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Document 62019CC0044

Conclusões do advogado-geral M. Szpunar apresentadas em 23 de abril de 2020.
Repsol Petróleo SA contra Administración General del Estado.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/96/CE — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Artigo 21.o, n.o 3 — Inexistência de facto gerador do imposto — Consumos de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento onde foram produzidos, efetuados para a produção de produtos energéticos finais a partir dos quais são também obtidos, inevitavelmente, produtos não energéticos.
Processo C-44/19.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:309

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 23 de abril de 2020 ( 1 )

Processo C‑44/19

Repsol Petróleo, SA

contra

Administración General del Estado

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/96/CE — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Artigo 21.o, n.o 3 — Isenção dos produtos energéticos utilizados num estabelecimento que produz produtos energéticos — Produção simultânea de produtos energéticos e de outros produtos»

Introdução

1.

O direito da União harmoniza as regras fundamentais da tributação dos produtos energéticos, e estabelece também um nível mínimo para essa tributação. A utilização de produtos energéticos para produzir outros produtos energéticos não está, porém, sujeita a tributação. As correspondentes normas já foram objeto de várias decisões do Tribunal de Justiça ( 2 ). Porém, nenhuma dessas normas, nem nenhuma das referidas decisões do Tribunal de Justiça, dá resposta à questão de saber como devem ser tratados os produtos energéticos utilizados para a produção de outros produtos energéticos na situação em que, no âmbito dessa produção, há lugar à obtenção de produtos que não são produtos energéticos. É esse o problema objeto do presente processo.

Quadro jurídico

Direito da União

2.

O artigo 21.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade ( 3 ), dispõe:

«1.   Para além das disposições gerais que definem o facto gerador e das disposições relativas ao pagamento estabelecidas na Diretiva 92/12/CEE [do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, JO 1992, L 76, p. 1], o montante da tributação que incide sobre os produtos energéticos tornar‑se‑á igualmente exigível aquando da ocorrência de um dos factos geradores referidos no n.o 3 do artigo 2.o da presente diretiva.

[…]

3.   O consumo de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos não é considerado como facto gerador de imposto se disser respeito a produtos energéticos produzidos nas instalações do estabelecimento. Os Estados‑Membros podem também considerar como não sendo um facto gerador o consumo de eletricidade e de outros produtos energéticos não produzidos nas instalações desse estabelecimento, bem como o consumo de produtos energéticos e de eletricidade nas instalações de um estabelecimento que produz combustíveis destinados a serem utilizados na produção de eletricidade. Se se destinar a fins não relacionados com a produção de produtos energéticos e, em particular, à tração de veículos, o consumo será considerado como facto gerador de imposto.»

Direito espanhol

3.

O artigo 47.o, n.o 1, alínea b), da Ley 38/1992, de Impuestos Especiales (Lei 38/1992, sobre os Impostos Especiais de consumo), de 28 de dezembro de 1992, dispõe ( 4 ):

«1.   Não estão sujeitas a imposto as operações de consumo próprio que impliquem:

[…]

b)

A utilização de óleos minerais como combustível no processo de fabrico, em regime de suspensão, de óleos minerais».

Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

4.

A Repsol Petróleo SA, sociedade de direito espanhol (a seguir «Repsol») exerce, entre outras, atividades na área da produção de produtos energéticos no processo de refinação de petróleo bruto. Esse processo gera, além de produtos energéticos, uma série de outros produtos, como enxofre, moléculas grandes de petróleo bruto, hidrocarbonetos aromáticos, e também vapor de água. Em seguida, esses produtos são vendidos e utilizados na indústria química, e também parcialmente reutilizados no processo de produção.

5.

Em 2 de abril de 2012, a autoridade tributária espanhola emitiu uma decisão, dirigida à Repsol, em que lhe ordenava que pagasse imposto especial sobre os óleos minerais, para os exercícios fiscais de 2007 e 2008, sobre os óleos minerais que a própria sociedade produziu e utilizou como combustível de aquecimento no processo de produção, porquanto esse processo de produção gerou produtos que não são produtos energéticos. No entender da autoridade tributária, os óleos minerais utilizados no processo de produção estão, pois, sujeitos a uma tributação proporcional à quantidade de produtos, gerados nesse processo, que não são produtos energéticos.

6.

