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Document 62019CC0073
Opinion of Advocate General Szpunar delivered on 23 April 2020.#Belgische Staat and Directeur-Generaal van de Algemene Directie Controle en Bemiddeling van de FOD Economie, K.M.O., Middenstand en Energie v Movic BV and Others.#Request for a preliminary ruling from the Hof van beroep te Antwerpen.#Reference for a preliminary ruling — Judicial cooperation in civil matters — Regulation (EU) No 1215/2012 — Article 1(1) — Scope — Concept of ‘civil and commercial matters’ — Action for the cessation of unfair commercial practices brought by a public authority to protect the interests of consumers.#Case C-73/19.
Conclusões do advogado-geral M. Szpunar apresentadas em 23 de abril de 2020.
Belgische Staat e Directeur-Generaal van de Algemene Directie Controle en Bemiddeling van de FOD Economie, K.M.O., Middenstand en Energie e o. contra Movic BV e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo hof van beroep te Antwerpen.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 1.o, n.o 1 — Âmbito de aplicação — Conceito de “matéria civil e comercial” — Ação inibitória de práticas comerciais desleais intentada por uma autoridade pública com vista à proteção dos interesses dos consumidores.
Processo C-73/19.
Conclusões do advogado-geral M. Szpunar apresentadas em 23 de abril de 2020.
Belgische Staat e Directeur-Generaal van de Algemene Directie Controle en Bemiddeling van de FOD Economie, K.M.O., Middenstand en Energie e o. contra Movic BV e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo hof van beroep te Antwerpen.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 1.o, n.o 1 — Âmbito de aplicação — Conceito de “matéria civil e comercial” — Ação inibitória de práticas comerciais desleais intentada por uma autoridade pública com vista à proteção dos interesses dos consumidores.
Processo C-73/19.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:297
MACIEJ SZPUNAR
apresentadas em 23 de abril de 2020 ( 1 )
Processo C‑73/19
Belgische Staat, representado pelo Minister van Werk, Economie en Consumenten, responsável pelo Buitenlandse handel,
Belgische Staat, representado pelo Directeur‑Generaal van de Algemene Directie Economische Inspectie,
Directeur‑Generaal van de Algemene Directie Economische Inspectie
contra
Movic BV,
Events Belgium BV,
Leisure Tickets & Activities International BV
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo hof van beroep te Antwerpen (Tribunal de Recurso de Antuérpia, Bélgica)]
«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Conceito de “matéria civil e comercial” — Ação inibitória intentada por uma autoridade pública com vista à proteção dos interesses dos consumidores»
I. Introdução
1. |
No seu Acórdão de 1 de outubro de 2002, Henkel ( 2 ), o Tribunal de Justiça considerou que um litígio no âmbito do qual é intentada uma ação para cessação da utilização de cláusulas abusivas por uma associação de defesa dos consumidores está abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial», que define o âmbito de aplicação da maioria dos instrumentos do direito internacional privado da União. Com o seu reenvio prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que determine se está igualmente abrangido por este conceito um litígio no âmbito do qual as autoridades públicas de um Estado‑Membro intentam uma ação contra práticas de mercado e/ou práticas comerciais desleais. |
II. Quadro jurídico
A. Direito da União
2. |
Segundo o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012/CE ( 3 ), este «aplica‑se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição. Não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado («acta jure imperii»)». |
B. Direito belga
1. Lei de 30 de julho de 2013
3. |
O artigo 5.o, n.o 1, da Lei de 30 de julho de 2013 relativa à venda de bilhetes de entrada em eventos (Moniteur belge de 6 de setembro de 2013, p. 63069, a seguir «Lei de 30 de julho de 2013») proíbe a revenda de forma habitual, a exposição para revenda de forma habitual, e o fornecimento de meios que serão utilizados para a revenda de forma habitual de bilhetes. Por outro lado, o artigo 5.o, n.o 2, desta lei proíbe a revenda ocasional de bilhetes a um preço superior ao seu preço final. |
4. |
Segundo o artigo 14.o da referida lei, o presidente do tribunal de commerce (Tribunal de Comércio) declara a existência de um ato constitutivo de uma infração ao artigo 5.o desta mesma lei e ordena a sua cessação. Esta disposição prevê a propositura de uma ação inibitória ocorre a pedido do ministro ou do diretor‑geral da direction générale du Contrôle et de la Médiation, Service public fédéral de l’Économie, PME, des Classes moyennes et de l’Énergie (Direção‑Geral do Controlo e da Mediação, Serviço Público Federal da Economia, PME [Pequenas e Médias Empresas], das Classes Médias e da Energia) ou dos interessados. |
2. Código do Direito Económico
5. |
O Livro VI do Código do Direito Económico, de 28 de fevereiro de 2013 (na sua versão aplicável aos factos do litígio no processo principal, a seguir «CDE») contém, no seu título 4, um capítulo 1, relativo às «Práticas comerciais desleais relativamente aos consumidores», cujos artigos VI.92 a VI.100 constituem uma aplicação da Diretiva 2005/29/CE ( 4 ). Neste contexto, os artigos VI.100, VI.97, VI.99 e VI.93 deste código, em particular, definem as práticas comerciais desleais. |
6. |
Nos termos do artigo XVII.1 do CDE, o presidente do Tribunal de commerce declara a existência de um ato, mesmo que este seja penalmente punível, que constitua uma infração às disposições deste código, sem prejuízo de determinadas ações específicas, e ordena a sua cessação. O artigo XVII.7 do CDE prevê que a ação fundada no artigo XVII.1 deste código é intentada a pedido, nomeadamente, dos interessados, do ministro ou do diretor‑geral da Direção‑Geral do Controlo e da Mediação do Serviço Público Federal da Economia, PME, das Classes Médias e da Energia e de uma associação que tenha por objeto a defesa dos interesses dos consumidores, quando age em juízo na defesa dos seus interesses coletivos estatutariamente definidos. |
III. Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça
7. |
Em 2016, as autoridades belgas intentaram, em processo de medidas provisórias, duas ações inibitórias contra as recorridas, Movic BV, Events Belgium BV e Leisure tickets & Activities International BV, sociedades de direito neerlandês. |
8. |
Essas ações destinavam‑se a,
|
9. |
As recorridas alegaram uma exceção de incompetência internacional dos órgãos jurisdicionais belgas, sustentando que as autoridades belgas tinham agido no exercício da autoridade do Estado, pelo que essas ações não eram abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012. Esta exceção foi julgada procedente em primeira instância. |
10. |
As recorridos interpuseram recurso para o hof van beroep te Antwerpen (Tribunal de Recurso de Antuérpia, Bélgica). Foi neste contexto que este órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «Constitui matéria civil ou comercial, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o [1215/2012], uma ação inibitória destinada à declaração e cessação de práticas comerciais ou de mercado que violam os direitos dos consumidores, intentada pelas autoridades belgas contra sociedades de direito neerlandês que, a partir dos Países Baixos e através dos seus sítios na Internet, se dirigem a um público essencialmente belga para a revenda de bilhetes de entrada em eventos realizados na Bélgica, proposta nos termos do artigo 14.o da [Lei de 30 de julho de 2013, relativa à venda de bilhetes de entrada em eventos] e do artigo XVII.7 do [CDE]; pode a decisão proferida no âmbito dessa ação estar, por esse motivo, abrangida pelo âmbito de aplicação daquele regulamento?» |
11. |
As recorridas, o Governo belga e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Os mesmos interessados estiveram representados na audiência realizada em 29 de janeiro de 2020. |
IV. Análise
12. |
Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se está abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, um litígio que opõe as autoridades de um Estado‑Membro a entidades de direito privado estabelecidas noutro Estado‑Membro, no âmbito do qual essas autoridades pedem que seja, em primeiro lugar, declarada a existência de infrações que constituem, designadamente, práticas comerciais desleais, em segundo lugar, ordenada a cessação das mesmas, em terceiro lugar, ordenadas medidas de publicidade com despesas a cargo da recorridas, em quarto lugar, imposta uma sanção pecuniária compulsória de um montante determinado por cada infração declarada a partir da notificação da sentença e, em quinto lugar, declarado que as infrações podem ser constatadas por simples auto lavrado por um funcionário ajuramentado de uma das referidas autoridades. |
