que o programa é abrangido pela definição de «mercadorias» na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à livre circulação de mercadorias ( 10 ), tal como a eletricidade. Em seu entender, é irrelevante que recentes medidas da União relativas a consumidores, incluindo a Diretiva 2011/83 ( 11 ) e a Diretiva 2019/770 ( 12 ), estabeleçam uma distinção entre contratos de venda de mercadorias e contratos de fornecimento de conteúdos digitais, tais como programas informáticos, uma vez que isso reflete os objetivos específicos dessas diretivas e, em qualquer caso, a Diretiva 2019/770 prevê a mesma proteção para os consumidores, independentemente de o conteúdo digital ser fornecido num suporte tangível ou intangível.

    26.

    A The Software Incubator alega que a sua posição é consentânea com os objetivos prosseguidos pela Diretiva 86/653, uma vez que um agente comercial que venda programas informáticos fornecidos por via eletrónica necessita da mesma proteção que um agente que os venda num suporte tangível, tratando‑se, em substância, das mesmas «atividades dos intermediários do comércio» referidas no primeiro considerando da Diretiva 86/653. Uma vez que os programas informáticos só podem funcionar num ambiente tangível, ao serem descarregados para um equipamento informático, é artificial, na sua opinião, classificá‑los como «mercadorias» se forem fornecidos num disco, mas não mediante descarregamento. Tal distinção conduz igualmente a distorções da concorrência no mercado interno, uma vez que um comitente poderia subtrair‑se às obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 86/653 fornecendo os seus produtos por via eletrónica. Alega igualmente que, uma vez que o papel do agente comercial consiste em negociar operações e que o método de fornecimento do programa informático pode não ser determinado na fase da negociação, a aplicabilidade da Diretiva 86/653 não deve depender do que o comitente decida fazer depois de o agente comercial desempenhar a sua missão.

    27.

    A The Software Incubator sustenta que se deve igualmente responder em sentido afirmativo à segunda questão prejudicial, uma vez que o conceito de «venda de mercadorias» que figura no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 inclui o fornecimento do programa ao abrigo de uma licença perpétua. Alega que, na sequência do Despacho de 10 de fevereiro de 2004, Mavrona ( 13 ), ao interpretar esta disposição há que atender, sobretudo, à substância das relações contratuais entre o agente comercial e o comitente, à atividade exercida por esse agente, bem como aos interesses e à necessidade de proteção desse agente, que são todos os mesmos, independentemente de o programa ser fornecido por meios tangíveis ou intangíveis, ao abrigo de um contrato de venda ou de uma licença perpétua. Salienta que as restrições à utilização de programas informáticos relativas a direitos de propriedade intelectual são irrelevantes, uma vez que não diferem substancialmente das impostas pelos titulares de direitos de propriedade intelectual sobre produtos vendidos no âmbito de contratos de venda. Alega igualmente que a sua posição é corroborada pelo Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft ( 14 ), no qual o Tribunal de Justiça considerou que o fornecimento de um programa de computador ao abrigo de uma licença perpétua constituía uma «venda» numa situação semelhante à do caso em apreço, em que o cliente pagava um preço à Computer Associates e recebia o programa, que esse cliente podia utilizar indefinidamente sem pagamento de qualquer montante adicional, mas em relação ao qual existiam restrições à sua utilização em razão dos direitos de propriedade intelectual sobre o programa.

    28.

    A Computer Associates sustenta que se deve responder à primeira questão em sentido negativo, uma vez que os programas informáticos fornecidos por via eletrónica não constituem «mercadorias» nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653. Na sua opinião, o sentido comum de «mercadorias» que figura nesta disposição refere‑se apenas a bens tangíveis e móveis, como resulta de outras versões linguísticas ( 15 ), e não se aplica, portanto, a bens intangíveis, como os programas informáticos fornecidos de modo intangível. Alega que, quando a Diretiva 86/653 foi adotada, a Internet, os programas informáticos e os descarregamentos não existiam na sua forma atual, pelo que o conceito de «mercadorias» não podia ter sido entendido no sentido de se aplicar a bens intangíveis e permaneceu inalterado desde então. Sustenta igualmente que, no que respeita à génese da Diretiva 86/653, o legislador da União limitou deliberadamente o âmbito de aplicação desta diretiva às «mercadorias» e que não foi adotada a eventual aplicação a uma categoria mais ampla de agentes que incluísse os agentes de «produtos».

    29.

    A Computer Associates alega que o efeito e a posição do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 conferem apoio contextual à sua tese, uma vez que se trata da disposição central que delimita o âmbito de aplicação desta diretiva. Salienta que, com base no Despacho de 10 de fevereiro de 2004, Mavrona ( 16 ), o Tribunal de Justiça interpreta os termos utilizados no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 e que, embora seja desejável uma harmonização mais aprofundada, não pode ser instituída por via jurisdicional. Alega que o conceito de «mercadorias» noutros domínios do direito da União, incluindo a livre circulação de mercadorias ( 17 ), as tarifas aduaneiras ( 18 ) e o imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») ( 19 ), respeita apenas a bens tangíveis e que não existe uma relação necessária entre o sentido de «mercadorias» na Diretiva 86/653 e no sistema de classificação para o registo de marcas. Sublinha igualmente que recentes medidas da União relativas a consumidores, incluindo as Diretivas 2011/83 e 2019/770, bem como a Diretiva 2019/771 ( 20 ), são relevantes, especialmente porque demonstram que, quando o legislador da União pretende aplicar uma medida da União a um programa informático sem qualquer suporte tangível, como o que está em causa, fá‑lo expressamente, e não através da utilização do termo «mercadorias».

    30.

    Segundo a Computer Associates, a sua posição é consentânea com os objetivos da Diretiva 86/653, uma vez que esta diretiva, como resulta do seu segundo considerando, visa alcançar condições de mercado único para as «trocas de mercadorias» e, nos termos dos seus artigos 1.o e 2.o, o seu objetivo de harmonização é necessariamente limitado a essas «trocas de mercadorias». Sublinha que o facto de os programas informáticos fornecidos num suporte tangível serem «mercadorias» nos termos da Diretiva 86/653, mas não o serem quando são fornecidos por meios intangíveis, não é arbitrário, em especial porque decorre do âmbito de aplicação desta diretiva e, como demonstram as Diretivas 2011/83, 2019/770 e 2019/771, reflete diferenças entre mercadorias e conteúdos digitais.

    31.

    A Computer Associates alega que, em caso de resposta negativa à primeira questão, não é necessário abordar a segunda questão e, subsidiariamente, que o conceito de «venda de mercadorias» não inclui a concessão de uma licença de utilização de um exemplar do programa. Sustenta que o sentido comum dos termos «a venda ou a compra de mercadorias» que figuram no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 denota uma transferência da propriedade ou da titularidade das mercadorias do vendedor para o comprador como resulta das outras versões linguísticas ( 21 ). Contudo, na sua opinião, a concessão de uma licença perpétua nas circunstâncias do caso em apreço não envolve uma transmissão da propriedade ou da titularidade do programa. Com efeito, os acordos entre a Computer Associates e os seus clientes excluíam essa transferência porque a titularidade do programa continua a ser da Computer Associates e entidades associadas, não tendo nenhum outro direito de propriedade sobre o programa sido transferido para os clientes. Essa licença não é, portanto, uma «venda de mercadorias» na aceção tradicional, mas uma autorização temporária para utilizar o programa, que pode cessar em caso de violação contratual ou de insolvência. Alega igualmente que o Acórdão UsefSoft ( 22 ) não é relevante em razão da redação específica e do contexto da legislação da União em questão, como foi confirmado por jurisprudência recente ( 23 ). Em qualquer caso, a afirmação que figura nesse acórdão segundo a qual a «venda» denota uma transferência de propriedade milita contra uma interpretação da «venda de mercadorias» que figura na Diretiva 86/653 que se aplique à concessão de uma licença de utilização do programa.

    32.

    O Governo alemão considera que se deve responder conjuntamente às duas questões no sentido de que se trata de uma «venda de mercadorias», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, quando uma licença perpétua de utilização de um exemplar de um programa informático é fornecida ao cliente de um comitente apenas por via eletrónica e não através de um suporte de armazenamento tangível. Salienta que a versão em língua alemã do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 milita contra a limitação do âmbito de aplicação desta diretiva a objetos tangíveis, uma vez que o sentido natural do substantivo «Ware» (mercadorias) inclui igualmente objetos intangíveis.

    33.

    O Governo alemão alega que o Tribunal de Justiça não se deve basear na distinção do direito primário da União relativa à livre circulação de mercadorias e de serviços, uma vez que a Diretiva 86/653 tem por objeto a harmonização da atividade dos agentes comerciais, e o seu alcance deve, portanto, ser determinado funcionalmente neste contexto, pelo que deve ser adotada, na medida do possível, a interpretação mais favorável ao agente comercial. Sublinha que uma interpretação restritiva da expressão «venda de mercadorias» que figura no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 no sentido de abranger apenas bens tangíveis compromete o objetivo de proteção dos agentes comerciais prosseguido por esta diretiva, uma vez que uma parte significativa do domínio de atividade tradicional dos agentes comerciais na Alemanha deixaria de estar abrangida pelo seu âmbito de aplicação.

