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Document 62018CJ0769

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 12 de março de 2020.
    Caisse d’assurance retraite et de la santé au travail d’Alsace-Moselle contra SJ e Ministre chargé de la Sécurité sociale.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (França).
    Reenvio prejudicial — Segurança social dos trabalhadores migrantes — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigo 5.o, alínea b) — Bonificação da taxa de pensão de velhice — Consideração de um subsídio de educação por criança portadora de deficiência num outro Estado‑Membro — Princípio da equiparação dos factos.
    Processo C-769/18.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:203

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

    12 de março de 2020 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Segurança social dos trabalhadores migrantes — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigo 5.o, alínea b) — Bonificação da taxa de pensão de velhice — Consideração de um subsídio de educação por criança portadora de deficiência num outro Estado‑Membro — Princípio da equiparação dos factos»

    No processo C‑769/18,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), por Decisão de 29 de novembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de dezembro de 2018, no processo

    Caisse d’assurance retraite et de la santé au travail d’Alsace‑Moselle

    contra

    SJ,

    Ministre chargé de la Sécurité sociale,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

    composto por: L. S. Rossi (relatora), presidente de secção, J. Malenovský e F. Biltgen, juízes,

    advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

    secretário: C. Strömholm, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 24 de outubro de 2019,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da caisse d’assurance retraite et de la santé au travail d’Alsace‑Moselle, por J.‑J. Gatineau, avocat,

    em representação do Governo francês, por A.‑L. Desjonquères, A. Daly, D. Colas, A. Ferrand e R. Coesme, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Pavliš e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo alemão, por D. Klebs, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por C. Valero e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1, e retificação no JO 2004, L 200, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 988/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009 (JO 2009, L 284, p. 43) (a seguir «Regulamento n.o 883/2004»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a caisse d’assurance retraite et de la santé au travail d’Alsace‑Moselle, France (Caixa de Seguro de Reforma e de Saúde no Trabalho da Alsácia‑Mosela, França; a seguir «Carsat») à SJ, ao Ministre chargé de la Sécurité sociale (Ministro da Segurança Social) a respeito da consideração, para efeitos do cálculo da pensão de reforma de SJ, da bonificação da duração da carreira a que poderia ter direito no âmbito da educação do seu filho deficiente.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Os considerandos 9 e 12 do Regulamento n.o 883/2004 enunciam:

    «(9)

    O Tribunal de Justiça pronunciou‑se em diversas ocasiões sobre a possibilidade de igualdade de tratamento em matéria de prestações, de rendimentos e de factos. Este princípio deverá ser adotado explicitamente e desenvolvido, no respeito pela substância e pelo espírito das decisões judiciais.

    […]

    (12)

    Atendendo ao princípio da proporcionalidade, importa evitar que o princípio da equiparação de factos ou acontecimentos conduza a resultados objetivamente injustificados ou à cumulação de prestações da mesma natureza pelo mesmo período.»

    4

    No que respeita a estas últimas, o artigo 1.o alínea z), prevê que «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por: “Prestação familiar”, qualquer prestação em espécie ou pecuniária destinada a compensar os encargos familiares, com exclusão dos adiantamentos de pensões de alimentos e dos subsídios especiais de nascimento ou de adoção referidos no anexo I».

    5

    O artigo 3.o do referido regulamento, com a epígrafe «Âmbito de aplicação material», dispõe:

    «1.   O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

    a)

    Prestações por doença;

    […]

    c)

    Prestações por invalidez;

    d)

    Prestações por velhice;

    […]

    j)

    Prestações familiares.

    […]

    3.   O presente regulamento aplica‑se igualmente às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo abrangidas pelo artigo 70.o

    […]

    5.   O presente regulamento não se aplica:

    a)

    à assistência social e médica;

    […]»

    6

    O artigo 5.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Igualdade de tratamento de prestações, de rendimentos e de factos», enuncia:

    «Salvo disposição em contrário do presente regulamento e tendo em conta as disposições especiais de aplicação, aplicam‑se as seguintes disposições:

    a)

    Se, nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, o benefício das prestações de segurança social e de outros rendimentos produzir determinados efeitos jurídicos, as disposições relevantes dessa legislação são igualmente aplicáveis em caso de benefício de prestações equivalentes auferidas ao abrigo da legislação de outro Estado‑Membro ou de rendimentos auferidos noutro Estado‑Membro;

    b)

    Se, nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, forem atribuídos efeitos jurídicos à ocorrência de certos factos ou acontecimentos, esse Estado‑Membro deve ter em conta os factos ou acontecimentos semelhantes correspondentes ocorridos noutro Estado‑Membro, como se tivessem ocorrido no seu próprio território.»