13. |
Embora pareça que estas ações visam práticas de mercado ou práticas comerciais desleais, o órgão jurisdicional de reenvio não explica de que modo essas práticas estão relacionadas entre si. Na audiência, o Governo belga e uma das recorridas referiram que a Lei de 30 de julho de 2013 constitui uma lex specialis relativamente ao CDE. Daqui deduzo que, caso esta lex specialis não existisse, qualquer infração constituiria uma prática comercial desleal. Além disso, afigura‑se que estes atos legislativos partilham o mesmo objetivo, a saber, a proteção dos interesses dos consumidores, e seguem uma lógica análoga. |
14. |
Por outro lado, é verdade que a formulação da questão prejudicial pode levar a pensar que o órgão jurisdicional de reenvio apenas se interroga quanto aos pedidos relativos à declaração da existência das infrações e ao facto de ordenar a sua cessação. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio, para poder reconhecer competência a si mesmo ao abrigo de um dos critérios de competência previstos pelo Regulamento n.o 1215/2012 para conhecer do litígio no processo principal ( 5 ), tem de demonstrar que nenhum dos pedidos apresentados pelas autoridades belgas é suscetível de excluir este litígio, no todo ou em parte, do âmbito de aplicação material deste regulamento. |
15. |
Além disso, resulta da formulação da questão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio também se interroga se a decisão de mérito, proferida no litígio no processo principal, estará abrangida pelo âmbito de aplicação ratione materiae do Regulamento n.o 1215/2012. Embora o ponto de saber se a resposta a esta questão é necessária para a decisão que esse órgão jurisdicional proferirá relativamente à exceção de incompetência internacional possa suscitar dúvidas, importa salientar que a decisão quanto ao mérito incidirá sobre todos os pedidos apresentados ao referido órgão jurisdicional. |
16. |
Resulta do pedido de decisão prejudicial e das observações das partes que subsiste uma dúvida fundamental quanto à questão de saber se o exercício da competência de que dispõe uma autoridade pública para intentar uma ação destinada a pôr termo a infrações à Lei de 30 de julho de 2013 e às disposições do Livro VI do CDE constitui um ato praticado no exercício de autoridade do Estado. Neste contexto, são objeto de debate as seguintes questões: em primeiro lugar, contrariamente a qualquer outra pessoa, as autoridades belgas não são obrigadas a demonstrar que têm um interesse próprio para iniciar um litígio como o do processo principal, em segundo lugar, as competências de investigação de que dispõem essas autoridades não estão disponíveis para pessoas de direito privado e, em terceiro lugar, as referidas autoridades também dispõem dessas competências no âmbito do processo de execução. |
17. |
Para responder à questão prejudicial, recordarei, antes de mais, a jurisprudência pertinente no que respeita à interpretação do conceito de «matéria civil e comercial» na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 (título A). Em seguida, analisarei, à luz dessa jurisprudência, os aspetos debatidos pelas partes e os seus efeitos na resposta a dar à questão prejudicial, a saber, os relativos ao interesse em que age uma autoridade pública (título B), às competências de investigação de que dispõe esta autoridade (título C) e às competências da referida autoridade no âmbito do processo de execução (título D). |
A. Matéria civil e comercial
18. |
Segundo o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, este regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial (primeiro período) e, em contrapartida, não se aplica às matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem à responsabilidade do Estado por atos jure imperii (segundo período). |
19. |
O conceito de «matéria civil e comercial» define assim o âmbito de aplicação material do Regulamento n.o 1215/2012 por oposição aos conceitos relativos ao direito público. A distinção entre os litígios abrangidos pelo conceito de «matéria civil e comercial» e os que não estão abrangidos por esse conceito assenta no facto de que é a expressão de prerrogativas de autoridade do Estado por uma das partes no litígio que exclui tal litígio desse âmbito de aplicação ( 6 ). |
20. |
Nesta ordem de ideias, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que, embora determinados litígios que opõem uma entidade pública a uma entidade privada possam ser abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012, o mesmo já não acontece quando essa entidade pública age no exercício da sua autoridade pública ( 7 ). |
21. |
Para determinar se é este o caso, há que analisar os elementos que caracterizam a natureza das relações jurídicas entre as partes no litígio e o objeto deste ( 8 ) ou, alternativamente, como resulta de determinados acórdãos do Tribunal de Justiça ( 9 ), o fundamento e as modalidades de exercício da ação intentada no âmbito desse litígio. |
22. |
O recurso às prerrogativas de autoridade do Estado, que é suscetível de excluir um litígio do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012, pode ocorrer, por um lado, no âmbito da relação jurídica existente entre uma autoridade e uma pessoa de direito privado, na qual esse litígio tem a sua origem, ou, por outro, no quadro processual instituído para conhecer do referido litígio ( 10 ). |
23. |
É à luz destes esclarecimentos jurisprudenciais que, tendo em conta os principais aspetos do debate entre as partes, há que determinar se o litígio no processo principal está abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial». |
B. Quanto ao interesse em que age uma autoridade pública
24. |
O objeto do debate entre as partes incide, nomeadamente, sobre a questão de saber se, devido às especificidades do interesse em que as autoridades belgas agiram, o litígio em que estas autoridades pedem que seja declarada a existência de práticas de mercado e/ou de práticas comerciais desleais e que seja ordenada a cessação dessas práticas, está abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial» |
25. |
Com efeito, no que respeita às recorridas, estas sustentam que as autoridades belgas intentam ações inibitórias para a defesa do interesse geral. Para este efeito, essas autoridades possuíam prerrogativas diretamente conferidas pelo legislador nacional e agiram, portanto, ao abrigo da autoridade do Estado. Contrariamente a qualquer outra pessoa que pretenda intentar uma ação inibitória ao abrigo do artigo 14.o da Lei de 30 de julho de 2013 e do artigo XVII.7 do CDE, as autoridades belgas não têm de demonstrar que possuem um interesse próprio. |
26. |
O Governo belga admite que as autoridades belgas defendem um interesse geral. Todavia, esclarece que esse interesse consiste em fazer respeitar a regulamentação em matéria de práticas comerciais, a qual se destina a proteger os interesses privados tanto dos empresários como dos consumidores. |
27. |
Assim, há que determinar se um litígio está excluído do conceito de «matéria civil e comercial» devido ao facto de, em primeiro lugar, esse litígio ser intentado por uma autoridade pública que defende um interesse geral, em segundo lugar, o legislador ter especificamente conferido a essa autoridade o poder de intentar o referido litígio e, em terceiro lugar, qualquer outra pessoa que pretenda submeter tal litígio ter um interesse próprio. |
1. Exercício de uma missão pública no interesse geral
28. |
No Acórdão Pula Parking ( 11 ), o Tribunal de Justiça considerou que um litígio relativo à cobrança, por uma sociedade detida por uma autarquia local, de uma taxa de estacionamento que deu origem ao reenvio prejudicial está abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial», embora a gestão do estacionamento público e a cobrança dessa taxa constituam, como resulta desse acórdão, uma missão de interesse local. |
29. |
Este acórdão evidencia assim o facto que «agir num interesse comparável ao interesse geral ou público» não significa automaticamente «agir no exercício da autoridade do Estado» na aceção da jurisprudência relativa ao artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 ( 12 ). |
2. Prerrogativas conferidas diretamente por um ato legislativo
30. |
Uma das recorridas parece interpretar a jurisprudência do Tribunal de Justiça no sentido de que se podem distinguir duas situações em que um litígio não está abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial». Por um lado, quando uma autoridade utiliza poderes exorbitantes relativamente às regras aplicáveis nas relações entre particulares e, por outro, como ilustram os Acórdãos Baten ( 13 ) e Blijdenstein ( 14 ), quando as competências de uma autoridade se baseiam em disposições pelas quais o legislador lhe conferiu especificamente uma prerrogativa própria. Esta recorrida parece, assim, alegar que, se as autoridades belgas intervêm unicamente pelo facto de terem sido designadas para o fazer pelo legislador, agem, por conseguinte, no âmbito do exercício de prerrogativas de autoridade do Estado. |