    34.

    Segundo o Governo alemão, tal interpretação restritiva conduz a resultados injustos, uma vez que um agente comercial que comercialize um produto sob forma tangível é protegido pela Diretiva 86/653, mas não o é se comercializar o mesmo produto em formato digital. Permite igualmente a um comitente evitar as disposições imperativas desta diretiva, optando por um mecanismo em que o objeto da operação não seja um bem tangível. Considera que, embora a comercialização de programas informáticos não fosse previsível no momento em que a Diretiva 86/653 foi redigida, a intenção do legislador da União não era a de fazer depender a proteção dos agentes comerciais de desenvolvimentos tecnológicos inesperados.

    35.

    A Comissão considera que se deve responder conjuntamente às duas questões no sentido de que o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 inclui o fornecimento de um exemplar de um programa informático ao cliente de um comitente por via eletrónica e não num suporte tangível. Sustenta que o conceito de «venda de mercadorias» na Diretiva 86/653 é um conceito autónomo do direito da União e deve ser interpretado de forma dinâmica, tomando em conta os desenvolvimentos tecnológicos. Propõe igualmente que as questões sejam abordadas pela ordem inversa.

    36.

    A Comissão sustenta que o Acórdão UsedSoft ( 24 ) corrobora a conclusão segundo a qual a concessão de uma licença perpétua de utilização do programa constitui uma «venda» na aceção da Diretiva 86/653. À semelhança desse acórdão, o cliente adquire, no caso em apreço, um direito permanente de utilizar o programa mediante o pagamento de um preço, sendo indiferente para a natureza da operação que o programa seja colocado à disposição por descarregamento ou num suporte tangível, como foi confirmado por jurisprudência posterior ( 25 ).

    37.

    A Comissão considera que, no que respeita ao conceito de «mercadorias», a jurisprudência noutros domínios do direito da União não é concludente, uma vez que depende da legislação aplicável e das circunstâncias específicas. Na sua opinião, um programa informático comercializado como um bem intangível constitui uma «mercadoria»sensu lato na aceção da Diretiva 86/653 e não se destinava a ser excluído do âmbito de aplicação desta diretiva quando, no decurso do processo decisório, esta foi alterada no sentido de excluir os «serviços». Sublinha que a legislação da União evoluiu da tradicional ênfase sobre os bens tangíveis e da dicotomia entre bens e serviços no âmbito dos programas informáticos, como demonstram as Diretivas 2011/83 e 2019/770. Segundo a Comissão, uma abordagem ampla é consentânea com o objetivo da Diretiva 86/653 de proteger os agentes comerciais. Com efeito, seria contrário a esse objetivo que o mesmo agente comercial que trabalhasse para o mesmo comitente, nas mesmas condições, ficasse privado de proteção apenas em resultado de desenvolvimentos tecnológicos ou da preferência de um cliente quanto ao modo pelo qual pretende que um programa informático seja fornecido. Alega igualmente que, por analogia com o Acórdão UsedSoft ( 26 ), o efeito útil da Diretiva 86/653 ficaria comprometido se um comitente pudesse subtrair‑se às obrigações que lhe incumbem por força desta diretiva fornecendo os seus produtos por via eletrónica, tanto mais que esta forma de comercialização é amplamente utilizada para os programas informáticos.

    VI. Análise

    38.

    Com as suas duas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça, em primeiro lugar, se um programa informático, como o que está em causa, que é fornecido aos clientes de um comitente por via eletrónica, e não num suporte tangível, constitui uma «mercadoria» e, em segundo lugar, se o fornecimento desse programa ao abrigo de uma licença perpétua, que confere aos clientes o direito de utilizarem um exemplar desse programa por tempo ilimitado, mediante o pagamento de um preço, constitui uma «venda», para efeitos da definição de agente comercial estabelecida no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653.

    39.

    Estas duas questões decorrem do facto de, como resulta das observações apresentadas pela The Software Incubator, pela Computer Associates e pela Comissão, segundo o direito do Reino Unido e de outros países, o conceito de «mercadorias» estar tradicionalmente circunscrito a coisas tangíveis e móveis, ou seja, a coisas que são geralmente suscetíveis de ser tocadas e deslocadas fisicamente, sendo o conceito de «venda» associado a uma transferência de propriedade, o que implica a aquisição da coisa vendida e o direito de dela dispor, entrecruzando‑se, assim, com os conceitos conexos de propriedade e de posse. Contudo, estes conceitos têm sido colocados em questão pelos programas informáticos ( 27 ), que designam genericamente um conjunto de programas de computador que permitem a um computador funcionar e executar tarefas ( 28 ). É o que se passa, especialmente hoje em dia, quando os programas informáticos são geralmente fornecidos por descarregamento, em vez de num suporte tangível como um CD ou um DVD, e acompanhados da concessão de uma licença, geralmente perpétua, para controlar a sua utilização, como é ilustrado pelo caso em apreço. Por conseguinte, a qualificação jurídica dos programas informáticos suscitou um considerável debate na União e noutras jurisdições em vários contextos ( 29 ), tal como o das medidas da União relativas aos consumidores a seguir discutidas ( 30 ).

    40.

    Não se pode negar que os conceitos de «venda» e de «mercadorias» podem ter uma interpretação diferente no direito nacional e no direito da União. Em particular, trata‑se de conceitos‑chave no direito privado nacional e em muitos domínios do direito primário e do direito derivado da União. Dito isto, o presente processo convida o Tribunal de Justiça a interpretar estes conceitos no contexto específico da Diretiva 86/653 e, em particular, à luz das características essenciais do agente comercial na aceção do artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva.

    41.

    Observo, a este respeito, que as questões suscitadas no caso em apreço ainda não foram objeto de apreciação pelo Tribunal de Justiça ( 31 ). A fim de responder a estas questões, importa, antes de mais, fazer algumas observações preliminares quanto à Diretiva 86/653 e à definição de agente comercial, bem como quanto ao Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft ( 32 ) (parte A). Em seguida, examinarei a interpretação do conceito de «mercadorias» que figura no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, conforme referido na primeira questão (parte B). Por último, abordarei a interpretação do conceito de «venda» que figura nessa disposição, conforme indicado na segunda questão (parte C) ( 33 ).

    42.

    Com base nesta análise, cheguei à conclusão de que programas informáticos fornecidos por via eletrónica, acompanhados de uma licença perpétua, como o que está em causa, constituem uma «venda» de «mercadorias» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 e que esta diretiva é, portanto, aplicável à situação do processo principal.

    A.   Observações preliminares

    1. Diretiva 86/653 e definição de agente comercial

    43.

    Importa ter presente que a Diretiva 86/653 é um instrumento jurídico fundamental que rege o instituto da agência comercial na União ( 34 ). Como o Tribunal de Justiça reconheceu, resulta do segundo e terceiro considerandos desta diretiva que a mesma tem como objetivos proteger os agentes comerciais nas relações com os seus comitentes, promover a segurança das operações comerciais e facilitar as trocas de mercadorias entre os Estados‑Membros, mediante a aproximação dos sistemas jurídicos destes últimos em matéria de representação comercial ( 35 ). Para esse efeito, a Diretiva 86/653 estabelece regras harmonizadas quanto aos direitos e obrigações dos agentes e dos seus comitentes, à remuneração dos agentes comerciais e à celebração e cessação dos contratos de agência, incluindo, em particular, a indemnização ou reparação devida aos agentes comerciais em caso de cessação do contrato, que é de natureza imperativa ( 36 ).

    44.

    O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 constitui a porta de acesso à proteção conferida por esta diretiva aos agentes comerciais, na medida em que uma pessoa tem de satisfazer as condições da definição de agente comercial previstas nesse artigo para ser abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva. Como o Tribunal de Justiça declarou, o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 estabelece três requisitos necessários e suficientes para que uma pessoa possa ser qualificada de agente comercial nos termos dessa diretiva: em primeiro lugar, essa pessoa deve ter a qualidade de intermediário independente; em segundo lugar, deve estar contratualmente vinculada de forma permanente ao comitente; e, em terceiro lugar, deve exercer uma atividade que consista em negociar a venda ou a compra de mercadorias para o comitente, ou em negociar e concluir estas operações em nome e por conta do comitente ( 37 ), como no caso em apreço.

    45.

