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Document 62018CJ0519

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 12 de dezembro de 2019.
TB contra Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság.
Reenvio prejudicial — Política de imigração — Direito ao reagrupamento familiar — Diretiva 2003/86/CE — Artigo 10.°, n.° 2 — Disposição facultativa — Requisitos para o exercício do direito ao reagrupamento familiar — Familiar de um refugiado não referido no artigo 4.° — Conceito de “pessoa a cargo”.
Processo C-519/18.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:1070

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

12 de dezembro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política de imigração — Direito ao reagrupamento familiar — Diretiva 2003/86/CE — Artigo 10.o, n.o 2 — Disposição facultativa — Requisitos para o exercício do direito ao reagrupamento familiar — Familiar de um refugiado não referido no artigo 4.o — Conceito de “pessoa a cargo”»

No processo C‑519/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal do Contencioso Administrativo e do Trabalho de Budapeste, Hungria), por Decisão de 16 de julho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de agosto de 2018, no processo

TB

contra

Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, I. Jarukaitis, E. Juhász, M. Ilešič e C. Lycourgos (relator), juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação de TB, por G. Győző, ügyvéd,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e G. Tornyai, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por C. Schillemans e M. Bulterman, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Tokár, C. Cattabriga e M. Condou‑Durande, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de setembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.os 2 e 3, e do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre TB e o Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Serviço da Imigração e do Asilo, Hungria) a propósito do indeferimento, por este Serviço, de um pedido de emissão de uma autorização de residência para efeitos de reagrupamento familiar a favor da irmã do interessado.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2, 4 e 8 da Diretiva 2003/86 enunciam:

«(2)

As medidas relativas ao agrupamento familiar devem ser adotadas em conformidade com a obrigação de proteção da família e do respeito da vida familiar consagrada em numerosos instrumentos de direito internacional. A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, designadamente, no artigo 8.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

[…]

(4)

O reagrupamento familiar é um meio necessário para permitir a vida em família. Contribui para a criação de uma estabilidade sociocultural favorável à integração dos nacionais de países terceiros nos Estados‑Membros, o que permite, por outro lado, promover a coesão económica e social, que é um dos objetivos fundamentais da Comunidade consagrado no Tratado.

[…]

(8)

A situação dos refugiados requer uma consideração especial devido às razões que obrigaram estas pessoas a abandonar os seus países e que as impedem de neles viverem com as respetivas famílias. Por isso, convém prever, para estas pessoas, condições mais favoráveis para o exercício do direito ao reagrupamento familiar.»

4

O artigo 1.o desta diretiva prevê:

«A presente diretiva tem por objetivo estabelecer as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros.»

5

O artigo 3.o, n.o 5, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«A presente diretiva não afeta a possibilidade de os Estados‑Membros aprovarem ou manterem disposições mais favoráveis.»

6

O artigo 4.o da mesma diretiva dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«1.   Em conformidade com a presente diretiva e sob reserva do cumprimento das condições previstas no capítulo IV, bem como no artigo 16.o, os Estados‑Membros devem permitir a entrada e residência dos seguintes familiares:

a)

O cônjuge do requerente do reagrupamento;

b)

Os filhos menores do requerente do reagrupamento e do seu cônjuge, incluindo os filhos adotados […];

c)

Os filhos menores, incluindo os filhos adotados, do requerente do agrupamento, à guarda e a cargo do requerente. […]

d)

Os filhos menores, incluindo os filhos adotados, do cônjuge, à guarda e a cargo do cônjuge. […]

[…]

2.   Em conformidade com a presente diretiva e sob reserva do cumprimento das condições previstas no capítulo IV, os Estados‑Membros podem, através de disposições legislativas ou regulamentares, autorizar a entrada e residência dos seguintes familiares:

a)

Os ascendentes diretos em primeiro grau do requerente do reagrupamento ou do seu cônjuge, se estiverem a seu cargo e não tiverem o apoio familiar necessário no país de origem;

b)

Os filhos solteiros maiores do requerente do reagrupamento ou do seu cônjuge, objetivamente incapazes de assegurar o seu próprio sustento por razões de saúde.

3.   Em conformidade com a presente diretiva e sob reserva do cumprimento das condições previstas no capítulo IV, os Estados‑Membros podem, através de disposições legislativas ou regulamentares, autorizar a entrada e residência de um nacional de um país terceiro que mantenha com o requerente do reagrupamento uma relação estável, duradoura e devidamente comprovada, ou de um nacional de um país terceiro que mantenha com o requerente do reagrupamento uma união de facto registada, nos termos do n.o 2 do artigo 5.o, bem como dos filhos solteiros menores, incluindo os filhos adotados, e dos filhos solteiros maiores, objetivamente incapazes de assegurar o seu próprio sustento por razões de saúde.