    7

    O artigo 9.o do Regulamento n.o 883/2004, sob a epígrafe «Declarações dos Estados‑Membros sobre o âmbito do presente regulamento», prevê, no seu n.o 1:

    «Os Estados‑Membros notificam por escrito a Comissão Europeia das declarações feitas […] das leis e regimes referidos no artigo 3.o […]»

    8

    De acordo com o artigo 70.o, n.o 2, desse regulamento:

    «2.   Para efeitos do presente capítulo, a expressão “prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo” designa as prestações:

    a)

    Que se destinem a:

    i)

    abranger a título complementar, supletivo ou acessório os riscos correspondentes aos ramos de segurança social referidos no n.o 1 do artigo 3.o, e que garantam aos interessados um rendimento mínimo de subsistência tendo em conta a situação económica e social no Estado‑Membro em causa; ou

    ii)

    apenas a garantir proteção específica dos deficientes, estando essas prestações em estreita relação com a situação social dessas pessoas no Estado‑Membro em causa;

    e

    b)

    Cujo financiamento derive exclusivamente de uma tributação obrigatória destinada a cobrir a despesa pública geral, e cujas condições de concessão e de cálculo não dependam de qualquer contribuição por parte do beneficiário. No entanto, as prestações concedidas como complemento de uma prestação de caráter contributivo não são consideradas prestações de caráter contributivo só por esse motivo;

    e

    c)

    Que sejam inscritas no anexo X.»

    9

    O anexo X do referido regulamento tem a seguinte redação:

    «[…]

    ALEMANHA

    a)

    Rendimento básico de subsistência para pessoas idosas e para pessoas com reduzida capacidade de ganho, ao abrigo do capítulo 4 do Livro XII do Código Social.

    b)

    As prestações destinadas a garantir meios de subsistência que sejam abrangidas pelo seguro de base para candidatos a emprego, salvo se, no que diz respeito a estas prestações, estiverem cumpridos os critérios de elegibilidade para um complemento temporário na sequência do pagamento de prestações de desemprego (n.o 1 do artigo 24.o do Livro II do Código da Segurança Social).

    […]»

    Direito alemão

    10

    O § 35a do Livro VIII do Sozialgesetzbuch (Código da Segurança Social) na versão aplicável aos factos em causa no processo principal, sob a epígrafe «Apoio à integração das crianças e dos adolescentes com deficiência mental», dispõe:

    «(1)

    As crianças e os adolescentes que padeçam de deficiência mental ou que estejam em risco de padecerem de tal deficiência têm direito a um subsídio de integração. Este subsídio é concedido consoante as necessidades individuais:

    1.

    em regime ambulatório,

    2.

    em creche para a primeira infância ou em regime de semi‑internato noutras estruturas,

    3.

    por pessoal auxiliar habilitado e

    4.

    em regime de internato num estabelecimento especializado ou noutros tipos de estabelecimento de acolhimento.

    Relativamente às missões e ao objetivo do auxílio, a designação do círculo de pessoas e do tipo de medidas é feita ao abrigo do § 39, n.o 3, e do § 40 do Sozialgesetzbuch e do regulamento de execução do § 47 no que respeita à duração da aplicação desses documentos relativos às pessoas que padecem de deficiência mental e às pessoas em risco de padecerem de tal deficiência.

    (2)

    Se em simultâneo tiver de ser proposto um subsídio de educação, deve recorrer‑se a instituições, a serviços e a pessoas habilitadas não apenas para cumprir as obrigações de auxílio à integração, mas também para cobrir as necessidades educativas. Devem ser propostas medidas terapêuticas pedagógicas para crianças que ainda não tenham atingido a idade de escolarização e, se a necessidade dos cuidados a prestar o permitir, deverá recorrer‑se a estruturas que acolham crianças portadoras de deficiência e como crianças válidas.»