O recurso interposto pela Repsol para impugnação dessa decisão foi julgado improcedente no processo administrativo e no processo judicial em primeira instância. Essas decisões assentaram, em especial, na jurisprudência consolidada do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) segundo a qual o consumo próprio de produtos energéticos só não está sujeito a imposto na medida em que sirva para produzir outros produtos energéticos. Essa jurisprudência baseou‑se nas normas de transposição da Diretiva 92/81 ( 5 ).

7.

A Repsol interpôs recurso de cassação do acórdão do tribunal de primeira instância.

8.

Nestas circunstâncias, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 […] ser interpretado no sentido de que permite tributar, a título de imposto especial sobre os óleos minerais, as operações de consumo próprio de produtos energéticos, efetuadas nas instalações do produtor, na proporção em que se obtenham produtos não energéticos?

Ou, pelo contrário, a finalidade daquela disposição de excluir da tributação a utilização de produtos energéticos que seja considerada necessária para a obtenção dos produtos energéticos finais impede que esse consumo próprio seja tributado na parte em que tenha como resultado outros produtos não energéticos, mesmo que a obtenção desses produtos seja residual e ocorra inevitavelmente como consequência do próprio processo produtivo?»

9.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de janeiro de 2019. Apresentaram observações escritas: a Repsol, os Governos espanhol e checo e a Comissão Europeia. A Repsol, o Governo espanhol e a Comissão estiveram representados na audiência realizada em 4 de março de 2020.

Análise

10.

Com as questões prejudiciais que submeteu, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que o processo de produção de produtos energéticos inevitavelmente também gera produtos que não são produtos energéticos, se considera que o consumo de produtos energéticos para efeitos dessa produção não é de todo em todo um facto gerador do imposto, ou só o é proporcionalmente aos produtos energéticos gerados nesse produto de produção, com exclusão da fração correspondente a outros produtos.

11.

Para começar, há que observar que o artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 tem uma estrutura complexa.

12.

O seu primeiro período impõe que não se considere facto gerador do imposto o chamado consumo próprio de produtos energéticos, isto é o consumo de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento que os produziu.

13.

O segundo período dessa disposição permite que os Estados‑Membros considerem que também não é facto gerador do imposto o consumo, num estabelecimento que produz produtos energéticos, de produtos energéticos (incluindo a eletricidade) que não foram produzidos nesse estabelecimento.

14.

Por último, o terceiro período esclarece que as regras supramencionadas não se aplicam na situação em que o consumo de produtos energéticos se destina a outros fins que não a produção desses produtos, por exemplo a tração de veículos.

15.

Do terceiro período do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 pode‑se inferir, a contrario, que só o consumo de produtos energéticos para efeitos da produção desses produtos não é considerado (ou pode não ser considerado) facto gerador do imposto. Semelhante conclusão também é confirmada pela disposição que antecedeu a disposição ora em discussão, isto é, o artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 92/81, que dispunha que o consumo de óleos minerais nas instalações de um estabelecimento produtor de óleos minerais não é considerado facto gerador do imposto «se se efetuar para efeitos dessa mesma produção». Esta disposição também continha o equivalente ao atual terceiro período do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 ( 6 ).

16.

Contudo, e como já referi na introdução destas conclusões, o artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 não decide se e em que medida se deve considerar facto gerador do imposto o consumo de produtos energéticos para efeitos do processo de produção, no âmbito do qual são simultaneamente gerados produtos energéticos e outros produtos.

17.

Parecem ser possíveis duas vias de raciocínio diferentes.

18.

Por um lado, como o Governo checo nota com razão nas suas observações, uma interpretação literal do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 pode levar à conclusão de que numa situação como a do processo principal esse preceito deve ser aplicado a todos os produtos energéticos que a Repsol utiliza no seu processo de produção.

19.

Além disso, essa disposição só menciona o «consumo de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos», ao passo que o seu terceiro período exclui o «consumo […] destina[do] a fins não relacionados com a produção de produtos energéticos».

20.

Como resulta, por seu turno, das informações prestadas no processo de reenvio e nas alegações das partes, no processo de refinação de petróleo bruto os produtos energéticos para o aquecer à temperatura necessária para esse processo são utilizados na sua totalidade para a produção de produtos energéticos. Por seu turno, a geração, em simultâneo, de produtos que não são produtos energéticos é uma consequência subsidiária e inevitável desse processo. A geração desses produtos é um elemento intrínseco do processo de produção de produtos energéticos, e nesse sentido há que reconhecer que todos os produtos energéticos utilizados nesse processo tecnológico servem para produzir produtos energéticos. A letra do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 indicará, pois, que os supramencionados produtos energéticos, na medida em que são utilizados na totalidade para a produção de produtos energéticos, devem ser inteiramente abrangidos na totalidade pela referida norma.

