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Document 62018CO0334(01)

    Despacho do juiz das medidas provisórias de 22 de novembro de 2018.
    Hércules Club de Fútbol, SAD contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Despacho de medidas provisórias — Auxílios estatais — Auxílios concedidos pelas autoridades espanholas a favor de determinados clubes de futebol — Aval concedido por uma entidade pública no âmbito de empréstimos a favor de três clubes de futebol da Comunidade Autónoma de Valência — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado interno — Ordem de recuperação — Suspensão da execução — Urgência — Fundamentação — Proteção jurisdicional efetiva.
    Processo C-334/18 P(R).

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:952

    DESPACHO DO JUIZ DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS

    22 de novembro de 2018 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Despacho de medidas provisórias — Auxílios estatais — Auxílios concedidos pelas autoridades espanholas a favor de determinados clubes de futebol — Aval concedido por uma entidade pública no âmbito de empréstimos a favor de três clubes de futebol da Comunidade Autónoma de Valência — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado interno — Ordem de recuperação — Suspensão da execução — Urgência — Fundamentação — Proteção jurisdicional efetiva»

    No processo C‑334/18 P(R),

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 57.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 22 de maio de 2018,

    Hércules Club de Fútbol SAD, com sede em Alicante (Espanha), representada por Y. Martínez Mata e S. Rating, abogados,

    recorrente,

    sendo as outras partes no processo:

    Comissão Europeia, representada por B. Stromsky, G. Luengo e P. Němečková, na qualidade de agentes,

    recorrida em primeira instância,

    Reino de Espanha,

    interveniente em primeira instância,

    O JUIZ DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS,

    ouvido o advogado‑geral G. Hogan,

    profere o presente

    Despacho

    1

    No seu recurso, a Hércules Club de Fútbol SAD (a seguir «Hércules CF») pede a anulação do Despacho do presidente do Tribunal Geral da União Europeia de 22 de março de 2018, Hércules Club de Fútbol/Comissão (T‑766/16 R, não publicado, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2018:170), pelo qual este indeferiu o seu pedido de suspensão da execução da Decisão (UE) 2017/365 da Comissão, de4 de julho de 2016, relativa a auxílios estatais SA.36387 (2013/C) (ex 2013/NN) (ex 2013/CP) concedidos por Espanha ao Valencia Club de Fútbol [SAD], ao Hércules Club de Fútbol [SAD] e ao Elche Club de Fútbol [SAD] (JO 2017, L 55, p. 12; a seguir «decisão controvertida»).

    Antecedentes do litígio

    2

    A recorrente, Hércules CF, é um clube de futebol profissional fundado em 1922, que joga na segunda divisão B da liga espanhola de futebol.

    3

    Em 2012 e em 2013, a Comissão Europeia foi alertada para a existência de alegados auxílios estatais, concedidos pela Generalitat Valenciana sob a forma de avales de empréstimos bancários a três clubes de futebol da Comunidade Autónoma de Valência, entre os quais a Hércules CF.

    4

    Em 4 de julho de 2016, a Comissão adotou a decisão controvertida. Nesta decisão, declarou, em substância, no seu artigo 1.o, que o Reino de Espanha tinha concedido ilegalmente auxílios estatais, incompatíveis com o mercado interno, nomeadamente à Fundación Hércules Club de Fútbol (a seguir «Fundación Hércules»), no montante de 6143000 euros, a título do aval público concedido pelo Instituto Valenciano de Finanzas, a instituição financeira da Generalitat Valenciana, para cobrir um empréstimo bancário concedido à Fundación Hércules, para subscrição de ações da Hércules CF, no âmbito da operação de aumento de capital desta. Nos artigos 2.o a 4.o da decisão controvertida, a Comissão ordenou que o Reino de Espanha procedesse à recuperação imediata e efetiva do auxílio estatal em causa junto da Hércules CF, incluindo os juros a contar da data em que o auxílio foi colocado à disposição deste e que lhe comunicasse as informações relativas à aplicação desta decisão.

    Tramitação do processo no Tribunal Geral e despacho recorrido

    5

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de novembro de 2016, a recorrente interpôs um recurso destinado, em substância, à anulação da decisão controvertida.