    No que respeita ao terceiro requisito, o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 em particular no sentido de excluir os agentes comerciais envolvidos na compra e venda de serviços e não de mercadorias ( 38 ). Contudo, até à data, o Tribunal de Justiça não foi chamado a esclarecer os conceitos de «venda» e de «mercadorias» na aceção dessa disposição. Isto pode explicar‑se, em parte, pelo facto de vários processos respeitarem a uma legislação nacional que continha uma definição ampla dos agentes comerciais ( 39 ), não tendo, portanto, sido necessário aprofundar a questão ( 40 ).

    2. Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft

    46.

    Importa igualmente salientar que o Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft ( 41 ), é pertinente para o caso em apreço, ainda que se situe num contexto diferente. Baseava‑se num pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional alemão que respeitava à interpretação dos artigos 4.o, n.o 2, e 5.o, n.o 1, da Diretiva 2009/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à proteção jurídica dos programas de computador ( 42 ). Uma das questões fundamentais suscitadas nesse processo era a de saber se o fornecimento de uma cópia de um programa de computador por descarregamento nos termos de uma licença perpétua era qualificável como «primeira venda ou qualquer outra forma de primeira transferência da propriedade», extinguindo o direito de distribuição dessa cópia nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2009/24 ( 43 ).

    47.

    Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o termo «comercialização» que figura nessa disposição deve ser entendido como um conceito autónomo de direito da União e, segundo uma definição comummente aceite, designa uma convenção por meio da qual uma pessoa cede, através do pagamento de um preço, a outra pessoa os seus direitos de propriedade sobre um bem corpóreo ou incorpóreo que lhe pertence ( 44 ). Com base nessas considerações, o Tribunal de Justiça declarou que o fornecimento de uma cópia de um programa de computador acompanhado da concessão de uma licença perpétua implicava a transferência do direito de propriedade dessa cópia e, por conseguinte, uma «comercialização» nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2009/24 ( 45 ). Para chegar a essa conclusão, considerou que era indiferente que a cópia do programa de computador tivesse sido disponibilizada ao cliente através de um descarregamento ou de um suporte material ( 46 ). O Tribunal de Justiça considerou também que se não se fizesse uma interpretação lata da expressão «comercialização», que englobasse todas as formas de comercialização de um produto que se caracterizam pela atribuição de um direito de utilização de uma cópia do programa de computador, por uma duração ilimitada, mediante o pagamento de um preço destinado a permitir que o titular do direito de autor obtenha uma remuneração que corresponde ao valor económico da cópia da obra de que é proprietário, o efeito útil do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2009/24 ficaria comprometido, pois os fornecedores poderiam simplesmente qualificar o contrato de «licença» em vez de «comercialização» para contornar a regra do esgotamento ( 47 ).

    48.

    O Tribunal de Justiça declarou, além disso, que o esgotamento do direito de distribuição referido no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2009/24 respeitava tanto às cópias materiais como imateriais de programas de computador ( 48 ). Em particular, observou que a redação dessa disposição não fazia nenhuma distinção a esse respeito ( 49 ). Considerou igualmente que, de um ponto de vista económico, a comercialização de um programa de computador num suporte material ou através do seu descarregamento eram semelhantes, uma vez que o meio de transmissão em linha constituía o equivalente funcional da entrega de um suporte material. Assim, uma interpretação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2009/24 à luz do princípio da igualdade de tratamento justificava que esses métodos fossem tratados do mesmo modo ( 50 ).

    49.

    A abordagem do Tribunal de Justiça no Acórdão UsedSoft foi reiterada em jurisprudência posterior ( 51 ). Como é ilustrado pelo Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers ( 52 ), o facto de o Tribunal de Justiça ter distinguido as suas conclusões no Acórdão UsedSoft das circunstâncias que se verificam noutras situações sublinha a particular natureza dos programas de computador, em especial no que respeita à equiparação das formas materiais e imateriais de fornecimento, em comparação com outros produtos digitais.

    50.

    Por conseguinte, resulta do Acórdão UsedSoft que, do ponto de vista funcional e económico, o fornecimento de programas informáticos por via eletrónica, acompanhado da concessão de uma licença perpétua, pode ser objeto de uma «venda» e que os métodos de transmissão através de um suporte tangível e de um suporte intangível dão origem a efeitos semelhantes. Esse acórdão permite, portanto, corroborar a tese segundo a qual o fornecimento do programa nas circunstâncias do caso em apreço constitui uma «venda» de «mercadorias» nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653. Voltarei a esse acórdão no seguimento da minha análise (v. n.os 74, 85 e 87 das presentes conclusões).

    B.   Quanto à primeira questão prejudicial

    51.

    Como se referiu no n.o 38 das presentes conclusões, a primeira questão submetida ao Tribunal de Justiça é a de saber se os programas informáticos fornecidos por via eletrónica, como o que está em causa, constituem «mercadorias» nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653.

    52.

    Segundo os argumentos aduzidos pela Computer Associates, só os bens tangíveis são abrangidos pelo conceito de «mercadorias» que figura no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, excluindo‑se, portanto, os programas informáticos fornecidos por meios intangíveis, como o que está em causa. A The Software Incubator, o Governo alemão e a Comissão discordam.

    53.

    Como se viu no n.o 4 das presentes conclusões, o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 não comporta qualquer remissão para o direito nacional. Por conseguinte, segundo jurisprudência constante ( 53 ), os termos contidos nesta disposição e, em particular, o termo «mercadorias» deve ser objeto de uma interpretação autónoma e uniforme em toda a União, independente do direito nacional ( 54 ). Esta interpretação deve ter em conta a redação desta disposição, o seu contexto, e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte ( 55 ). A sua génese pode igualmente revestir elementos pertinentes para a sua interpretação ( 56 ).

    54.

    Foi com base nestas considerações que concluí que os programas informáticos fornecidos por via eletrónica, como o que está em causa, são abrangidos pelo conceito de «mercadorias», para efeitos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653. As razões pelas quais cheguei a esta conclusão são as seguintes.

    55.

    No que respeita à redação da Diretiva 86/653, o termo «mercadorias» é utilizado não só no artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva como também nos artigos 4.o, n.o 2, alínea a), 6.o, n.o 1, e 20.o, n.o 2, alínea b), da mesma. Contudo, nenhuma destas disposições precisa o sentido e o alcance desse termo. No que respeita aos argumentos apresentados pela Computer Associates, os termos utilizados noutras versões linguísticas do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 não parecem corroborar uma interpretação dessa disposição que se limite a bens tangíveis ( 57 ). Por exemplo, segundo o Governo alemão, a versão em língua alemã suporta uma interpretação de «mercadorias» que abranja bens intangíveis (v. n.o 32 das presentes conclusões). Além disso, essas versões linguísticas não parecem indicar que o termo «mercadorias» se limite necessariamente a bens tangíveis.

    56.

    Importa observar, a este respeito, que as circunstâncias do caso em apreço se distinguem do que deu origem ao Despacho de 10 de fevereiro de 2004, Mavrona ( 58 ). Nesse despacho, o Tribunal de Justiça rejeitou a possibilidade de alargar o âmbito de aplicação da Diretiva 86/653 aos comissionistas, que agem por conta do comitente, mas em seu próprio nome, com fundamento, nomeadamente, em que tal contradizia a redação expressa do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653. Pelo contrário, no caso em apreço, não se trata de ir além do âmbito da harmonização estabelecida pelo artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, mas de uma interpretação pelo Tribunal de Justiça dos termos, como «mercadorias», que figuram nesta disposição quando o próprio texto não lhes dá um significado claro.

    57.

    Por conseguinte, a redação do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 não fornece uma resposta unívoca à questão de saber se os programas informáticos fornecidos por via eletrónica, como o que está em causa, constituem «mercadorias» na aceção desta disposição. No entanto, esta disposição não distingue consoante a natureza tangível ou intangível das mercadorias em questão. Permite, portanto, uma interpretação ampla do conceito de «mercadorias» que abranja todos esses bens tangíveis e intangíveis que podem ser objeto de operações comerciais.

    58.

    A génese da Diretiva 86/653 milita a favor de tal interpretação. Na proposta da Comissão ( 59 ), a disposição que continha a definição de agentes comerciais referia‑se a «um número ilimitado de operações comerciais», abrangendo, assim, tanto as mercadorias como os serviços ( 60 ). Não eram fornecidas indicações precisas sobre o termo «mercadorias», em comparação com outra disposição dessa proposta que se referia a «bens móveis e outros valores» no âmbito do direito de retenção do agente sobre bens do comitente após a cessação do contrato de agência ( 61 ). Estas disposições foram mantidas, com o acréscimo de alguns termos, na proposta alterada da Comissão ( 62 ), na sequência da primeira leitura do Parlamento Europeu ( 63 ) e do Parecer do Comité Económico e Social Europeu ( 64 ).

    59.

    Todavia, na primeira reunião do Conselho sobre a proposta alterada ( 65 ), a delegação dinamarquesa considerou que esta proposta «devia limitar‑se às operações comerciais relativas à venda de mercadorias», tendo sido apoiada pelas delegações irlandesa e do Reino Unido. Isto reflete‑se nos comentários dessas delegações sobre a definição de agente comercial, segundo os quais pediam que as «operações comerciais» fossem definidas como «contratos de venda de produtos» ( 66 ).