Os Estados‑Membros podem decidir que as pessoas que vivam em união de facto tenham o mesmo tratamento que os cônjuges, no que se refere ao reagrupamento familiar.»

7

O artigo 10.o da Diretiva 2003/86, que figura no seu capítulo V, intitulado «Reagrupamento familiar de refugiados», prevê:

«1.   O artigo 4.o é aplicável à definição de familiares, com exceção do terceiro parágrafo do n.o 1 do referido artigo, que não é aplicável aos filhos de refugiados.

2.   Os Estados‑Membros podem autorizar o reagrupamento familiar a outros familiares não referidos no artigo 4.o, se se encontrarem a cargo do refugiado.

3.   Se o refugiado for um menor não acompanhado, os Estados‑Membros:

a)

Devem permitir a entrada e residência, para efeitos de reagrupamento familiar, dos seus ascendentes diretos em primeiro grau, sem que sejam aplicáveis os requisitos referidos na alínea a) do n.o 2 do artigo 4.o;

b)

Podem permitir a entrada e residência, para efeitos de reagrupamento familiar, do seu tutor legal ou de qualquer outro familiar, se o refugiado não tiver ascendentes diretos ou não for possível localizá‑los.»

8

Nos termos do artigo 17.o desta diretiva:

«Em caso de indeferimento de um pedido, de retirada ou não renovação de uma autorização de residência, bem como de decisão de afastamento do requerente do reagrupamento ou de familiares seus, os Estados‑Membros devem tomar em devida consideração a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa e o seu tempo de residência no Estado‑Membro, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem.»

Direito húngaro

9

O artigo 19.o da harmadik országbeli állampolgárok beutazásáról és tartózkodásáról szóló 2007. évi II. törvény (Lei n.o II de 2007, relativa à entrada e à permanência de nacionais de países terceiros, a seguir «Lei de 2007») dispõe:

«1.   Um nacional de um país terceiro pode obter uma autorização de residência para efeitos de reagrupamento familiar caso seja familiar de um nacional de um país terceiro que possua uma autorização de residência, uma autorização de imigração, uma autorização de estabelecimento, uma autorização provisória de residência permanente, uma autorização nacional de residência permanente, ou uma autorização CE de residência permanente, ou de uma pessoa que possua, nos termos de uma lei especial, um cartão de residência ou um cartão de residência permanente (a seguir, em termos gerais, “requerente do reagrupamento”).

[…]

4.   Podem obter uma autorização de residência para efeitos de reagrupamento familiar:

a)

Os progenitores que estejam a cargo do requerente do reagrupamento ou do seu cônjuge ou de uma pessoa a quem tenha sido reconhecido o estatuto de refugiado;

b)

Os irmãos e os ascendentes e descendentes em linha direta do requerente do reagrupamento ou do seu cônjuge ou de uma pessoa a quem tenha sido reconhecido o estatuto de refugiado, quando sejam objetivamente incapazes de assegurar o seu próprio sustento por razões de saúde.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Em 7 de setembro de 2015, foi reconhecido a TB o estatuto de refugiado pela autoridade húngara competente. Em 12 de janeiro de 2016, a irmã de TB apresentou, junto da missão diplomática da Hungria em Teerão (Irão), um pedido de autorização de residência para efeitos de reagrupamento familiar com TB e a emissão de um visto que lhe permitia adquirir essa autorização de residência.

11

Esse pedido foi indeferido por decisão da autoridade de primeira instância, confirmada pela autoridade de segunda instância, com o fundamento de que, por um lado, com vista à obtenção da autorização de residência solicitada, a irmã de TB tinha comunicado dados falsos à autoridade competente e, por outro, atendendo às suas qualificações e ao seu estado de saúde, não tinha demonstrado que era incapaz de assegurar o seu próprio sustento por razões de saúde, tendo em conta que, segundo os documentos médicos juntos ao seu pedido, sofria de uma depressão que necessitava de acompanhamento médico regular.

12

TB recorreu desta decisão de indeferimento para o órgão jurisdicional de reenvio. Em apoio desse recurso, alega, nomeadamente, que a regra prevista no artigo 19.o, n.o 4, alínea b), da Lei de 2007, nos termos da qual os irmãos ou as irmãs de uma pessoa que tenha a qualidade de refugiado podem obter uma autorização de residência para efeitos de reagrupamento familiar, na condição de serem incapazes de assegurar o seu próprio sustento por razões de saúde, viola o artigo 10.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/86.