21.

Pode‑se encontrar, aliás, uma confirmação desta interpretação do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 na jurisprudência do Tribunal de Justiça, como alega, com razão, a Repsol. É que nessa jurisprudência decidiu‑se que «pode deduzir‑se da formulação negativa do terceiro período desta disposição que a mesma apenas exclui do benefício da referida exceção o consumo de produtos energéticos sem qualquer relação com a produção de produtos energéticos» e que «o consumo de produtos energéticos não pode, apenas com base nas suas modalidades, ser privado do benefício da referida exceção, desde que contribua para o processo tecnológico de fabrico de produtos energéticos» ( 7 ). Por seu turno, dificilmente se contestará que, numa situação como a do processo principal, os produtos energéticos utilizados no processo tecnológico não são desprovidos de «qualquer relação com a produção de produtos energéticos» ou que «contribu[em] para o processo tecnológico de fabrico de produtos energéticos» na sua totalidade.

22.

Por outro lado, essa interpretação, por muito que seja admissível à luz da letra dessa disposição da diretiva, não leva em conta, num grau suficiente, o aspeto sistemático da interpretação dessa disposição ( 8 ), e levaria à não tributação injustificada de produtos energéticos utilizados para a produção de produtos que não são produtos energéticos.

23.

Numa situação em que, no processo de produção, são gerados quer produtos energéticos, quer produtos que não são produtos energéticos, há que considerar que esse processo dá lugar à produção simultânea de ambas as categorias de produtos.

24.

Nesse sentido, é irrelevante que a produção de produtos que não são produtos energéticos tenha, como sucede no processo principal, natureza subsidiária e inevitável, isto é, que não seja, em si mesma, o objetivo do processo de produção, mas sim uma consequência inevitável do mesmo. Porque os produtos obtidos no processo de produção têm valor de mercado e o seu produtor os pode vender, para ele tornam‑se uma mercadoria, isto é, uma potencial fonte de rendimento. Assim, perde significado a questão de saber se esses produtos são produzidos deliberadamente, ou são apenas uma consequência inevitável da produção de outros produtos. Do ponto de vista da tributação, ambas as situações têm de ser tratadas da mesma forma. Isso decorre do princípio da igualdade e da necessidade de garantir uma concorrência leal. Só se chegaria a um resultado diferente se os outros produtos obtidos no processo de produção tivessem um escasso valor de mercado ou só gerassem despesas ao seu produtor. Por isso, não concordo com o entendimento da Repsol de que aqui tem importância decisiva o «objetivo principal» da atividade exercida. A atividade económica está sujeita às normas jurídicas, incluindo as normas tributárias, não em função do objetivo prosseguido por essa atividade, mas sim da sua real natureza e dos seus efeitos.

25.

O artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 só permite, pois, não considerar facto gerador do imposto o consumo de produtos energéticos na medida em que esse consumo se destine à produção de produtos finais, os quais estão, em seguida, sujeitos a tributação nos termos dessa diretiva enquanto produtos energéticos destinados a uso como carburante ou combustível de aquecimento ( 9 ).

26.

No entanto, a utilização de produtos energéticos enquanto combustíveis de aquecimento no processo de produção está sujeita a imposto, se o produto final não for um produto energético, nem se destinar a uso como carburante ou combustível de aquecimento.

27.

A não tributação nesta última situação provocaria uma lacuna no sistema de tributação estabelecido por força da Diretiva 2003/96, porque não seriam tributados produtos que, por princípio, deviam estar sujeitos a essa tributação ( 10 ).

28.

A não tributação desses produtos não seria, porém, compensada pela tributação dos produtos finais produzidos com recurso àqueles produtos, porque os referidos produtos finais não seriam sujeitos a imposto ( 11 ).

29.

A coerência do sistema tributário estabelecido pela Diretiva 2003/96 exige, pois, a tributação de produtos energéticos utilizados no processo de produção, na medida em que, nesse processo, sejam obtidos produtos que não são produtos energéticos.