    60.

    Consequentemente, a Comissão emitiu um documento de trabalho sobre o âmbito de aplicação da proposta de diretiva ( 67 ), em que expunha a sua posição sobre certas modalidades da sua limitação. Observou, em especial, que os serviços podiam ser excluídos, uma vez que eram poucos os tipos de serviços aos quais a proposta de diretiva se aplicaria. Contudo, era essencial, na sua opinião, abranger os agentes comerciais que operassem em setores de especial importância do ponto de vista económico, a saber, a compra e a venda de mercadorias. Indicou que, uma vez que certos tipos de mercadorias, como as matérias‑primas e os produtos agrícolas, raramente eram comprados ou vendidos por agentes comerciais, a proposta de diretiva podia, portanto, aplicar‑se apenas aos agentes que comprassem e vendessem produtos industriais e não serviços ou matérias‑primas.

    61.

    Na sua reunião seguinte ( 68 ), o Conselho, tomando em conta este documento de trabalho, manifestou a sua preferência pela solução em que a proposta de diretiva «abrangeria pelo menos as atividades associadas à venda e à compra de mercadorias». A este respeito, embora várias delegações tivessem aprovado uma abordagem que excluísse os serviços, as delegações dinamarquesa, irlandesa e do Reino Unido emitiram reservas quanto a uma solução que visasse regulamentar mais do que a mera venda de mercadorias. Assim, segundo a ata dessa reunião: «Dado que não era possível decidir esta questão nem a questão de saber se a diretiva devia abranger ou não mercadorias, produtos ou bens corpóreos, a hipótese de trabalho adotada pelo grupo de trabalho para as suas discussões era a de que a diretiva se aplicaria aos agentes comerciais que se dedicavam à venda ou à compra de mercadorias» ( 69 ). Esta posição materializou‑se na definição de agente comercial, que se referia à venda ou à compra de mercadorias ( 70 ).

    62.

    Esta abordagem foi mantida no texto da Diretiva 86/653, conforme adotado ( 71 ). O projeto da disposição relativa ao direito de retenção de um agente comercial sobre os «bens móveis e outros valores» do comitente foi modificado e posteriormente suprimido durante o processo decisório ( 72 ).

    63.

    Por conseguinte, pode deduzir‑se do acordo em utilizar o termo «mercadorias», em vez de «produtos», «bens corpóreos» ou «bens móveis», que esse termo visava abranger, em sentido amplo, o objeto das operações que representavam as atividades principais de agentes comerciais ( 73 ), e que não se limitava necessariamente a bens tangíveis e móveis. Esta interpretação é igualmente consentânea com o contexto histórico em que a Diretiva 86/653 se situa, em que tinha sido redigida uma convenção internacional sobre a representação em matéria de venda internacional de mercadorias ( 74 ), que se limitava à venda de mercadorias, o que correspondia às principais atividades dos agentes comerciais que operavam no comércio internacional nessa altura ( 75 ). Contrariamente ao que a Computer Associates alega, os documentos acima referidos indicam que a eventual aplicação da diretiva a «produtos» não visava necessariamente uma categoria mais ampla do que «mercadorias», mas antes, especialmente à luz da referência aos «produtos industriais», tipos específicos de mercadorias no comércio que constituíam uma parte importante do trabalho dos agentes comerciais.

    64.

    O contexto em que se inscreve o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 corrobora também a tese segundo a qual o conceito de «mercadorias» que figura nesta disposição pode ser interpretado no sentido de abranger bens tangíveis e intangíveis. Em especial, esta interpretação não impede um agente comercial de desempenhar as suas tarefas essenciais nos termos da Diretiva 86/653, as quais, como resulta dos seus artigos 3.o, 4.o e 17.o, consistem em encontrar novos clientes para o comitente e desenvolver operações com clientes existentes ( 76 ).

    65.

    Tal interpretação também não obsta ao funcionamento das outras disposições da Diretiva 86/653 em que o termo «mercadorias» é mencionado. A este respeito, a descrição das mercadorias a disponibilizar pelo comitente nos termos do artigo 4.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653, a remuneração adequada de um agente comercial baseada no que é pago aos agentes que trabalham com as mercadorias em questão, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, e o requisito segundo o qual uma cláusula de não concorrência imposta a um agente comercial tem de dizer respeito, para ser válida, ao tipo de mercadorias abrangido pelo contrato de agência, nos termos do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), da mesma, aplicam‑se independentemente de as mercadorias serem tangíveis ou intangíveis.

    66.

    As circunstâncias do presente processo ilustram estas considerações. Como se observou no n.o 9 das presentes conclusões, o programa era tratado no contrato como um «produto» comercializável que a The Software Incubator tinha sido encarregada de promover, comercializar e vender. Além disso, segundo esse contrato, i) a The Software Incubator estava obrigada a dedicar tempo e esforços significativos ao desenvolvimento das vendas e das relações com a clientela da Computer Associate no que respeita ao programa; ii) o cálculo da comissão da The Software Incubator era baseado nas vendas do programa; e iii) havia uma cláusula de não concorrência que proibia a The Software Incubator de exercer atividades em concorrência com o programa. Atendendo a estas considerações, há que observar que o facto de o programa ser fornecido por via intangível não parecia impedir a The Software Incubator nem a Computer Associates de exercerem as responsabilidades que lhes incumbiam por força do contrato.

    67.

    Contrariamente aos argumentos invocados pela Computer Associates, embora o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 constitua uma disposição central para delimitar o âmbito de aplicação desta diretiva, daí não resulta que o termo «mercadorias» deva ser entendido no sentido de se referir apenas a bens tangíveis. Com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. n.o 44 das presentes conclusões), a definição de agente comercial que figura nesta disposição é inclusiva, no sentido de que todas as pessoas que preencham os requisitos aí estabelecidos são consideradas agentes comerciais, desde que não estejam abrangidas pelas exclusões previstas nos artigos 1.o, n.o 3, e 2.o, n.o 1, da mesma. Essas exclusões respeitam, em geral, à profissão e às atividades de determinadas categorias de pessoas, e não ao tipo de mercadorias comercializadas ( 77 ).

    68.

    Além disso, a interpretação do conceito de «mercadorias» noutros domínios do direito da União não infirma a minha análise. Em especial, no contexto das medidas da União em matéria aduaneira ( 78 ) e de IVA ( 79 ), em que o termo «mercadorias» se limita a bens tangíveis, os programas informáticos fornecidos por via intangível não foram considerados «mercadorias», ao passo que, no contexto das medidas da União em matéria de marcas ( 80 ) e de dispositivos médicos ( 81 ), os programas informáticos foram classificados como um tipo de «mercadorias». Estes exemplos diferem do contexto do caso em apreço, em que o conceito de «mercadorias» na Diretiva 86/653 não foi expressamente limitado aos bens tangíveis nem foram tratados os programas informáticos.

    69.

    Do mesmo modo, no âmbito da livre circulação de mercadorias, o Tribunal de Justiça tem repetidamente definido «mercadorias» em sentido amplo, como «produtos avaliáveis em dinheiro suscetíveis, como tal, de ser objeto de transações comerciais» ( 82 ). Assim, por exemplo, os jogos eletrónicos, incluindo os jogos de computador ( 83 ) e a eletricidade ( 84 ), são abrangidos por definição, não obstante a sua natureza intangível. Uma vez que, como resulta inequivocamente das circunstâncias do caso em apreço, o programa informático é um produto que foi avaliado em dinheiro e foi objeto de operações comerciais, parece enquadrar‑se precisamente nessa definição. Na minha opinião, ao contrário do que sustenta a Computer Associates, as decisões do Tribunal de Justiça no processo Sacchi ( 85 ), no sentido de que a difusão de mensagens televisivas constitui um serviço, ao passo que os produtos utilizados para a difusão de mensagens televisivas constituem mercadorias, e no processo Jägerskiöld ( 86 ), no sentido de que o direito de pescar e as autorizações de pesca são serviços, e não mercadorias, respeitam às circunstâncias específicas desses processos e não indicam uma limitação geral das «mercadorias», nesse contexto, a bens tangíveis.

    70.

    As Diretivas 2011/83, 2019/770 e 2019/771 também não permitem, na minha opinião, suportar uma interpretação do conceito de «mercadorias» que figura no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, que se limite aos bens tangíveis. Resumidamente, estas diretivas são instrumentos jurídicos fundamentais do direito da União em matéria de contratos celebrados com os consumidores ( 87 ). A Diretiva 2011/83 abrange os contratos celebrados com consumidores relativos ao fornecimento de conteúdos digitais independentemente do método de transmissão e, embora os conteúdos digitais fornecidos num suporte material sejam considerados «bens», os conteúdos digitais fornecidos num suporte intangível não são considerados contratos de venda nem contratos de prestação de serviços, sendo previstas regras específicas ( 88 ). Assim, esta diretiva não resolve a classificação desses conteúdos digitais ( 89 ) e estabelece para os mesmos uma categoria sui generis distinta da de «bens», definidos como «objetos móveis corpóreos» ( 90 ).