31. |
Todavia, no seu Acórdão Pula Parking ( 15 ), o Tribunal de Justiça já declarou que o simples facto de certos poderes serem conferidos, ou mesmo delegados, por ato de poder público, não implica que o exercício desses poderes exija o recurso às prerrogativas de poder público. Nesta ordem de ideias, embora a qualidade de funcionário seja atribuída por um ato de poder público, o Tribunal de Justiça considerou, no Acórdão Sonntag ( 16 ), que a circunstância de um professor de uma escola pública ter o estatuto de funcionário e agir enquanto tal não é determinante para considerar que uma ação de indemnização por danos intentada contra esse docente não está abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial». |
32. |
No que respeita, mais especificamente, à fonte legislativa de um poder exercido por uma autoridade pública em relação ao Regulamento (CE) n.o 1393/2007 ( 17 ), que também define o seu âmbito de aplicação pelo conceito de «matéria civil e comercial», o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão Fahnenbrock e o. ( 18 ), que a circunstância de um poder ter sido atribuído por lei não é, em si mesma, determinante para concluir que esse Estado exerceu o poder público. Esta declaração não foi posta em causa no Acórdão Kuhn ( 19 ), que diz respeito à interpretação do conceito de «matéria civil e comercial» no âmbito do Regulamento n.o 1215/2012. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça, que concluiu que o litígio não estava abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial», não se limitou a declarar que um Estado tinha exercido um poder diretamente conferido pela lei nacional, mas examinou a posição em que esse Estado se encontrava em relação aos particulares devido ao exercício desse poder ( 20 ). |
33. |
Por outro lado, é incontestável que, nos Acórdãos Baten ( 21 ) e Blijdenstein ( 22 ), referidos por uma das recorridas, o Tribunal de Justiça declarou que, quando uma ação se baseia em disposições pelas quais o legislador conferiu ao organismo público uma prerrogativa própria, essa ação não pode ser considerada abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial» na aceção da jurisprudência relativa ao conceito de «matéria civil e comercial». |
34. |
Todavia, não resulta destes dois acórdãos que o simples facto de exercer um poder ou uma competência que o legislador conferiu especificamente a uma autoridade pública implica automaticamente o recurso às prerrogativas da autoridade do Estado. Nos referidos acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou que as ações em causa estavam abrangidas pelo conceito de «matéria civil e comercial», embora as autoridades tenham invocado direitos de ação de que estavam investidas diretamente pelo legislador com base em disposições que se destinam apenas às autoridades públicas ( 23 ). O elemento decisivo para estabelecer que essas ações particulares estavam abrangidas por esse conceito era o facto de, por remissão para as regras de direito civil, essas disposições não colocarem as autoridades públicas em situações jurídicas derrogatórias do direito comum. Essas autoridades não exerciam, portanto, prerrogativas de autoridade pública. |
35. |
Por conseguinte, não basta constatar que, em conformidade com a legislação nacional, uma autoridade pública dispõe de certos poderes ou competências de que não beneficia nenhuma pessoa de direito privado por força dessa legislação nacional. Para excluir a aplicação do Regulamento n.o 1215/2012, é necessário que essa autoridade pública disponha de uma prerrogativa de autoridade pública na aceção estabelecida pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência. Neste contexto, não se deve perder de vista que o conceito de «matéria civil e comercial» é um conceito autónomo do direito da União. A questão de saber se o exercício de um poder ou de uma competência constitui uma manifestação de uma prerrogativa de autoridade pública não pode depender exclusivamente do exame da legislação nacional a que está sujeita uma autoridade pública e da constatação de que essa legislação prevê diferenças quanto ao regime jurídico aplicável relativamente a determinadas pessoas ( 24 ), embora o recurso à referida legislação se possa revelar útil para determinar o leque dos poderes utilizados por essa autoridade pública ( 25 ). Por outro lado, o recurso a uma única legislação é frequentemente suficiente para determinar quais os poderes ou as competências que estão geralmente disponíveis para pessoas de direito privado. |
36. |
Resta‑me apenas verificar se a circunstância de uma autoridade pública estar dispensada da obrigação de demonstrar que possui um interesse próprio para intentar uma ação inibitória constitui uma prerrogativa de autoridade pública na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça. |
3. A dispensa de demonstrar o interesse próprio constitui uma prerrogativa de autoridade pública?
37. |
Nos termos da legislação belga, uma autoridade pública parece estar dispensada da obrigação de demonstrar que, para uma ação inibitória, defende um interesse ou um direito que lhe é próprio. Em contrapartida, para poder intentar tal ação, um particular deve ter a qualidade de «interessado» na aceção das disposições da Lei de 30 de julho de 2013 e do CDE. |
38. |
No entanto, resulta do reenvio prejudicial que, pelo menos no que respeita ao CDE, que aplica a Diretiva 2005/29, uma ação inibitória também pode ser intentada por agrupamentos com personalidade civil e, em determinadas condições, por associações que tenham por objeto a defesa dos interesses dos consumidores. Uma associação dessa natureza não defende um interesse ou um direito que lhe são próprios. Age sobretudo para a defesa dos interesses coletivos dos consumidores ou do interesse geral e é o legislador que lhe concede a faculdade de intentar uma ação inibitória com fundamento em disposições como o artigo XVII.7 do CDE. |
39. |
No que respeita ao interesse em agir e, consequentemente, aos aspetos processuais determinados pelo interesse em que é intentada uma ação, como o locus standi ou a admissibilidade dessa ação, a situação jurídica de uma autoridade pública é, assim, comparável à de uma associação de defesa dos consumidores. Essa associação também pode intentar uma ação inibitória não tendo um interesse próprio. |
40. |
Neste contexto, é oportuno recordar que, no Acórdão Henkel ( 26 ), o Tribunal de Justiça se pronunciou no sentido de que um litígio no âmbito do qual uma associação intenta uma ação de interesse coletivo por conta de consumidores é abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial», uma vez que essa ação não diz minimamente respeito ao exercício de poderes exorbitantes em relação às regras de direito comum aplicáveis nas relações entre particulares. |
41. |
Podia‑se argumentar que o processo que deu origem ao Acórdão Henkel ( 27 ) dizia respeito a uma ação inibitória de utilização de cláusulas abusivas com fundamento na Diretiva 93/13/CEE ( 28 ), ao passo que o presente processo diz respeito a uma ação inibitória de práticas comerciais desleais com fundamento na Diretiva 2005/29. Todavia, importa recordar que o Tribunal de Justiça confirmou a interpretação seguida no Acórdão Henkel ( 29 ) no contexto de um outro instrumento de direito internacional privado da União, a saber o Regulamento (CE) n.o 864/2007 ( 30 ), cujos conceitos devem ser objeto de uma interpretação coerente com a do Regulamento n.o 1215/2012 ( 31 ). Mais especificamente, o Tribunal de Justiça declarou que uma «ação inibitória [da utilização de cláusulas abusivas] prevista pela Diretiva 2009/22/CE [ ( 32 )]» está abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial». |
42. |
A este respeito, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2009/22, esta tem por objeto harmonizar as regulamentações nacionais relativas às ações inibitórias para a proteção dos interesses coletivos dos consumidores incluídos nas diretivas enumeradas no anexo I. Resulta desta disposição que uma ação inibitória de práticas comerciais desleais na aceção da Diretiva 2005/29 também constitui uma ação abrangida pela Diretiva 2009/22. |
43. |