30.

De facto, como recordei no n.o 21 destas conclusões, o Tribunal de Justiça decidiu, num dos processos relativos ao artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96, que essa norma só não se aplica nos casos de utilização de produtos energéticos para fins totalmente alheios à produção de produtos energéticos ( 12 ). A situação é diferente, porém, no caso da produção simultânea, no âmbito de um processo tecnológico, tanto de produtos energéticos, como de produtos que não são produtos energéticos.

31.

Importa, contudo, ter presente o contexto em que o supramencionado acórdão foi proferido. O processo Petrotel‑Lukoil dizia respeito à aplicação do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 a produtos energéticos utilizados para a produção de vapor de água, que em seguida era utilizado, entre outros, no processo de produção de produtos energéticos. Neste contexto, o Tribunal de Justiça entendeu que só estão excluídas da aplicação da referida disposição as situações em que produtos energéticos são utilizados para fins alheios à produção desses produtos. No entanto, se forem utilizados para a produção de produtos intermédios, e em seguida estes forem utilizados para a produção de produtos energéticos, aquela disposição aplica‑se inteiramente. Não há dúvidas de que os produtos finais que são objeto do processo Petrotel‑Lukoil são produtos energéticos.

32.

No presente processo está em causa uma situação diferente, nomeadamente um processo de produção simultânea de produtos energéticos e de produtos que não são produtos energéticos. Logo, as Conclusões do Tribunal de Justiça no processo Petrotel‑Lukoil não podem ser transpostas automaticamente para os factos subjacentes ao presente processo.

33.

Mais próximo do presente processo estará o processo Cristal Union ( 13 ). Esse processo versava sobre a questão de saber se a isenção de imposto dos produtos energéticos utilizados para a produção de eletricidade, prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, se aplica também a produtos energéticos utilizados para a produção simultânea de eletricidade e calor no processo dito de cogeração.

34.

Nesse processo, o Tribunal de Justiça não procedeu, na verdade, à interpretação do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96, mas aquele serve de base a uma analogia útil com o presente processo, pois versava sobre a isenção de imposto de produtos energéticos utilizados para a produção simultânea de energia que dava direito a essa isenção (isto é, eletricidade) e de energia que não dava direito a essa isenção (calor). Essa analogia é bem justificada, porquanto o mecanismo de cogeração assenta na ideia da utilização, para fins úteis e economicamente rentáveis, de energia gerada no processo de produção de outro tipo de energia, que num processo tecnológico clássico não seria utilizada e perder‑se‑ia. Há uma semelhança com o presente processo, que versa sobre produtos que não são produtos energéticos, cuja produção é uma consequência subsidiária e inevitável da produção de produtos energéticos, têm uma aplicação económica e, por isso, têm valor no mercado.

35.

No processo Cristal Union o Tribunal de Justiça não teve dúvidas de que a isenção, de natureza obrigatória, de imposto dos produtos energéticos utilizados para a produção de eletricidade se aplica no que respeita à cogeração ( 14 ). Porém, também não subsistiram dúvidas de que essa isenção só se aplica à parte dos produtos energéticos utilizados no processo de cogeração que serve para produzir eletricidade, na proporção dessa eletricidade face ao calor obtido em simultâneo. O Tribunal de Justiça assim o entendeu, ainda que todos os produtos energéticos utilizados no processo de cogeração sirvam tanto para produzir eletricidade, como para produzir calor. Não é possível distinguir a quantidade concreta desses produtos que serviu para a produção de cada um dos tipos de energia ( 15 ).

36.

O Tribunal de Justiça partiu, pois, do princípio de que, no caso da produção simultânea de produtos que dão direito à isenção e que são utilizados para produzir produtos energéticos e de produtos que não dão esse direito, a isenção é aplicada proporcionalmente às quantidades individuais de cada categoria de produto final obtida nesse processo de produção.

37.

Na minha opinião, pode‑se fazer um raciocínio análogo no presente processo. Na situação da produção simultânea de produtos energéticos e de produtos que não são produtos energéticos, o consumo de produtos energéticos com essa finalidade não é considerado, com base no artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96, facto gerador do imposto, mas só na proporção correspondente à fração dos produtos energéticos produzidos nesse processo.

38.