13

O órgão jurisdicional de reenvio, que tem dúvidas quanto à compatibilidade desta regra com o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86, salienta que o requisito previsto nesse artigo 19.o, n.o 4, alínea b), não corresponde ao previsto no referido artigo 10.o, n.o 2, que permite aos Estados‑Membros autorizar o reagrupamento de outros familiares não referidos no artigo 4.o desta diretiva, como os irmãos e as irmãs do refugiado, desde que se encontrem «a cargo» deste último. Assim, o requisito previsto no referido artigo 19.o, n.o 4, alínea b), corresponde ao previsto no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), e n.o 3, da referida diretiva, no que diz respeito ao reagrupamento familiar não dos irmãos e das irmãs do refugiado mas dos filhos maiores solteiros do requerente do reagrupamento ou do seu cônjuge, bem como dos filhos maiores solteiros comuns do requerente do reagrupamento e do seu companheiro.

14

Por conseguinte, este órgão jurisdicional interroga‑se, em primeiro lugar, sobre se o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 se opõe a que um Estado‑Membro que faz uso da possibilidade conferida por esta disposição, autorizando o reagrupamento de outros familiares não referidos no artigo 4.o desta diretiva, submeta esse reagrupamento a requisitos diferentes dos previstos nesta primeira disposição.

15

A este respeito, o referido órgão jurisdicional salienta que, num acórdão anterior, a Kúria (Supremo Tribunal, Hungria) considerou, sem proceder a um reenvio prejudicial, que havia que responder negativamente a esta questão e que o artigo 19.o, n.o 4, alínea b), da Lei de 2007 não violava, por conseguinte, o referido artigo 10.o, n.o 2.

16

No entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, embora, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86, os Estados‑Membros possam autorizar o reagrupamento a outros familiares não referidos no artigo 4.o desta diretiva e, assim, derrogar a definição do conceito de «familiar» adotado neste último artigo, não podem, em contrapartida, derrogar o requisito previsto neste artigo 10.o, n.o 2, segundo o qual os referidos familiares podem beneficiar do reagrupamento familiar se estiverem a cargo do refugiado.

17

Em segundo lugar, em caso de resposta afirmativa à questão referida no n.o 14 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação do conceito de pessoa «a cargo», na aceção da Diretiva 2003/86.

18

A este respeito, esse órgão jurisdicional salienta que, na sua versão na língua do processo, o artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva refere os familiares que estão a cargo do refugiado («a menekült eltartottjai»), ao passo que, na sua versão em língua inglesa, esta disposição refere as pessoas que se encontram numa relação de dependência com o refugiado («dependent on the refugee»). O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se essas expressões são plenamente equivalentes.

19

Por outro lado, interroga‑se sobre se o conceito de pessoa «a cargo» pressupõe uma apreciação global dos diferentes elementos que caracterizam a dependência ou se este conceito se pode resumir à existência de apenas um destes elementos, como a incapacidade de o familiar em causa assegurar o seu próprio sustento por razões de saúde, de modo que um Estado‑Membro, baseando‑se apenas neste elemento, possa considerar que um familiar que não o preenche não está a cargo do requerente do reagrupamento, sem proceder a uma apreciação individual da situação desse familiar. A este respeito, o referido órgão jurisdicional salienta que, de acordo com a Kúria (Supremo Tribunal), resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este conceito implica uma dependência não apenas material mas também física e intelectual, podendo, assim, a relação de pessoa a cargo caracterizar‑se como uma relação de dependência complexa em que o encargo material constitui apenas um elemento.

20

Em terceiro lugar, em caso de resposta negativa à dúvida referida no n.o 14 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se os Estados‑Membros são livres de impor quaisquer requisitos, incluindo os previstos no artigo 4.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/86, e, sendo caso disso, interroga‑se sobre o alcance do requisito previsto no referido artigo 4.o, n.o 3, relativo ao facto de os familiares em causa serem objetivamente incapazes de assegurar o seu próprio sustento por razões de saúde.

21

Nestas condições, o Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal do Contencioso Administrativo e do Trabalho de Budapeste, Hungria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2003/86] ser interpretado no sentido de que, se um Estado‑Membro, ao abrigo do referido artigo, autoriza a entrada de um [familiar] que não está incluído entre os que figuram no artigo 4.o [desta diretiva], este Estado‑Membro pode aplicar a esse [familiar] apenas o requisito estabelecido no artigo 10.o, n.o 2 (que esteja “a cargo do refugiado”)?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a qualidade de pessoa “a cargo” (“dependency”) regulada no artigo 4.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva [2003/86] implica uma situação de facto em que devem estar preenchidas, cumulativamente, as diferentes dimensões da dependência, ou basta que ocorra uma dessas dimensões, dependendo das circunstâncias particulares de cada caso, para que possa verificar‑se a referida qualidade[?] Neste contexto, é conforme com o requisito estabelecido no artigo 10.o, n.o 2, [desta diretiva] (que esteja “a cargo do refugiado”) uma disposição nacional que, excluindo uma apreciação individual, considera que um único elemento fáctico (um aspeto indicativo da dependência: “[ser] objetivamente [incapaz] de assegurar o seu próprio sustento por razões de saúde”) determina que esse requisito esteja preenchido?