    6

    Por articulado separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, a recorrente apresentou um pedido de medidas provisórias com vista à suspensão da execução do artigo 2.o da decisão controvertida, na medida em que nele a Comissão ordena a recuperação do auxílio estatal em causa junto da recorrente.

    7

    Em 9 de novembro de 2016, o presidente do Tribunal Geral colocou à recorrente questões para resposta escrita, às quais esta respondeu no mesmo dia.

    8

    Por despacho de 11 de novembro de 2016, o presidente do Tribunal Geral, em conformidade com o artigo 157.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, concedeu provisoriamente a suspensão da execução até à adoção do despacho que ponha termo ao processo de medidas provisórias.

    9

    Em 11 de dezembro de 2017, o presidente do Tribunal Geral convidou a recorrente «a dar informações atuais sobre a sua situação financeira, comprovadas por elementos documentais adequados, incluindo a última demonstração financeira auditada, assim como qualquer outro tipo de informações relevantes relativas às alterações que ocorreram após a apresentação do pedido de medidas provisórias». A recorrente deu cumprimento a este pedido em 21 de dezembro de 2017. Em 18 de janeiro de 2018, a Comissão tomou posição sobre as respostas dadas pela recorrente.

    10

    Em 22 de março de 2018, o presidente do Tribunal Geral adotou o despacho recorrido, pelo qual indeferiu o pedido de medidas provisórias.

    11

    Para o efeito, o presidente do Tribunal Geral apreciou, antes de mais, se o requisito relativo à urgência estava preenchido. A este respeito, recordou, no n.o 33 do despacho recorrido, que, segundo jurisprudência constante, no caso de um pedido de suspensão da execução de um ato da União, a concessão da medida provisória solicitada só se justifica se o ato em causa constituir a causa determinante do prejuízo grave e irreparável alegado. Acrescentou, no n.o 35 do referido despacho, que quando o prejuízo invocado é de ordem financeira, as medidas provisórias solicitadas justificam‑se se, na falta delas, a parte requerente ficaria numa situação suscetível de pôr em perigo a sua viabilidade financeira antes que a decisão que põe termo ao processo tivesse lugar ou se as suas quotas de mercado se iriam alterar de forma significativa em relação, nomeadamente, à dimensão e ao volume de negócios da sua empresa, assim como às características do grupo ao qual a mesma pertence.

    12

    Resulta do n.o 41 do despacho recorrido que, para demonstrar a urgência da suspensão da execução pedida, a recorrente alegou, por um lado, que a recuperação do montante em causa punha em perigo a sua viabilidade financeira conduzindo à sua liquidação e, por outro, que a sua liquidação teria consequências de ordem não pecuniária, uma vez que deixaria de poder participar em competições desportivas, o que teria repercussões negativas tanto para os organizadores de competições como para os clubes participantes e que a sua extinção geraria conflitos sociais e perdas económicas na região.

    13

    A este respeito, o presidente do Tribunal Geral declarou, no n.o 42 do despacho recorrido, que o prejuízo invocado pela recorrente era de ordem pecuniária.

    14

    No termo da análise dos elementos apresentados pela recorrente, o presidente do Tribunal Geral considerou, em substância, nos n.os 48 a 53 do despacho recorrido, que, atendendo à insuficiência das informações dadas pela recorrente, não estava em condições de apreciar se, para efeitos do exame da urgência, podia limitar‑se a apreciar a situação da recorrente considerada isoladamente ou se devia ter em conta eventuais contribuições de terceiros ou dos acionistas desta. Assim, o presidente do Tribunal Geral declarou que, como a recorrente não apresentou uma imagem fiel e global da sua situação financeira, não podia concluir pela existência de um risco para a sua viabilidade financeira.

    15

    Por conseguinte, o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de medidas provisórias da recorrente e proferiu o seu despacho de 11 de novembro de 2016.

    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

    16

    No seu recurso, a recorrente pede, em substância, que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o despacho recorrido;

    ordenar a suspensão da execução da decisão controvertida;

    adotar o despacho de suspensão inaudita altera parte, nos termos do artigo 160.o, n.o 7, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça; e

    condenar a Comissão nas despesas.

    17

    Por articulado separado, apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de junho de 2018, a recorrente apresentou um pedido de medidas provisórias.