Por outro lado, pouco importa que tenham sido as autoridades públicas a submeter ao órgão jurisdicional de reenvio o litígio no processo principal. Antes de mais, nos termos do artigo 3.o da Diretiva 2009/22, conjugado com o seu artigo 2.o, os órgãos jurisdicionais ou as autoridades administrativas designadas para esse efeito por um Estado‑Membro podem ser chamados a conhecer de ações inibitórias intentadas por «entidades com legitimidade para agir», a saber, em primeiro lugar, um ou vários organismos públicos independentes, nos Estados‑Membros em que esses organismos existam; e/ou, em segundo lugar, as organizações que tenham por finalidade proteger os interesses coletivos dos consumidores. As ações inibitórias dessas entidades podem servir o mesmo objetivo, a saber, a cessação de determinadas práticas no interesse coletivo dos consumidores. Neste quadro jurídico, um organismo público independente pode assim desempenhar, perante profissionais, o mesmo papel que as organizações de proteção dos interesses coletivos dos consumidores, cujas ações estão abrangidas pelo conceito de «matéria civil e comercial». |
44. |
Em seguida, o artigo 11.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2005/29 impõe que os Estados‑Membros assegurem a existência de meios adequados e eficazes para lutar contra as práticas comerciais desleais, a fim de garantir o cumprimento das disposições desta diretiva no interesse dos consumidores. Esses meios devem incluir disposições legais nos termos das quais as pessoas ou organizações que, de acordo com a legislação nacional, tenham um interesse legítimo em combater as práticas comerciais desleais, incluindo os concorrentes, possam, em primeiro lugar, intentar uma ação judicial contra tais práticas comerciais desleais; e/ou, em segundo lugar, submetê‑las a uma autoridade administrativa competente para decidir as queixas ou para instaurar os procedimentos legais adequados. Assim, o legislador da União previu, nomeadamente, um modelo de implementação da proteção dos consumidores no qual as autoridades administrativas não são competentes para conhecer de ações contra as práticas comerciais desleais. Em contrapartida, essas autoridades devem agir perante os órgãos jurisdicionais nacionais para a defesa do interesse dos consumidores, o que as coloca em pé de igualdade com as pessoas ou organizações também mencionadas no artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2005/29. |
45. |
Por último, também fora do contexto da proteção dos consumidores, as legislações dos Estados‑Membros por vezes autorizam as autoridades públicas a instaurar processos nos órgãos jurisdicionais nacionais inexistindo interesse próprio, e isto para a defesa de um interesse geral, coletivo ou mesmo individual, em especial quando se trate de uma pessoa de direito privado que, no âmbito desse processo, seja considerada uma parte fraca ( 33 ). Considerar essa situação excluída do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 diminuiria o papel das autoridades públicas nas situações transfronteiriças, apesar de esses processos só dificilmente poderem ser distinguidos dos instaurados por pessoas de direito privado. |
46. |
Assim, tendo em conta os ensinamentos desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa ao conceito de «matéria civil e comercial», uma autoridade pública ou uma associação de defesa dos consumidores que intenta uma ação inibitória encontra‑se numa posição comparável à de qualquer interessado. É certo que está dispensada da obrigação de demonstrar que age no seu próprio interesse. No entanto, não beneficia, por essa razão, de nenhuma prerrogativa suscetível de lhe dar competências ou poderes que alterem a natureza civil ou comercial da sua relação jurídica com as entidades de direito privado ou que alterem o objeto em que uma ação inibitória é intentada ( 34 ). Também não beneficia dessas competências ou poderes no que se refere ao quadro processual instituído para conhecer o litígio que tem a sua origem nessas relações; uma vez que este é idêntico independentemente da qualidade das partes nesse processo ( 35 ). |
4. Conclusão preliminar
47. |
Para resumir esta parte da minha análise, considero que o facto de agir no interesse geral ou no interesse de outrem não exclui automaticamente um litígio do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 ( 36 ). O simples facto de exercer um poder ou uma competência conferidos diretamente por um ato legislativo também não implica automaticamente essa exclusão ( 37 ). Também pouco importa que a possibilidade de uma autoridade pública intentar uma ação não seja condicionada pela existência de um interesse próprio. Para que um litígio esteja excluído do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012, é preciso que esses poderes sejam exorbitantes em relação às regras de direito comum aplicáveis nas relações entre particulares ( 38 ). Como resulta da minha análise, pelo menos no que respeita às ações em matéria de práticas comerciais desleais, o exercício de poderes que se referem a aspetos diferentes do interesse em que age uma autoridade pública, o locus standi e a admissibilidade da ação intentada em princípio não constitui o exercício de poderes exorbitantes deste tipo. Consequentemente, sem prejuízo das verificações relativas às competências de investigação e de execução, às quais voltarei mais tarde, nada indica que o litígio no processo principal diga respeito a poderes exorbitantes. |
C. Quanto às competências de investigação
48. |
No Acórdão Sunico e o. ( 39 ), o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre a relevância do exercício das competências de investigação na qualificação civil e comercial de um litígio. É assim à luz dos ensinamentos retirados desse acórdão que se pode examinar a argumentação de uma das recorridas segundo a qual as autoridades belgas podiam utilizar as suas próprias constatações e declarações como provas jurídicas, pelo que os documentos cruciais do processo são constituídos por uma série de relatórios e de conclusões de controladores estatais. As autoridades belgas também apresentam, como documentos, denúncias de consumidores, e tiveram acesso a esses documentos, uma vez que os recebem através do seu próprio sítio Internet/endereço eletrónico na sua qualidade de «autoridades». |
1. Acórdão Sunico e o.
49. |
No processo que deu origem ao Acórdão Sunico e o. ( 40 ), a autoridade pública de um Estado‑Membro solicitou informações sobre os demandados às autoridades de outro Estado‑Membro, nos termos do Regulamento n.o 1798/2003/CE ( 41 ), antes de intentar num órgão jurisdicional nacional a sua ação de indemnização por um prejuízo causado por uma fraude ao imposto sobre o valor acrescentado. Foi neste contexto que se colocou a questão de saber se o facto de ter solicitado essas informações tinha incidência na natureza das relações jurídicas entre as partes no litígio, pelo que este litígio estava excluído do conceito de «matéria civil e comercial» ( 42 ). |
50. |
Nas suas conclusões apresentadas nesse processo ( 43 ), a advogada‑geral J. Kokott considerou que as informações de que o Tribunal de Justiça tinha disposto não permitiam determinar se, e, sendo caso disso, em que medida, o pedido de informações também era relevante para o processo principal. Ora, a advogada‑geral sublinhou que o pedido de informações é um instrumento que não está ao alcance de um demandante particular. Consequentemente, se o direito processual nacional autorizasse a autoridade pública a utilizar estas informações e elementos de prova obtidos no exercício das suas prerrogativas de autoridade pública no âmbito desse processo, essa autoridade não se encontraria, face aos demandados, na mesma situação que um particular. |
51. |
O Tribunal de Justiça confirmou, no Acórdão Sunico e o. ( 44 ), que não resultava dos autos que, no âmbito do processo principal, a autoridade pública tinha usado elementos de prova obtidos através das suas prerrogativas de autoridade pública. O Tribunal de Justiça declarou que cabia ao órgão jurisdicional de reenvio «verificar se tal não sucedeu e se, sendo caso disso, [essa autoridade pública] se encontra[va] na mesma situação que uma pessoa de direito privado no âmbito da sua ação […] contra [as demandadas no litígio no processo principal]» ( 45 ). |
52. |
Embora, nesse acórdão, seja feita referência ao ponto exato das conclusões da advogada‑geral, foi referido na doutrina que o Tribunal de Justiça adotou uma solução menos categórica do que a preconizada nessas conclusões ( 46 ). |
53. |
Também interpreto este acórdão no sentido de que, para que um litígio seja excluído do conceito de «matéria civil e comercial», não basta identificar as disposições nacionais que, in abstrato, autorizam uma autoridade pública a obter elementos de prova reunidos graças às suas prerrogativas de autoridade pública e a utilizá‑los no âmbito de um litígio. Também não basta constatar que esses elementos de prova foram utilizados nesse litígio. Para que esse litígio seja excluído deste conceito, também se deve determinar se, in concreto, devido à utilização desses elementos de prova, a autoridade pública não se encontrava na mesma situação que uma pessoa de direito privado no âmbito de um litígio análogo. |