    Direito francês

    11

    O artigo L. 351‑4‑1 do code de la sécurité sociale (Código da Segurança Social) prevê:

    «Os beneficiários da segurança social que tenham a seu cargo uma criança que, nos termos dos parágrafos primeiro e do segundo do artigo L. 541‑1, lhes confira o direito a beneficiarem do subsídio de educação por criança portadora de deficiência e ao seu complemento ou, em substituição deste último, à prestação compensatória prevista no artigo L. 245‑1 do code de l’action sociale et des familles [Código da Ação Social e das Famílias], beneficiam, sem prejuízo do artigo L. 351‑4, se for caso disso, de uma bonificação da duração do seu seguro equivalente a um trimestre por cada período de educação de trinta meses, com o limite de oito trimestres.»

    12

    O artigo L. 541‑1 deste código dispõe:

    «Qualquer pessoa que tenha a seu cargo uma criança portadora de deficiência tem direito a um subsídio de educação por criança portadora de deficiência, se a incapacidade permanente da criança for igual ou superior a uma determinada percentagem.

    É atribuído um complemento de subsídio por cada criança portadora de deficiência cuja natureza ou gravidade implique a realização de despesas particularmente onerosas ou necessite do recurso frequente à assistência de terceiros. O montante desse complemento varia em função da importância das despesas suplementares realizadas ou da permanência da assistência necessária.

    […]»

    13

    O artigo L. 541‑1 do referido código tem a seguinte redação:

    «Para a aplicação do primeiro parágrafo do artigo L. 541‑1, a percentagem de incapacidade permanente para o filho com deficiência poder beneficiar do subsídio para educação do filho deficiente deve ser, pelo menos, igual a 80 %.

    A taxa de incapacidade é apreciada de acordo com o guia de tabela anexa ao Decreto n.o 93‑1216, de 4 de novembro de 1993, relativo ao guia tarifário aplicável à atribuição de diversas prestações a pessoas com deficiência e que altera o Código da Família e da Assistência Social, o Código da Segurança Social (segunda parte: Decretos do Conseil d’État) e o Decreto n.o 77‑1549, de 31 de dezembro de 1977.

    […]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    14

    SJ é uma cidadã francesa, residente em Estugarda (Alemanha), mãe de uma criança deficiente nascida em 1981. Durante a sua carreira profissional, trabalhou sucessivamente em França e na Alemanha como professora agregada da Educação Nacional francesa.

    15

    A partir de 10 de novembro de 1995, a cidade de Estugarda atribuiu a SJ um subsídio à integração das crianças e dos adolescentes com deficiência mental, nos termos do § 35a do Livro VIII do Código da Segurança Social alemão (a seguir «subsídio alemão»).

    16

    Em 7 de julho de 2010, SJ foi reformada da Educação Nacional francesa com efeitos a contar de 1 de agosto de 2010. Em 27 de julho de 2011, requereu a liquidação dos seus direitos à pensão ao Deutsche Rentenversicherung Bund (Organismo Federal de Seguros de Pensões, Alemanha), que transmitiu o seu pedido à Carsat. Esta atribuiu‑lhe uma pensão de reforma, com efeitos a contar de 1 de novembro de 2011.

    17

    Em 18 de março de 2012, SJ apresentou uma reclamação na commission de recours amiable de la Carsat (comissão de conciliação da Carsat) relativa, por um lado, à data de produção de efeitos da sua pensão e, por outro, ao facto de, na determinação do número de períodos quotizados e equiparados tido em conta no cálculo do montante dessa pensão, não ter sido considerada a bonificação da duração do seguro de um trimestre por período de educação de trinta meses no limite de oito trimestres, previsto no artigo L. 351‑4‑1 do code de la sécurité sociale (Código da Segurança Social) francês, para os beneficiários da segurança social que tenham a seu cargo uma criança que lhes confira o direito a beneficiar do subsídio de educação por criança portadora de deficiência e ao seu complemento nos termos do artigo L. 541‑1, desse código (a seguir, «bonificação da taxa da pensão»). Tendo esta reclamação sido indeferida, SJ interpôs recurso para os órgãos jurisdicionais franceses do contencioso geral da segurança social.

    18

    Por Sentença de 8 de abril de 2015, o tribunal des affaires de sécurité sociale de Strasbourg (Tribunal da Segurança Social de Estrasburgo, França) julgou improcedentes os pedidos de SJ. Em segunda instância, a cour d’appel de Colmar (Tribunal de Recurso de Colmar, França), por Acórdão de 27 de abril de 2017, confirmou a sentença quanto à data de produção de efeitos da pensão de reforma atribuída pela Carsat. Revogou‑a no respeitante ao valor dessa pensão, entendendo que deveria ser tida em conta a bonificação da taxa de pensão prevista na lei francesa.