Neste aspeto, há que notar que o produtor de produtos energéticos que se encontre numa situação como a da Repsol não é de modo algum lesado pela tributação dos produtos energéticos que utiliza, proporcionalmente aos produtos, produzidos em simultâneo, que não são produtos energéticos. Assim, os produtos energéticos, na medida em que sejam utilizados para a produção de produtos energéticos, estão inteiramente sujeitos ao preceituado no artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96. Já na parte correspondente à produção de produtos que não são produtos energéticos, o imposto sobre os produtos energéticos utilizados para essa produção, enquanto imposto indireto, poderá ser inteiramente repercutido no preço desses produtos que não são produtos energéticos no mercado, o que sucede no caso de todos os outros produtos para cuja produção são utilizados produtos energéticos.

39.

Esta solução é mesmo exigida pela necessidade de uma concorrência leal. Assim, pode suceder que os produtos que não são produtos energéticos, produzidos simultaneamente com produtos energéticos num único processo tecnológico, se encontrem em concorrência face a produtos semelhantes, que não são produzidos em tais processos de produção integrados, e para cuja produção se utilizam, no entanto, produtos energéticos. Esses produtos energéticos serão, porém, tributados segundo a regra geral, pelo que os produtos energéticos utilizados num processo de produção combinado devem ser tratados de forma idêntica. Isto vale não só para os produtos realmente produzidos no processo tecnológico utilizado pela Repsol, mas também para todos os produtos que, quer no presente quer no futuro, são ou podem ser produzidos em simultâneo com quaisquer produtos energéticos.

40.

Nesse sentido, é irrelevante que a produção de produtos que não são produtos energéticos seja uma consequência subsidiária e inevitável da produção deste segundo tipo de produtos, ou que a respetiva produção, como por exemplo a obtenção de enxofre no processo de dessulfuração, seja imposta por normas jurídicas que tenham por objeto a proteção do ambiente. Todo o empresário que exerça uma atividade económica num determinado ramo tem de ter em conta os custos e limitações dessa atividade. O facto de, no processo de produção de determinados produtos, se obter também e inevitavelmente determinados produtos que não são produtos energéticos é uma característica geralmente conhecida deste tipo de atividade, e a possibilidade de venda destes últimos produtos no mercado faz parte do condicionalismo económico dessa atividade. Analogamente, faz parte desse condicionalismo a tributação dos produtos energéticos utilizados para efeitos dessa produção, proporcionalmente aos produtos obtidos que não são produtos energéticos.

41.

Também não concordo com a tese da Repsol de que a alteração da redação do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 face à redação do artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 92/81 implica alterações à sua interpretação.

42.

O artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 92/81 dispunha que o consumo de óleos minerais nas instalações de um estabelecimento produtor de óleos minerais não é considerado facto gerador do imposto, «se [esse consumo] se efetuar para efeitos d[a] produção» desses óleos. O segundo parágrafo desse número esclarecia, em seguida, que se o consumo se destinar a fins alheios à referida produção, é considerado facto gerador do imposto especial de consumo. Esta norma distinguia dois casos de consumo de óleos minerais: para fins conexos com a produção desses óleos e para fins alheios a essa produção. Eram categorias simultaneamente separadas e taxativas: não estavam previstas situações que se integrassem em ambas as categorias, nem situações que não se integrassem em nenhuma das duas categorias.

43.

A redação do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 não introduz qualquer alteração. Na verdade, no primeiro período desse número, que é o equivalente do primeiro parágrafo do n.o 3 do artigo 4.o da Diretiva 92/81 omite‑se a reserva de o consumo ser efetuado para fins conexos com a produção de produtos energéticos. Porém, mantém‑se essa reserva no terceiro período do referido preceito, que é o equivalente ao segundo parágrafo do n.o 3 do artigo 4.o da Diretiva 92/81 e tem uma redação, no essencial, idêntica. O legislador da União reconheceu muito claramente, a meu ver com razão, que era supérfluo manter a mesma reserva em ambos os períodos. Uma vez que o terceiro período exclui, pois, os casos de consumo de produtos energéticos para fins alheios, isso significa inevitavelmente que o primeiro período só abrange os casos de consumo conexo com essa produção. O conteúdo normativo do artigo 21.o, n.o 3, primeiro e terceiro períodos, da Diretiva 2003/96 é, pois, idêntico ao do artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 92/81 ( 16 ). Isso em nada é alterado pelo aditamento do segundo período do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96, que apenas enumera uma lista de casos de consumo de produtos energéticos que não se consideram factos geradores de imposto. Não muda o facto de o consumo dever ser efetuado para fins conexos com a produção desses produtos.