2. Aplicação dos ensinamentos retirados do Acórdão Sunico e o.
54. |
Antes de mais, há que esclarecer que o facto de as autoridades belgas terem apresentado queixas dos consumidores como elementos de prova não implica que estas autoridades se colocassem numa situação diferente da de uma pessoa de direito privado no âmbito de um litígio análogo. Com efeito, embora uma associação de proteção dos consumidores seja um organismo de direito privado e não exerça prerrogativas de autoridade pública, pode recolher essas queixas e utilizá‑las em litígios contra os profissionais. |
55. |
No entanto, pode suscitar dúvidas neste contexto o facto de uma autoridade pública dispor de competências de investigação, no sentido estrito do termo, o que permite a essa autoridade obter elementos de prova de forma análoga às autoridades policiais. Considero que o recurso a tais competências implica o exercício de prerrogativas de autoridade pública. Um litígio contra uma autoridade pública no qual a vítima pede a reparação do prejuízo causado pela recolha de elementos de prova não está, em princípio, abrangido pelo Regulamento n.o 1215/2012, uma vez que se trata de uma responsabilidade por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado. |
56. |
Todavia, a utilização de elementos de prova reunidos graças às prerrogativas de autoridade pública no âmbito de um litígio não afeta automaticamente a relação jurídica entre as partes nesse litígio nem o seu objeto. |
57. |
Com efeito, uma pessoa de direito privado também pode utilizar os elementos de prova reunidos por uma autoridade pública graças às suas prerrogativas de autoridade pública. Por exemplo, num litígio contra o autor de um acidente de viação, a vítima desse acidente pode apresentar documentos elaborados por uma autoridade policial. Se essa vítima não dispuser desses documentos, pode, em princípio, pedir a um órgão jurisdicional nacional que uma autoridade seja obrigada a apresentar esses documentos para efeitos desse litígio. Do mesmo modo, um agente do mercado pode instaurar uma ação em matéria de direito da concorrência no âmbito do qual apresenta uma ação «follow‑on», em apoio da qual invoca uma decisão que declara uma infração às disposições desse direito ( 47 ). É evidente que tais litígios mantêm o seu caráter civil e comercial e estão abrangidos pelo Regulamento n.o 1215/2012. |
58. |
O facto de um documento elaborado por uma autoridade pública no âmbito dos seus poderes ter um valor probatório especial não põe em causa esta evidência. Com efeito, também são as regras aplicáveis nos litígios entre pessoas de direito privado que conferem esse valor a certas categorias de elementos de prova. |
59. |
Por outro lado, considerar que um litígio instaurado por uma autoridade pública está excluído do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012, pelo facto de essa autoridade utilizar elementos de prova reunidos graças às suas prerrogativas enfraqueceria a eficácia prática de um dos modelos de execução da proteção dos consumidores reconhecidos pelo legislador da União ( 48 ). Nesse modelo, diferentemente do modelo em que é a própria autoridade administrativa que decide sobre as consequências de uma infração, uma autoridade administrativa é responsável pela defesa do interesse dos consumidores perante os órgãos jurisdicionais nacionais. |
60. |
Assim sendo, uma autoridade pública pode ter poderes que lhe permitam utilizar elementos de prova excluindo qualquer pessoa de direito privado. Por exemplo, o direito nacional pode prever que os elementos de prova reunidos por uma autoridade sejam confidenciais e que é essa autoridade que decide da sua eventual divulgação. Do mesmo modo, nos termos do direito processual nacional, podem ser aplicadas diferentes modalidades, relativamente à contestação pela outra parte no litígio, dos mesmos elementos de prova quando estes são apresentados por uma autoridade pública e por uma pessoa de direito privado. |
61. |
São situações que, na minha opinião, correspondem à adotada no Acórdão Sunico e o. ( 49 ), a saber, aquela em que, devido à utilização de certos elementos de prova, uma autoridade pública não se encontra na mesma situação que uma pessoa de direito privado no âmbito de um litígio semelhante. Ora, não há nada que indique que no processo principal ocorra uma situação suscetível de excluir o litígio no processo principal do âmbito de aplicação deste regulamento. |
62. |
Para melhor esclarecimento, há que não perder de vista que a situação contemplada no Acórdão Sunico e o. ( 50 ) respeitava a circunstâncias em que um litígio abrangido a priori pelo conceito de «matéria civil e comercial» estava excluído desse conceito devido à utilização de determinados elementos de prova por uma das partes nesse litígio. Ora, considero que, na maioria dos casos, o facto de certos elementos de prova estarem disponíveis apenas para uma autoridade pública decorre do facto de a relação entre essa autoridade e uma pessoa não configurar, ab initio, uma relação entre particulares. |
D. Quanto às competências no âmbito do processo de execução
63. |
Com o seu quarto pedido, as autoridades belgas pediram ao órgão jurisdicional de reenvio que aplicasse uma sanção pecuniária compulsória de um montante determinado por infração declarada a partir da notificação da decisão judicial proferida no termo do litígio no processo principal. Com o seu quinto pedido, essas autoridades também pediram que as infrações pudessem ser declaradas por simples auto lavrado por um funcionário ajuramentado. Este último pedido, segundo uma das recorridas, implica que, também no âmbito do processo de execução, as autoridades belgas dispõem de competências de que não dispõe nenhuma das partes habituais em litígios em matéria civil ou comercial. |
64. |
Em contrapartida, nem o órgão jurisdicional de reenvio nem as partes manifestam dúvidas quanto à questão de saber se o pedido relativo a uma sanção pecuniária compulsória devida por infrações futuras é suscetível de excluir o litígio no processo principal e a decisão proferida no termo desse litígio, do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012. Ora, o pedido relativo a uma sanção pecuniária compulsória está relacionado com o pedido relativo à declaração de infrações futuras por simples auto. Analisarei, antes de mais, a questão de saber se um litígio no âmbito do qual é pedida tal sanção pecuniária compulsória está abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento. |
1. Uma sanção pecuniária compulsória por infrações futuras
65. |
Decorre do Acórdão Realchemie Nederland ( 51 ) que a inclusão no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 de uma decisão judicial relativa a uma multa aplicada por uma infração à proibição decretada noutra decisão judicial é determinada não pela própria natureza dessa medida, mas pela natureza dos direitos cuja salvaguarda assegura. Seguindo o mesmo raciocínio no Acórdão Bohez ( 52 ), o Tribunal de Justiça declarou que, devido à natureza dos direitos cuja salvaguarda é garantida por uma sanção pecuniária compulsória, não está abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial», na aceção do regulamento que precedeu o Regulamento n.o 1215/2012, a execução de uma sanção pecuniária compulsória ordenada por uma decisão relativa ao direito de guarda e ao direito de visita para assegurar o respeito desse direito de visita pelo titular do direito de guarda. Segundo esse acórdão, essa execução entra, em contrapartida, no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 2201/2003 ( 53 ). |
66. |
