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Document 62018TJ0248

Acórdão do Tribunal Geral (Sétima Secção) de 14 de julho de 2021 (Excertos).
Diosdado Cabello Rondón contra Conselho da União Europeia.
Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas tomadas devido à situação na Venezuela — Congelamento de fundos — Listas das pessoas, entidades e organismos aos quais se aplica o congelamento dos fundos e dos recursos económicos — Inscrição do nome do recorrente nas listas — Manutenção do nome do recorrente nas listas — Dever de fundamentação — Direitos de defesa — Princípio da boa administração — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Erro de apreciação — Liberdade de expressão.
Processo T-248/18.

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2021:450

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

14 de julho de 2021 ( *1 )

«Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas tomadas devido à situação na Venezuela — Congelamento de fundos — Listas das pessoas, entidades e organismos aos quais se aplica o congelamento dos fundos e dos recursos económicos — Inscrição do nome do recorrente nas listas — Manutenção do nome do recorrente nas listas — Dever de fundamentação — Direitos de defesa — Princípio da boa administração — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Erro de apreciação — Liberdade de expressão»

No processo T‑248/18,

Diosdado Cabello Rondón, residente em Caracas (Venezuela), representado por L. Giuliano e F. Di Gianni, advogados,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por S. Kyriakopoulou, P. Mahnič, V. Piessevaux e A. Antoniadis, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado a obter a anulação, por um lado, da Decisão (PESC) 2018/90 do Conselho, de 22 de janeiro de 2018, que altera a Decisão (PESC) 2017/2074 relativa a medidas restritivas tendo em conta a situação na Venezuela (JO 2018, L 16 I, p. 14), e da Decisão (PESC) 2018/1656 do Conselho, de 6 de novembro de 2018, que altera a Decisão (PESC) 2017/2074 relativa a medidas restritivas tendo em conta a situação na Venezuela (JO 2018, L 276, p. 10), e, por outro, do Regulamento de Execução (UE) 2018/88 do Conselho, de 22 de janeiro de 2018, que dá execução ao Regulamento (UE) 2017/2063 que impõe medidas restritivas tendo em conta a situação na Venezuela (JO 2018, L 16 I, p. 6), e do Regulamento de Execução (UE) 2018/1653 do Conselho, de 6 de novembro de 2018, que dá execução ao Regulamento (UE) 2017/2063 que impõe medidas restritivas tendo em conta a situação na Venezuela (JO 2018, L 276, p. 1), na parte em que esses atos dizem respeito ao recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: R. da Silva Passos, presidente, I. Reine (relatora) e L. Truchot, juízes,

secretário: B. Lefebvre, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de setembro de 2020,

profere o presente

Acórdão ( 1 )

[Omissis]

Questão de direito

[Omissis]

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação da liberdade de expressão

[Omissis]

100

Recorde‑se que o respeito dos direitos fundamentais impõe‑se a qualquer ação da União, incluindo no domínio da PESC, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 21.o e 23.o TUE (v. Acórdão de 27 de setembro de 2018, Ezz e o./Conselho, T‑288/15, EU:T:2018:619, n.o 58 e jurisprudência referida). Dado que a liberdade de expressão e de informação é garantida pelo artigo 11.o da Carta bem como, nas condições que adiante se referem, pelo artigo 10.o da CEDH, há que verificar se os atos impugnados respeitam esse direito.

101

No que respeita ao artigo 10.o da CEDH, saliente‑se que é verdade que esta convenção não constitui, enquanto a União a ela não tiver aderido, um instrumento jurídico formalmente integrado na ordem jurídica da União. Por conseguinte, o exame da validade de um ato de direito derivado da União deve ser efetuado à luz unicamente dos direitos fundamentais garantidos pela Carta. Porém, importa recordar, por um lado, que, nos termos do artigo 6.o, n.o 3, TUE, os direitos fundamentais reconhecidos pela CEDH fazem parte do direito da União enquanto princípios gerais e, por outro, que resulta do artigo 52.o, n.o 3, da Carta que os direitos nesta contidos, na medida em que esta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, têm o mesmo sentido e o mesmo alcance que os que lhe são conferidos pela CEDH. Nos termos das anotações relativas a esta disposição, as quais, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta, devem ser tomadas em consideração para efeitos da sua interpretação, o sentido e o alcance dos direitos garantidos são determinados não apenas pelo texto da CEDH mas também, designadamente, pela jurisprudência do TEDH. Além disso, resulta das referidas anotações que o artigo 52.o, n.o 3, da Carta visa garantir a coerência necessária entre os direitos contidos na Carta e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem que tal afete a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia. Acresce que deve ser salientado que esta equivalência entre as liberdades garantidas pela Carta e as garantidas pela CEDH foi formalmente declarada relativamente à liberdade de expressão (v. Acórdão de 31 de maio de 2018, Korwin‑Mikke/Parlamento, T‑770/16, EU:T:2018:320, n.o 38 e jurisprudência referida).