    19

    Assim, baseando‑se no artigo 5.o do Regulamento n.o 883/2004, a cour d’appel de Colmar (Tribunal de Recurso de Colmar) considerou que o subsídio alemão era equivalente ao subsídio de educação por filho deficiente previsto no artigo L. 541‑1 do Código da Segurança Social francês (a seguir «subsídio francês»), pelo que SJ tinha direito à bonificação da taxa da pensão. O órgão jurisdicional de recurso deduziu daí que a taxa aplicável à pensão de reforma de SJ devia ser bonificada num montante correspondente a oito trimestres de carreira devido à educação do seu filho deficiente.

    20

    A Carsat interpôs recurso desse acórdão para a Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), alegando que a cour d’appel de Colmar (Tribunal de Recurso de Colmar) tinha violado o artigo 5.o do Regulamento n.o 883/2004 e os artigos L. 351‑4‑1 e L. 541‑1 do Código da Segurança Social francês, ao considerar que o subsídio alemão e o subsídio francês eram equivalentes sem verificar, previamente, se a criança deficiente de SJ tinha uma incapacidade permanente de, pelo menos, 80 % que conferisse o direito à bonificação da taxa de pensão. Sustenta que, ao decidir desta forma, o acórdão de recurso é suscetível, no essencial, de dar origem a uma discriminação inversa dos segurados que apenas beneficiaram do regime francês face aos que eram abrangidos pelos sistemas de subsídios de outros Estados‑Membros.

    21

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o subsídio francês, enquanto prestação familiar abrangida por um dos ramos do sistema francês de segurança social, se integra no âmbito de aplicação material do Regulamento n.o 883/2004, ao passo que o subsídio alemão parece estar abrangido pela assistência social e médica, nos termos do artigo 3.o, n.o 5, alínea a), desse regulamento, excluída do seu âmbito de aplicação. Além disso, o referido subsídio não figura na declaração notificada pelo Governo alemão nos termos do artigo 9.o do referido regulamento, relativa à legislação alemã por ele abrangida.

    22

    Nestas circunstâncias, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação), tendo dúvidas quanto à possibilidade de aplicar o Regulamento n.o 883/2004 nas circunstâncias do processo principal, bem como quanto ao caráter equivalente do subsídio francês e do subsídio alemão, suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O [subsídio alemão] é abrangido pelo âmbito de aplicação material do Regulamento n.o 883/2004?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa, o [subsídio francês], por um lado, e o [subsídio alemão], por outro, constituem prestações equivalentes na aceção do artigo 5.o, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, atendendo à finalidade do artigo L. 351‑4‑1 do code de la sécurité sociale (Código da Segurança Social) francês, que visa a tomada em consideração dos encargos inerentes à educação de uma criança portadora de deficiência para efeitos da determinação do tempo de duração do seguro que confere o direito à atribuição de uma pensão de reforma?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    23

    Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que o subsídio alemão constitui uma prestação, na aceção desse artigo 3.o e, por conseguinte, está abrangido pelo âmbito de aplicação material desse regulamento.

    24

    Para responder à questão submetida, importa, em primeiro lugar, verificar se esse subsídio constitui uma prestação de segurança social, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, desse regulamento.

    25

    A este respeito, importa observar, a título preliminar, que resulta dos autos no Tribunal de Justiça que a República Federal da Alemanha não declarou que a lei federal que rege o subsídio alemão está abrangida pelo referido regulamento. No entanto, o Tribunal de Justiça já declarou que o facto de um Estado‑Membro não ter declarado, contrariamente ao previsto no artigo 9.o do Regulamento n.o 883/2004, que uma determinada lei está abrangida por esse regulamento não tem o efeito de excluir ipso facto essa lei do seu âmbito de aplicação material [v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, A (Assistência a pessoa com deficiência), C‑679/16, EU:C:2018:601, n.o 30].

    26

    A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a distinção entre prestações abrangidas pelo Regulamento n.o 883/2004 e prestações dele excluídas reside essencialmente nos elementos constitutivos de cada prestação, nomeadamente as suas finalidades e as condições de concessão, e não no facto de uma prestação ser ou não qualificada de prestação de segurança social pela legislação nacional (Acórdão de 14 de março de 2019, Dreyer, C‑372/18, EU:C:2019:206, n.o 31 e jurisprudência referida).