44.

Não há, pois, a alteração da lógica que a Repsol formula nas suas observações. De acordo com as suas observações, segundo o artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 92/81, tributar o consumo próprio de óleos minerais seria a regra, e a não tributação desses produtos a exceção. Pelo contrário, nos termos do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 a não tributação do consumo próprio de produtos energéticos é a regra, e a sua tributação — na situação em que o consumo não está conexo com a produção desses produtos — a exceção.

45.

É difícil concordar com esta tese. Quer segundo a Diretiva 92/81, quer segundo a Diretiva 2003/96, a lógica é a mesma, nomeadamente a de que a regra é a tributação, respetivamente, dos óleos minerais ou dos produtos energéticos, e a não tributação do consumo próprio desses produtos uma exceção que só se aplica se o consumo for efetuado para fins conexos com a produção desses produtos.

46.

Estas considerações, e em especial a coerência do sistema de tributação dos produtos energéticos estabelecido pela Diretiva 2003/96 e a necessidade de proteção da livre concorrência no mercado dos bens para cuja produção são utilizados produtos energéticos, exigem na minha opinião que se proceda a uma interpretação do artigo 21.o, n.o 3, dessa diretiva que vá além da conclusão que pode resultar do simples teor literal dessa disposição. É necessário notar que esse teor não dá uma resposta inequívoca à questão do método correto de tributação dos produtos energéticos utilizados para a produção simultânea de produtos energéticos e de produtos que não são produtos energéticos. Por isso, não se pode falar de uma interpretação contra legem, mas somente de um complemento, com recurso a elementos da interpretação sistemática, à conclusão resultante da interpretação literal.

47.

Nesse sentido, há que interpretar o artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 no sentido de que, na situação em que o processo de produção também gera, inevitavelmente, produtos que não são produtos energéticos, não se considera facto gerador do imposto o consumo de produtos energéticos para esses fins, na proporção desses produtos que corresponda à proporção dos produtos energéticos produzidos.

48.

Note‑se ainda que o artigo 21.o, n.o 3, da supramencionada diretiva só se aplica a produtos energéticos utilizados para a produção de produtos energéticos que se destinam a ser usados como carburante ou combustível de aquecimento. Estão excluídos da aplicação desse artigo, pois, os produtos energéticos utilizados não só para a produção de produtos que não sejam produtos energéticos na aceção do artigo 2.o, n.o 1, dessa diretiva, mas também de produtos que na verdade correspondem à definição dele constante aos quais a Diretiva 2003/96 não se aplica, por força do seu artigo 2.o, n.o 4, alínea b), primeiro travessão, porque não se destinam a serem usados como carburante ou combustível de aquecimento. Isto resulta inequivocamente da jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 17 ). Por isso, por produtos energéticos devem entender‑se exclusivamente os produtos abrangidos pelo sistema de tributação estabelecido pela Diretiva 2003/96.

49.

Na falta de normas, na Diretiva 2003/96, sobre o método para determinar a fração dos produtos energéticos sujeitos às regras do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96, tal continua a ser da competência dos Estados‑Membros ( 18 ). Esta questão foi, porém, objeto de discussão na audiência, pelo que cabe fazer sobre ela as observações que se seguem.

50.

Em primeiro lugar, no tocante aos produtos que não são produtos energéticos obtidos no processo de produção de produtos energéticos e que são, em seguida, novamente utilizados nesse processo de produção (como por exemplo o vapor de água), os mesmos constituem produtos intermédios, cuja produção dá lugar à aplicação da Diretiva 2003/96 ( 19 ).

51.

Em segundo lugar, concordo com o entendimento da Comissão de que o método mais adequado de cálculo da fração dos produtos energéticos sujeita às regras do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 é tomar por base as quantidades produzidas das categorias individuais de produtos finais, e não, por exemplo, o respetivo valor de mercado.

52.

Na minha opinião, o motivo para tanto não é, porém, como afirma a Comissão, o facto de o imposto sobre os produtos energéticos ser determinado em função da quantidade desses produtos. Com efeito, esse imposto incide sobre produtos energéticos utilizados como combustível de aquecimento no processo de produção, e não sobre os produtos finais dessa produção.