É certo que a linha jurisprudencial em que se inscrevem esses acórdãos foi desenvolvida maioritariamente no contexto de reenvios prejudiciais relativos às medidas cautelares ( 54 ) ou provisórias ( 55 ) abrangidas por uma decisão separada cuja execução foi requerida ( 56 ) ou a essas medidas pedidas num processo de medidas provisórias separado ( 57 ). Em contrapartida, não resulta expressamente do presente reenvio prejudicial que, no caso em apreço, se trata de uma medida cautelar ou provisória. |
67. |
Todavia, neste contexto, há que distinguir o Acórdão Bohez ( 58 ), no qual se colocava a questão da cobrança de uma sanção pecuniária compulsória, ordenada pelo juiz do Estado‑Membro de origem que conheceu do mérito do direito de visita para garantir a efetividade deste direito. Essa sanção pecuniária compulsória correspondia a um determinado montante que devia ser pago por cada dia de não apresentação da criança. |
68. |
Devo observar que as autoridades belgas parecem apresentar um pedido análogo no litígio no processo principal. É certo que o órgão jurisdicional de reenvio não fornece indicações suplementares quanto ao pedido relativo à sanção pecuniária compulsória. Quanto ao Governo belga, explica que esta sanção pecuniária compulsória só é aplicável no que respeita a infrações definidas pelo órgão jurisdicional nacional no termo do litígio no processo principal. Também resulta da formulação do pedido relativo a uma sanção pecuniária compulsória que esta tem por objetivo garantir a efetividade da decisão judicial pedida pelas autoridades belgas na medida em que esta decisão diz respeito à cessação das práticas de mercado e/ou das práticas comerciais desleais. |
69. |
Por outro lado, o Código Judiciário belga contém um capítulo XXIII, intitulado «Da sanção pecuniária compulsória», no qual o artigo 1385.o‑A dispõe que o juiz pode, a pedido de uma das partes, condenar a outra parte, caso não seja cumprida a condenação principal, no pagamento de uma quantia em dinheiro, denominada sanção pecuniária compulsória, sem prejuízo de uma indemnização por perdas e danos, se for caso disso. Segundo o artigo 1385.o‑B deste código, o juiz pode fixar a sanção pecuniária compulsória, nomeadamente, numa quantia determinada por contravenção. Embora o órgão jurisdicional de reenvio não indique se o pedido das autoridades belgas se baseia nesta disposição, parece que o seu conteúdo corresponde perfeitamente ao que estas autoridades pedem. O Acórdão Bohez ( 59 ) é assim particularmente importante em relação ao presente reenvio prejudicial: a sanção pecuniária compulsória visada nesse acórdão foi aplicada com fundamento no artigo 1385.o‑A do Código Judiciário belga. |
70. |
Pode‑se invocar, tendo em conta a linha jurisprudencial em que se inscreve o Acórdão Bohez ( 60 ) que, embora esteja abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial» um litígio no âmbito do qual as autoridades solicitam, por um lado, a declaração da existência de práticas de mercado e/ou de práticas comerciais desleais e, por outro, o facto de ordenar a cessação dessas práticas, este litígio continua a estar abrangido por este conceito também quando é solicitada uma sanção pecuniária compulsória para assegurar o respeito da decisão judicial proferida no seu termo. |
71. |
É certo que não se deve perder de vista a hipótese, mencionada no n.o 22 das presentes conclusões, segundo a qual um litígio é excluído do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 devido ao fundamento da ação intentada no âmbito desse litígio ou às modalidades do seu exercício. Decorre, no entanto, do artigo 1385.o‑A do Código Judiciário belga que a sanção pecuniária compulsória pedida pelas autoridades desse Estado‑Membro ao órgão jurisdicional de reenvio parece constituir uma medida convencional do processo cível, também disponível para os particulares. Por conseguinte, nem o facto de apresentar um pedido de aplicação dessa sanção pecuniária compulsória, nem o facto de pedir a execução de uma decisão judicial que defere esse pedido constituem o exercício de prerrogativas de autoridade do Estado. |
72. |
Tendo em conta o que precede, uma ação através da qual as autoridades públicas pedem que seja aplicada uma sanção pecuniária compulsória de um montante determinado por cada infração declarada a partir da notificação da decisão judicial está abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial» quando, em primeiro lugar, essa sanção pecuniária compulsória tenha por objetivo garantir a eficácia da decisão judicial proferida no litígio abrangido por esse conceito e, em segundo lugar, a referida sanção pecuniária compulsória constitui uma medida convencional do processo cível, que está igualmente disponível para os particulares ou cujo exercício não envolve poderes exorbitantes em relação às regras de direito comum aplicáveis nas relações entre particulares ( 61 ). |
2. Declaração de infrações por uma autoridade administrativa
73. |
O órgão jurisdicional de reenvio não apresenta informações detalhadas quanto aos aspetos que podem ser objeto de dúvidas no que se refere ao quinto pedido, relativo à declaração de infrações futuras por simples auto lavrado por um funcionário ajuramentado. Por conseguinte, para dar uma resposta útil a este órgão jurisdicional, formularei, com base nas observações das partes, algumas considerações gerais relativamente a este pedido. |
74. |
O quinto pedido das autoridades belgas parece ter por objeto permitir‑lhes declarar elas próprias as infrações punidas pela sanção pecuniária compulsória, sem que seja necessário recorrer a um oficial de justiça ou a outros meios para esse fim. Na mesma linha, o Governo belga referiu, na audiência que, se o órgão jurisdicional nacional julgasse improcedente o quinto pedido, as autoridades belgas deveriam recorrer aos serviços de um oficial de justiça para proceder a essas declarações. Do mesmo modo, as recorridas alegam que, contrariamente a uma autoridade belga, uma pessoa de direito privado deve, por exemplo, recorrer aos serviços de um oficial de justiça e deve, sendo caso disso, provar as infrações no órgão jurisdicional chamado a decidir. |
75. |
Recordo que, no Acórdão Henkel ( 62 ), o Tribunal de Justiça considerou que uma ação inibitória intentada por uma associação de defesa dos consumidores estava abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial», pelo facto de essa ação visar submeter à fiscalização do juiz relações de direito privado. Ora, resulta das observações das partes apresentadas nos números precedentes das presentes conclusões que, com o quinto pedido, as autoridades belgas pretendem que lhe seja atribuída competência para declarar a existência de infrações futuras. Este pedido, destinado assim, em substância, a submeter ao controlo dessas autoridades relações jurídicas em que estão envolvidas as recorridas, diz respeito, portanto, ao exercício de prerrogativas de autoridade do Estado. |
76. |
Por outro lado, nos termos do artigo XV.2 do CDE, os autos redigidos por funcionários fazem fé até prova em contrário. Um documento redigido por uma pessoa de direito privado não beneficia desse valor probatório. Assim, embora pareça que esses autos podem ser utilizados no âmbito do processo de execução, o facto de os lavrar equivaleria antes a reunir elementos de prova. Como indiquei no n.o 55 das presentes conclusões, exercer competências em matéria de recolha de provas, que implicam o recurso a poderes exorbitantes relativamente às regras aplicáveis nas relações entre particulares, equivale a exercer prerrogativas de autoridade do Estado. O mesmo se aplica, nomeadamente, quando uma autoridade pública exerce uma competência pela qual pretende substituir um oficial de justiça, demonstrando a existência de infrações graças a um documento por si elaborado. Um litígio destinado a obter a atribuição dessa competência incide sobre poderes exorbitantes relativamente às regras de direito comum aplicáveis nas relações entre particulares, pelo que o objeto desse litígio não permite sustentar que este é abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial». |