3)

Em caso de resposta negativa à primeira questão e, portanto, se [o] Estado‑Membro [puder] aplicar outros requisitos para além do que resulta do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2003/86] (que esteja “a cargo do refugiado”), quer isto dizer que o Estado‑Membro tem a faculdade de estabelecer, caso [considere] conveniente, qualquer requisito, incluindo os estabelecidos para outros [familiares] no artigo 4.o, n.os 2 e 3, [desta diretiva], ou apenas pode aplicar o requisito que resulta do artigo 4.o, n.o 3, da [referida] diretiva? Nesse caso, que situação de facto implica o requisito “objectively unable to provide for their own needs on account of their state of health” previsto no artigo 4.o, n.o 3, da diretiva? Deve este requisito ser interpretado no sentido de que o [familiar] não possa [assegurar] “o seu próprio sustento” ou no sentido de que “seja incapaz” de cuidar “de si mesmo”, ou deve ser interpretado, se for caso disso, de outra forma?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

22

O Governo húngaro alega que as questões prejudiciais são inadmissíveis devido ao seu caráter hipotético. Com efeito, em sua opinião, estas questões baseiam‑se na premissa errada de que a Hungria, através do artigo 19.o, n.o 4, alínea b), da Lei de 2007, aplicou o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86, apesar de esse Estado‑Membro não ter notificado essa informação à Comissão, nos termos do artigo 20.o desta diretiva.

23

A este respeito, há que recordar que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação de uma regra de direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 26).

24

Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 27).

25

No caso em apreço, há que sublinhar que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ao adotar o artigo 19.o, n.o 4, alínea b), da Lei de 2007, o legislador húngaro pretendeu, efetivamente, aplicar o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86, uma vez que esta última disposição concede aos Estados‑Membros uma liberdade de escolha que faz parte integrante do regime estabelecido pela referida diretiva (v., a este respeito, por analogia, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, N. S. e o., C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865, n.os 65 a 68).

26

Ora, no quadro da repartição das competências entre os tribunais da União e os tribunais nacionais, cabe ao Tribunal de Justiça ter em conta o contexto factual e regulamentar em que se inserem as questões prejudiciais, tal como definido pela decisão de reenvio. Assim, quaisquer que sejam as críticas do Governo húngaro à interpretação do direito nacional feita pelo tribunal de reenvio, o exame do presente reenvio prejudicial deve ser efetuado à luz da interpretação desse direito dada por esse tribunal (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2016, New Valmar, C‑15/15, EU:C:2016:464, n.o 25).

27

A circunstância de a Hungria não ter, nos termos do artigo 20.o da Diretiva 2003/86, notificado à Comissão o referido artigo 19.o, n.o 4, alínea b), como medida de transposição do artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva não é suscetível de alterar esta conclusão. Com efeito, não basta que uma medida nacional não tenha sido notificada à Comissão pelo Estado‑Membro em causa, para se excluir que a referida medida aplica uma disposição de uma diretiva.

28

Por conseguinte, a exceção de inadmissibilidade deve ser julgada improcedente.

29

Além disso, há que salientar que, com a segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga também o Tribunal de Justiça sobre a interpretação a dar ao artigo 4.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/86.

30

Estas disposições visam, contudo, situações distintas da que está em causa no processo principal, uma vez que dizem respeito ao reagrupamento familiar de outros familiares do refugiado que não a sua irmã.

31

O simples facto de, no âmbito da aplicação do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86, o legislador húngaro ter utilizado termos análogos aos referidos no artigo 4.o, n.os 2 e 3, desta diretiva não é suficiente para justificar um pedido de interpretação destas disposições. Com efeito, no seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio não alegou que o legislador húngaro tinha pretendido fazer uma remissão direta e incondicional para essas disposições, ao adotar o artigo 19.o, n.o 4, alínea b), da Lei de 2007 (v., a este respeito, Acórdãos de 18 de outubro de 2012, Nolan, C‑583/10, EU:C:2012:638, n.o 47, e de 7 de novembro de 2018, C e A, C‑257/17, EU:C:2018:876, n.o 33).

32

Daqui resulta que, no âmbito do presente processo, não há que interpretar o artigo 4.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/86.

Quanto ao mérito

33

Com as suas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro só autorize o reagrupamento da irmã de um refugiado se, por razões de saúde, esta for incapaz de assegurar o seu próprio sustento.

34

Nos termos do seu artigo 1.o, a Diretiva 2003/86 tem por objetivo estabelecer as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros.

35

Neste contexto, o artigo 4.o desta diretiva enumera os familiares de um nacional de um país terceiro a quem os Estados‑Membros devem ou podem, consoante o caso, reconhecer um direito ao reagrupamento familiar, na aceção da referida diretiva.