    27

    Assim, uma prestação pode ser considerada «prestação de segurança social» quando estejam preenchidos dois requisitos, a saber, por um lado, seja concedida aos beneficiários independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das suas necessidades pessoais, com base numa situação legalmente definida, e quando, por outro, esteja relacionada com um dos riscos expressamente enumerados no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004 (Acórdão de 14 de março de 2019, Dreyer, C‑372/18, EU:C:2019:206, n.o 32 e jurisprudência referida). Tendo em conta o caráter cumulativo desses dois requisitos, o não preenchimento de um deles implica que a prestação em causa não entra no âmbito de aplicação desse regulamento [Acórdão de 25 de julho de 2018, A (Assistência a pessoa com deficiência), C‑679/16, EU:C:2018:601, n.o 33].

    28

    Quanto ao primeiro desses requisitos, importa recordar que está preenchido quando a uma prestação é concedida à luz de critérios objetivos, os quais, uma vez preenchidos, dão direito à prestação sem que a autoridade competente possa tomar em consideração outras circunstâncias pessoais. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, acerca das prestações cuja concessão é determinada ou recusada ou cujo montante é calculado tendo em conta o dos rendimentos do beneficiário, que a concessão dessas prestações não depende da apreciação individual das necessidades pessoais do requerente, uma vez que se trata de um critério objetivo e legalmente definido que dá direito a esta prestação sem que a autoridade competente possa tomar em consideração circunstâncias pessoais (Acórdão de 14 de março de 2019, Dreyer, C‑372/18, EU:C:2019:206: n.os 33 e 34 e jurisprudência referida).

    29

    Além disso, o Tribunal de Justiça já precisou que, para se poder considerar que o referido requisito não está preenchido, é necessário que a apreciação discricionária das necessidades pessoais do beneficiário de uma prestação, antes de mais, diga respeito à aquisição do direito a essa prestação. Estas considerações valem também, mutatis mutandis, para o caráter individual da apreciação, pela autoridade competente, das necessidades pessoais do beneficiário de uma prestação (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2019, Dreyer, C‑372/18, EU:C:2019:206, n.o 35 e jurisprudência referida).

    30

    No caso, resulta dos autos no Tribunal de Justiça que a concessão do subsídio alemão não está sujeita a condições objetivas, como, nomeadamente, uma taxa ou um nível preciso de incapacidade ou de deficiência.

    31

    Além disso, é pacífico que, em conformidade com a própria redação do § 35a do Código da Segurança Social alemão, este subsídio é proposto em função das necessidades individuais da criança beneficiária, com base numa apreciação individual e discricionária dessas necessidades pela autoridade competente.

    32

    Nestas condições, há que concluir que o subsídio alemão não preenche o primeiro requisito enunciado no n.o 27 do presente acórdão.

    33

    Por conseguinte, tendo em conta a jurisprudência recordada no referido n.o 27, esse subsídio não constitui uma prestação de segurança social nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004.

    34

    No entanto, há que recordar que o artigo 3.o, n.o 3, do referido regulamento alarga a sua aplicação às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo previstas no seu artigo 70.o Nestas circunstâncias, em segundo lugar, há que verificar se o subsídio alemão constitui uma tal prestação.

    35

    A este respeito, basta referir que resulta da redação do artigo 70.o, n.o 2, alínea c), desse mesmo regulamento que as prestações especiais de caráter não contributivo designam unicamente as que estão enumeradas no anexo X do referido regulamento. Ora, uma vez que o subsídio alemão não figura nesse anexo, o mesmo não constitui uma prestação desse tipo.

    36

    Resulta do exposto que há que responder à primeira questão que o artigo 3.o do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que o subsídio alemão não constitui uma prestação, na aceção desse artigo 3.o, e, por conseguinte, não está abrangido pelo âmbito de aplicação material desse regulamento.

    Quanto à segunda questão

    37

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, em caso de resposta afirmativa à primeira questão, se o artigo 5.o, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que o subsídio francês e o subsídio alemão podem ser considerados prestações de caráter equivalente, na aceção dessa disposição.