    71.

    As Diretivas 2019/770 e 2019/771 seguem linhas semelhantes. A Diretiva 2019/770 aplica‑se aos contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais celebrados com consumidores, independentemente do suporte, tangível ou intangível, utilizado para a transmissão, abrangendo até o próprio suporte material quando seja utilizado exclusivamente como meio de disponibilização do conteúdo digital ( 91 ). Contudo, a questão da natureza jurídica desses contratos é deixada ao direito nacional ( 92 ). De modo complementar, a Diretiva 2019/770 estabelece regras harmonizadas em matéria de contratos de compra e venda de bens celebrados com consumidores, que incluem «bens com elementos digitais», que designam qualquer «bem móvel tangível» que incorpore ou esteja interligado com um conteúdo ou serviço digital para o seu funcionamento ( 93 ). Assim, esta diretiva limita os «bens» aos «bens móveis tangíveis», prevendo simultaneamente regras específicas para os bens digitais.

    72.

    Com base nestas considerações, importa salientar, em especial, que estas três diretivas representam a vontade do legislador da União de desenvolver regras especiais para tomar em conta os conteúdos digitais, incluindo os programas informáticos, nos contratos celebrados com os consumidores, sem afetar o conceito tradicional de «mercadorias» que, contrariamente ao que se passa com a Diretiva 86/653, está expressamente associado a bens tangíveis. Além disso, a Diretiva 2019/770 equipara os métodos tangíveis e intangíveis de fornecimento de conteúdos digitais, o que milita a favor de uma interpretação do conceito de «mercadorias» na Diretiva 86/653 que abranja ambos.

    73.

    Por último, partilho da opinião da The Software Incubator, do Governo alemão e da Comissão, segundo a qual uma interpretação do conceito de «mercadorias» que se aplique a bens tangíveis e intangíveis é consentânea com os objetivos prosseguidos pela Diretiva 86/653. Em particular, importa sublinhar que a limitação do conceito de «mercadorias» a bens tangíveis teria por efeito deixar sem proteção os agentes comerciais que negoceiam a venda do mesmo bem fornecido de forma intangível. Isto limitaria o âmbito da proteção conferida aos agentes comerciais nas suas relações com os seus comitentes ao abrigo da Diretiva 86/653, que constitui um dos objetivos desta diretiva (v. n.o 43 das presentes conclusões).

    74.

    A este respeito, como se referiu nos n.os 46 a 50 das presentes conclusões, o Tribunal de Justiça reconheceu, no Acórdão UsedSoft, que o fornecimento de um programa de computador num suporte tangível é o equivalente funcional da transmissão por descarregamento. Resulta, portanto, desse acórdão que uma interpretação do conceito de «mercadorias» que figura no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, que abranja bens tangíveis e intangíveis assegura que os agentes comerciais que negoceiam a venda de programas informáticos recebam a mesma proteção independentemente do suporte do fornecimento.

    75.

    Pelo contrário, uma interpretação do conceito de «mercadorias» constante do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 no sentido de se limitar a bens tangíveis permitiria ao comitente contornar as disposições imperativas da Diretiva 86/653, incluindo as relativas à indemnização ou à reparação devida aos agentes comerciais após a cessação do contrato de agência (v. n.o 43 das presentes conclusões), procedendo simplesmente ao fornecimento das mercadorias por meios intangíveis. Isto comprometeria os objetivos prosseguidos por esta diretiva de conferir proteção aos agentes comerciais e promover a segurança das operações comerciais. Com efeito, como salientam a The Software Incubator e a Comissão, um agente comercial não deve ser privado da proteção que decorre da referida diretiva em resultado de uma decisão do comitente ou, conforme o caso, de um cliente, sobre as modalidades do fornecimento, que pode ser tomada depois de esse agente ter desempenhado a sua missão de negociação da venda das mercadorias.

    76.

    Além disso, contrariamente aos argumentos invocados pela Computer Associates, nada sugere que a referência às «trocas de mercadorias» no terceiro considerando da Diretiva 86/653, lida em conjugação com os seus artigos 1.o e 2.o, suporte uma interpretação do conceito de «mercadorias» limitada aos bens tangíveis. Esta referência diz respeito ao objetivo da Diretiva 86/653 de harmonizar as regras dos Estados‑Membros relativas ao instituto da agência comercial para efeitos do estabelecimento de um mercado único, não se referindo ao conceito de «mercadorias» que figura no artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva. Disso é testemunho o facto de essa referência constar de forma idêntica da proposta de diretiva da Comissão, que continha uma definição mais ampla de agente comercial que abrangia bens e serviços (v. n.o 58 das presentes conclusões) ( 94 ).

    77.

    Importa também tomar em consideração a necessidade de uma interpretação dinâmica ou evolutiva do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 que tenha em conta os desenvolvimentos tecnológicos, em conformidade com a prossecução dos objetivos desta diretiva ( 95 ). A este respeito, embora a comercialização de programas informáticos por descarregamento não fosse previsível quando foi adotada a Diretiva 86/653, é hoje em dia generalizada. Nestas condições, não reconhecer esses desenvolvimentos tecnológicos seria suscetível, na minha opinião, de obstar ao efeito útil das regras relativas aos agentes comerciais previstas pela Diretiva 86/653.

    78.

    Concluo, portanto, que um programa informático que é fornecido aos clientes de um comitente por via eletrónica, como o que está em causa, é abrangido pelo conceito de «mercadorias», nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653.

    C.   Quanto à segunda questão prejudicial

    79.

    Como se referiu no n.o 38 das presentes conclusões, a segunda questão submetida ao Tribunal de Justiça é a de saber se um exemplar de um programa informático que é fornecido aos clientes de um comitente ao abrigo de uma licença perpétua, como o que está em causa, constitui uma «venda» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653.

    80.

    Como resulta do despacho de reenvio e das informações prestadas ao Tribunal de Justiça, nas circunstâncias do caso em apreço, a licença concedida pela Computer Associates aos seus clientes confere‑lhes o direito de utilizar um exemplar do programa por tempo ilimitado, mediante o pagamento de um preço correspondente ao valor económico desse exemplar (v. n.os 11 e 12 das presentes conclusões).

    81.

    Segundo os argumentos invocados pela Computer Associates, essa licença não pode ser qualificada de «venda» porque não implica uma transferência de propriedade do programa. A The Software Incubator, o Governo alemão e a Comissão são de opinião diferente.

    82.

    Como se observou no n.o 53 das presentes conclusões, a redação do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, incluindo o termo «venda», não remete para o direito nacional. Por conseguinte, este conceito deve ser considerado um conceito autónomo do direito da União, que deve ser objeto de uma interpretação uniforme em toda a União, independentemente do direito nacional, com referência, principalmente, à redação, ao contexto e aos objetivos da Diretiva 86/653.

    83.

    Foi com base nestas considerações que cheguei à conclusão de que os programas informáticos fornecidos aos clientes de um comitente ao abrigo de uma licença perpétua, como no caso em apreço, que concede ao cliente o direito de utilizar um exemplar do programa por tempo ilimitado, mediante o pagamento de um preço correspondente ao valor económico desse exemplar, são abrangidos pelo conceito de «venda», para efeitos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653. As razões que me levaram a esta conclusão são as seguintes.

    84.

    No que respeita à redação do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, esta disposição não fornece nenhuma indicação sobre o modo pelo qual deve ser entendido o conceito de «venda». No que respeita aos argumentos apresentados pela Computer Associates, os termos utilizados noutras versões linguísticas do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 não parecem indicar que o termo «venda» deva necessariamente ser entendido de uma forma especial ( 96 ).

    85.

    No entanto, há que observar que a utilização do termo «venda» nesta disposição, sem qualquer reserva, permite uma interpretação que abranja todas as operações que implicam uma transferência de propriedade de mercadorias. A este respeito, como se indicou nos n.os 46 a 50 das presentes conclusões, o Tribunal de Justiça reconheceu, no Acórdão UsedSoft, uma interpretação ampla do conceito de «venda» que englobava todas as formas de comercialização de produtos caracterizadas pela concessão de um direito de utilização de uma cópia de um programa de computador por tempo ilimitado, mediante o pagamento de um preço correspondente ao valor económico dessa cópia. Não vejo razões para não aplicar ao caso em apreço a abordagem seguida pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão. Com efeito, parece‑me que o contexto e os objetivos da Diretiva 86/653 exigem uma interpretação ampla do conceito de «venda» nesse sentido.

    86.