36

No entanto, resulta do considerando 8 desta diretiva que a mesma prevê para os refugiados condições mais favoráveis para o exercício do direito ao reagrupamento familiar, uma vez que a sua situação requer uma consideração especial devido às razões que obrigaram estas pessoas a abandonar os seus países e que as impedem de neles viverem com as respetivas famílias (Acórdão de 12 de abril de 2018, A e S, C‑550/16, EU:C:2018:248, n.o 32).

37

Uma dessas condições mais favoráveis está enunciada no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86.

38

Com efeito, embora o artigo 10.o, n.o 1, desta diretiva torne o artigo 4.o da mesma aplicável aos refugiados, com exceção da reserva que figura no seu n.o 1, terceiro parágrafo, que não se aplica aos filhos de refugiados, o artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva permite, além disso, que os Estados‑Membros autorizem outros familiares do refugiado não referidos nesse artigo 4.o a beneficiar do direito ao reagrupamento familiar, na aceção da referida diretiva.

39

No entanto, há que sublinhar, em primeiro lugar, que este artigo 10.o, n.o 2, tem caráter facultativo. Assim, esta disposição deixa ao critério de cada Estado‑Membro a decisão de aplicar a extensão do âmbito de aplicação pessoal da Diretiva 2003/86 que ela autoriza.

40

Além disso, como salientou, em substância, o advogado‑geral, no n.o 37 das suas conclusões, aquele artigo 10.o, n.o 2, deixa igualmente aos Estados‑Membros uma importante margem de apreciação para determinar, de entre os outros familiares do refugiado não referidos no artigo 4.o da dita diretiva, quais os que esses Estados‑Membros pretendem permitir o reagrupamento com o refugiado residente no seu território.

41

Em segundo lugar, há que sublinhar que a margem de manobra de que os Estados‑Membros dispõem na aplicação deste artigo 10.o, n.o 2, está, no entanto, limitada pelo requisito a que esta disposição subordina tal aplicação. Com efeito, resulta da própria redação do referido artigo 10.o, n.o 2, que os Estados‑Membros podem autorizar o reagrupamento familiar a outros familiares do refugiado não referidos no artigo 4.o da Diretiva 2003/86, se estes se encontrarem a cargo do refugiado.

42

Assim, primeiro, sob pena de privar de efeito útil o referido requisito, o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro autorize o reagrupamento de um familiar de um refugiado, que não vem referido no artigo 4.o desta diretiva, quando este não esteja a cargo do refugiado. Uma legislação nacional que não cumpra este requisito seria contrária aos objetivos da Diretiva 2003/86, na medida em que permitiria conceder o benefício do estatuto decorrente desta diretiva a pessoas que não preenchem os requisitos para o obter (v., por analogia, Acórdãos de 27 de junho de 2018, Diallo, C‑246/17, EU:C:2018:499, n.o 55, e de 23 de maio de 2019, Bilali, C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 44).

43

No entanto, esta conclusão não prejudica a possibilidade reconhecida no artigo 3.o, n.o 5, da referida diretiva aos Estados‑Membros, de conceder, apenas com base no seu direito nacional, um direito de entrada e de residência em condições mais favoráveis.

44

Segundo, no que respeita ao sentido a dar ao requisito que consiste em estar «a cargo» do refugiado, há que recordar que decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme (Acórdão de 29 de julho de 2019, Spiegel Online, C‑516/17, EU:C:2019:625, n.o 62 e jurisprudência referida).

45

Ora, uma vez que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 não contém uma remissão para o direito nacional dos Estados‑Membros no que diz respeito ao referido requisito, este último deve ser objeto dessa interpretação autónoma e uniforme.

46

A este respeito, há que salientar que o Tribunal de Justiça já interpretou o requisito segundo o qual o familiar deve estar a cargo do requerente do reagrupamento, no âmbito da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77).

47

De acordo com essa jurisprudência, a qualidade de familiar «a cargo» do cidadão da União titular do direito de residência pressupõe que esteja demonstrada a existência de uma situação de dependência real. Esta dependência resulta de uma situação de facto caracterizada pela circunstância de o apoio material do familiar ser assegurado pelo titular do direito de residência (Acórdãos de 19 de outubro de 2004, Zhu e Chen, C‑200/02, EU:C:2004:639, n.o 43; de 8 de novembro de 2012, Iida, C‑40/11, EU:C:2012:691, n.o 55; de 16 de janeiro de 2014, Reyes, C‑423/12, EU:C:2014:16, n.os 20 e 21; e de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín, C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 50).