77. |
Não é de excluir que a concessão dessa competência reforçaria a eficácia de uma decisão judicial proferida no termo de um litígio abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial». Todavia, o quinto pedido não diz respeito a uma medida cautelar ou provisória nem a uma medida que se analisa como a condenação de uma parte no litígio no pagamento de uma multa ( 63 ) ou de uma sanção pecuniária compulsória ( 64 ) cuja inclusão no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 depende da natureza dos direitos cuja salvaguarda esse direito ou medida garantem. |
E. Considerações finais
78. |
Resulta da minha análise que, em primeiro lugar, as especificidades relativas ao interesse de uma autoridade pública de intentar uma ação não são suscetíveis de excluir do âmbito de aplicação material do Regulamento n.o 1215/2012 um litígio como o do processo principal ( 65 ). Em segundo lugar, o facto de essa autoridade dispor de competências de investigação de que não beneficiam as pessoas de direito privado e de utilizar elementos de prova reunidos graças a essas competências também não exclui automaticamente esse litígio do âmbito de aplicação ratione materiae do Regulamento n.o 1215/2012 ( 66 ). Em terceiro lugar, o referido litígio é excluído do âmbito de aplicação deste regulamento na medida em que diz respeito a uma ação com a qual autoridades públicas pedem que lhes sejam conferidos poderes exorbitantes relativamente às regras aplicáveis nas relações entre particulares, a saber, a que sejam autorizadas a declarar a existência de infrações ( 67 ). |
79. |
Devo ainda esclarecer que, embora o litígio no processo principal não esteja abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 no que respeita ao quinto ponto do pedido, nem por isso está excluído no que respeita aos outros pedidos ( 68 ). |
V. Conclusão
80. |
À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que dê a seguinte resposta à questão prejudicial submetida pelo hof van beroep te Antwerpen (Tribunal de Recurso de Antuérpia, Bélgica): O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que um litígio relativo a uma ação intentada, por autoridades públicas de um Estado‑Membro, contra pessoas de direito privado estabelecidas noutro Estado‑Membro e destinado a obter a declaração da existência de infrações que constituem práticas comerciais desleais, a ordenar a cessação destas, a ordenar medidas de publicidade a cargo das recorridas e a aplicar uma sanção pecuniária compulsória num montante determinado por cada infração futura está abrangido pela «matéria civil e comercial» na aceção desta disposição. Em contrapartida, esse litígio não está abrangido por este conceito na medida em que diz respeito a uma ação pela qual as autoridades públicas pedem que lhes sejam conferidos poderes exorbitantes relativamente às regras aplicáveis nas relações entre particulares. |
( 1 ) Língua original: francês.
( 2 ) C‑167/00, EU:C:2002:555, n.o 30.
( 3 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).
( 4 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («Diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO 2005, L 149, p. 22).
( 5 ) Devo ainda observar que o órgão jurisdicional de reenvio não declara expressamente qual o fundamento de competência previsto pelo Regulamento n.o 1215/2012 que as autoridades belgas pretendem invocar no litígio no processo principal. Na audiência, estas esclareceram que o órgão jurisdicional de reenvio tinha sido chamado a pronunciar‑se ao abrigo do artigo 7.o, n.o 2, deste regulamento, a saber, enquanto foro competente em matéria extracontratual do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso. Dito isto, este esclarecimento não é suscetível de atenuar a resposta a dar à presente questão prejudicial. Como já tive oportunidade de observar num contexto diferente, o âmbito de aplicação ratione materiae do Regulamento n.o 1215/2012, definido pelo seu artigo 1.o, é o mesmo no que diz respeito a todos os fundamentos de competência previstos no referido regulamento. V. as minhas Conclusões no processo Rina (C‑641/18, EU:C:2020:3, n.o 23).
( 6 ) V. as minhas Conclusões no processo Rina (C‑641/18, EU:C:2020:3, n.o 59).
( 7 ) V. Acórdãos de 11 de abril de 2013, Sapir e o. (C‑645/11, EU:C:2013:228, n.o 33 e jurisprudência referida), e de 12 de setembro de 2013, Sunico e o. (C‑49/12, EU:C:2013:545, n.o 34).
( 8 ) V. Acórdão de 18 de outubro de 2011, Realchemie Nederland (C‑406/09, EU:C:2011:668, n.o 39 e jurisprudência referida).
( 9 ) V., nomeadamente, Acórdão de 28 de julho de 2016, Siemens Aktiengesellschaft Österreich (C‑102/15, EU:C:2016:607, n.o 33 e jurisprudência referida).
( 10 ) A este respeito, a doutrina observa que o critério relativo ao objeto do litígio bem como o relativo ao fundamento e às modalidades de exercício da ação em princípio não parece, na jurisprudência do Tribunal de Justiça, encontrar aplicações que excluam um litígio do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012. V. Van Calster, G., European Private International Law, Hart Publishing, Oxford, Portland, 2016, p. 38.
( 11 ) V. Acórdão de 9 de março de 2017 (C‑551/15, EU:C:2017:193, n.o 35).
( 12 ) V., também, as minhas Conclusões no processo Rina (C‑641/18, EU:C:2020:3, n.o 79).
( 13 ) Acórdão de 14 de novembro de 2002 (C‑271/00, EU:C:2002:656).
( 14 ) Acórdão de 15 de janeiro de 2004 (C‑433/01, EU:C:2004:21).
( 15 ) Acórdão de 9 de março de 2017 (C‑551/15, EU:C:2017:193, n.o 35).
( 16 ) V. Acórdão de 21 de abril de 1993 (C‑172/91, EU:C:1993:144, n.o 21).
( 17 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho (JO 2007, L 324, p. 79).
( 18 ) V. Acórdão de 11 de junho de 2015 (C‑226/13, C‑245/13 e C‑247/13, EU:C:2015:383, n.o 56).
( 19 ) Acórdão de 15 de novembro de 2018 (C‑308/17, EU:C:2018:911).
( 20 ) V. Acórdão de 15 de novembro de 2018, Kuhn (C‑308/17, EU:C:2018:911, n.os 37 e 38).
( 21 ) V. Acórdão de 14 de novembro de 2002 (C‑271/00, EU:C:2002:656, n.o 36).
( 22 ) V. Acórdão de 15 de janeiro de 2004 (C‑433/01, EU:C:2004:21, n.o 20).
( 23 ) V. Acórdãos de 14 de novembro de 2002, Baten (C‑271/00, EU:C:2002:656, n.o 32), e de 15 de janeiro de 2004, Blijdenstein (C‑433/01, EU:C:2004:21, n.o 21). V., também, Briggs, A., Civil Jurisdiction and Judgments, Informa law from Routledge, 6e edição, Taylor & Francis Group, Nova York, 2015, p. 61. No que se refere ao Acórdão Baten, v., neste sentido, Toader, C., « La notion de matière civile et commerciale », Europa als Rechts‑ und Lebensraum: Liber amicorum für Christian Kohler zum 75. Geburtstag am 18. Juni 2018, sob a direção de Hess, B., Jayme, E., Mansel, H.‑P., Verlag Ernst und Werner Gieseking, Bielefeld, 2018, p. 523.
( 24 ) Com efeito, seguir estritamente essa interpretação teria como consequência que as escolhas feitas pelo legislador de um único Estado‑Membro quanto ao leque dos poderes de uma autoridade pública relativamente àqueles de que dispõem as pessoas de direito privado determinariam a aplicabilidade do Regulamento n.o 1215/2012. Ora, resulta da jurisprudência que a qualificação de um poder como uma prerrogativa de autoridade pública por força da legislação de um único Estado‑Membro, não pode determinar a aplicabilidade deste regulamento. V., neste sentido, Acórdãos de 16 de dezembro de 1980, Rüffer (814/79, EU:C:1980:291, n.o 11), e de 21 de abril de 1993, Sonntag (C‑172/91, EU:C:1993:144, n.os 22 e 25). Por outro lado, enquanto uma única legislação nacional pertinente pode com probabilidade ser facilmente identificada no que respeita ao reconhecimento e à execução de decisões, o mesmo não acontece no que respeita ao exame levado a cabo no início de um processo para determinar se um órgão jurisdicional chamado a decidir é ou não competente para decidir.