    No que respeita ao contexto da Diretiva 86/653, há que salientar que esta interpretação é consentânea com as tarefas essenciais desempenhadas por um agente comercial que — como se observou no n.o 64 das presentes conclusões e decorre dos artigos 3.o, 4.o e 17.o dessa diretiva — consistem em encontrar novos clientes para o comitente e em desenvolver as operações com os clientes existentes. Isto é demonstrado pelo contrato no caso em apreço, que se refere à «venda» dos programas no âmbito das tarefas a desempenhar pela The Software Incubator, como se referiu atrás (v. n.o 66 das presentes conclusões).

    87.

    Esta interpretação é igualmente consentânea com os objetivos da Diretiva 86/653. Em particular, na sequência do Acórdão UsedSoft, há que considerar que uma interpretação ampla do conceito de «venda» que figura no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 é conforme com o objetivo prosseguido por esta diretiva de proteger os agentes comerciais nas suas relações com os seus comitentes (v. n.o 43 das presentes conclusões). Qualquer outra solução comprometeria este objetivo, ao permitir que o comitente se subtraísse às disposições imperativas da Diretiva 86/653, designando simplesmente o acordo com o seu cliente como uma «licença» em vez de uma «venda». Além disso, seria suscetível de privar um grande número de agentes comerciais da proteção conferida pela Diretiva 86/653, dado que os programas informáticos são geralmente comercializados através de licenças.

    88.

    Importa acrescentar que, embora a génese do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 apenas permita retirar um mínimo de orientações quanto ao significado de «venda», atendendo ao contexto comercial da época (v. n.os 58 a 63 das presentes conclusões), o conceito de «venda» que figura nesta disposição visava abranger as atividades principais dos agentes comerciais e não excluir a aplicação da Diretiva 86/653 às evoluções tecnológicas futuras que afetem essas atividades.

    89.

    Concluo, portanto, que um exemplar de um programa informático fornecido aos clientes de um comitente ao abrigo de uma licença perpétua, como no caso em apreço, que concede ao cliente o direito de utilizar um exemplar do programa por tempo ilimitado, mediante o pagamento de um preço correspondente ao valor económico desse exemplar, constitui uma «venda» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653.

    VII. Conclusão

    90.

    À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) do seguinte modo:

    «1)

    Um exemplar de um programa informático, como o que está em causa no processo principal, que é fornecido aos clientes de um comitente por via eletrónica, e não num suporte tangível, constitui uma “mercadoria” na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais.

    2)

    O fornecimento de um programa informático aos clientes de um comitente através da concessão ao cliente de uma licença perpétua, como a que está em causa no processo principal, de utilização de um exemplar do programa informático por tempo ilimitado, mediante o pagamento de um preço correspondente ao valor económico desse exemplar, constitui uma “venda” na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653.»


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) JO 1986, L 382, p. 17.

    ( 3 ) Existe legislação de transposição distinta para a Irlanda do Norte [Commercial Agents (Council Directive) Regulations (Northern Ireland) 1993 (Northern Ireland Statutory Rules 1993/483) [Regulamento de 1993 respeitante aos Agentes Comerciais (que Transpõe a Diretiva do Conselho) (Regulamento da Irlanda do Norte 1993/483)], que não é pertinente para o caso em apreço.

    ( 4 ) Como se indica no despacho de reenvio, a licença de utilização do programa foi concedida por uma entidade associada, a CA Europe SARL, em conformidade com o acordo pertinente celebrado entre a Computer Associates e o cliente. Os termos da licença eram estabelecidos no Módulo do Programa (Software Module) em conformidade com o Acordo‑Quadro (Framework Agreement) no caso de novos clientes, ou com o Acordo Principal (Master Agreement) no caso de clientes já existentes, sendo estes termos substancialmente semelhantes. Segundo esses acordos, anexos às observações da Computer Associates, o cliente era geralmente obrigado a pagar o preço do programa no prazo de 30 dias a contar da receção da fatura da Computer Associates. Os clientes preenchiam igualmente uma nota de encomenda para a compra do programa.

    ( 5 ) The Software Incubator Ltd v Computer Associates UK Ltd [2016] EWHC 1587 (QB), n.os 35 a 69.

    ( 6 ) Computer Associates Ltd v The Software Incubator Ltd [2018] EWCA Civ 518, n.os 13 e 17 a 69.

    ( 7 ) JO 2020, L 29, p. 7. Nos termos do artigo 86.o, n.o 3, do referido acordo, considera‑se que um pedido de decisão prejudicial é apresentado no momento em que o ato introdutório da instância foi registado pela Secretaria do Tribunal de Justiça. No caso em apreço, o pedido de decisão prejudicial da Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) foi registado pela Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de maio de 2019.

    ( 8 ) A The Software Incubator remete, em particular, para o Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, celebrado na Conferência Diplomática de Nice, em 15 de junho de 1957, revisto pela última vez em Genebra, em 13 de maio de 1977, e alterado em 28 de setembro de 1979 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1154, n.o I‑18200, p. 89).

    ( 9 ) A The Software Incubator remete, em particular, para o Acórdão de 22 de novembro de 2012, Brain Products (C‑219/11, EU:C:2012:742).

    ( 10 ) A The Software Incubator remete, em particular, para os Acórdãos de 10 de dezembro de 1968, Comissão/Itália (7/68, EU:C:1968:51); de 21 de outubro de 1999, Jägerskiöld (C‑97/98, EU:C:1999:515); e de 26 de outubro de 2006, Comissão/Grécia (C‑65/05, EU:C:2006:673).

    ( 11 ) Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 304, p. 64).

    ( 12 ) Diretiva (UE) 2019/770 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, sobre certos aspetos relativos aos contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais (JO 2019, L 136, p. 1). Nos termos do artigo 24.o desta diretiva, os Estados‑Membros devem adotar medidas de transposição da mesma até 1 de julho de 2021 e aplicá‑las a partir de 1 de janeiro de 2022.

    ( 13 ) C‑85/03, EU:C:2004:83.

    ( 14 ) C‑128/11, EU:C:2012:407 (a seguir «Acórdão UsedSoft»).

    ( 15 ) A Computer Associates remete, a este respeito, para as versões nas línguas dinamarquesa («salg eller køb af varer»), neerlandesa («de verkoop of de aankoop van goederen»), francesa («la vente ou l’achat de marchandises»), alemã («den Verkauf oder den Ankauf von Waren»), grega («εμπορευμάτων»), italiana («la vendita o l’acquisto di merci»), portuguesa («a venda ou a compra de mercadorias») e espanhola («la venta o la compra de mercancías») do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653.

    ( 16 ) C‑85/03, EU:C:2004:83.

    ( 17 ) A Computer Associates remete, em particular, para os Acórdãos de 30 de abril de 1974, Sacchi (155/73, EU:C:1974:40), e de 21 de outubro de 1999, Jägerskiöld (C‑97/98, EU:C:1999:515).

    ( 18 ) A Computer Associates remete, a este respeito, para o Acórdão de 18 de abril de 1991, Brown Boveri (C‑79/89, EU:C:1991:153).

    ( 19 ) A Computer Associates remete, a este respeito, para os Acórdãos de 27 de outubro de 2005, Levob Verzekeringen e OV Bank (C‑41/04, EU:C:2005:649), e de 5 de março de 2015, Comissão/Luxemburgo (C‑502/13, EU:C:2015:143).

    ( 20 ) Diretiva (UE) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, relativa a certos aspetos dos contratos de compra e venda de bens, que altera o Regulamento (UE) 2017/2394 e a Diretiva 2009/22/CE, e que revoga a Diretiva 1999/44/CE (JO 2019, L 136, p. 28). Nos termos do artigo 24.o desta diretiva, os Estados‑Membros devem adotar medidas de transposição da mesma até 1 de julho de 2021 e aplicá‑las a partir de 1 de janeiro de 2022.

    ( 21 ) A Computer Associates remete, a este respeito, para as versões linguísticas do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 indicadas na nota 15 das presentes conclusões.

    ( 22 ) Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).

    ( 23 ) A Computer Associates remete, a este respeito, para o Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111).

    ( 24 ) Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).

    ( 25 ) A Comissão remete, a este respeito, para o Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111).

    ( 26 ) Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).

    ( 27 ) Para uma panorâmica das diferentes abordagens relativas à qualificação jurídica dos programas informáticos nos Estados‑Membros, no Reino Unido e noutras jurisdições, v., por exemplo, Clark, R., «The Legal Status of Software: Part 1», Commercial Law Practitioner, vol. 23, 2016, pp. 48‑56; Clark, R., «The Legal Status of Software: Part 2», Commercial Law Practitioner, vol. 23, 2016, pp. 78‑86; von Bar, C., e Clive, E. (eds.), Principles, Definitions and Model Rules of European Private Law. Draft Common Frame of Reference (DCFR), edição integral, vol. 2, Sellier, 2009, pp. 1217 e 1218.