102

Resulta do próprio texto do artigo 11.o, n.o 1, da Carta e do artigo 10.o, n.o 1, da CEDH que «[q]ualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão». O TEDH já declarou que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e que essa disposição não distingue segundo a natureza do objetivo pretendido nem segundo o papel que as pessoas singulares ou coletivas desempenharam no exercício dessa liberdade (TEDH, 28 de setembro de 1999, Öztürk c. Turquia, CE:ECHR:1999:0928JUD002247993, n.o 49).

103

Importa salientar que o TEDH atribui um peso especial ao papel desempenhado pelos jornalistas como «cães de guarda» da sociedade em geral e da democracia em particular. Recomenda «a maior prudência» quando se trata de apreciar a validade das restrições à sua liberdade de expressão (v., neste sentido, TEDH, 24 de junho de 2014, Roșiianu c. Roménia, CE:ECHR:2014:0624JUD002732906, n.o 61). Sublinha igualmente que os meios de comunicação audiovisuais, como a rádio e a televisão, têm um papel particularmente importante a desempenhar a este respeito. Em razão do poder de que dispõem para veicular mensagens através do som e das imagens, produzem efeitos mais imediatos e poderosos do que a imprensa escrita. A função da televisão e da rádio, fontes de divertimento familiar no cerne da intimidade do telespectador ou do ouvinte, reforça ainda mais o seu impacto (TEDH, 17 de setembro de 2009, Manole e outros c. Moldávia, CE:ECHR:2009:0917JUD001393602, n.o 97).

104

Contudo, o TEDH considera que o direito dos jornalistas de comunicar informações sobre questões de interesse geral está protegido desde que atuem de boa‑fé, com base em factos exatos, e forneçam informações «fiáveis e precisas» com respeito pela ética jornalística. O artigo 10.o, n.o 2, da CEDH sublinha que o exercício da liberdade de expressão comporta «deveres e responsabilidades», que também se aplicam aos meios de comunicação mesmo tratando‑se de questões de grande interesse geral (v. TEDH, 17 de dezembro de 2004, Pedersen e Baadsgaard c. Dinamarca, CE:ECHR:2004:1217JUD004901799, n.o 78 e jurisprudência referida). Resulta da jurisprudência do TEDH que o facto de os meios de comunicação audiovisuais terem frequentemente efeitos muito mais imediatos e poderosos do que a imprensa escrita é um elemento a atender quando da apreciação dos «deveres e responsabilidades» referidos (v., neste sentido, TEDH, 16 de junho de 2015, Delfi AS c. Estónia, CE:ECHR:2015:0616JUD006456909, n.o 134).

105

Além disso, o TEDH entendeu que o artigo 10.o, n.o 2, da CEDH não deixava espaço para restrições à liberdade de expressão no domínio do discurso político ou das questões de interesse geral. Com efeito, em princípio, as afirmações que se reportem a essas questões de interesse público requerem uma forte proteção, contrariamente às que defendam ou justifiquem a violência, o ódio, a xenofobia ou outras formas de intolerância, que normalmente não são protegidas. O discurso político, por natureza, é fonte de polémicas e frequentemente virulento, mas não deixa de ser de interesse público, exceto se ultrapassar os limites e degenerar num apelo à violência, ao ódio ou à intolerância [TEDH, 15 de outubro de 2015, Perinçek c. Suíça, CE:ECHR:2015:1015JUD002751008, n.os 197, 230 e 231; v., igualmente, neste sentido, TEDH, 8 de julho de 1999, Sürek c. Turquia (No 1), CE:ECHR:1999:0708JUD002668295, n.os 61 e 62]. Segundo o TEDH, para determinar se as afirmações consideradas no seu conjunto podem representar uma incitação à violência, há que prestar atenção aos termos utilizados e ao contexto em que a sua difusão se inscreve (v., neste sentido, TEDH, 6 de julho de 2010, Gözel e Özer c. Turquia, CE:ECHR:2010:0706JUD004345304, n.o 52). Em especial, se essas afirmações tiverem sido feitas num contexto político ou social tenso, esse Tribunal reconhece geralmente que uma certa forma de ingerência que vise essas afirmações pode ser justificada ao abrigo do artigo 10.o, n.o 2, da CEDH (v., neste sentido, TEDH, 15 de outubro de 2015, Perinçek c. Suíça, CE:ECHR:2015:1015JUD002751008, n.o 205).