    18

    Uma vez que o vice‑presidente e a presidente da Primeira Secção do Tribunal de Justiça estavam impedidos, o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Justiça foi designado, em 4 de junho de 2018, para exercer as funções de juiz das medidas provisórias, nos termos do artigo 13.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    19

    Na sua contestação, apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de junho de 2018, a Comissão pede que este Tribunal se digne:

    julgar o recurso inadmissível;

    negar provimento ao recurso;

    indeferir o pedido de suspensão da execução, a título cautelar, da decisão controvertida, incluindo o pedido suspensão inaudita altera parte; e

    condenar a recorrente nas despesas.

    20

    Por despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal de Justiça de 5 de julho de 2018, Hércules Club de Fútbol/Comissão [C‑334/18 P(R)‑R, não publicado, EU:C:2018:548], adotado sem ter ouvido as outras partes no processo em conformidade com o artigo 160.o, n.o 7, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, foi suspensa a execução da decisão controvertida até à adoção do despacho que for proferido em primeiro lugar, o que põe termo ao processo de medidas provisórias ou o que decide o presente recurso.

    Quanto ao pedido para que seja ordenada, inaudita altera parte, a suspensão da execução da decisão controvertida

    21

    No seu recurso, a recorrente pediu que fosse ordenada, inaudita altera parte, a suspensão da execução da decisão controvertida.

    22

    Nos termos do artigo 160.o, n.o 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, tal pedido deve ser apresentado em requerimento separado, tendo este requerimento sido apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça, conforme referido no n.o 17 do presente despacho.

    23

    Daqui resulta que o referido pedido, na medida em que foi formulado no recurso, é inadmissível [v., neste sentido, Acórdãos de 21 de janeiro de 1965, Merlini/Haute Autorité, 108/63, EU:C:1965:4, p. 12, e de 17 de junho de 1965, Itália/Comissão, 32/64, EU:C:1965:61, p. 484, assim como Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 16 de junho de 2016, ICA Laboratories e o./Comissão, C‑170/16 P(R), não publicado, EU:C:2016:462, n.os 21 a 24].

    Quanto ao recurso

    Quanto à admissibilidade

    24

    A Comissão contesta a admissibilidade do recurso que, em seu entender, visa obter uma nova apreciação dos factos conhecidos pelo Tribunal Geral.

    25

    A este respeito, importa observar que, no seu primeiro fundamento, a recorrente alega, em substância, que o presidente do Tribunal Geral presumiu erradamente, por um lado, que, para avaliar a situação financeira de uma empresa, deviam ser tidas em conta hipotéticas contribuições graciosas de terceiros ou de acionistas minoritários e, por outro, que, no caso em apreço, as contribuições de tais pessoas poderiam ter alcançado o montante referido na ordem de recuperação.

    26

    Este fundamento pretende, em substância, pôr em causa o caráter suficiente da fundamentação da conclusão constante do n.o 49 do despacho recorrido, segundo a qual a recorrente poderia dispor da contribuição de terceiros para fazer face às suas obrigações financeiras resultantes da ordem de recuperação.

    27

    Ora, é jurisprudência constante que a questão de saber se a fundamentação de um despacho do presidente do Tribunal Geral é insuficiente constitui uma questão jurídica que pode ser, enquanto tal, invocada no âmbito de um recurso (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Siemens e o./Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, não publicado, EU:C:2013:866, n.o 67).

    28

    Com o seu segundo fundamento, a recorrente alega que o presidente do Tribunal Geral violou os direitos da defesa, ao basear a sua conclusão relativa à não apresentação de uma imagem fiel e global da sua situação financeira numa alegada alteração da estrutura acionista da recorrente, a qual não teria sido de forma alguma evocada no âmbito do processo no Tribunal Geral.

    29

    Ora, uma eventual violação dos direitos da defesa no Tribunal Geral é uma questão jurídica que é admissível em sede de recurso (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2016, Marchiani/Parlamento, C‑566/14 P, EU:C:2016:437, n.o 38).

    30

    Daqui resulta que o recurso é admissível.

    Quanto ao mérito

    31

    A recorrente invoca dois fundamentos de recurso.