    ( 28 ) V., por exemplo, Moon, K., «The nature of computer programs: tangible? goods? personal property? intellectual property?», European Intellectual Property Review, vol. 31, 2009, pp. 396‑407; Saidov, D., e Green, S., «Software as goods», Journal of Business Law, 2007, pp. 161‑181.

    ( 29 ) Importa observar, por exemplo, que tem sido discutida a eventual revisão do conceito de «produto», constante do artigo 2.o da Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (JO 1985, L 210, p. 29; EE 13 F19 p. 8), à luz de novas tecnologias; v., a este respeito, Relatório da Comissão sobre as implicações em matéria de segurança e de responsabilidade decorrentes da inteligência artificial, da Internet das coisas e da robótica, COM(2020) 64 final, de 19 de fevereiro de 2020, pp. 13 e 14.

    ( 30 ) V. n.os 70 a 72 das presentes conclusões.

    ( 31 ) V. n.o 45 das presentes conclusões.

    ( 32 ) C‑128/11, EU:C:2012:407.

    ( 33 ) A este respeito, parece‑me que, embora sejam inevitáveis algumas sobreposições, as duas questões devem ser tratadas separadamente, especialmente em razão dos diferentes argumentos invocados quanto a cada questão, e não há motivos para alterar a ordem dessas questões apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

    ( 34 ) V., por exemplo, documento de trabalho dos serviços da Comissão, Avaliação da Diretiva 86/653 (Avaliação REFIT), SWD (2015) 146 final, de 16 de julho de 2015. Para uma discussão aprofundada, v., por exemplo, Saintier, S, «Commercial agency in European Union private law», em Twigg‑Flesner, C. (ed.), The Cambridge Companion to European Union Private Law, Cambridge University Press, 2010, pp. 273‑285; com a tónica no contexto do Reino Unido, v. também, por exemplo, Randoph, F., e Davey, J., The European Law of Commercial Agency, Terceira edição, Hart, 2010; Singleton, S., Commercial Agency Agreements: Law and Practice, quinta edição, Bloomsbury Professional, 2020.

    ( 35 ) V., por exemplo, Acórdão de 4 de junho de 2020, Trendsetteuse (C‑828/18, EU:C:2020:438, n.o 36).

    ( 36 ) V., por exemplo, Acórdão de 19 de abril de 2018, CMR (C‑645/16, EU:C:2018:262, n.o 34).

    ( 37 ) V., por exemplo, Acórdão de 21 de novembro de 2018, Zako (C‑452/17, EU:C:2018:935, n.o 23). Assim, como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 24 desse acórdão, basta que uma pessoa preencha estes três requisitos para poder ser qualificada de agente comercial, nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, independentemente das condições em que exerça a sua atividade e desde que não esteja abrangida pelas exclusões previstas no artigo 1.o, n.o 3, e no artigo 2.o, n.o 1, da mesma.

    ( 38 ) V., por exemplo, Despacho de 6 de março de 2003, Abbey Life Assurance (C‑449/01, não publicado, EU:C:2003:133) (relativo a um agente envolvido na celebração de contratos de seguros de vida, rendas e poupanças); v., igualmente, referências na nota seguinte.

    ( 39 ) A este respeito, embora a legislação nacional que regula os agentes comerciais em áreas que não a da compra e venda de mercadorias não seja abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 86/653, o Tribunal de Justiça considerou‑se competente para se pronunciar em tais situações: v. Acórdãos de 16 de março de 2006, Poseidon Chartering (C‑3/04, EU:C:2006:176, n.os 7, 11 a 19) (contrato de fretamento de um navio); de 28 de outubro de 2010, Volvo Car Germany (C‑203/09, EU:C:2010:647, n.os 23 a 28) (contrato de concessão); de 17 de outubro de 2013, Unamar (C‑184/12, EU:C:2013:663, n.os 30 e 31) (contrato de exploração de um serviço de transporte marítimo); de 3 de dezembro de 2015, Quenon K. (C‑338/14, EU:C:2015:795, n.os 16 a 19) (contrato de venda de serviços bancários e de seguros); e de 17 de maio de 2017, ERGO Poist’ovňa (C‑48/16, EU:C:2017:377, n.os 26 a 32) (contrato de serviços de seguros); v., igualmente, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Unamar (C‑184/12, EU:C:2013:301, n.o 48, nota 26).

    ( 40 ) Por exemplo, importa observar que a definição de agente comercial não foi discutida pelo Tribunal de Justiça (nem pelo advogado‑geral) nos Acórdãos de 23 de março de 2006, Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2006:199) (relativo a um agente que promovia serviços de informações comerciais), e de 19 de abril de 2018, CMR (C‑645/16, EU:C:2018:262) (relativo a um agente que promovia a venda de habitações unifamiliares).

    ( 41 ) C‑128/11, EU:C:2012:407. Para uma discussão aprofundada, v., por exemplo, Charleton, P., e Kelly, S., «The Oracle speaks. C‑128/11», The Bar Review, vol. 18, 2013, pp. 33‑44; para uma perspetiva crítica, v. igualmente, por exemplo, Moon, K., «Revisiting UsedSoft v. Oracle. Is Software Property and Can It Be Sold?», Computer Law Review International, 2017, pp. 113‑119.

    ( 42 ) JO 2009, L 111, p. 16.

    ( 43 ) V. Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.os 20 a 35).

    ( 44 ) V. Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.os 40 e 42).

    ( 45 ) V. Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.os 44 a 46 e 48).

    ( 46 ) V. Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.o 47).

    ( 47 ) V. Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.o 49).

    ( 48 ) V. Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.o 59).

    ( 49 ) V. Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.o 55).

    ( 50 ) V. Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.o 61).

    ( 51 ) V., por exemplo, Acórdãos de 23 de janeiro de 2014, Nintendo e o. (C‑355/12, EU:C:2014:25, n.o 23), e de 12 de outubro de 2016, Ranks e Vasiļevičs (C‑166/15, EU:C:2016:762, n.os 28, 30, 35, 36, 49, 50 e 53 a 55); v., igualmente, Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo Ranks e Vasiļevičs (C‑166/15, EU:C:2016:384, n.os 69 a 80).

    ( 52 ) C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.os 53 a 58. V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:697, n.os 52 a 67).

    ( 53 ) V., por exemplo, Acórdão de 4 de junho de 2020, Trendsetteuse (C‑828/18, EU:C:2020:438, n.o 25).

    ( 54 ) Importa observar que isto foi reconhecido em jurisprudência anterior do Reino Unido [v., por exemplo, Fern Computer Consultancy Ltd v Intergraph Cadworx & Analysis Solutions Inc [2014] EWHC 2908 (Ch), em especial n.os 74, 86 e 93] e em documentos governamentais [v. Department of Trade and Industry, Guidance Notes on the Commercial Agents (Council Directive) Regulations 1993, 1994, Regulation 2 Interpretation, quarto parágrafo]. V., igualmente, a este respeito, Tosato, A., «An exploration of the European dimension of the Commercial Agents Regulations», Lloyd’s Maritime and Commercial Law Quarterly, 2013, pp. 544‑565.

    ( 55 ) V., por exemplo, Acórdão de 8 de setembro de 2020, Recorded Artists Actors Performers (C‑265/19, EU:C:2020:677, n.o 46).

    ( 56 ) V., por exemplo, Acórdão de 1 de outubro de 2019, Planet49 (C‑673/17, EU:C:2019:801, n.o 48).

    ( 57 ) V. nota 15 das presentes conclusões.

    ( 58 ) C‑85/03, EU:C:2004:83, n.os 15 a 21.

    ( 59 ) V. Comissão, Igualdade de direitos dos agentes comerciais. Proposta de diretiva do Conselho relativa à coordenação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos agentes comerciais sobre os agentes comerciais (independentes), COM(76) 670 final, de 13 de dezembro de 1976 (a seguir «proposta»), projeto do artigo 2.o

    ( 60 ) V., a este respeito, proposta, referida na nota 59 das presentes conclusões, projeto dos artigos 7.o, n.os 1 e 2, 8.o, n.o 1, 9.o, n.o 2, 10.o, n.o 2, alínea a), 11.o, n.o 2, 21.o, n.o 1, e 32.o, n.o 2.

    ( 61 ) V. proposta, referida na nota 59 das presentes conclusões, projeto do artigo 29.o, n.o 2.

    ( 62 ) V. Comissão, Alteração da proposta de diretiva do Conselho que coordena o direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (independentes) COM(78) 773 final, de 22 de janeiro de 1979 (a seguir «proposta alterada»), projeto dos artigos 2.o e 29.o

    ( 63 ) V. Resolução que contém o parecer do Parlamento Europeu sobre a proposta, de 12 de setembro de 1978 (JO 1978, C 239, p. 18), em especial projeto dos artigos 2.o e 29.o

    ( 64 ) V. Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta, de 24 de novembro de 1977 (JO 1978, C 59, p. 31), em especial pontos 2.3.1, 2.8.7 e 2.8.8.