    38

    A título preliminar, importa salientar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 5.o, alínea a), deste regulamento está vocacionado para ser aplicado unicamente a prestações abrangidas pelo âmbito de aplicação do referido regulamento (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Vorarlberger Gebietskrankenkasse e Knauer, C‑453/14, EU:C:2016:37, n.o 32). Ora, já se declarou no n.o 36 do presente acórdão que o subsídio alemão não constitui uma prestação na aceção do artigo 3.o do referido regulamento e não se integra, portanto, no seu âmbito de aplicação material. Por conseguinte, o artigo 5.o, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 não é aplicável às circunstâncias do processo principal.

    39

    No âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir dos litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro, C‑646/17, EU:C:2019:489, n.o 39 e jurisprudência referida).

    40

    Consequentemente, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado as suas questões à interpretação de certas disposições do direito da União, isso não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão da causa que lhe foi submetida, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto da lide principal (Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro, C‑646/17, EU:C:2019:489, n.o 40 e jurisprudência referida).

    41

    No caso, a lide principal tem por objeto a questão de saber se, para determinar se uma pessoa pode beneficiar da bonificação da taxa da pensão prevista na legislação francesa, há que ter em conta as circunstâncias que deram origem à concessão do subsídio alemão, a saber, um subsídio obtido por essa pessoa, enquanto trabalhador migrante, com base na legislação do Estado‑Membro de acolhimento.

    42

    A esse respeito, importa realçar que o artigo 5.o do Regulamento n.o 883/2004, lido à luz do seu considerando 9, consagra o princípio jurisprudencial da equiparação das prestações, dos rendimentos e dos factos, que o legislador da União quis introduzir no texto do referido regulamento a fim de este princípio ser desenvolvido no respeito pela substância e pelo espírito das decisões judiciais do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2019, Bocero Torrico e Bode, C‑398/18 e C‑428/18, EU:C:2019:1050, n.o 29 e jurisprudência referida).

    43

    É neste quadro que o artigo 5.o, alínea b), do Regulamento n.o 883/2004 prevê que, se, nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, forem atribuídos efeitos jurídicos à ocorrência de certos factos ou acontecimentos, esse Estado‑Membro deverá ter em conta os factos ou acontecimentos semelhantes correspondentes ocorridos noutro Estado‑Membro, como se tivessem ocorrido no seu próprio território.

    44

    Daqui resulta que, para dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido, a segunda questão deve ser entendida no sentido de que visa saber se o princípio da equiparação dos factos, consagrado no artigo 5.o, alínea b) desse regulamento, enquanto expressão particular do princípio geral da não discriminação, é aplicável em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal.

    45

    A este respeito, para determinar se esse princípio é aplicável ao caso presente, há que verificar se estão preenchidos dois pressupostos, a saber, por um lado, se a bonificação da taxa da pensão, prevista no artigo L. 351‑4‑1 do Código da Segurança Social francês, se integra no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 e, por outro, se esta última disposição nacional atribui efeitos jurídicos à ocorrência de determinados factos ou acontecimentos, na aceção do artigo 5.o, alínea b), desse regulamento.

    46

    Quanto ao primeiro desses pressupostos, há que observar que, tendo em conta a jurisprudência recordada no n.o 27 do presente acórdão, a bonificação da taxa da pensão é suscetível de se integrar no âmbito de aplicação material do referido regulamento, enquanto prestação por velhice, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea d), do mesmo regulamento.

    47

    Com efeito, por um lado, essa bonificação é concedida aos beneficiários independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das suas necessidades pessoais, com base numa situação legalmente definida, a saber, que tenham educado uma criança que confere direito ao subsídio francês.

    48

    Por outro lado, como salientou, em substância, a Comissão nas suas observações escritas, a prestação em causa no processo principal visa compensar as desvantagens em termos de carreira que as pessoas que educaram um filho com deficiência grave possam ter sofrido, pela concessão de uma bonificação dos períodos contributivos proporcional à duração do período de educação do filho deficiente, que se traduzem numa bonificação do montante da pensão paga a essas pessoas. Por conseguinte, essa prestação, na medida em que se destina a assegurar meios de subsistência a pessoas que, atingindo uma certa idade, abandonam o seu emprego e deixam de estar obrigadas a permanecer à disposição da administração do emprego, está relacionada com o risco coberto pelas prestações por velhice, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento n.o 883/2004 (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 2015, Comissão/Eslováquia, C‑361/13, EU:C:2015:601, n.o 55 e jurisprudência referida).