    Quanto ao primeiro recurso

    32

    No seu primeiro recurso, que visa o n.o 49 do despacho recorrido, a recorrente critica o presidente do Tribunal Geral por ter baseado numa dupla presunção a sua conclusão de que as informações que a recorrente apresentou não eram nem completas nem fiáveis. Com efeito, este, por um lado, presumiu erradamente que deviam ser tidas em conta, para avaliar a situação financeira de uma empresa, hipotéticas contribuições graciosas de terceiros ou de acionistas minoritários e, assim, que se devia considerar que as pessoas dispostas a contribuir com recursos modestos para uma empresa exercem controlo sobre esta ou pertencem ao mesmo grupo. Por outro, a recorrente alega que, mesmo admitindo que o estabelecimento de tal presunção não enferma de um erro de direito, o presidente do Tribunal Geral se limitou, erradamente, a presumir que as contribuições de tais pessoas poderiam ter alcançado o montante referido na ordem de recuperação.

    33

    A Comissão contesta a argumentação da recorrente. Considera que o Tribunal Geral teve acertadamente em conta, para apreciar a situação material da recorrente, os recursos de que dispõe globalmente o grupo a que esta pertence. Em particular, é o que sucede com um clube de futebol, em que não apenas os acionistas, mas igualmente os membros e os simpatizantes, têm interesse em que o clube prossiga as suas atividades desportivas.

    34

    No despacho recorrido, nomeadamente no seu n.o 28, o presidente do Tribunal Geral recordou, por um lado, que a suspensão da execução e outras medidas provisórias podem ser concedidas pelo juiz do processo de medidas provisórias, se for demonstrado que, à primeira vista, a sua concessão se justifica de facto e de direito (fumus boni juris) e que são urgentes, no sentido de que é necessário, para evitar um prejuízo grave e irreparável dos interesses da parte que as solicita, que sejam decretadas e produzam os seus efeitos antes da decisão no processo principal e, por outro, que estes requisitos são cumulativos, pelo que, se um deles não se verificar, as medidas provisórias devem ser indeferidas. Sublinhou igualmente, no n.o 38 do despacho recorrido, que o juiz das medidas provisórias deve dispor de indicações concretas e precisas, comprovadas por provas documentais detalhadas e certificadas, que demonstrem a situação em que se encontra a parte que requer as medidas provisórias e que permitam apreciar as consequências que provavelmente resultariam da inexistência das medidas requeridas, que, em princípio, implicam que a referida parte, nomeadamente quando invoca a ocorrência de um prejuízo de natureza financeira, deve apresentar, apoiada por documentos, uma imagem fiel e global da sua situação financeira.

    35

    Em seguida, o presidente do Tribunal Geral apreciou se estava preenchido o requisito relativo à urgência.

    36

    A este respeito, nos n.os 44 a 47 do despacho recorrido, recordou que, para apreciar a situação material de uma sociedade, nomeadamente a sua viabilidade financeira, há que ter em conta as características do grupo de sociedades ao qual está ligada pela sua estrutura acionista e, em particular, os recursos de que dispõe globalmente este grupo, o que pode levar o juiz das medidas provisórias a considerar que o requisito da urgência não está cumprido apesar do previsível estado de insolvência da sociedade recorrente, considerada individualmente. Assim, sublinhou que o caráter grave do alegado prejuízo deve ser apreciado a nível do grupo composto pelas pessoas singulares ou coletivas que a controlam ou que dela são membros, uma vez que a coincidência dos interesses da sociedade em causa e destas pessoas justifica que o interesse desta sociedade em prosseguir a sua atividade não seja apreciado independentemente do interesse das referidas pessoas na sua sustentabilidade. Acrescentou que esta jurisprudência é aplicável não apenas às pessoas coletivas, mas igualmente às pessoas singulares que controlam a sociedade em causa.

    37

    Quanto à aplicação desta jurisprudência à situação material da recorrente, o presidente do Tribunal Geral, nos n.os 48 e 49 do despacho recorrido, declarou o seguinte:

    «48

    Ora, por um lado, resulta da resposta [da recorrente] de 21 de dezembro de 2017 que investiu em “jogadores de qualidade” cujos salários excedem os seus rendimentos e que “o presidente [da recorrente] se comprometeu formalmente perante a Comisión Delegada de la Liga de Fútbol Profesional, em 21 de setembro de 2017, a cobrir o défice registado através de contribuições de particulares”.