53.

O método baseado na proporção quantitativa das categorias individuais permite, pelo contrário, exprimir, ao mais alto grau, a fração dos produtos energéticos no processo de produção de cada categoria individual de produto. A quantidade de produtos energéticos indispensáveis está conexa, com efeito, com a quantidade de produtos finais individuais, e não com o respetivo valor.

54.

Por conseguinte, embora não seja possível pois, como a Repsol alega com razão, determinar com precisão a quantidade de produtos energéticos consumidos para cada categoria de produtos finais uma vez que, no processo de refinação de petróleo bruto, cada uma das categorias individuais de produtos finais é obtida a uma temperatura diferente, em minha opinião o método quantitativo permite calcular, com uma aproximação razoável, a fração dos produtos energéticos indispensáveis para obter cada categoria individual de produto final.

55.

Este método não exclui a aplicação de um limite mínimo fixado na lei nacional, abaixo do qual a quantidade de produtos que não são produtos energéticos obtida no processo de produção é tão reduzida que pode ser posta de lado e todos os produtos energéticos utilizados nesse processo podem ficar abrangidos pelas regras do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96. O limite mínimo não resolve, porém, o problema do cálculo da fração dos produtos energéticos sujeitos a essas regras, na situação em que a quantidade produzida de produtos que não são produtos energéticos excede esse limite.

Conclusão

56.

Por todo o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma à questão prejudicial submetida pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha):

O artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que, no processo de produção de produtos energéticos, também se obtêm, inevitavelmente, produtos que não são produtos energéticos, o consumo de produtos energéticos para efeitos dessa produção não é considerado facto gerador do imposto, na proporção desses produtos que corresponda à proporção dos produtos energéticos produzidos.


( 1 ) Língua original: polaco.

( 2 ) V., em especial, Acórdãos de 6 de junho de 2018, Koppers Denmark (C‑49/17, EU:C:2018:395); de 27 de junho de 2018, Turbogás (C‑90/17, EU:C:2018:498), e de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil (C‑68/18, EU:C:2019:933).

( 3 ) JO 2003, L 283, p. 51.

( 4 ) BOE n.o 312, de 29 de dezembro de 1992, p. 44305.

( 5 ) Diretiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO 1992, L 316, p. 12). Diretiva revogada e substituída pela Diretiva 2003/96.

( 6 ) A Diretiva 92/81 não continha, porém, uma autorização como a que atualmente consta do segundo período do n.o 3 do artigo 21.o da Diretiva 2003/96.

( 7 ) Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil [C‑68/18, EU:C:2019:933, n.o 30 (sublinhados meus)].

( 8 ) A jurisprudência do Tribunal de Justiça exige que se leve em conta o aspeto sistemático da interpretação das disposições do direito da União (v., relativamente ao artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96, Acórdão de 6 de junho de 2018, Koppers Denmark, C‑49/17, EU:C:2018:395, n.o 22).

( 9 ) Acórdão de 6 de junho de 2018, Koppers Denmark (C‑49/17, EU:C:2018:395, n.o 32).

( 10 ) Acórdão de 6 de junho de 2018, Koppers Denmark (C‑49/17, EU:C:2018:395, n.o 29).

( 11 ) Acórdão de 6 de junho de 2018, Koppers Denmark (C‑49/17, EU:C:2018:395, n.o 30).

( 12 ) Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil (C‑68/18, EU:C:2019:933, n.o 30).

( 13 ) Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union (C‑31/17, EU:C:2018:168).

( 14 ) Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union (C‑31/17, EU:C:2018:168, dispositivo).

( 15 ) V., em especial, Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union (C‑31/17, EU:C:2018:168, n.o 45), em que o Tribunal de Justiça se debruçou sobre a questão da eventual dificuldade de calcular a proporção dos produtos energéticos correspondente a cada um dos tipos de energia produzidos.

( 16 ) Com exceção, é claro, da ampliação da gama de produtos objeto das normas da Diretiva 2003/96.

( 17 ) Acórdão de 6 de junho de 2018, Koppers Denmark (C‑49/17, EU:C:2018:395, dispositivo).

( 18 ) V., no mesmo sentido, Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union (C‑31/17, EU:2018:168, n.o 45).

( 19 ) V. Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil (C‑68/18, EU:C:2019:933, n.o 28, e dispositivo, n.o 1).

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