48

Para determinar a existência dessa dependência, o Estado‑Membro de acolhimento deve apreciar se, tendo em conta a sua situação económica e social, o familiar não está em condições de assegurar o seu próprio sustento. A necessidade de apoio material deve verificar‑se no Estado de origem ou de proveniência do familiar no momento em que pede para se reunir com o cidadão da União (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de janeiro de 2007, Jia, C‑1/05, EU:C:2007:1, n.o 37, e de 16 de janeiro de 2014, Reyes, C‑423/12, EU:C:2014:16, n.os 22 e 30).

49

Há que ter em consideração a referida jurisprudência, para interpretar o conceito de familiar «a cargo», na aceção da Diretiva 2003/86. Com efeito, as Diretivas 2004/38 e 2003/86 prosseguem objetivos semelhantes ao pretenderem assegurar ou favorecer, no Estado‑Membro de acolhimento, o reagrupamento familiar dos nacionais de outros Estados‑Membros ou de países terceiros que aí residem legalmente.

50

Todavia, há que ter também em conta o facto de que, como recordado no considerando 8 da Diretiva 2003/86 e como já resulta do n.o 35 do presente acórdão, a situação dos refugiados requer uma consideração especial, uma vez que estes foram obrigados a fugir do seu país e não podem conceber ter aí uma vida familiar normal, poderão ter estado separados da sua família durante um longo período antes de lhes ser concedido o estatuto de refugiado e, muitas vezes, é impossível ou perigoso para os refugiados ou para os seus familiares apresentar documentos oficiais ou entrar em contacto com as autoridades do seu país de origem (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de novembro de 2018, K e B, C‑380/17, EU:C:2018:877, n.o 53, e de 13 de março de 2019, E., C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 66).

51

A este respeito, exigir que o refugiado assegure efetivamente, na data em que é apresentado o pedido de reagrupamento, o apoio material do familiar no Estado de origem ou no país de proveniência deste último poderia ter como consequência excluir do âmbito de aplicação do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 familiares do refugiado que, na realidade, dependem dele, apenas pelo facto de o refugiado não estar ou já não estar em condições de lhes fazer chegar o apoio material de que precisam para prover às suas necessidades básicas no seu Estado de origem ou no seu país de proveniência. Ora, não se pode excluir que o refugiado não esteja ou já não esteja em condições de assegurar esse apoio devido a elementos independentes da sua vontade, como a impossibilidade material de fazer chegar os fundos necessários ou o receio de pôr em perigo a segurança dos seus familiares, ao entrar em contacto com eles.

52

Por conseguinte, deve considerar‑se que o familiar de um refugiado está a cargo deste, na aceção do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86, quando for realmente dependente dele, no sentido de que, por um lado, atendendo à sua situação económica e social, não está em condições de prover às suas necessidades básicas no seu Estado de origem ou de proveniência, na data em que pede para se juntar ao refugiado, e de que, por outro, se prove que o seu apoio material é efetivamente assegurado pelo refugiado ou de que, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes, como o grau de parentesco do familiar em causa com o refugiado, a natureza e a solidez dos seus outros laços familiares, bem como a idade e a situação económica dos seus outros parentes, o refugiado se afigura ser o familiar com melhores condições para assegurar o apoio material exigido.

53

Esta interpretação é confirmada pelo artigo 17.o da Diretiva 2003/86, que impõe um exame individualizado do pedido de reagrupamento familiar, no âmbito do qual, conforme decorre do considerando 8 desta diretiva, é necessário, nomeadamente, ter em conta as especificidades relativas à qualidade de refugiado do requerente do reagrupamento (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2018, K e B, C‑380/17, EU:C:2018:877, n.o 53).

54

Terceiro, resulta do exposto que, embora, como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, em certas versões linguísticas, o referido artigo 10.o, n.o 2, vise a situação de dependência do familiar face ao refugiado, quando, noutras versões, esta disposição se prende com a qualidade de familiar a cargo do referido refugiado, essa divergência não é pertinente para efeitos da interpretação do requisito previsto no referido artigo 10.o, n.o 2.

55

Em terceiro lugar, há que salientar que, ao fazer uso da faculdade que lhes é conferida pelo artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86, os Estados‑Membros podem prever exigências complementares relativas à natureza da relação de dependência imposta por esta disposição, nomeadamente, subordinando o reconhecimento dos direitos decorrentes da Diretiva 2003/86 à condição de os familiares do refugiado em causa estarem a cargo deste último por determinados motivos.

56

Com efeito, o requisito relativo à existência de uma relação de dependência entre o refugiado e o familiar deve ser interpretado no sentido de que visa excluir do benefício da faculdade reconhecida no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 os outros familiares do refugiado, não referidos no artigo 4.o desta diretiva, que não estejam a seu cargo, sem, no entanto, impor ao Estado‑Membro, que decide aplicar essa faculdade, a obrigação de reconhecer automaticamente a todos ou a alguns dos outros familiares do refugiado, não referidos no artigo 4.o da referida diretiva, um direito ao reagrupamento a partir do momento em que se encontrem a cargo do refugiado.