    ( 65 ) V. Doc. 8278/79, de 18 de julho de 1979, pp. 2‑3.

    ( 66 ) V. Doc. 8278/79, referido na nota 65 das presentes conclusões, pp. 6‑7.

    ( 67 ) V. Doc. 8664/79, de 22 de agosto de 1979.

    ( 68 ) V. Doc. 11507/79, de 11 de dezembro de 1979, p. 2.

    ( 69 ) V. Doc. 11507/79, referido na nota 68 das presentes conclusões, p. 2.

    ( 70 ) V. Doc. 11507/79, referido na nota 68 das presentes conclusões, pp. 3 e 9.

    ( 71 ) V., por exemplo, Doc. 7379/86, de 4 de junho de 1986, p. 3; Doc. 8543/86, de 18 de julho de 1986, p. 3. A este respeito, a proposta da delegação do Reino Unido de apagar a expressão «ou a compra» da definição de agente comercial (v., por exemplo, Doc. 6877/80, de 6 de maio de 1980, p. 22) foi rejeitada.

    ( 72 ) V., por exemplo, Doc. 4737/81, de 10 de fevereiro de 1981, pp. 8‑9; Doc. 10292/81, de 28 de outubro de 1981, pp. 8‑10; Doc. 4347/82, de 21 de janeiro de 1982, p. 23; Doc. 7381/83, de 9 de junho de 1983, p. 19.

    ( 73 ) Importa observar que resulta de certas publicações, anexas às observações da Computer Associates, que foram emitidas nessa altura: v. Lando, O., «The EEC Draft Directive Relating to Self‑Employed Commercial Agents», Rabels Zeitschrift für ausländisches und internationals Privatrecht, vol. 44, 1980, pp. 1‑16, em particular pp. 2 e 5; United Kingdom Law Commission, Law of Contract. Report on the Proposed E.E.C. Directive on the Law relating to Commercial Agents, n.o 84, 1977, em particular artigo 2.o, alíneas a) a c), p. 15.

    ( 74 ) Convenção sobre a representação em matéria de venda internacional de mercadorias, assinada em Genebra, em 17 de fevereiro de 1983, disponível em http://www.unidroit.org/; não entrou em vigor devido a um número insuficiente de ratificações. V., também, por exemplo, Jansen, N., e Zimmermann, R., Commentaries on European Contract Laws, Oxford University Press, 2018, pp. 592‑593.

    ( 75 ) V., a este respeito, Maskow, D., «Internal Relations Between Principals and Agents in the International Sale of Goods», Revue de droit uniforme/Uniform Law Review, vol. I, 1989, pp. 60‑187, em especial pp. 99‑101.

    ( 76 ) V., a este respeito, Acórdãos de 12 de dezembro de 1996, Kontogeorgas (C‑104/95, EU:C:1996:492, n.o 26), e de 4 de junho de 2020, Trendsetteuse (C‑828/18, EU:C:2020:438, n.o 33).

    ( 77 ) De um modo geral, o artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 86/653 exclui as pessoas que trabalham em sociedades e associações ou que estejam envolvidas numa insolvência, ao passo que o seu artigo 2.o, n.o 1, exclui os agentes comerciais cuja atividade não seja remunerada ou que operem em bolsas de matérias‑primas, bem como um determinado organismo no Reino Unido.

    ( 78 ) No contexto das medidas da União relativas ao regime aduaneiro comum, o termo «mercadorias» foi interpretado no sentido de que visa apenas os bens tangíveis, à luz da natureza desse regime, envolvendo, portanto, questões de programas informáticos como bens intangíveis incorporados em bens tangíveis para efeitos de avaliação aduaneira. V., por exemplo, Acórdãos de 14 de julho de 1977, Bosch (1/77, EU:C:1977:130, n.o 4); de 18 de abril de 1991, Brown Boveri (C‑79/89, EU:C:1991:153, n.o 21); de 16 de novembro de 2006, Compaq Computer International Corporation (C‑306/04, EU:C:2006:716, n.os 30, 31 e 37); e de 10 de setembro de 2020, BMW (C‑509/19, EU:C:2020:694, n.os 12 a 23); v., igualmente, Conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl no processo Compaq Computer International Corporation (C‑306/04, EU:C:2006:68, n.os 50 a 58).

    ( 79 ) No contexto das medidas da União relativas ao regime do IVA, o termo «entrega de bens» é expressamente limitado aos bens tangíveis, pelo que os produtos digitais, incluindo os programas de computador, fornecidos num suporte incorpóreo, são considerados prestações de serviços, ao passo que esses produtos, fornecidos, num suporte corpóreo, são classificados como entregas de bens. V., por exemplo, Acórdãos de 5 de março de 2015, Comissão/França (C‑479/13, EU:C:2015:141, n.o 35); de 5 de março de 2015, Comissão/Luxemburgo (C‑502/13, EU:C:2015:143, n.o 42); e de 7 de março de 2017, RPO (C‑390/15, EU:C:2017:174, n.os 43 a 72, em especial n.o 50). V., igualmente, no contexto de um programa informático adaptado, Acórdão de 27 de outubro de 2005, Levob Verzekeringen e OV Bank (C‑41/04, EU:C:2005:649, n.os 17 a 30), bem como Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Levob Verzekeringen e OV Bank (C‑41/04, EU:C:2005:292, n.os 28 a 60).

    ( 80 ) V., por exemplo, Acórdão de 29 de janeiro de 2020, Sky e o. (C‑371/18, EU:C:2020:45, em especial n.os 30, 47 e 54).

    ( 81 ) V., por exemplo, Acórdão de 22 de novembro de 2012, Brain Products (C‑219/11, EU:C:2012:742, em especial n.os 16 a 19).

    ( 82 ) V., por exemplo, Acórdãos de 10 de dezembro de 1968, Comissão/Itália (7/68, EU:C:1968:51, p. 428), e de 23 de janeiro de 2018, Buhagiar e o. (C‑267/16, EU:C:2018:26, n.o 67).

    ( 83 ) V. Acórdão de 26 de outubro de 2006, Comissão/Grécia (C‑65/05, EU:C:2006:673, n.os 23 e 24).

    ( 84 ) V., por exemplo, Acórdão de 6 de dezembro de 2018, FENS (C‑305/17, EU:C:2018:986, n.o 34), e Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo FENS (C‑305/17, EU:C:2018:536, n.os 19 a 21).

    ( 85 ) V. Acórdão de 30 de abril de 1974 (155/73, EU:C:1974:40, n.os 6 e 7).

    ( 86 ) V. Acórdão de 21 de outubro de 1999 (C‑97/98, EU:C:1999:515, n.os 30 a 39).

    ( 87 ) Para uma discussão destas diretivas e do seu contexto mais amplo, v., por exemplo, Helberger, N., e o., «Digital Content Contracts for Consumers», Journal of Consumer Policy, vol. 36, 2013, pp. 37‑57; Jansen e Zimmermann, Commentaries on European Contract Laws, referido na nota 74 das presentes conclusões, pp. 1 a 18; Staudenmayer, D., «The Directives on Digital Contracts: First Steps Towards the Private Law of the Digital Economy», European Review of Private Law, vol. 28, 2020, pp. 219‑250.

    ( 88 ) V. Diretiva 2011/83, em especial artigos 1.o, 5.o, n.o 2, 6.o, n.o 2, 9.o, n.o 2, alínea c), 14.o, n.o 4, alínea b), 16.o, alínea m), e 17.o, n.o 1; considerando 19. V., igualmente, por exemplo, Relatório da Comissão sobre a aplicação da Diretiva 2011/83, COM(2017) 259 final, de 23 de maio de 2017, ponto 5.

    ( 89 ) V., a este respeito, Helberger e o., referido na nota 87 das presentes conclusões, p. 44.

    ( 90 ) V. Diretiva 2011/83, artigo 2.o, n.o 3.

    ( 91 ) V. Diretiva 2019/770, em especial artigos 1.o e 3.o, n.os 1 e 3, considerandos 19 e 20.

    ( 92 ) V. Diretiva 2019/770, em especial considerando 12.

    ( 93 ) V. Diretiva 2019/771, em especial artigos 1.o, 2.o, n.o 5, e 3.o, n.os 3 e 4; considerandos 12 a 16. V., igualmente, Diretiva 2019/770, artigos 2.o, n.o 3, e 3.o, n.o 4; considerandos 21 e 22.

    ( 94 ) V. proposta, referida na nota 59 das presentes conclusões, projeto do terceiro considerando. V., igualmente, proposta alterada, referida na nota 62 das presentes conclusões, projeto do terceiro considerando.

    ( 95 ) V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Vereniging Openbare Bibliotheken (C‑174/15, EU:C:2016:459, n.os 24 a 40), bem como Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Entoma (C‑526/19, EU:C:2020:552, n.os 69 a 84).

    ( 96 ) V. nota 15 das presentes conclusões.

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