    49

    Daqui resulta que [a recorrente] dispõe da contribuição de terceiros para fazer face aos compromissos que excedem os seus próprios recursos económicos. Este elemento suscita necessariamente interrogações relativas à questão de saber se, e em que medida, [a recorrente] pode beneficiar de tal contribuição para pagar a quantia reclamada pelo [Instituto Valenciano de Finanzas] a título da execução da decisão [controvertida]. Todavia, [a recorrente] não apresenta informações a este respeito.»

    38

    Há que recordar que resulta de jurisprudência constante que as decisões do Tribunal Geral devem ser suficientemente fundamentadas para que o Tribunal de Justiça possa exercer a sua fiscalização jurisdicional. A este respeito, basta que o raciocínio seja claro e compreensível e possa, além disso, fundamentar a conclusão que visa apoiar [v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2002, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑232/02 P(R), EU:C:2002:601, n.o 56, e Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 2013, Comissão/Alemanha, C‑426/13 P(R), EU:C:2013:848, n.o 66].

    39

    Por outro lado, resulta de jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça que este não impõe que o Tribunal Geral apresente uma exposição que siga, de forma exaustiva e um por um, todos os raciocínios articulados pelas partes no litígio, e que a fundamentação do Tribunal Geral pode, assim, ser implícita desde que permita ao interessado conhecer as razões pelas quais o Tribunal Geral não julgou procedentes os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 14 de junho de 2016, Chemtura Netherlands/EFSA, C‑134/16 P(R), não publicado, EU:C:2016:442, n.o 47, e jurisprudência referida].

    40

    No caso em apreço, como alega a recorrente, resulta do n.o 48 do despacho recorrido que, no seu articulado de 21 de dezembro de 2017, indicou ao presidente do Tribunal Geral, na sequência do convite referido no n.o 9 do presente despacho, que o seu presidente se tinha comprometido, tendo em conta a circunstância de que o montante dos salários de alguns jogadores excedia os rendimentos da recorrente, a cobrir o défice registado a este respeito através de contribuições de particulares.

    41

    Embora seja certo, como concluiu, em substância, o presidente do Tribunal Geral no n.o 49 do despacho recorrido, que tal declaração do presidente da recorrente demonstra que esta pode dispor, de forma limitada, da contribuição de particulares para fazer face aos défices de tesouraria mencionados na referida declaração, não permite, por si só e na falta de outros fundamentos a este respeito, concluir, para efeitos da avaliação da situação material da recorrente, que tais contribuições, em conformidade com a jurisprudência referida pelo presidente do Tribunal Geral nos n.os 44 a 47 do despacho recorrido e recordada no n.o 36 do presente despacho, devem ser consideradas emanadas do grupo de sociedades a que a recorrente está ligada pela sua estrutura acionista, sublinhando expressamente o presidente do Tribunal Geral a este respeito que se trata de contribuições de «terceiros».

    42

    Como afirmou corretamente a recorrente, tal declaração também não pode, por si só e na falta de outros fundamentos a este respeito, constituir a base da conclusão de que tais contribuições particulares, limitadas ao défice de tesouraria causado pelo pagamento de salários aos atletas de um clube que joga na segunda divisão B da liga espanhola de futebol, podem alcançar o montante referido na ordem de recuperação em causa.

    43

    Por conseguinte, há que considerar que o despacho recorrido enferma de fundamentação insuficiente a este respeito.

    44

    Daqui resulta que o primeiro fundamento do recurso é procedente.

    Quanto ao segundo fundamento

    45

    No seu segundo fundamento, que visa o n.o 50 do despacho recorrido, a recorrente alega que o presidente do Tribunal Geral violou os direitos da defesa, ao basear as suas conclusões relativas a alegadas alterações da estrutura acionista da recorrente em informações que não figuram nos autos no Tribunal Geral e sobre cuja relevância as partes não foram ouvidas.

    46

    A Comissão contesta a argumentação da recorrente. É pacífico que a recorrente não comunicou ao presidente do Tribunal Geral a alteração que ocorreu na sua estrutura acionista. A tomada em consideração deste elemento para apreciação da viabilidade financeira da recorrente é, a este respeito, irrelevante.

    47

    O princípio do contraditório faz parte dos direitos da defesa. Aplica‑se a todos os procedimentos suscetíveis de conduzir a decisões de instituições da União que afetem de forma sensível os interesses de uma pessoa. Os órgãos jurisdicionais da União asseguram o respeito e respeitam eles próprios o princípio do contraditório (Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.os 50 e 51 e jurisprudência referida).