( 25 ) V. as minhas Conclusões no processo Rina (C‑641/18, EU:C:2020:3, n.o 89 e doutrina referida).
( 26 ) V. Acórdão de 1 de outubro de 2002 (C‑167/00, EU:C:2002:555, n.o 30).
( 27 ) Acórdão de 1 de outubro de 2002 (C‑167/00, EU:C:2002:555).
( 28 ) Diretiva do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).
( 29 ) V. Acórdão de 1 de outubro de 2002 (C‑167/00, EU:C:2002:555, n.o 29).
( 30 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II) (JO 2007, L 199, p. 40).
( 31 ) V. Acórdão de 28 de julho de 2016, Verein für Konsumenteninformation (C‑191/15, EU:C:2016:612, n.o 39).
( 32 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (JO 2009, L 110, p. 30).
( 33 ) No meu próprio sistema jurídico, em direito polaco, é o caso de um procurador que intervém em processos em tribunais cíveis.
( 34 ) É certo que a questão de saber se as autoridades belgas dispõem de competências de investigação e de execução suscetíveis de serem consideradas poderes exorbitantes é objeto de debate (v. títulos C e D das presentes conclusões). Assim sendo, mesmo que essas autoridades disponham de tais competências, isso não decorre do facto de estarem dispensadas da obrigação de demonstrar que, através de uma ação inibitória, defendem um interesse ou um direito que lhes são próprios.
( 35 ) V., por analogia, Acórdão de 11 de abril de 2013, Sapir e o. (C‑645/11, EU:C:2013:228, n.o 36).
( 36 ) V. n.o 29 das presentes conclusões.
( 37 ) V. n.o 35 das presentes conclusões.
( 38 ) V. n.o 46 das presentes conclusões.
( 39 ) Acórdão de 12 de setembro de 2013 (C‑49/12, EU:C:2013:545).
( 40 ) Acórdão de 12 de setembro de 2013 (C‑49/12, EU:C:2013:545).
( 41 ) Regulamento do Conselho de 7 de outubro de 2003, relativo à cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 218/92 (JO 2003, L 264, p. 1).
( 42 ) V. Acórdão de 12 de setembro de 2013, Sunico e o. (C‑49/12, EU:C:2013:545, n.o 42).
( 43 ) V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Sunico e o. (C‑49/12, EU:C:2013:231, n.o 45).
( 44 ) Acórdão de 12 de setembro de 2013 (C‑49/12, EU:C:2013:545).
( 45 ) V. Acórdão de 12 de setembro de 2013, Sunico e o. (C‑49/12, EU:C:2013:545, n.os 42 e 43). O sublinhado é meu.
( 46 ) V., neste sentido, De Troyer, I., «“De fiscus in burger”: nieuwe wegen voor de inning van belastingen in het buitenland?», Tijdschrift voor fiscaal recht, 2015, vol 481, p. 426, n.o 10.
( 47 ) V., para uma ilustração desta hipótese desta hipótese, Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide (C‑352/13, EU:C:2015:335, n.o 10).
( 48 ) V. n.o 44 das presentes conclusões.
( 49 ) Acórdão de 12 de setembro de 2013 (C‑49/12, EU:C:2013:545).
( 50 ) Acórdão de 12 de setembro de 2013 (C‑49/12, EU:C:2013:545).
( 51 ) V. Acórdão de 18 de outubro de 2011 (C‑406/09, EU:C:2011:668, n.os 40 a 42 e 44).
( 52 ) V. Acórdão de 9 de setembro de 2015 (C‑4/14, EU:C:2015:563, n.os 33, 37 e 39).
( 53 ) Regulamento do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).
( 54 ) V. Acórdão de 27 de março de 1979, de Cavel (C‑143/78, EU:C:1979:83, n.o 2), referido pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 18 de outubro de 2011, Realchemie Nederland (C‑406/09, EU:C:2011:668).
( 55 ) V. Acórdão de 17 de novembro de 1998, Van Uden (C‑391/95, n.o 33) também referido pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 18 de outubro de 2011, Realchemie Nederland (C‑406/09, EU:C:2011:668).
( 56 ) V. Acórdãos de 27 de março de 1979, de Cavel (C‑143/78, EU:C:1979:83, n.o 2), e de 18 de outubro de 2011, Realchemie Nederland (C‑406/09, EU:C:2011:668, n.o 35).
( 57 ) V. Acórdão de 17 de novembro de 1998, Van Uden (C‑391/95, n.o 33).
( 58 ) V., também, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Bohez (C‑4/14, EU:C:2015:563, n.o 49).
( 59 ) Acórdão de 9 de setembro de 2015 (C‑4/14, EU:C:2015:563). Em relação a esta disposição do Código Judiciário belga, v., também, as minhas Conclusões no processo Bohez (C‑4/14, EU:C:2015:233, n.o 42 e doutrina referida).
( 60 ) Acórdão de 9 de setembro de 2015 (C‑4/14, EU:C:2015:563).
( 61 ) Apesar de nem o órgão jurisdicional de reenvio nem as partes manifestarem dúvidas quanto a medidas de publicidade, por uma questão de exaustividade, observo que estas também não estão excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012. Com efeito, estão previstas, nomeadamente, no artigo 14.o, § 1, ponto 2, da Lei de 30 de julho de 2013 e parecem constituir uma medida convencional do processo cível acessível aos particulares. Assim, o litígio em que essas medidas são pedidas não diz de modo algum respeito ao exercício de poderes exorbitantes relativamente às regras aplicáveis nas relações entre particulares. Além disso, embora essas medidas se distingam de uma sanção pecuniária compulsória, visam assegurar a eficácia de uma decisão judicial que declara a existência de práticas comerciais desleais. A este respeito, o artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 2005/29 prevê que, para eliminar os efeitos persistentes de práticas cuja cessação tenha sido ordenada por uma decisão definitiva, os Estados‑Membros podem prever que seja exigida a publicação dessa decisão ou de um comunicado retificativo. Nada indica que se tratam de medidas reservadas às autoridades públicas.
( 62 ) V. Acórdão de 1 de outubro de 2002 (C‑167/00, EU:C:2002:555, n.o 30).
( 63 ) V. Acórdão de 18 de outubro de 2011, Realchemie Nederland (C‑406/09, EU:C:2011:668, n.o 44).
( 64 ) V. Acórdão de 9 de setembro de 2015, Bohez (C‑4/14, EU:C:2015:563, n.os 35).
( 65 ) V. n.o 47 das presentes conclusões.
( 66 ) V. n.os 60 a 61 das presentes conclusões.
( 67 ) V. n.os 75 e 77 das presentes conclusões.
( 68 ) Com efeito, pode‑se deduzir do Acórdão de 21 de abril de 1993, Sonntag (C‑172/91, EU:C:1993:144, n.os 6, 14 a 16 e 21), que o Regulamento n.o 1215/2012 também se aplica às decisões proferidas em matéria civil por uma jurisdição penal, que contêm disposições penais e civis. Neste caso, só as disposições cíveis estão abrangidas pelo âmbito de aplicação deste regulamento. Além disso, segundo a minha leitura do Acórdão de 27 de fevereiro de 1997, van den Boogaard (C‑220/95, EU:C:1997:91, n.o 21), também é possível que apenas certos aspetos de uma decisão proferida por um órgão jurisdicional cível estejam abrangidos pelo âmbito de aplicação do referido regulamento. Em princípio, o mesmo deve acontecer no que respeita à situação em que apenas determinados aspetos de um litígio estão abrangidos pelo conceito de «matéria civil e comercial».