    49

    Quanto ao segundo dos pressupostos enunciados no n.o 45 do presente acórdão, refira‑se que, para efeitos da concessão da bonificação da taxa da pensão, o artigo L. 351‑4‑1 do Código da Segurança Social francês não exige a obtenção prévia do subsídio francês, mas unicamente que estejam preenchidas as condições que dão direito a esse subsídio, fixadas pelo artigo L. 541‑1 desse código. Especialmente, em conformidade com esta última disposição, para que os segurados que educam um filho deficiente possam beneficiar dessa bonificação, a incapacidade permanente da criança deve ser pelo menos igual a uma percentagem determinada, fixada em 80 % pelo artigo R. 541‑1 do referido código.

    50

    Assim, a bonificação da taxa da pensão é atribuída com base na ocorrência de um facto, nos termos do artigo 5.o, alínea b), do Regulamento n.o 883/2004, a saber, que a incapacidade permanente da criança seja pelo menos igual a uma determinada percentagem. Por conseguinte, o segundo pressuposto está igualmente preenchido no caso em apreço.

    51

    Daqui resulta que o princípio da equiparação dos factos, consagrado no referido artigo 5.o, alínea b), se aplica em circunstâncias como as do processo principal.

    52

    No que respeita às modalidades de aplicação desse princípio, incumbe às autoridades competentes francesas verificar se, no caso em apreço, está demonstrada a ocorrência do facto exigido na aceção do artigo 5.o, alínea b), do Regulamento n.o 883/2004.

    53

    A este respeito, as autoridades francesas competentes devem ter em conta factos semelhantes ocorridos na Alemanha e não se podem limitar, na apreciação da incapacidade permanente da criança deficiente em causa, apenas aos critérios previstos para esse efeito pelo guia de tabela aplicável em França por força do artigo R. 541‑1 do Código da Segurança Social francês.

    54

    Por conseguinte, para determinar se é atingida a taxa de incapacidade permanente da criança, exigida por esse código para conferir direito à bonificação da taxa da pensão, essas autoridades não se podem recusar a tomar em consideração factos semelhantes ocorridos na Alemanha que possam ser demonstrados por qualquer elemento de prova, nomeadamente por relatórios de exames médicos, atestados ou ainda prescrições de cuidados ou de medicamentos.

    55

    Há que acrescentar que, no âmbito dessa verificação, as referidas autoridades devem igualmente respeitar o princípio da proporcionalidade, velando, nomeadamente, por que o princípio da equiparação dos factos não dê origem a resultados objetivamente injustificados, em conformidade com o considerando 12 do Regulamento n.o 883/2004.

    56

    Perante todas estas considerações, há que responder à segunda questão que o artigo 5.o do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que:

    o subsídio francês e o subsídio alemão não podem ser considerados prestações com caráter equivalente, na aceção da alínea a) desse artigo 5.o;

    o princípio da equiparação dos factos consagrado na alínea b) do referido artigo 5.o aplica‑se em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal. Incumbe, portanto, às autoridades francesas competentes determinar se, no caso, está demonstrada a ocorrência do facto exigido na aceção dessa disposição. A este respeito, essas autoridades devem ter em conta factos semelhantes ocorridos na Alemanha como se estes tivessem ocorrido no seu próprio território.

    Quanto às despesas

    57

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 988/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que o subsídio à integração de crianças e jovens com deficiência mental, previsto no § 35a do Livro VIII do Sozialgesetzbuch (Código da Segurança Social), não constitui uma prestação, na aceção desse artigo 3.o, e, por conseguinte, não está abrangido pelo âmbito de aplicação material desse regulamento.

     

    2)

    O artigo 5.o do Regulamento n.o 883/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.o 988/2009, deve ser interpretado no sentido de que:

    o subsídio de educação para criança com deficiência, previsto no artigo L. 541‑1 do code de la sécurité sociale (Código da Segurança Social) francês, e o subsídio à integração de crianças e jovens com deficiência mental, previsto no § 35a do Livro VIII do Código da Segurança Social alemão, não podem ser considerados prestações com caráter equivalente, na aceção da alínea a) desse artigo 5.o;

    o princípio da equiparação dos factos consagrado na alínea b) do referido artigo 5.o aplica‑se em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal. Incumbe, portanto, às autoridades francesas competentes determinar se, no caso, está demonstrada a ocorrência do facto exigido na aceção dessa disposição. A este respeito, essas autoridades devem ter em conta factos semelhantes ocorridos na Alemanha como se estes tivessem ocorrido no seu próprio território.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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