106

Para efeito da aplicação dos referidos princípios ao caso vertente, há que ter em conta o contexto do presente processo, que se caracteriza por especificidades que o distinguem daquelas que permitiram ao TEDH desenvolver a sua jurisprudência (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 93).

107

Com efeito, há que sublinhar que os princípios que decorrem da jurisprudência do TEDH foram definidos relativamente a situações em que uma pessoa que proferiu afirmações ou praticou ações consideradas inaceitáveis por um Estado que aderiu à CEDH viu serem-lhe impostas por esse Estado, onde estava estabelecida, medidas repressivas, frequentemente de natureza penal, e invoca a liberdade de expressão como meio de defesa contra o referido Estado (Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 94).

108

Em contrapartida, no presente caso, o recorrente é um cidadão venezuelano, que reside na Venezuela, que exerce no seu próprio país funções políticas e dispõe de um acesso importante aos meios de comunicação audiovisuais no referido país.

109

É neste contexto que o recorrente invoca o direito à liberdade de expressão. Não invoca, portanto, esse direito como meio de defesa contra o Estado venezuelano, mas para se precaver de medidas restritivas, de natureza cautelar, e não penal, que o Conselho adotou para reagir contra a situação existente na Venezuela (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 97).

110

É com base em todos estes princípios e todas estas considerações que importa examinar o presente fundamento.

111

Sublinhe‑se que o recorrente foi inscrito e mantido nas listas controvertidas como personalidade política venezuelana de primeiro plano, por ter atacado e ameaçado publicamente a oposição política, os meios de comunicação social e a sociedade civil. Este motivo permitiu ao Conselho aplicar o critério previsto no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Decisão 2017/2074, relativo à inscrição dos nomes das pessoas singulares cujas ações, políticas ou atividades põem de alguma maneira em causa a democracia ou o Estado de direito na Venezuela.

112

Importa realçar que as intervenções mediáticas do recorrente, nas quais o Conselho se baseou para justificar os atos impugnados, fazem parte, nomeadamente, dos seus atos políticos e das declarações durante mobilizações, perante a imprensa e em conferências de imprensa.

113

Daqui se conclui que o recorrente foi objeto das medidas restritivas em causa como personalidade política que praticou atos que põem em causa a democracia e o Estado de direito através de ameaças públicas e dirigidas contra a oposição política, os meios de comunicação social e a sociedade civil.

114

No que respeita ao argumento do recorrente em que este invoca um estatuto de comentador, de jornalista e de empresário de espetáculos, cabe sublinhar que a sua emissão de televisão semanal, a única prova, de resto, do estatuto de jornalista que invoca em seu proveito, constitui um prolongamento das suas atividades políticas. Com efeito, conforme resulta dos n.os 81 a 83, supra, o recorrente utilizou a sua emissão para atacar os seus opositores políticos e para dar instruções relativas a ações contra a oposição. De resto, conforme se referiu no n.o 112, supra, os atos do recorrente a que o Conselho atendeu não se limitam apenas à sua emissão de televisão. De qualquer modo, decorre da jurisprudência do TEDH que os princípios relativos à boa‑fé e às obrigações éticas dos jornalistas que estes são obrigados a respeitar para poderem invocar uma maior proteção face às ingerências que afetam a sua liberdade de expressão (v. n.o 104, supra) se aplicam igualmente às outras pessoas que participam no debate público (v., neste sentido, TEDH, 15 de fevereiro de 2005, Steel e Morris c. Reino Unido, CE:ECHR:2005:0215JUD006841601, n.o 90, e 29 de novembro de 2005, Urbino Rodrigues c. Portugal, CE:ECHR:2005:1129JUD007508801, n.o 25). Por conseguinte, os referidos princípios são pertinentes no que diz respeito à situação do recorrente, que, indubitavelmente, interveio no debate público em curso na Venezuela.