57

A este respeito, há que sublinhar, por um lado, que as disparidades suscetíveis de resultar do facto de cada Estado‑Membro ser, assim, livre de precisar a natureza da relação de dependência que, de acordo com a sua legislação nacional, permite fazer beneficiar os outros familiares do refugiado, não referidos no artigo 4.o da Diretiva 2003/86, do direito ao reagrupamento familiar, na aceção da referida diretiva, são perfeitamente conciliáveis com a natureza e o objetivo do artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva. Com efeito, resulta já dos n.os 38 a 40 do presente acórdão que este artigo 10.o, n.o 2, foi concebido pelo legislador da União como uma disposição facultativa cuja aplicação deixa uma margem de apreciação aos Estados‑Membros, de modo que eventuais disparidades nas legislações nacionais que aplicam tal faculdade decorrem naturalmente da opção do referido legislador (v., por analogia, Acórdão de 12 de abril de 2018, A e S, C‑550/16, EU:C:2018:248, n.o 47).

58

Por outro lado, a faculdade assim reconhecida aos Estados‑Membros, de fixar exigências complementares não prejudica, enquanto tal, os objetivos gerais prosseguidos pela Diretiva 2003/86, enunciados nos seus considerandos 4 e 8, e que são facilitar a integração dos nacionais de países terceiros em causa, permitindo‑lhes ter uma vida familiar normal, e prever condições mais favoráveis para o exercício, pelos refugiados, do seu direito ao reagrupamento familiar, tendo em conta a sua situação específica. Com efeito, como salientado nos n.os 36 e 37 do presente acórdão, ao usar a faculdade conferida pelo artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva e ao autorizar o reagrupamento de outros familiares do refugiado, não referidos no artigo 4.o da mesma diretiva, o Estado‑Membro em causa favorece já a realização destes objetivos, mesmo quando sujeita esse reagrupamento a requisitos mais estritos do que o previsto no referido artigo 10.o, n.o 2.

59

Em contrapartida, proibir um Estado‑Membro de prever essas exigências complementares seria contrário à própria lógica do referido artigo 10.o, n.o 2, que, como foi declarado nos n.os 38 e 39 do presente acórdão, permite aos Estados‑Membros tanto decidir não reconhecer a nenhum dos familiares do refugiado, referidos nesta disposição, um direito ao reagrupamento familiar como determinar livremente quais os referidos familiares que podem beneficiar desse direito ao reagrupamento.

60

Por outro lado, essa proibição poderia contrariar os objetivos recordados no n.o 58 do presente acórdão, ao incentivar os Estados‑Membros a renunciar à aplicação da faculdade prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86.

61

Contudo, importa ainda sublinhar, em quarto lugar, que, ao exercer a faculdade que lhes é reconhecida no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86, os Estados‑Membros aplicam o direito da União.

62

Por conseguinte, a margem de apreciação que é reconhecida aos Estados‑Membros pelo referido artigo 10.o, n.o 2, não deve, antes de mais, ser exercida por estes de modo a afetar o objetivo da Diretiva 2003/86 e o seu efeito útil (v., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2019, E., C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 53).

63

A este respeito, como foi declarado nos n.os 36, 50 e 53 do presente acórdão, por um lado, a situação dos refugiados requer uma consideração especial na aplicação da Diretiva 2003/86 e, por outro, o artigo 17.o da referida diretiva impõe uma individualização do exame dos pedidos de reagrupamento familiar.

64

Em seguida, como confirma, de resto, o considerando 2 da Diretiva 2003/86, esta deve respeitar a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

65

É certo que as disposições da Carta não podem ser interpretadas no sentido de que privam os Estados‑Membros da margem de apreciação de que dispõem quando decidem aplicar o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 e examinam os pedidos de reagrupamento familiar apresentados ao abrigo desta disposição. No entanto, as disposições desta diretiva devem ser interpretadas e aplicadas, durante esse exame, nomeadamente, à luz do artigo 7.o da Carta, que consagra, entre outros direitos, o do respeito pela vida familiar (v., neste sentido, Acórdão de 21 de abril de 2016, Khachab, C‑558/14, EU:C:2016:285, n.o 28).

66

Por último, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, os meios implementados pela legislação nacional que aplica o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 devem ser adequados à realização dos objetivos visados por essa legislação e não devem ir além do necessário para os alcançar (Acórdão de 21 de abril de 2016, Khachab, C‑558/14, EU:C:2016:285, n.o 42).

67

Por conseguinte, a legislação nacional que aplica a faculdade prevista no referido artigo 10.o, n.o 2, deve respeitar tanto os direitos fundamentais garantidos pela Carta como o princípio da proporcionalidade e não impedir um exame individualizado do pedido de reagrupamento familiar, devendo este exame, além disso, ser conduzido tendo em conta a situação especial dos refugiados.