    48

    Assim, o Tribunal de Justiça já decidiu que fundamentar uma decisão judicial em factos e documentos de que as partes, ou uma delas, não estavam em condições de tomar posição violaria um princípio elementar do direito (v., neste sentido, Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 52 e jurisprudência referida).

    49

    No caso em apreço, no que respeita à tomada em consideração pelo presidente do Tribunal Geral de uma eventual alteração na composição da estrutura acionista da recorrente, os n.os 50 a 52 do despacho recorrido estabelecem o seguinte:

    «50

    Por outro lado, afigura‑se que as alterações relativas à estrutura acionista [da recorrente] ocorreram antes da resposta [da recorrente] de 21 de dezembro de 2017. Todavia, apesar da medida de organização do processo, adotada pelo presidente do Tribunal Geral em 11 de dezembro de 2017, segundo a qual [a recorrente] devia fornecer “qualquer outro tipo de informações relevantes relativas às alterações que ocorreram após a apresentação do pedido de medidas provisórias”, [a recorrente] não forneceu qualquer informação relativa a esta operação.

    51

    Tal informação era ainda mais necessária uma vez que [a recorrente] conhecia a jurisprudência recordada nos n.os 44 a 47 [do despacho recorrido] e que resulta do n.o 73 do seu pedido de medidas provisórias que [esta] afirmava que a mesma era irrelevante no seu caso, atendendo à inexistência de “acionista maioritário ao qual poderia ser aplicável a jurisprudência relativa aos recursos dos terceiros suscetíveis de pôr em causa a urgência”. A este respeito, [a recorrente] precisou no seu pedido de medidas provisórias que resultava da lista dos seus acionistas atuais que “o acionista principal continua a ser a Fundación Hércules, cuja falta de recursos foi confirmada pela Comissão”.

    52

    Neste contexto, tendo em conta as informações insuficientes fornecidas pela [recorrente], o presidente do Tribunal Geral não está em condições de apreciar se, para efeitos do exame da urgência, pode limitar‑se a apreciar a situação [da recorrente considerada] isoladamente ou se deve ter em conta uma eventual contribuição da estrutura acionista da qual poderia beneficiar [a recorrente].»

    50

    A este respeito, resulta do n.o 50 do despacho recorrido, nomeadamente da utilização do termo «afigura‑se», que o presidente do Tribunal Geral baseou a sua conclusão relativa às alegadas alterações na estrutura acionista da recorrente em elementos que não constavam dos autos no Tribunal Geral, tendo a Comissão referido a este respeito, na sua contestação, que tal alteração da estrutura acionista tinha sido «mencionada na imprensa da altura».

    51

    Por outro lado, é pacífico que, não obstante a circunstância de tais elementos terem fundamentado a conclusão do presidente do Tribunal Geral, segundo a qual a recorrente não apresentou uma imagem fiel e global da sua situação financeira, as partes não tiveram condições para tomar posição sobre a realidade e a relevância de tais elementos, em violação do princípio do contraditório.

    52

    Daqui resulta que o segundo fundamento do recurso é igualmente procedente.

    53

    Tendo em consideração o exposto, há que anular o despacho recorrido.

    Quanto ao pedido de suspensão da execução

    54

    Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral, pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento. Esta disposição é igualmente aplicável aos recursos interpostos em conformidade com o artigo 57.o, segundo parágrafo, deste estatuto [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 23 de abril de 2015, Comissão/Vanbreda Risk & Benefits, C‑35/15 P(R), EU:C:2015:275, n.o 59, e Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2016, EMA/Pari Pharma, C‑406/16 P(R), não publicado, EU:C:2016:775, n.o 49].

    55

    Não estando o processo em condições de ser julgado, deve ser remetido ao Tribunal Geral para julgamento, em conformidade com o artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

     

    Pelos fundamentos expostos, o juiz das medidas provisórias decide:

     

    1)

    É anulado o Despacho do presidente do Tribunal Geral da União Europeia de 22 de março de 2018, Hércules Club de Fútbol/Comissão (T‑766/16 R, não publicado, EU:T:2018:170).

     

    2)

    O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

     

    3)

    Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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