115

Do exame dos autos conclui‑se que o recorrente, sem ter assumido os «deveres e responsabilidades» a que se refere a jurisprudência do TEDH, utilizou livremente os meios de comunicação social para ameaçar e intimidar publicamente a oposição política, outros meios de comunicação social e a sociedade civil.

116

Em especial, o recorrente acusou jornalistas de serem cúmplices num ataque à bomba perpetrado contra a Guarda Nacional. Além disso, não contestou ter efetuado manobras de intimidação na sua página Internet dirigidas contra os movimentos que denunciavam as violações dos direitos do homem na Venezuela, ou ainda ter utilizado, no contexto da sua emissão de televisão, informações provenientes de gravações ilegais de conversas privadas para atacar opositores políticos. Também não contestou as informações segundo as quais incitou à repressão brutal através de uma retórica incendiária, deu instruções para que fossem enviadas forças de combate contra as manifestações da oposição, ameaçou publicamente dirigentes da oposição ao declarar «sabemos onde viveis», exibido publicamente um «manual dos combatentes revolucionários» que continha informações pessoais sobre os dirigentes da oposição, nomeadamente sobre o seu lugar de residência, a fim de intimidar a oposição. O recorrente também não pôs em causa a informação constante de um relatório da OEA de 14 de março de 2017 segundo a qual estava implicado em atos de tortura.

117

Por conseguinte, importa reconhecer que os atos do recorrente que o Conselho examinou no seu processo constituem uma incitação à violência, ao ódio e à intolerância na aceção da jurisprudência evocada no n.o 105, supra, pelo que não podem beneficiar da liberdade de expressão acrescida que, em princípio, protege as afirmações proferidas num contexto político. Com efeito, esses atos são verdadeiros ataques que põem em causa a democracia e o Estado de direito na Venezuela.

118

Por conseguinte, há que rejeitar os argumentos do recorrente sobre o seu papel de jornalista no que respeita à liberdade de expressão de que gozam os jornalistas.

119

Além disso, é verdade que, conforme foi recordado no n.o 102, supra, «qualquer pessoa» beneficia da liberdade de expressão. A isto acresce que, no caso vertente, as medidas restritivas impostas ao recorrente podem resultar em limitações à sua liberdade de expressão uma vez que foram decididas pelo Conselho em razão, nomeadamente, de algumas das suas afirmações e são, portanto, suscetíveis de o dissuadir de se exprimir em termos semelhantes. Porém, deve sublinhar‑se que a liberdade de expressão não constitui uma prerrogativa absoluta e pode ser objeto de limitações nas condições enunciadas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

120

Para ser conforme com o direito da União, uma limitação à liberdade de expressão deve preencher um triplo requisito. Primeiro, a limitação em causa deve estar «prevista na lei». Por outras palavras, a instituição da União que adota medidas suscetíveis de restringir a liberdade de expressão de uma pessoa deve dispor de uma base legal para esse fim. Em segundo lugar, a limitação deve prosseguir um objetivo de interesse geral, reconhecido como tal pela União. Em terceiro lugar, a limitação em causa não deve ser excessiva (v. Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 69 e jurisprudência referida).

121

Quanto ao primeiro requisito, importa observar que, no caso vertente, a limitação está «prevista na lei», dado que se encontra enunciada em atos que têm designadamente um alcance geral e dispõe de bases jurídicas claras em direito da União, a saber, o artigo 29.o TUE e o artigo 215.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 72).

122

Quanto ao segundo requisito, observe‑se que, como resulta do exame do segundo fundamento, os atos impugnados estão em conformidade, no que respeita ao recorrente, com o objetivo, a que se refere o artigo 21.o, n.o 2, alínea b), TUE, de consolidar e apoiar a democracia e o Estado de direito na medida em que se inscrevem numa política destinada a favorecer a democracia na Venezuela.