68

É à luz de todas estas considerações que é necessário analisar, em último lugar, se o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 se opõe a que um Estado‑Membro só reconheça o direito ao reagrupamento familiar da irmã de um refugiado se esta for incapaz de assegurar o seu próprio sustento por razões de saúde.

69

A este respeito, há que salientar, primeiro, que a irmã de um refugiado não faz parte dos familiares do requerente do reagrupamento referidos no artigo 4.o da Diretiva 2003/86. Por conseguinte, um Estado‑Membro pode reconhecer um direito ao reagrupamento familiar a esse familiar de um refugiado, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva.

70

Segundo, decorre do exposto nos n.os 54 a 59 do presente acórdão que o referido artigo 10.o, n.o 2, não se opõe, em princípio, à instituição, pelos Estados‑Membros, de um requisito adicional que consiste em exigir que a relação de dependência entre o refugiado e o seu familiar seja causada pelo estado de saúde deste último.

71

Há que observar, aliás, que, no contexto de uma harmonização mais precisa, o legislador da União permitiu especificamente aos Estados‑Membros, no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), e n.o 3, da Diretiva 2003/86, subordinar o direito ao reagrupamento familiar de certos familiares de um nacional de um país terceiro a um requisito semelhante.

72

Contudo, decorre igualmente do n.o 42 do presente acórdão que, a fim de preservar o efeito útil do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86, um Estado‑Membro não pode permitir à irmã de um refugiado beneficiar do direito ao reagrupamento familiar, ao abrigo do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86, sem que esta esteja a cargo do refugiado, o que implica, como foi demonstrado no n.o 52 do presente acórdão, não só que a irmã do refugiado não esteja em condições de prover às suas necessidades básicas mas também que se prove que o seu apoio material é efetivamente assegurado pelo refugiado ou que, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes, o refugiado se afigura ser o familiar com melhores condições para assegurar o apoio material exigido.

73

Por outro lado, decorre igualmente dos n.os 53 e 63 do presente acórdão que as autoridades nacionais competentes são obrigadas a proceder a um exame individualizado do cumprimento do requisito de que a irmã do refugiado deve estar a cargo deste último por razões de saúde.

74

Daqui decorre, nomeadamente, que esse pedido não pode ser indeferido apenas porque se considera automaticamente que a doença de que sofre a irmã do refugiado não é suscetível de criar essa relação de dependência.

75

Mais especificamente, o exame individualizado do pedido deverá ter em conta, de modo equilibrado e razoável, todos os elementos pertinentes da situação pessoal da irmã do refugiado, tais como a sua idade, o seu nível de educação, a sua situação profissional e financeira, bem como o seu estado de saúde. As autoridades nacionais deverão, além disso, ter em conta o facto de a amplitude das necessidades poder ser muito variável consoante os indivíduos (v., neste sentido, Acórdão de4 de março de 2010, Chakroun, C‑578/08, EU:C:2010:117, n.o 48), bem como a situação especial dos refugiados, nomeadamente as dificuldades específicas com que estes se deparam para obter elementos de prova no seu país de origem.

76

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar, tanto quanto possível, o seu direito nacional e, mais especificamente, o artigo 19.o, n.o 4, alínea b), da Lei de 2007, de acordo com estas exigências.

77

Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder às questões submetidas que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro só autorize o reagrupamento familiar da irmã de um refugiado se esta for, por razões de saúde, incapaz de assegurar o seu próprio sustento, desde que:

por um lado, a referida incapacidade seja apreciada tendo em conta a situação especial em que se encontram os refugiados e na sequência de um exame individualizado que tenha em conta todos os elementos pertinentes e,

por outro lado, se possa demonstrar, tendo em conta igualmente a situação especial em que se encontram os refugiados e na sequência de um exame individualizado que tenha em conta todos os elementos pertinentes, que o apoio material da pessoa em causa é efetivamente assegurado pelo refugiado ou que o refugiado se afigura ser o familiar com melhores condições para assegurar o apoio material exigido.

Quanto às despesas

78

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro só autorize o reagrupamento familiar da irmã de um refugiado se esta for, por razões de saúde, incapaz de assegurar o seu próprio sustento, desde que:

 

por um lado, a referida incapacidade seja apreciada tendo em conta a situação especial em que se encontram os refugiados e na sequência de um exame individualizado que tenha em conta todos os elementos pertinentes e,

 

por outro lado, se possa demonstrar, tendo em conta igualmente a situação especial em que se encontram os refugiados e na sequência de um exame individualizado que tenha em conta todos os elementos pertinentes, que o apoio material da pessoa em causa é efetivamente assegurado pelo refugiado ou que o refugiado se afigura ser o familiar com melhores condições para assegurar o apoio material exigido.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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