123

Quanto ao terceiro requisito, saliente‑se que este comporta duas partes: por um lado, as limitações à liberdade de expressão suscetíveis de decorrer das medidas restritivas em causa devem ser necessárias e proporcionadas ao objetivo pretendido e, por outro, a substância dessa liberdade não deve ser afetada (v., por analogia, Acórdão 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 84). No que respeita à primeira parte, recorde‑se que o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral do direito da União, exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos prosseguidos pela regulamentação em causa. Assim, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, deve recorrer‑se à menos restritiva e os inconvenientes causados não devem ser desmedidos relativamente aos objetivos visados (Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 87).

124

A esse respeito, a jurisprudência precisa que, quanto à fiscalização jurisdicional do respeito do princípio da proporcionalidade, há que reconhecer ao legislador da União um amplo poder de apreciação em domínios que implicam que faça escolhas de natureza política, económica e social, nos quais é chamado a efetuar apreciações complexas. Assim, só o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada nesses domínios em relação ao objetivo que a instituição competente tenciona prosseguir pode afetar a legalidade de tal medida (Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 88).

125

No caso vertente, no que respeita ao caráter adequado das medidas restritivas, como as impostas ao recorrente, atento um objetivo de interesse geral tão fundamental para a comunidade internacional como a proteção da democracia e do Estado de direito, afigura‑se que o congelamento de fundos, de ativos financeiros e de outros recursos económicos das pessoas identificadas como estando implicadas em atos que põem em causa a democracia na Venezuela não podem, enquanto tais, ser considerados inadequados (v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2020, Boshab/Conselho, T‑171/18, não publicado, EU:T:2020:55, n.o 134 e jurisprudência referida). Ora, conforme se referiu no n.o 117, supra, o recorrente, através das suas incitações à violência, ao ódio e à intolerância, está na origem desses atos.

126

Quanto ao caráter necessário das limitações em causa, há que observar que medidas restritivas alternativas e menos restritivas, tais como um sistema de autorização prévia ou uma obrigação de justificação a posteriori do uso dos fundos pagos, não permitem alcançar tão eficazmente os objetivos prosseguidos, a saber, o exercício de pressão sobre os decisores venezuelanos responsáveis pela situação na Venezuela, nomeadamente tendo em conta possibilidade de contornar as restrições impostas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 85).

127

Além disso, recorde‑se que o artigo 7.o, n.o 4, da Decisão 2017/2074 e o artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento 2017/2063 preveem a possibilidade de se autorizar o desbloqueio de certos fundos ou de recursos económicos congelados para que as pessoas em causa possam fazer face a necessidades fundamentais ou satisfazer certos compromissos.

128

Uma vez que as limitações à liberdade de expressão do recorrente que as medidas restritivas em causa são suscetíveis de implicar para o recorrente são necessárias e proporcionadas ao objetivo pretendido, importa examinar se põem em causa a substância dessa liberdade.

129

Recorde‑se que as medidas restritivas em causa preveem, por um lado, que os Estados‑Membros tomem as medidas necessárias para impedir a sua entrada ou a sua passagem em trânsito no seu território e, por outro, um congelamento dos seus fundos e dos seus recursos económicos colocados na União.

130

Ora, o recorrente é nacional de um Estado terceiro à União, a Venezuela, e reside nesse Estado, onde exerce a sua atividade profissional de homem político ativo igualmente nos meios de comunicação social desse país. Por conseguinte, as medidas restritivas em causa não põem em causa a substância do direito do recorrente de exercer a sua liberdade de expressão designadamente no âmbito da sua atividade profissional no setor dos meios de comunicação social, no país onde reside e trabalha (v., por analogia, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 123).

131

Além disso, essas medidas têm caráter temporário e reversível. Com efeito, resulta do artigo 13.o da Decisão 2017/2074 que esta fica sujeita a reapreciação permanente (v. n.o 7, supra).

132

Por conseguinte, as medidas restritivas de que o recorrente é objeto não violam a sua liberdade de expressão.

133

Atento tudo o exposto, deve ser julgado improcedente o terceiro fundamento.

[Omissis]

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

 

1)

O recurso é julgado improcedente.

 

2)

Diosdado Cabello Rondón é condenado nas despesas.

 

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de julho de 2021.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.

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